Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5276/21.7T8SNT-C.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO COLECTIVO
PER
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: Havendo uma decisão que recusou homologar um PER, assim findando a respetiva ação, não há que suspender a impugnação do despedimento coletivo no âmbito de outra ação na qual a R. se veio apresentar novamente ao PER, ação onde aliás se decidiu entretanto nos mesmos termos da primeira, apontando a avaliação efetuada e subjacente à decisão da primeira ação (e a posterior da segunda ação) no sentido de que a revitalização da R. não é viável, não podendo os trabalhadores depender de uma hipotética decisão diversa de um dos planos de revitalização sucessivamente apresentados pela R., já que a natureza dos interesses e a especificidade do regime da impugnação do despedimento coletivo não se compadecem com esta tramitação, e nem esta impugnação - onde não se vê que as trabalhadoras tenham optado desde o princípio pela reintegração -, se reconduz a uma mera ação de cobrança de créditos.
(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Autoras (AA.): AAA, BBB, CCC, DDD e  EEE
R. e recorrente: FFF
Na presente ação de impugnação do despedimento coletivo das AA., a R. requereu a suspensão da ação.
O Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
"Do PER e do Pedido de Suspensão da Instância
Reqº Refª 39680882: Vem a Ré requerer a suspensão da instância nos termos do artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE, porquanto no PER por si instaurado foi nomeado o Administrador Judicial Provisório, e porque as aqui Autoras ali reclamaram os seus créditos.
Cumpre decidir:
Determina o art.º 17.º-E do CIRE que:
1- A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
Verifica-se que a 04 de julho de 2020 a Ré apresentou-se a PER no âmbito do processo nº 8987/20.0T8LSB, Juiz 1, Juízo do Comercio de Sintra, o qual veio a terminar por arquivamento dos autos na sequência da recusa de homologação do plano de recuperação.
Veio então novamente a Ré a 05.08.2021 apresentar novo plano de revitalização, agora no âmbito do processo 11803/21.2T8SNT, Juiz 4, Juízo do Comercio de Sintra onde se encontra a decorrer o prazo para votação do novo plano apresentado.
Entende este Tribunal que o regime do número 1 do artigo 17.º-E do Código de Insolvência e Recuperação de Empresa não é aplicável às ações de impugnação de despedimento colectivo, não apenas por as mesmas não poderem ser qualificadas de ações para cobrança de dívidas do devedor como porque, fundamentalmente, possuem uma natureza jurídica especialíssima e estão reguladas por normas legais, de cariz substantivo e adjetivo. Ou seja, e tal como vem sendo preconizado pela jurisprudência, funcionando o regime do CIRE como regime subsidiário face ao disposto nos artigos 387.º e 388.º do C.T./2009, que consagram um quadro legal especialíssimo no que concerne ao julgamento das impugnações dos despedimentos individuais ou coletivos, afigura-se-nos que a regra do referido n.º 3 do artigo 1.º do C.P.T., por força da incompatibilidade material e formal existente entre um e outro regime, impõe a inaplicabilidade do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE a processos como o dos autos. (vd Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.01.2016, Relator: Desembargador: Eduardo Sapateiro, in www.dgsi.pt).
Pelo exposto, indefere-se o pedido de suspensão da instância formulado pela Requerida. (...)"
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Inconformada, a R., recorreu pedindo a revogação da decisão e conclui:
(…)
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Não se vislumbram contra-alegações.
O MºPº teve vista e pronunciou-se pela improcedência do recurso.
Após a emissão do parecer, as AA. juntaram certidão comprovativa de que entretanto, no processo especial de revitalização n.º 11803/3/21.0T8SNT foi:
a) emitido parecer da administradora judicial provisória concluindo pela situação de insolvência da R.;
b) prolatada sentença de 2.02.2022 que decidiu não homologar o PER; e
c) proferido despacho de 16.02.22 determinando o encerramento do PER
A R. respondeu ao parecer.
Obtidos os vistos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – , se os autos devem ser suspensos.
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Factos pertinentes provados: os descritos supra.
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De Direito
Nos termos do art.º 17-A do CIRE, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, "1 - O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização. 2 - O processo referido no número anterior pode ser utilizado por qualquer empresa que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação e apresente declaração subscrita, há não mais de 30 dias, por contabilista certificado ou por revisor oficial de contas, sempre que a revisão de contas seja legalmente exigida, atestando que não se encontra em situação de insolvência atual, à luz dos critérios previstos no artigo 3.º
3 - O processo especial de revitalização tem caráter urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas no presente código que não sejam incompatíveis com a sua natureza".

O processo especial de revitalização (PER) surge como um processo pré-insolvencial, pretendendo evitar precisamente a insolvência, através de um plano de recuperação em que participam os credores através do seu assentimento ao mesmo, de modo a minimizarem os seus prejuízos. É sabido que "II. As negociações a desenvolver no âmbito do PER devem visar a um plano de recuperação viável e credível, ou seja, exequível. III. Plano que seja aprovado em desconformidade patente ou manifesta com tais pressupostos, é um plano inatendível e insuscetível de ser homologado, nomeadamente por eivado de abuso do direito na perspetiva do seu fim social ou económico" - Ac. do STJ de 27.10.2016
De acordo com o art.º 17.º-E, que disciplina a suspensão das medidas de execução, "1 - A decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º-C" (a nomeação de administrador judicial provisório) "obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade. 2 - A requerimento fundamentado da empresa, de um credor ou do administrador judicial provisório, desde que deduzido no prazo de negociações, o juiz pode, de imediato, prorrogar o prazo de vigência da suspensão prevista no número anterior, por um mês, caso se verifique uma das seguintes situações: a) Tenham ocorrido progressos significativos nas negociações do plano de reestruturação; b) A prorrogação se revele imprescindível para garantir a recuperação da atividade da empresa; ou c) A continuação da suspensão das medidas de execução não prejudique injustamente os direitos ou interesses das partes afetadas. 3 - No decurso do período suplementar de suspensão, determinado nos termos do número anterior, o juiz pode determinar o seu levantamento nos seguintes casos: a) A suspensão deixe de cumprir o objetivo de apoiar as negociações sobre o plano de recuperação; ou b) A pedido da empresa ou do administrador judicial provisório. 4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável a ações executivas para cobrança de créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação. 5 - Caso o juiz nomeie administrador judicial provisório nos termos do n.º 5 do artigo 17.º-C, a empresa fica impedida de praticar atos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161.º, sem que previamente obtenha autorização do administrador judicial provisório para a realização da operação pretendida. 6 - A autorização a que se refere o número anterior deve ser requerida por escrito pela empresa ao administrador judicial provisório e concedida pela mesma forma. 7 - Entre a comunicação da empresa ao administrador judicial provisório e a receção da resposta ao peticionado previstas no número anterior não podem mediar mais de cinco dias, devendo, sempre que possível, recorrer-se a comunicações eletrónicas. 8 - A falta de resposta do administrador judicial provisório ao pedido formulado pela empresa corresponde a declaração de recusa de autorização para a realização do negócio pretendido. 9 - Durante o período de suspensão das medidas de execução, nos termos dos n.º 1 e 2, suspendem-se, igualmente: a) Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência da empresa, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência; b) Os processos de insolvência em que seja requerida a insolvência da empresa; c) Todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pela empresa. 10 - A partir da decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º-C e durante o período de suspensão das medidas de execução a que se referem os n.º 1 e 2, os credores não podem recusar cumprir, resolver, antecipar ou alterar unilateralmente contratos executórios essenciais em prejuízo da empresa, relativamente a dívidas constituídas antes da suspensão, quando o único fundamento seja o não pagamento das mesmas. 11 - Entende-se por contratos executórios essenciais os contratos de execução continuada necessários à continuação do exercício corrente da atividade da empresa, incluindo quaisquer contratos de fornecimento de bens ou serviços cuja suspensão levaria à paralisação da atividade da empresa. 12 - O preço dos bens ou serviços essenciais à atividade da empresa prestados durante o período referido no n.º 10 que não sejam objeto de pagamento é considerado dívida da massa insolvente, em insolvência da mesma empresa, que venha a ser decretada nos dois anos posteriores ao termo do período de suspensão previsto nos n.º 1 e 2, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho, quanto aos serviços públicos essenciais. 13 - É nula a cláusula contratual que atribua ao pedido de abertura de um processo especial de revitalização, à abertura de um processo especial de revitalização, ao pedido de prorrogação da suspensão das medidas de execução ou à sua concessão o valor de uma condição resolutiva do negócio ou confira, nesse caso, à parte contrária um direito de indemnização, de resolução ou de denúncia do contrato".
O que se discute nos autos consiste em saber se cabe aplicar aqui, no processo de impugnação do despedimento coletivo, a suspensão consagrada no citado art.º 17-E do CIRE, entendendo o Tribunal a quo, as AA. e o DM do MºPº que não, e defendendo a R. que sim.
Porém, o simples evoluir da ação tornou em princípio inútil a discussão.
Com efeito, como diz o despacho recorrido, a 04 de julho de 2020 a Ré apresentou-se a PER no âmbito do processo nº 8987/20.0T8LSB, Juiz 1, Juízo do Comercio de Sintra, o qual veio a terminar por arquivamento dos autos na sequência da recusa de homologação do plano de recuperação. Veio então novamente a Ré a 05.08.2021 apresentar novo plano de revitalização, agora no âmbito do processo 11803/21.2T8SNT, Juiz 4, Juízo do Comercio de Sintra.
Em tal processo encontrava-se a decorrer o prazo para votação do novo plano apresentado; entretanto, foi emitido parecer desfavorável da administradora e prolatada decisão que recusou a homologação do plano de revitalização da aqui recorrente Descobrirpress - Serviços Editoriais e Gráficos, SA, e determinado o arquivamento dos autos. Como se diz no acórdão desta Relação de Lisboa de 2.5.2019, no proc. n.º 22193/15.2T8LSB.L1-4, "a suspensão da instância da presente ação também perdeu absoluto interesse, nesta fase processual, dado o arquivamento do PER, sem resultados positivos no que respeita à revitalização/recuperação da empresa". Isto em face do escopo do PER acima mencionado.
Poder-se-á, ainda assim, discutir a relevância do trânsito em julgado de tal decisão, de que não há notícia nos autos (ou melhor, a notícia dada é que tal ainda não se verificou).
Ora, tem-se entendido que o despedimento coletivo é suscetível de ser abrangido no leque de ações declarativas a suspender ao abrigo do disposto no art.º 17-E do CIRE  (veja-se, p. ex., o douto acórdão da Relação de Guimarães de 21.01.2021, no proc. 1446/20.3T8BRG.G1, ainda que não fosse exatamente esta a questão em discussão).
Contudo, importa não perder de vista as especificidades do caso, não apenas o facto de existir um despacho de arquivamento dos autos com decisão que recusou homologar qualquer  medida a titulo de PER, sendo que, aliás, a própria administradora concluiu que a devedora deve ser declarada insolvente, como, incontornavelmente a circunstancia de existir um outro auto de PER - o do proc. n.º  8987/20.0T8LSB - que terminou exatamente nos mesmos termos, sem qualquer medida adotada com vista à recuperação da R.. E, assim, se da segunda se pode discutir o carater definitivo da decisão, da primeira é seguro que tal já é definitivo.
Pronunciou-se doutamente o sr Procurador Geral Adjunto, designadamente nos seguintes termos (referindo-se na introdução deste excerto aos art.º 386 a 388 do Código do Trabalho):
"Tais disposições legais (que devem ser conjugadas, respetivamente, com o regime de índole adjetiva previsto nos artigos 34.° a 40.°-A, 98.°-B a 98.°-P e 156.° a 161.° do C.P.T.) preveem não somente uma providência cautelar própria para obviar aos efeitos jurídicos de um despedimento subjetivo ou objetivo que padeça de ilicitude (suspensão de despedimento) como impõem um meio ou uma forma exclusiva de apreciação da licitude e regularidade de tal despedimento que é ação judicial comum ou especial e adequada ao tipo de cessação do contrato de trabalho em presença (despedimento coletivo ou despedimentos verbais, tácitos, disciplinares, por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação). O regime em questão é, segundo o artigo 339. ° do C.T./2009, absolutamente imperativo, com ressalva das matérias aí excecionadas e que, na ausência de regulamentação coletiva aplicável, não são relevantes no cenário dos autos, sendo que segundo o artigo 389. ° do mesmo diploma legal, a indemnização devida tem fórmulas de cálculo e valores mínimos e máximos legalmente estabelecidos. Ora, a ser assim, não vemos como é juridicamente possível a aplicação, a conflitos derivados da impugnação de despedimentos formais e inequívocos ou informais/tácitos como o dos autos, do regime regulador do processo de revitalização da empresa e que se acha vertido nos artigos 17.°-A a 17.'-1 do CIRE, que coloca nas mãos dos credores do devedor e do administrador judicial provisório a definição do plano de recuperação deste último e, designadamente, da posição relativa dos correspondentes créditos, seu valor e relevância e forma de pagamento, por via de um acordo extrajudicial, que é somente homologado pelo juiz do tribunal do comércio ou equiparado onde correm os respetivos autos (e onde não cabe minimamente a apreciação e declaração da licitude ou ilicitude do despedimento impugnado). Impõe-se realçar que essas ações de impugnação de despedimento estão sujeitas a prazos curtos de caducidade - 6 meses e 60 dias, respetivamente, para os despedimentos coletivos e para os demais (artigos 388.° e 387.° do C.T./2009) - ou de prescrição (artigo 337.°, n.o 1 do mesmo texto legal) que, apesar de não serem de conhecimento oficioso e se mostrarem sujeitos, respetivamente, ao regime dos artigos 328.° a 331% 327.°, n.º 3 e 296.° a 299.° e 300.° e seguintes do Código Civil, não beneficiam, no âmbito do PER de uma norma idêntica à contida no artigo 100.° do CIRE, podendo derivar assim da aplicação do n.º 1 do artigo 17º- E desse mesmo diploma legal, com a inerente extinção da instância de tais ações, consequências gravosas, definitivas e irremediáveis para os direitos dos trabalhadores que as instauraram, traduzidas no esgotamento dos referidos prazos de caducidade ou prescrição e na impossibilidade legal de alguma vez os voltarem a reclamar judicialmente.
Diremos que mesmo no que toca a outros conflitos de natureza laboral, em que os trabalhadores demandantes mantém a sua relação de trabalho com a demandada e em que os créditos salariais -, no mínimo, o seu núcleo duro, como a retribuição -base ou o direito a férias - são irrenunciáveis, nos deparamos com uma condicionante de peso relativamente a qualquer acordo com os mesmos, que passe pela definição de um plano de recuperação da empresa que coloque, de alguma forma, em questão o seu reconhecimento e pagamento.
Importa aliás relembrar que os créditos de índole laboral possuem características muito específicas - nomeadamente, de índole alimentar, por constituírem, as mais das vezes, a única fonte de rendimento dos trabalhadores e da sua família -, que levaram o legislador a protegê­-los de uma forma reforçada, conforme resulta, entre outras, das regras dos artigos 102. °, 104. °, 105. ° a 109. °, 127. ° a 129. ° (na parte aplicável), 258. ° a 280. °, 323. ° a 327. ° e 333. ° a 336. ° do C.T./2009.
O quadro que muito sinteticamente deixámos delineado, ainda que não obste ou impeça, à partida e em tese, a aplicação do regime dos artigos 17.°-A a 17.'-1 do CIRE aos trabalhadores e ex-trabalhadores da empresa devedora e visada pelo PER, importa um conjunto de proibições e restrições de cariz legal que dificilmente se podem conciliar, na teoria e na prática, com o cariz agilizado, extrajudicial e economicista do plano de revitalização e com o débil controlo judicial que sobre o acordo obtido entre credores, devedor e administrador judicial provisório é reclamado pelo Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.
Importa assim recordar aqui a norma especial e verdadeira charneira do direito processual do trabalho que é a contida no n.º3 do artigo 1.° do C.P.T., que estatui o seguinte: «as normas subsidiárias não se aplicam quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste Código».
Ora, funcionando o regime do CIRE como regime subsidiário nesta matéria do Processo Especial de Revitalização (PER) e confrontando-nos nós com as normas acima transcritas dos artigos 387.° e 388.° do C.T./2009, que consagram um quadro legal especialíssimo no que concerne ao julgamento das impugnações dos despedimentos individuais ou coletivos, afigura-se-nos que a regra do referido n.º 3 do artigo 1.º do C.P.T., por força da incompatibilidade material e formal existente entre um e outro regime, impõe a inaplicabilidade do n.º 1 do artigo 17.°-E do CIRE a processos como o dos autos" (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/01/2016,, processo: 213/14.8TTFUN-4)."
A especialidade do regime de impugnação do despedimento coletivo é questão pertinente, bem como a natureza dos interesses protegidos.
Acresce que, como se tem entendido, se o trabalhador não declara logo no inicio da ação de impugnação do despedimento coletivo que opta pela indemnização em lugar da reintegração, é difícil poder afirmar-se razoavelmente que se trata de mera ação de cobrança de dividas, que possa e deva encontrar adequada satisfação no PER. E notar-se-á ainda que a consequência típica da declaração de ilicitude do despedimento é precisamente a reintegração do trabalhador, não passando a indemnização de um sucedâneo para quando o mesmo avalia ser, pelo menos, inconveniente, tentar prosseguir a relação laboral como se a crise não houvesse existido, como decorre do disposto nos art.º 389/1/b e 391 do CT (sobre a jurisprudência referida, por todos cfr. o Relação de Lisboa 12.10.2016, proc 2477/15.0T8FNC.L1-4: "I - A acção de impugnação de despedimento colectivo, porque comporta o pedido de pagamento de prestações pecuniárias (pelo menos as retribuições vencidas desde o despedimento, devidas se a impugnação proceder) pode ser considerada uma acção de cobrança de dívidas, mas é mais do que isso na medida em que comporta também o pedido de reintegração, que, ainda que tenha também inequivocamente um valor patrimonial, envolve, mais do que o valor da retribuição, um valor de natureza não patrimonial que representa para o trabalhador a prestação de trabalho em si, como meio de realização pessoal. II - Daí que, só se o(s) trabalhador(es) despedido(s) optar(em) desde o início pela indemnização em substituição da reintegração a acção de impugnação de despedimento se reconduz apenas a uma acção de cobrança de dívida para os efeitos previstos no art. 17º-E nº 1 do CIRE. III - Não tendo sido feita essa opção, não tem aplicação o preceituado pelo referido art. 17º-E nº 1."
Atente-se, ainda, que a evolução do n.º 1 art.º 17-E. Com efeito, com a revisão da Lei n.º 9/2022, de 11/01, este n.º 1 passou a dispor que "A decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações executivas", sendo que até então sempre referira que tal "obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas"; ou seja, há um percurso da lei no sentido da redução do seu âmbito de aplicação, ainda que, quanto à suspensão, o teor da norma se mantenha.
Em suma, no processo 18803/21.2T8SNT há uma decisão que recusou homologar o PER, não há lugar à suspensão da ação de impugnação do despedimento coletivo; mas ainda que se entendesse não ser esse o caso por a decisão não ter transitado, a existência de uma outra ação (a do processo n.º 8987/20.0T8LSB) com uma decisão firme nesse sentido prejudica a pretensão da R., tanto mais que mostra que a avaliação efetuada aponta no sentido da inviabilidade da revitalização, não podendo os trabalhadores depender de uma hipotética decisão diversa num dos planos sucessivamente apresentados pela R., já que a natureza dos interesses e a especificidade do regime da impugnação do despedimento coletivo não se compadecem com esta tramitação, e nem se trata meramente de uma cobrança de créditos.
Assim, e necessariamente, o recurso improcede.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso improcedente e confirma a decisão recorrida.
Custas pela recorrente

Lisboa, 11 de maio de 2022
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega
Decisão Texto Integral: