Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3520/06.0TVLSB-A.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
DECAIMENTO
PROPORÇÃO
CÁLCULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. No processo especial de prestação de contas,  o valor de referência – para efeitos de cálculo do decaimento das partes – não decorre nem do teor da petição nem sequer do valor da ação.
II. O valor de referência, para efeitos de cálculo do decaimento, decorre do saldo favorável a uma das partes, quer este seja apresentado pelo réu (Artigo 942º, nº1, do Código de Processo Civil) quer seja apresentado pelo autor (Artigo 943º, nº1, do Código de Processo Civil).  O valor do saldo final fixado pelo tribunal constitui o segundo parâmetro de aferição do decaimento.
III. Tendo os autores apresentado contas nos termos das quais se arrogaram um saldo a si favorável de € 752.912,92, mas vindo a transitar acórdão nos termos do qual o saldo favorável aos autores é apenas de € 53.756,8, verifica-se que os autores decaíram em 92,87% e os Réus decaíram apenas em 7,13%. As contas dos autores estavam erradas em 92,87%, proporção do seu decaimento no caso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
DD e AA intentaram ação de prestação de contas contra EE e CC.
O valor da causa indicado na petição inicial foi de € 14.964,95 (fls. 24). Por decisão de 12.11.2014, o valor da causa foi fixado em € 752.912,92 (fls. 1331-1350 do processo).
Foi proferida sentença que julgou improcedente a ação quanto à prestação de contas pelos arrendamentos e pela guarda de objetos, sendo julgado procedente o pedido relativo à prestação de contas referente à movimentação das contas bancárias.
 Dessa sentença apelaram ambas as partes, vindo este Tribunal da Relação a revogar parcialmente a decisão, condenando os Réus a prestar contas relativamente aos arrendamentos das frações do prédio sito na Rua (…), em Lisboa, sendo a 1ª Ré quanto ao período de janeiro de 1979 a março de 2004 e a 2ª Ré quanto ao período de dezembro de 1999 a março de 2004. Foi decidido ainda que: quanto à movimentação das contas bancárias apenas a 1ª Ré tinha obrigação de prestar contas, tendo a 2ª Ré sido absolvida desse pedido; a 2ª Ré deveria prestar contas quanto às declarações de IRS desde janeiro de 1979 a março de 2004.
Regressados os autos à 1ª instância, foi determinada a notificação dos Réus para prestarem contas, o que não fizeram, sendo os Autores notificados para o fazer, nos termos do Artigo 1015º, nº1, do Código de Processo Civil. Os Autores apresentaram contas, concluindo pela existência de um saldo a seu favor de € 752.912,92 (fls. 43).
Em 9.3.2017, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«A) Julgamos justificadas as receitas e o saldo a favor dos Autores provenientes dos rendimentos de arrendamentos no valor total de € 167.919,89;
B) Julgamos verificados movimentos de débito e o saldo a favor dos Autores, relativos à administração das contas bancárias, no valor de € 246.402,88;
C) Julgamos justificadas receitas e despesas relativas a pagamento e reembolsos de IRS, como salvo a favor da 2ª Ré, no valor de € 2.262,26;
D) Condenamos a 1ª Ré no pagamento aos Autores das quantias mencionadas em A) e B), acrescida de juros vincendos até integral pagamento;
E) Condenamos a 2ª Ré no pagamento, solidariamente, com a 2ª Ré, do valor de € 53.612,66, mas deduzido do valor de € 2.261,25 mencionado na alínea C), integrado o saldo mencionado em A), relativo aos rendimentos provenientes de rendas recebidas a partir de dezembro de 1999 a março de 2004, em ambos os casos acrescidos de juros vincendos;
F) Absolvemos as Rés dos demais pedidos» (fls. 69 v.).
De tal decisão foi interposta apelação, vindo este Tribunal da Relação a proferir acórdão, em 5.7.2018, com o seguinte dispositivo:
«b) Julgar justificadas receitas e o saldo a favor dos autores, provenientes dos rendimentos de subarrendamentos, no valor total de € 56.517,15;)
c) Julgar justificadas despesas relativas a pagamentos alusivos a contribuição predial da fração F, com o saldo a favor da 1ª Ré no valor de € 499;
d) Julgar justificadas receitas e despesas relativas a pagamentos e reembolsos de IRS, como saldo a favor da 2ª Ré no valor de € 2.261,25;
e) Condenar a 1ª ré no pagamento aos autores da quantia de € 38.612,13, com referência ao saldo indicado em b), deduzido da quantia referida em c);
f) Condenar a 2ª Ré no pagamento aos autores da quantia de € 15.144,68, com referência ao saldo indicado em b) e deduzida a quantia referida em d);
e) Sobre essas quantias incidirão os juros de mora que se vencerem desde o trânsito em julgado desta decisão, à taxa legal, até integral pagamento;
f) No mais, absolve-se as rés do pedido contra si formulado» (fls. 129 v.).
Em 23.4.2019, os Autores apresentaram reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte dos réus (de 1.4.2019), concluindo assim:
«Face ao exposto, requer-se a V. Exa. se digne admitir e declarar inteiramente procedente a presente reclamação e, em consequência:
i) Declarar improcedente a pretensão das Réus a custas de parte, expressa na referida nota, por as mesmas serem, para todos os efeitos, a parte vencida nestes autos, e não a parte vencedora, nos termos do artigo 533º, nº1, do Código de Processo Civil;
Caso assim se não entenda, o que se concebe sem nunca conceder;
ii) Deverão ser julgados injustificados os valores apresentados pelas Réus, devendo as mesmas ser notificadas para comprovar as quantias indicadas a título de taxas de justiça pagas, e para indicar o valor das quantias pagas título de honorários de mandatário» fls. 30).
Em 23.4.2019, os Réus apresentaram reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de partes dos Autores, concluindo assim:
«Nestes termos e nos melhores de Direito:
a) A nota de custas de parte dos AA. deve ser declarada inexequível, porque as RR. não foram interpeladas, nos termos do disposto no n° 1 do Art.° 25 do Reg.Custas Processuais e no n° 1 do Art. 31° da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril.
Subsidiariamente, à cautela e sem prescindir.
b) A nota de custas de parte dos AA. deverá ser declarada nula e de nenhum efeito, com todas as devidas e legais consequências, por ser ininteligível.
Subsidiariamente. à cautela e sem prescindir.
c) Quanto muito e sem conceder, a nota discriminativa e justificativa das custas de parte em análise deverá ser reduzida para 7,14% do valor total indicado pelos AA., ou seja, € 383,53 (€ 5.371,65 x 7,14 %).
Acresce que, e sem prescindir.
d) Os AA. devem ser condenados como litigantes de má-fé, numa multa a favor do tribunal e numa indemnização a favor das RR., que deverá ser fixada nos termos acima descritos, por terem dado origem ao presente incidente processual de reclamação quando sabiam perfeitamente que as RR. não decaíram em 100%» (Fls. 35).
Em 28.10.2019, a Escrivã de Direito lavrou o “Termo” de fls. 134, consistente em «Informação (Art. 33º nº4 da Portaria nº 419-A/2009 de 17.4.2009)».
Em 23.12.2019, foi proferido o seguinte despacho [impugnado]:
«Considerando o que é exposto na informação de fls.3044 e 3045, designadamente no que diz respeito às taxas de justiça pagas pelas partes, as notas de custas de partes deverão ser corrigidas em conformidade, pois os valores não são coincidentes.
No que diz respeito ao decaimento, o mesmo será calculado considerando o valor da causa que foi fixado (€752.912,92) por decisão que transitou em julgado, sendo certo que as partes foram condenadas (ambas) no pagamento das custas na proporção desse decaimento.
Assim, julgo em parte procedente a reclamação, determinando que as partes em dez dias apresentem as notas devidamente corrigidas, em conformidade com que aqui se decidiu.
Notifique» (Fls. 138 v.).
Os autores formularam o requerimento de fls. 139-141 em que concluem peticionando: «Requerer a V. Exa, nos termos dos artigos 613º, nº3 e 614º, nº1, ambos do Código de Processo Civil , que, face à supra identificada inexatidão por omissão, seja corrigido o despacho proferido em 23.12.2019(…), nomeadamente identificando-se a) qual a concreta reclamação que foi objeto da decisão no sentido de julgar “em parte procedente a reclamação”, e b) qual a efetiva proporção/percentagem de decaimento que o doutro Tribunal entende ser imputável a cada uma das partes nos presentes autos».
Em 6.5.2020, foi proferido o seguinte despacho:
«Para que não restem dúvidas, esclarece-se o seguinte:
No âmbito dos presentes autos, vieram Isabel e AA instaurar ação de prestação de contas contra Eneida Pereira e Graça Pereira.
As rés contestaram, mas por Acórdão da Relação de Lisboa de 23.010.2012, foram as rés condenadas a prestar contas aos AA.
As RR não o fizeram e os AA foram notificados para esse efeito, concluindo por um saldo positivo a seu favor de €752.912,92 devido pela 1a ré e de €50.160,16 devido pela 2a ré, pedindo a sua condenação.
Por Acórdão da Relação de Lisboa de 5.07.2018, foi a 1a ré condenada a pagar a quantia de €38.612,13 e a 2a a quantia de €15.144,68, ambas acrescidas de juros de mora, tendo sido absolvidas do restante pedido.
Foram, então, as partes condenadas no pagamento das custas na proporção do seu decaimento.
O STJ confirmou esta decisão.
O valor da causa foi fixado em €752.912,92, ninguém o contestou e ninguém o contesta.
 O valor de decaimento tem necessariamente de ser calculado em função do valor da ação e do valor que constitui a diferença entre o que foi pedido e aquele em que as rés foram condenadas.
Como bem esclarece o Acórdão da Relação de Lisboa de 7.02.2019:
“É preciso compreender em que consiste o Princípio da Causalidade.
Como esclareceu o Ac. Do STJ de 18/11/1976 (BMJ 261-153) “...paga as custas a parte que lhe deu causa, isto é, que pleiteia sem fundamento, que carece de razão no pedido formulado, que, em suma, que exerce no processo uma atividade injustificada”. Antunes Varela (RLJ ano 126, pág. 372) disse que “.o grande princípio da responsabilidade por custas é o de que as deve pagar a parte vencida, por ser ela quem deu causa à ação.”. Significa isto que para o legislador, o princípio da causalidade está relacionado com o decaimento: dá causa à ação quem a perde, total ou parcialmente.
Pois bem, daqui decorre que a responsabilidade pelo pagamento das custas é indiferente da ideia de culpa relativamente à ocorrência do litígio (Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Vol., pág. 177). “Culpada ou não pelo facto de o tribunal ser chamado a dirimir um conflito de interesses, é a parte vencida (...) que deve suportar os encargos derivados da intervenção, sem qualquer gravame que reflita a maior ou menor quota de responsabilidade pela génese do processo” (Abrantes Geral, ob. Cit., pág. 177).
Ou seja, a condenação em custas não envolve qualquer apreciação sobre a ilicitude quanto à atuação da parte responsável pelo seu pagamento (Cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 342).
A propositura de uma ação ou o exercício do direito de defesa, quando exercidos de acordo com as regras processuais, devem ser considerados atos lícitos.
Daqui decorre que, a circunstância de o réu não ter apresentado voluntariamente contas relativamente ao ano de 2014 é irrelevante para a conclusão de ter sido ele a dar causa à ação: dá causa à ação quem a perde, ou na proporção em que a perde. Assim sendo, o argumento usado pelo autor para (tentar) explicar que foi o réu quem deu causa à ação, não tem acolhimento: releva o decaimento.
Deste modo, na ação de prestação de contas, as custas são da responsabilidade do autor se, após o julgamento, a sentença concluir que as contas que o réu apresentou estavam certas e que era aquele o saldo que apresentavam (Cf. Ac. Da Relação de Lisboa, de 15/04/1964, Jurisprudência das Relações, 1964- 327). Como é evidente, se as contas apresentadas pelo réu não se mostraram totalmente certas, há decaimento, suportando ambas as partes, autor e réu, as custas da ação, na proporção em que decaíram.”
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Demonstrado o óbito de uma das RR e comprovada a qualidade de cabeça de casal da herança pela R Graça, julgo habilitada a mesma a intervir nos autos.
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Não se condenará, para já, nenhuma das partes como litigantes de má fé, pois crê-se que o esclarecimento prestado se impunha.
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Notifique
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Não se conformando com a decisão de 23.12.2019, dela apelaram os autores, formulando, no final das suas alegações, as seguintes:
«        CONCLUSÕES
I. O presente recurso tem por objeto o despacho proferido nos autos em 23/12/2019, na parte em que omite a identificação da reclamação que constitui o seu objeto, assim como na parte que respeita à omissão de pronúncia sobre as questões invocadas pelas partes nas suas reclamações contra as notas discriminativas e justificativas das custas de parte.
II. Os Recorrentes entendem que o despacho recorrido é nulo, por conter omissões não apenas quanto à identificação da reclamação que foi julgada “em parte procedente” pelo Tribunal a quo, como também pela ausência de pronúncia quanto à questão levantada pelas partes nas suas reclamações, relativamente à efetiva proporção/percentagem de decaimento das partes.
III. O que, aliás, foi invocado pelos Recorrentes em requerimento apresentado em 13/01/2020, ainda pendente de decisão.
IV. A interposição do presente recurso funda-se na necessidade de esclarecer as partes quanto ao efetivo sentido decisório do despacho recorrido, e, não obstante poder o mesmo ser resolvido por despacho que supra as referidas omissões, a cautela de patrocínio impõe que se previna a eventualidade de não vir a ser esse o entendimento do Tribunal recorrido, o que determina que se interponha o pertinente recurso de apelação.
V. Por um lado, o despacho recorrido vem julgar “em parte procedente a reclamação", sem determinar a qual das reclamações se refere - se à reclamação apresentada pelos Recorrentes, se à reclamação apresentada pelas Recorridas - e sem que seja possível retirar essa conclusão do restante teor do despacho recorrido.
VI. Por outro lado, o despacho recorrido não se pronúncia sobre as questões invocadas pelas partes nas suas reclamações contra as notas discriminativas e justificativas das custas de parte;
VII. Não resultando do despacho recorrido uma decisão concreta que resolva a divergência das partes, espelhada em ambas as reclamações e respetivas respostas, relativa àquela que é a efetiva proporção/percentagem do decaimento de cada uma delas nos presentes autos.
VIII. A posição dos Recorrentes sobre esta questão ficou já espelhada nos pontos 6 a 36 da reclamação de 23/04/2019 (ref.a citius 32233590), e nos pontos 19 a 36 da resposta de 6/05/2019 (ref.a citius 32327277); bem como no requerimento por estes apresentado em 13/01/2020 (ref.a citius 34522599).
IX. Entendendo os Recorrentes que a "parte vencida”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 533. ° n.º 1 do CPC, foram claramente as Recorridas e não os Recorrentes; pelo que a proporção do vencimento dos Recorrentes foi de 100%.
X. A ininteligibilidade da decisão recorrida, bem como a omissão de pronúncia, determina assim a sanção da nulidade do despacho recorrido, nos termos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615. ° do CPC, aplicável ex vi do n.º 3 do artigo 613. ° do mesmo Código.
XI. Pelo que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que proceda à identificação da peça processual que constitui o seu objeto, bem como à pronúncia sobre as questões invocadas pelas partes nas suas reclamações contra as notas discriminativas e justificativas das custas de parte.
Nestes termos, requer-se a V.a Ex.a declare o presente recurso inteiramente procedente e, em consequência, revogue a decisão recorrida com fundamento na nulidade do despacho, com base
i) na ininteligibilidade da decisão, e ii) na omissão de pronúncia, substituindo-a por outra que determine a identificação da peça processual que constitui o seu objeto, e que se pronuncie sobre as questões invocadas pelas partes nas suas reclamações contra as notas discriminativas e justificativas das custas de parte.
Com o que se fará a devida JUSTIÇA!»
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Contra-alegaram os Réus, propugnando pela improcedência da apelação (fls. 18-24).
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir consistem em determinar se a decisão impugnada padece de nulidade por omissão de pronúncia e ininteligibilidade.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação da apelação é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Sustentam os apelantes, em primeiro lugar, que a decisão impugnada é nula porque não identifica a reclamação que foi julgada em parte procedente.
A decisão impugnada foi proferida na sequência de reclamações recíprocas de Autores e Réus, apresentadas sobre a nota discriminativa e justificativa de custas de parte da contraparte.
Assim sendo, o segmento “julgo em parte procedente a reclamação” não prima pela clareza, embora decorra da tramitação dos autos, que precede a decisão impugnada, que a Mma. Juíza pretendeu pronunciar-se sobre o teor das reclamações recíprocas apresentadas. O que mais releva no segmento em causa é que foi ordenada a correção das notas em função da informação da Sra. Escrivã no que tange às taxas de justiça efetivamente pagas pelas partes.
Assim sendo, improcede esta arguição de nulidade.
Em segundo lugar, arguem os apelantes que a decisão é nula porquanto o tribunal a quo não se pronunciou sobre a efetiva percentagem de decaimento das partes.
E, de facto, na reclamação apresentada pelos autores, estes sustentam que o decaimento das Rés foi de 100% porque os Réus foram condenada a prestar contas, não o tendo feito (artigos 11º a 19º). Por seu turno, os Réus sustentaram – na sua reclamação – que, sendo o valor da causa de € 752.912,92 e sendo as Rés condenadas a pagar a quantia de € 53.756,81, tal significa que as Rés decaíram em 7,14% (€ 53.756,81) e os autores decaíram em 92,86% (€ 699.156,11) - cf. fls. 34.
Ora, face aos termos em que as partes formularam as suas reclamações, incumbia ao tribunal a quo decidir de forma clara, quantificando a percentagem de decaimento de cada uma das partes. Apesar do teor do despacho subsequentemente proferido em 6.5.2020, certo é que o Tribunal a quo não chegou a proceder a tal quantificação.
Nesta medida, ocorre nulidade por omissão de pronúncia (Artigo 615º, nº1, al. d), do Código de Processo Civil), cabendo a este Tribunal da Relação conhecer do objeto da apelação (Artigo 665º, nº1, do Código de Processo Civil).
Há que articular, cuidadosamente, a tramitação do processo especial de prestação de contas com as regras gerais das custas.
Neste tipo de processo especial, deve o autor concluir a petição requerendo que o réu seja citado para apresentar as contas em 30 dias ou, no mesmo prazo, contestar a ação, sob cominação de não poder deduzir oposição às contas que o autor apresente. O autor deve pedir a condenação do réu no pagamento do saldo que venha a apurar-se (cf. Artigo 941º, in fine). Ou seja, a petição não comporta a quantificação de um valor para o pedido.
Na ação de prestação de contas, o valor é o da receita bruta ou o da despesa apresentada, se lhe for superior (Artigo 298º, nº4, do CPC). O valor inicialmente aceite deve ser corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários (Artigo 299º, nº4, do CPC). O valor causa só fica definitivamente fixado na sentença final (Artigo 306º, nº3, do CPC).[3]
Daqui decorre que, neste processo, o valor de referência – para efeitos de cálculo do decaimento das partes – não decorre nem do teor da petição nem sequer do valor da ação.
O valor de referência, para efeitos de cálculo do decaimento, decorre do saldo favorável a uma das partes, quer este seja apresentado pelo réu (Artigo 942º, nº1, do Código de Processo Civil) quer seja apresentado pelo autor (Artigo 943º, nº1, do Código de Processo Civil), sujeitando-se tal saldo a confirmação mediante produção de provas. O valor do saldo fixado pelo tribunal constitui o segundo parâmetro de aferição do decaimento. Só com a efetiva apresentação de contas, concluindo-se por um saldo, é que se estabelece o parâmetro para aferição do quantum do decaimento das partes.
Nos casos em que o réu negue a obrigação de prestar contas, vindo a decidir-se que tal obrigação existe, a dedução de tal questão prévia não assume autonomia para efeitos de aferição de decaimento, salvo se foi inteiramente procedente. Ou seja, se transitar decisão segundo a qual inexiste a obrigação de prestar contas pelo réu, a sucumbência do autor é manifesta para efeitos de custas. Já nos casos em que se entende que existe tal obrigação, esta questão prévia não assume autonomia para efeitos do cálculo do decaimento, aferindo-se este em função do concreto saldo apresentado pelo réu ou pelo autor. A questão prévia dissolve-se na apreciação da questão fundamental da definição de um saldo devedor.
No que tange ao decaimento neste tipo de processo, são pertinentes as considerações expendidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7.2.2019, Adeodato Brotas, 365/11, que passam a extratar-se:
«É preciso compreender em que consiste o Princípio da Causalidade.
Como esclareceu o Ac. Do STJ de 18/11/1976 (BMJ 261-153) “…paga as custas a parte que lhe deu causa, isto é, que pleiteia sem fundamento, que carece de razão no pedido formulado, que, em suma, que exerce no processo uma atividade injustificada”. Antunes Varela (RLJ ano 126, pág. 372) disse que “…o grande princípio da responsabilidade por custas é o de que as deve pagar a parte vencida, por ser ela quem deu causa à ação.”. Significa isto que para o legislador, o princípio da causalidade está relacionado com o decaimento: dá causa à ação quem a perde, total ou parcialmente.
Pois bem, daqui decorre que a responsabilidade pelo pagamento das custas é indiferente da ideia de culpa relativamente à ocorrência do litígio (Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Vol., pág. 177). “Culpada ou não pelo facto de o tribunal ser chamado a dirimir um conflito de interesses, é a parte vencida (…) que deve suportar os encargos derivados da intervenção, sem qualquer gravame que reflita a maior ou menor quota de responsabilidade pela génese do processo” (Abrantes Geral, ob. Cit., pág. 177).
Ou seja, a condenação em custas não envolve qualquer apreciação sobre a ilicitude quanto à atuação da parte responsável pelo seu pagamento (Cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 342).
A propositura de uma ação ou o exercício do direito de defesa, quando exercidos de acordo com as regras processuais, devem ser considerados atos lícitos.
Daqui decorre que, a circunstância de o réu não ter apresentado voluntariamente contas relativamente ao ano de 2014 é irrelevante para a conclusão de ter sido ele a dar causa à ação: dá causa à ação quem a perde, ou na proporção em que a perde. Assim sendo, o argumento usado pelo autor para (tentar) explicar que foi o réu quem deu causa à ação, não tem acolhimento: releva o decaimento.
Deste modo, na ação de prestação de contas, as custas são da responsabilidade do autor se, após o julgamento, a sentença concluir que as contas que o réu apresentou estavam certas e que era aquele o saldo que apresentavam (Cf. Ac. Da Relação de Lisboa, de 15/04/1964, Jurisprudência das Relações, 1964- 327). Como é evidente, se as contas apresentadas pelo réu não se mostraram totalmente certas, há decaimento, suportando ambas as partes, autor e réu, as custas da ação, na proporção em que decaíram.»
Assim, tendo os autores apresentado contas nos termos das quais se arrogaram um saldo a si favorável de € 752.912,92, mas vindo a transitar acórdão nos termos do qual o saldo favorável aos autores é apenas de € 53.756,8, verifica-se – aplicando uma regra de três simples – que os autores decaíram em 92,87% e os Réus decaíram apenas em 7,13%. Em suma, as contas dos autores estavam erradas em 92,87%, proporção do seu decaimento no caso.
Se o recurso de apelação não envolver diligências geradoras de despesas, inexiste  fundamento legal para a condenação no pagamento de encargos, devendo a condenação em custas na segunda instâncias cingir-se às custas de parte (relativas à taxa de justiça e aos honorários a mandatário suportados pelo vencedor).[4] Uma vez que o recorrente paga a taxa de justiça relativa ao recurso aquando do seu impulso processual de interposição, não há fundamento a condenação no seu pagamento. A responsabilidade pelo pagamento de custas com base no critério do vencimento e do decaimento, incluindo o recurso, abrange as decisões de mérito e as baseadas em fundamentos de natureza meramente processual.[5]
Os apelantes obtêm provimento neste recurso na medida em que este Tribunal da Relação lhes dá razão quanto à existência da nulidade da decisão impugnada, nulidade essa negada pelos apelados (cf. Artigo 527º, nº1, do Código de Processo Civil).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, declarando-se nula a decisão impugnada e, em cumprimento da regra da substituição (Art. 665º, nº1, do Código de Processo Civil), consigna-se que a proporção do decaimento dos autores na prestação de contas é de 92,87% e a dos réus é de 7,13%.
Custas pelos apelados na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 29.9.2020
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14.

[3] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.2.2017, Silva Gonçalves, 586/14.
[4] Cf. Salvador da Costa, “Responsabilidade pelo pagamento de custas, Acórdão da Relação de Lisboa de 15.11.2018 (266/16.4T8VIS.L1-6.ª)”, 19.2.2019, publicado no blog do IPPC.
[5] Cf.: Salvador da Costa, “Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2018.10.16”, 26 de novembro de 2018, e “Condenação do pagamento de custas da parte vencida a final, Acórdão do Tribunal Relação da Relação de Évora de 2.10.2018”, 25.1.2019, ambos publicados no blog do IPPC.