Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5893/06.5TBVFX.L1-7
Relator: DINA MONTEIRO
Descritores: MENOR
DIREITO DE VISITA
AVÓS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/01/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: 1. O disposto no citado artigo 1887.º-A contempla expressamente o direito dos avós às relações pessoais com os seus netos, direito esse que apenas pode ser derrogado no caso de existirem razões justificativas que impeçam o exercício de tal direito.

2. E essas razões, tal como se pode aferir pela própria redacção da lei e de acordo com o ónus da prova que da mesma decorre, têm de ser invocadas e provadas por quem entende que das mesmas deve beneficiar, no presente caso, os pais da menor.

3. É certo que o amor e a criação de laços afectivos não se pode impor por decisão do Tribunal, mas não é menos certo que, sem conhecimento e convívio entre as pessoas, esses sentimentos também não se poderão desenvolver. Há que criar oportunidades e deixar que os relacionamentos sigam o seu destino. Essa é a leitura que se realiza do citado artigo 1887.º-A do Código Civil.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

A e B, na qualidade de avós paternos da menor C, instauraram acção tutelar cível, com processo especial, de fixação de visitas da neta àqueles, contra D e E, pais da menor, pedindo que a fixação do regime de visitas fosse efectuado nos seguintes termos:

- Que C passe com eles um Domingo por mas, das 10 às 19:30, indo recolher e entregá-la a casa dos Requeridos.
- Que passe com eles o dia dos aniversários destes ou pelo menos duas horas.
- Que passe com eles uma semana nas férias de Verão.
- Que passe com eles outros períodos, mediante autorização dos Requeridos.
- Que mantenha com eles contacto telefónico, ao menos uma vez por semana.

Para o efeito alegaram que são pais do Requerido D, tendo em Outubro de 2006, 68 e 67 anos de idade. São pessoas honestas e trabalhadoras, com condições habitacionais. D e E moraram em casa deles ate 1990, altura em que cortaram relações com eles. Ao longo destes anos têm tentado diversas reaproximações com os Requeridos, sempre infrutiferamente, por vontade destes. Sempre foram tendo notícias da neta, através de outros parentes. A menor C não tem qualquer convívio - descontado o Requerido - com a família paterna, desconhecendo os Requerentes.

Em 2005, numa tentativa de aproximação por parte dos Requerentes, o Requerido escreveu-lhes para que não se aproximassem da menor C. Por fim, referem que a falta de ligação à família paterna colide com o são e normal desenvolvimento da menor. Concluem, assim, pelo provimento da sua pretensão, com base no disposto no artigo 1887.°-A do Código Civil.

Após realização de uma conferência entre Requerentes e Requeridos, em que não foi possível obter acordo, as partes apresentaram as suas alegações.

Os Requerentes reafirmaram o seu pedido de fixação de visitas à menor, pedindo desde logo a fixação de um regime provisório de visitas nas instalações e com o acompanhamento da segurança social. Os Requeridos manifestaram-se terminantemente contra quaisquer convívios da menor com os avós tendo para o efeito invocado razões que se prendiam com o mau relacionamento que se gerou entre ambos os casais.
Em Audiência de Discussão e Julgamento o Tribunal ouviu a menor C tendo sido fixada a matéria de facto dada como provada e proferido sentença que julgou a pretensão dos Requerentes improcedente, não tendo fixado um regime de visitas da menor aos mesmos.
Inconformados com o assim decidido, os Requerentes interpuseram recurso de Apelação desta decisão no âmbito do qual formularam as seguintes conclusões:

1. Vem o presente Recurso de Apelação intentado da Sentença que decidiu indeferir a pretensão ao estabelecimento de um regime de visitas entre os R.tes e a neta C, em violação do disposto no artigo 1887.°-A do Código Civil (CC), artigo aditado à nossa Lei Civil em 1995, com a entrada em vigor da Lei n.° 84/95, de 31 de Agosto: Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes.

2. O artigo 1887.°-A do CC veio introduzir um limite ao exercício do poder paternal, uma vez que vem proibir que os Pais de forma injustificada proíbam o relacionamento entre os seus Filhos e Irmãos ou Avós, ou seja, a Lei vem tutelar não só o direito dos Filhos, mas também o direito dos Irmãos e dos Avós a com estes conviverem, a transmitirem-lhes afecto, carinho, conhecimento, valores e tradições da própria família no fundo, ao convívio com o Menor.

3. Conforme referem Rosa Martins e Paula Távora Vítor, in O Cuidado como Valor Jurídico, na página 212, no artigo A propósito do "Direito de Visita" dos Avós no contexto português – Algumas reflexões acerca do seu fundamento e natureza jurídica: (...) subjacente às opções do legislador relativas aos efeitos do parentesco não se encontra uma neutra consideração das relações de sangue, mas sim a existência de "laços especiais de solidariedade", de uma particular realidade sócio-afectiva. E foi, precisamente, esta realidade, neste caso as relações de afecto que comummente se estabelecem entre avós e netos, que o legislador pressupôs na consagração do art. 1887°-A, Cciv (...)

4. No processo sub judice os Pais fundam a sua recusa no facto de terem cortado relações com os Avós da Menor, nada de concreto com os Avós alegando e, conforme resulta da própria sentença (a fls. 114), a alegada expulsão e a subsequente indigência sofrida pelos R.dos não lograram comprovação, ou seja, a oposição funda-se apenas e unicamente o facto de pretenderem proibir este convívio, por mero capricho.

5. A entrada em vigor do artigo 1887.°-A do CC, limitando expressamente o exercício do poder paternal, veio proibir este tipo de comportamento dos Pais, de impedimento sem qualquer justificação, quando é deles o ónus da prova.

6. A relação do menor com os avós (...) não deve ser deixada ao capricho e discricionariedade dos pais. O mero facto de os pais não desejarem a relação do filho com os ascendentes (...) e da conflitualidade entre os pais e estes, não é razão para o Tribunal negar o direito de visita. Os pais têm o dever, e não meramente uma obrigação moral, de respeitar o menor como pessoa, o que engloba o respeito pelas suas relações afectivas e pelo seu direito de conhecer ambos os lados da família (cfr. Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divorcio, 4.a Edição – Revista, Aumentada e Actualizada, na página 133).

7. O mesmo entendimento resulta da Jurisprudência, nomeadamente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03 de Março de 1998, de acordo com o qual:

I– O art. 1887.°-A do Cód. Civil, aditado pela Lei n.° 84/95, de 31-8, consagrou não só o direito do menor ao convívio com os avós, como reconheceu, também, um direito destes ao convívio com o neto, que poderá designar-se por "direito de visitas".

II – Em caso de conflito entre os pais e os avós do menor, o interesse deste ultimo será o critério decisivo para que seja concedido ou denegado o "direito de visita".

III – Presumindo a lei que a ligação entre os avós e o menor é benéfica para este, incumbirá aos pais (...) a prova de que, no caso concreto, esse relacionamento ser-lhe-á prejudicial.

IV – Se o progenitor detentor do poder paternal impedir injustificadamente o normal relacionamento da menor com os avós, têm estes, invocando o citado preceito, legitimidade para intervir no processo de regulação do exercício do poder paternal, a fim de obterem a regulamentação do seu direito de visita (STJ, 3-3-1998: CJ/STJ, 1998, 1.0- 119, e BMJ, 475. °-705. °). (cfr. Abílio Neto, in Código Civil Anotado, 13.a Edição Actualizada, 2001, na pagina 1559.

8. Entende ainda o Tribunal a quo que a posição manifestada pelos Pais não é considerada como privação injustificada de relacionamento entre a sua Filha e os Avós em virtude deste relacionamento ser nulo, pelo que a ausência não será entendida como privação, porque nunca existiu, quando, na verdade, a sua inexistência se deveu unicamente a proibição por parte dos Pais.

9. Verificou-se e verifica-se, uma privação do convívio desde o nascimento da Menor, que consubstancia, naturalmente, uma privação, e cai no âmbito da previsão do artigo 1887.°-A do CC, sob pena do artigo do CC ficar desprovido de conteúdo em situações como a dos presentes autos.

10. Da sentença recorrida não resulta provada a alegada expulsão e a subsequente indigência sofrida pelos R. dos (fls. 114), não estando provada a justificação em que os pais fundamentam a sua oposição às visitas entre a sua Filha e os Avós Paternos.

11. Relativamente aos Avós resulta provado da sentença que possuem boa situação económica, condições habitacionais e desde a ruptura com os R. dos têm tentado obter notícias da menor (fls. 113); que os Avós são pessoas com qualidades para exercer adequadamente as funções de avós e manifestaram (à distância) desde o nascimento da menor interesse pela mesma e pela reaproximação à respectiva família (fls. 115); que nunca existiu qualquer conflito entre a Neta e os seus Avós Paternos, a fls. 115: seguro é que entre aqueles e esta não existiu qualquer conflito, qualquer ocorrência que fundamente a recusa de C em razões pessoais.

12. Existindo conflito entre os Pais e os Avós do Menor o critério fundamental para determinar se deverá conceder-se ou não Direito de Visita aos Avós é o interesse do Menor, conforme refere Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divorcio, 4.a Edição – Revista, Aumentada e Actualizada, na página 37:0 interesse do menor, como vimos, é um conceito indeterminado e que deve ser concretizado pelo juiz de acordo com as orientações legais sobre o conteúdo do poder paternal. a) a segurança e saúde do menor, o seu sustento, educação e autonomia (art. 1878.°); b) o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos (art. 1885, n.° 1); c) a opinião do filho (art. 1878.°. n.° 2; art. 1901.°, n.° 1).

13. Assim, sendo deferida a pretensão dos Recorrentes a Menor estará em segurança e verá salvaguardada a sua saúde, sendo que os Avós poderão com as condições que dispõem ajudar no seu sustento, educação e autonomia, ou mesmo o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral.

14. Do supra exposto resulta que, face aos elementos constantes dos presentes autos, o Direito de Visitas dos Avós não verá sobreposto o interesse da sua Neta pois, na verdade, não se encontra o mesmo em risco.

15. Quanto à vontade do Menor importa, desde logo, referir que a sua consideração depende de vários factores, sendo que nos presentes autos a Menor foi ouvida, recusando-se a manter contactos com os Avós, no entanto, e da própria sentença (a fls. 115) resulta que não se encontra explicação para a resistência tão intransigente da menor senão na incorporação das dores e queixas dos progenitores relativamente aos R. tes.

16. Assim, a vontade da Menor não poderá considerar-se como tendo sido livre de qualquer pressão, e anormal seria se uma criança que nunca conviveu com os Avós, e que dos mesmos apenas sabe aquilo que os Pais lhe relatam, viesse a Tribunal expressar a sua vontade em conviver com os mesmos.

17. Assim, concluímos como conclui Maria Clara Sottomayor, in Estudos e Monografias, Exercício do Poder Paternal, na página 119: Em conclusão, achamos criticável que a lei considere a preferência da criança vinculativa para o juiz. Entendemos antes, que esta deve ser valorada de acordo com as circunstâncias do caso concreto e com base no discernimento do juiz e dos peritos que eventualmente tenham participado no processo. Trata-se apenas de um factor a ser ponderado juntamente com outros (...). O juiz, uma vez manifestada a preferência, não está vinculado a segui-la, conservando o poder de apreciar o interesse da criança e podendo impor a esta uma decisão mesmo contra a sua vontade.
18. Face ao supra exposto, nomeadamente ao direito dos Avós plasmado no artigo 1887.°-A do CC, à ausência de justificação por parte dos Pais, e ainda pelo facto de o interesse do Menor não dispor em sentido contrário, concluímos que outra deveria ter sido a decisão do Tribunal a quo, devendo, em conformidade ser deferida a pretensão dos ora Recorrentes de atribuição de Direito de Visita à sua neta.
19. É o que se impõe e o que se requer.
Concluem, assim, pelo provimento do recurso com a consequente revogação da sentença proferida e pela sua substituição por acórdão que fixe o seguinte regime de visitas
a) Que a neta passe com os Recorrentes um fim-de-semana por mês ou, pelo menos, um Domingo por mês;
b) E que a neta passe com os Recorrentes o dia de aniversário destes ou, pelo menor, duas horas;
c) E que a neta passe com os ora Recorrentes uma semana nas férias de verão;
d) E que a neta passe com os Recorrentes outros períodos, mediante autorização dos Requeridos;
e) E que a neta mantenha com os Recorrentes, pelo menos uma vez por semana, contacto telefónico.
O Ministério Público apresentou contra alegações em que defende a manutenção da decisão proferida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. FACTOS PROVADOS

1. C nasceu em 24 de Dezembro de 1995.

2. C é filha de D e de E, agora Requeridos.

3. D ó filho dos Requerentes.

4. D casou com E em 20 de Novembro de 1991.

5. Até 1991 os Requeridos viveram em casa dos Requerentes. No início desse ano, na sequência de divergência entre eles, estes saíram abandonaram a casa. Desde então não mantiveram relacionamento uns com os outros.

6. Os Requerentes têm boa situação económica, condições habitacionais e desde a ruptura com os Requeridos têm tentado obter notícias da menor a reaproximação a estes. Que a recusaram sempre e que manifestam profunda repulsa a tal hipótese.

7. Os Requeridos opuseram-se às diversas tentativas de aproximação dos Requerentes. E sempre recusaram qualquer contacto entre estes e a menor. E mantêm tal postura. São empresários.

8. C sabe da existência dos avós. Não os conhece, nunca tendo estado com eles. Sabe da ruptura ocorrida entre os pais e os avós. Não tem contactos com os parentes da família paterna. É estudante aplicada, mantém bom relacionamento e ligação de afecto com os pais, é jovem equilibrada e com facilidade de relacionamento. Manifestou-se contra a possibilidade de alterar a actual situação, recusando passar a manter contactos - ainda que mínimos - com os Requerentes.

9. Em Abril de 2005 os Requerentes receberam carta de il. advogado com o seguinte teor: “(,..) nosso constituinte (..,) não pretende qualquer contacto com V, Exas (..) em seu nome, desde já agradecemos que evitem ir ao seu encontro, ou da sua esposa e filha, na área da sua residência, ou em qualquer outro local. Caso não observem o nosso pedido, seremos forçados a outro tipo de medidas (...)".


III. FUNDAMENTAÇÃO

A questão submetida à apreciação deste Tribunal de recurso cinge-se, no fundo, à interpretação do artigo 1887.º-A, do Código Civil e à sua aplicação ao caso dos autos.

Dispõe este preceito legal que: “Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes”.

Sendo certo que não está em causa o conteúdo do poder paternal, nos termos em que o mesmo é estruturado face ao disposto no artigo 1878.º, n.º 1, do Código Civil, e que no presente caso este exercício está atribuído aos pais da menor C, actualmente com catorze anos de idade, não menos certo é que, para a resolução deste recurso, é necessário analisar o conteúdo dos direitos não só da menor, como também o dos seus avós paternos, num plano de paridade. Em ambos os casos estamos perante direitos pessoais decorrendo, de tal afirmação, a sua irrenunciabilidade e a sua intransmissibilidade (neste sentido, entre outros, “O Direito dos Avós às Relações Pessoais com os Netos na Jurisprudência Recente”, Rosa Martins e Paula Távora Vítor, na Revista Julgar, n.º 10, pág. 69, Coimbra, 2010).

O disposto no citado artigo 1887.º-A contempla expressamente o direito dos avós às relações pessoais com os seus netos, direito esse que apenas pode ser derrogado no caso de existirem razões justificativas que impeçam o exercício de tal direito.

E essas razões, tal como se pode aferir pela própria redacção da lei e de acordo com o ónus da prova que da mesma decorre, têm de ser invocadas e provadas por quem entende que das mesmas deve beneficiar, no presente caso, os pais da menor C.
Da matéria de facto dada como provada não resulta provado qualquer facto que possa fundamentar uma causa justificativa do não estabelecimento do direito dos avós a manterem relações pessoais com a sua neta C. Conforme decorre da própria sentença em apreciação, o que se verifica é a total ausência de convívio entre avós e neta, a impossibilidade dos primeiros de conhecerem a neta, por imposição dos pais da menor (filho e nora dos Requerentes, respectivamente) e a colagem de posição da menor à posição dos seus pais, de quem detém a única informação conhecida sobre a forma como se passaram os factos que levaram à ruptura de relações entre os seus avós paternos e os seus pais.

Tem-se como presente que a menor está num período de crescimento em que a sua vontade tem um peso a considerar e que a imposição de regras de conduta que não sejam pela mesma compreendidas podem surtir um efeito negativo e completamente distinto daquele que se pretende com o estabelecimento de relacionamentos entre familiares. Porém, não pode o Tribunal esquecer que os direitos dos avós caminham em paralelo com os direitos dos menores e que só devem ceder a estes últimos em casos que mereçam a qualificação de factos justificativos de tal proibição, conforme acima já se deixou expresso, sob pena de total subversão do sistema.

Com efeito, como pode a menor avaliar correctamente a situação que levou ao corte de relacionamento entre os seus avós e os seus pais se apenas conhece a versão destes últimos? E porque deve a mesma ser envolvida nesse conflito, que não viveu, não conheceu de perto, e que não tem por fundamento a sua própria existência?

Independentemente da questão de se saber se é ou não benéfico, sob o ponto de vista humano e de formação do carácter para qualquer menor, o conhecimento e a aproximação com os seus familiares, enquanto complemento do seu património hereditário, a verdade é que há uma outra questão, esta de ordem jurídica, que não pode ser afastada.

É certo que o amor e a criação de laços afectivos não se pode impor por decisão do Tribunal, mas não é menos certo que, sem conhecimento e convívio entre as pessoas, esses sentimentos também não se poderão desenvolver. Há que criar oportunidades e deixar que os relacionamentos sigam o seu destino. Essa é a leitura que se realiza do citado artigo 1887.º-A e com o qual estamos em perfeita sintonia, razão pela qual, entendemos que se impõe a alteração da decisão em apreciação.

Com efeito, se deveria ser, em primeira linha, aos pais que competiria o desenvolvimento dos laços afectivos entre avós e netos, quando se verifica que os progenitores não cumprem com essa sua obrigação de fortalecimento de laços familiares, incumbe ao Tribunal suprir essa falha tanto mais que, como no caso em apreço, não se verifica qualquer razão que impunha a manutenção desta ausência de contactos, para além da posição de intolerância assumida pelos dos pais da menor e que esta última assume por razões que, possivelmente, se ligarão a uma solidariedade parental já que, para além dessa, não são conhecidas quaisquer outras razões objectivas para esse comportamento.

Com o que se deixa expresso não queremos afirmar que as visitas entre avós e neta devam ser imediatamente fixadas nos termos em que foram requeridas, sob pena de se poder criar um clima de revolta e de negação por parte da menor, próprios da adolescência, mormente quando essa altura da vida é marcada pela existência de progenitores intransigentes no estabelecimento de tais visitas. Há que criar um espaço para que outros sentimentos possam afluir, quer no que se reporta à C, quer aos seus pais, e ter presente que a finalidade da lei é que as visitas se cumpram enquanto meio de realização e crescimento da própria identidade da menor. Esta, recusando ou não o estabelecimento de tais visitas, não altera a realidade que lhe é preexistente e com a qual terá de lidar durante toda a sua existência: os seus avós paternos são os Requerentes!

Por outro lado, o esforço que os Requerentes vêm realizando durante anos, mais concretamente desde o nascimento da C, apesar de todos os obstáculos que lhe têm sido colocados pelos Requeridos, demonstram o seu amor incondicional pela neta, sentimento com que esta, mais tarde ou mais cedo, terá de se confrontar.

Atendendo à delicadeza da situação familiar que acima se deixou retratada, bem como à idade da C, que vai fazer quinze anos em Dezembro próximo, e à idade dos próprios avós paternos, entende-se como razoável fixar um regime de visitas quinzenal, com a duração de duas horas, que deverá contar com a presença de técnico social, por forma a ajudar no estabelecimento de relações familiares gratificantes entre as partes. Estas visitas deverão ocorrer em dia e hora acordado entre os avós paternos, a C, os pais desta e o assistente social, em espaço destinado pelo Instituto de Solidariedade Social, entidade a que deve ser também solicitado a elaboração de relatórios trimestrais de acompanhamento destas visitas, bem como sugestões técnicas no sentido destas mesmas visitas passarem a desenvolver-se de forma autónoma.

Para a efectivação do acima determinado deverá o Senhor Juiz de 1.ª Instância providenciar pela realização de uma Conferência, com a presença de todos os intervenientes ali referidos, devendo os pais da menor, no cumprimento das suas obrigações decorrentes do exercício do poder paternal e no âmbito do seu poder-dever de educação da menor, facilitar a concretização dessas mesmas visitas.


IV. DECISÃO

Face ao exposto, considerando procedente a Apelação, revoga-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância que é substituída pela que se passa a indicar:

- Fixa-se um regime quinzenal de visitas entre os avós paternos e a menor C, com a duração de duas horas, e que terão lugar em espaço destinado pelo Instituto de Solidariedade Social e com a presença de técnico desta Instituição. Este técnico elaborará relatórios trimestrais, a serem enviados ao Tribunal de 1.ª Instância, com vista ao estabelecimento de visitas autónomas entre estes familiares.

- Para a fixação de dia e hora destas visitas, o Senhor Juiz de 1.ª Instância providenciará pela realização de uma Conferência, com a presença dos avós paternos, da menor C, dos pais desta e do assistente social, previamente indicado pelo Instituto de Solidariedade Social.

Custas pelos Requeridos.

Lisboa, 01 de Junho de 2010

Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
Cristina Coelho