Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1/19.5YRCBR.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL EUROPEIA
TRADUÇÃO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL EUROPEIA
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Nos termos do art.º 16º/2 da Lei 158/2015, de 17/09 e do art.º 23º/2 da DECISÃO-QUADRO 2008/909/JAI DO CONSELHO, de 27/11/2008, para o reconhecimento de sentença penal de outro Estado membro da União Europeia, estando a certidão do Estado de emissão devidamente traduzida, não é obrigatória a tradução da decisão a reconhecer, atento o princípio da confiança consagrado no considerando (5) deste diploma (sumário elaborado pelo relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de RESPE[1], acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

Nos termos do artº 6°, nº 2, al) a) e b)  da Decisão-Quadro 2008/909/JAI do Conselho  de 27 de Novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, as autoridades austríacas solicitaram ao Estado Português o reconhecimento e execução da sentença condenatória de AA…., com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 5), registada com o nº 601 Hv 3/17b, proferida por um tribunal daquele país, designado de Landesgericht fur Stafsachen Wien.
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Ao Requerido foi nomeada Defensora Oficiosa (fls. 28).
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O Requerido manifestou, perante as autoridades austríacas, o seu não consentimento à transmissão da sentença e da certidão.
O Requerido foi citado, na pessoa da sua Exm.ª Defensora Oficiosa, para deduzir oposição (fls. 29/30), tendo-o feito nos seguintes termos:
“... AA…, Requerido, melhor identificado nos autos à margem identificados, tendo sido notificado para deduzir oposição à revisão e confirmação de sentença estrangeira em matéria penal, vem deduzir
OPOSIÇÃO
o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 8.º da Lei n.º 158/2015, de 17 de setembro:
“Desde que a pessoa condenada se encontre em Portugal ou no Estado de execução e tenha dado o seu consentimento, nos termos da legislação nacional, a sentença, ou uma cópia autenticada da mesma, acompanhada da certidão cujo modelo consta do anexo I à presente lei e da qual faz parte integrante, pode ser transmitida, através de qualquer meio que proporcione um registo escrito, por forma a permitir o estabelecimento da sua autenticidade, a um dos seguintes Estados membros:
(...)
b) O Estado membro do qual a pessoa condenada é nacional e para o qual, não sendo embora o Estado membro onde ela tem residência legal e habitual, será reconduzida uma vez cumprida a pena, na sequência de uma medida de expulsão ou de recondução à fronteira, incluída numa sentença ou decisão judicial ou administrativa, ou de qualquer outra medida decorrente da sentença;” (negrito e sublinhado nosso)
2. Conforme consta no ponto 2, als. a) e b) da página 10 da certidão a que se refere o art. 4.º da Decisão-Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na UE, o Requerido, que se encontra no Estado de Emissão, “não consentiu na transmissão da sentença e da certidão”, porquanto “Na Áustria as condições prisionais são melhores. O primo mora em Viena e pode visitá-lo”.
3. Por força do previsto na al. b) do nº1 do art. 17.º da Lei supra identificada: “1 — A autoridade competente recusa o reconhecimento e a execução da sentença quando: (…) b) Não estiverem preenchidos os critérios definidos no n.º 1 do artigo 8.º”.
4. Desta forma, e porque não se encontra preenchido o critério do consentimento do requerido, previsto no n.º 1 do art. 8.º do referido diploma, deve o Estado de Execução recusar o reconhecimento e a execução da sentença transmitida.
Termos em que deverá ser recusado o reconhecimento e a execução da sentença transmitida. ...”.
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O MP[2] respondeu a esta oposição, nos seguintes termos:
“... 1º Nos termos do artº 6°, nº 2, al) a) e b) da Decisão-Quadro 2008/909/JAI do Conselho de 27 de Novembro de 2008, relativa a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, as autoridades austríacas solicitaram ao Estado Português o reconhecimento e execução da sentença condenatória, registada com o nº 601 Hv 3/17b, proferida por um tribunal daquele país designado de Landesgericht fur Stafsachen Wien.
2º Nessa sentença, proferida em 08-08-2017 e transitada em julgado em 10-01-2018, foi o cidadão português AA…, condenado pela prática, como autor material, de um crime de homicídio na forma tentada, perpetrado no dia 02-04-2017, previsto e punido pelos artigos 15º e 75º do Código Penal austríaco numa pena de 7200 dias de prisão e, ainda, na medida de expulsão ou de recondução à fronteira.
3º A condenação diz respeito aos seguintes factos: no dia 02-04-2017 o requerido AA…, em Viena, tentou matar BB… desferindo-lhe uma facada na zona abdominal lateral superior atingindo-lhe a parede do abdómen e no duodeno e, ainda, no fígado e no pâncreas, utilizando uma navalha com 20 cm de comprimento.
4º Consoante se extrai da documentação junta a este requerimento, e como já se referiu, aquela sentença transitou em julgado e está em execução, encontrando-se aquele nacional português a cumprir a pena de prisão que lhe foi imposta,  tendo estado presente no julgamento que o sentenciou.
5º A certidão da sentença condenatória, transitada em julgado, foi transmitida a este tribunal para reconhecimento e execução em conformidade com o disposto na Decisão-Quadro 2008/909/JAI de 27 de novembro de 2008, transposta para o direito interno pela Lei nº 158/2005, de 17/09, tendo sido emitida em conformidade com o formulário cujo modelo constitui o anexo I deste diploma.
6º O crime pelo qual o indicado cidadão português foi condenado vem incluído na al) n) do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 158/2015 não se mostrando necessária, por conseguinte, a dupla incriminação
7º O condenado está privado da liberdade tendo cumprido, em 11-06-2018, um total de 429 dias e encontrando-se o termo da pena previsto para o dia 02-04-2037.
8º Segundo a lei austríaca o requerido poderá beneficiar da liberdade condicional nos termos que melhor constam da certidão enviada.
9º O requerido tem nacionalidade portuguesa e na declaração sobre a sua transferência para Portugal expressou não desejar ser transferido invocando que na Áustria as condições prisionais são melhores e, ainda, que tem um primo a viver naquele país que pode visitá-lo.
10º Na oposição deduzida o requerido opõe-se ao pedido invocando a sua falta de consentimento e peticionando a recusa de reconhecimento da decisão austríaca e a sua execução em Portugal.
Porém, sem fundamento legal.
11º O Estado de emissão fez constar da certidão que o Estado de Execução (Portugal) é o Estado do qual a pessoa condenada é cidadã e para onde será reconduzida uma vez que foi aplicada uma medida de expulsão/recondução à fronteira, circunstâncias que dispensam o consentimento da pessoa condenada, nos termos do artigo 6º, nº 2 da Decisão Quadro 2008/901/JAI e artigo 10º, nº 5 al) a) e b) da Lei nº 158/ 2015 de 17 de setembro.
12º A competência do Tribunal da Relação de Lisboa resulta do facto de não ter sido possível determinar a residência do requerido em Portugal, nos termos do artigo 13º, nº 1 da Lei nº 158/2015 de 17 de setembro.
13º Inexistem causas de recusa de reconhecimento – cfr artº 17º da Lei nº 158/2015.
14º Nos termos expostos, atento o artigo 4º, 6º, nºs 2, da Decisão-Quadro 2008/909/JAI do Conselho de 27 de Novembro de 2008 e o disposto no artigo 10º, nº 5, al) a) e b) da Lei nº 158/2015, de 17/09, requer-se seja julgada improcedente a oposição deduzida e seja, a final, reconhecida a sentença condenatória mencionada e, após transito, se proceda às comunicações necessárias, designadamente às autoridades do Estado de Emissão, nos termos do artigo 21º al) c) da Lei  nº 158/2015, de 17 de setembro. ...”.
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Cumpre decidir.
A certidão das autoridades austríacas encontra-se devidamente traduzida (art.º 16º/2 da Lei 158/2015, de 17/09).
As decisões, condenatória e de recurso, não estão traduzidas, mas essa tradução não é obrigatória, nos termos do art.º 23º/2 da DECISÃO-QUADRO 2008/909/JAI DO CONSELHO, de 27/11/2008, atento o princípio da confiança consagrado no considerando (5) deste diploma[3].
A fundamentação da resposta do MP à oposição é exaustiva, quer de facto quer de direito, pelo que, tendo em conta esses fundamentos, que subscrevemos inteiramente, há que reconhecer a sentença em causa e determinar o cumprimento da respectiva pena em Portugal.
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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, acordamos em reconhecer a sentença, constante da certidão junta aos autos, proferida em 08/08/2017 e transitada em 10/01/2018, pelo Landesgericht fur Stafsachen Wien, Áustria, assim a reconhecendo e determinando a execução, em Portugal, do remanescente da pena de 7.200 dias (sete mil e duzentos dias, que correspondem a dezanove anos, oito meses e vinte e cinco dias) de prisão, em que foi condenado o Requerido AA…..
Sem custas.
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Notifique.
Cumpra o disposto no art.º 21º da Lei 128/2015, de 17/09.
Após trânsito, remeta ao Juízo Local Criminal de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, para execução, onde deverá providenciar-se pela transferência do condenado para Portugal, por ser esse o competente para o efeito - art.s . 13º nº 2 e 23° da Lei 158/2018, 17/09.
D.N..
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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).
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Lisboa, 07/03/2019

Abrunhosa de Carvalho - Relator
Maria Leonor Botelho
Maria do Carmo Ferreira

[1] Reconhecimento e Execução de Sentença Penal Europeia.
[2] Ministério Público.
[3]Os direitos processuais em processo penal são um elemento crucial para garantir a confiança recíproca entre os Estados-Membros no âmbito da cooperação judiciária. As relações entre Estados-Membros, que se caracterizam por uma especial confiança mútua nos respectivos sistemas jurídicos, permitem o reconhecimento pelo Estado de execução de decisões proferidas pelas autoridades do Estado de emissão. Por conseguinte, dever-se-á contemplar a hipótese de aprofundar a cooperação prevista nos instrumentos do Conselho da Europa relativos à execução das sentenças em matéria penal, em particular quando cidadãos da União tiverem sido sujeitos a uma sentença penal e condenados a uma pena de prisão ou outra medida privativa de liberdade noutro Estado-Membro. Não obstante a necessidade de assegurar à pessoa condenada as devidas garantias, a sua participação no processo deve deixar de ser predominante, passando a não ser necessário o seu consentimento de cada vez que uma sentença é transmitida a outro Estado-Membro para efeitos do seu reconhecimento e da execução da condenação imposta.