Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23425/18.0T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: ARRENDAMENTO
FIM NÃO HABITACIONAL
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
LOJA COM HISTÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.– Com a entrada em vigor do art. 13.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, os contratos de arrendamento sobre imóveis onde funcionasse um estabelecimento comercial classificado pela entidade autárquica competente com a distinção de «Loja com História» deixaram de poder ser objeto de oposição à renovação por parte do senhorio, sendo automaticamente renovados por um período adicional de cinco anos.

2.– O reconhecimento da distinção da «Loja com História» constitui um procedimento regulado à luz do Código de Procedimento Administrativo, competindo a sua decisão ao Município onde se situa a loja em causa, como obediência aos prazos legalmente estabelecidos para o efeito, da parte da entidade administrativa, como em qualquer outra situação, uma atuação procedimental adequada, empenhada, célere e conforme com a possibilidade de satisfação atempada dos pedidos apresentados pelos interessados.

3.– Por isso, tendo o inquilino promovido o processo administrativo com vista à candidatura do seu estabelecimento ao programa «Lojas com História» dentro de um prazo razoável, expectavelmente possibilitador de deliberação camarária antes do termo do contrato de arrendamento, não pode ser prejudicado pelo facto de tal deliberação ter ocorrido depois deste termo.

4.– Não faz sentido, pondo em causa toda a ratio protetora subjacente ao regime da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, considerar terminantemente cessado um contrato de arrendamento, com todas as consequências definitivas e gravosas que daí decorrem, quando, à data prevista para o seu termo, já existe em curso um procedimento administrativo tendente a um reconhecimento que, a ser atribuído, pode vir a obstaculizar a oposição à não renovação feita pelo senhorio.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO[1]:


SIA, S.A. intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra JT, alegando, em suma, que no dia 1 de outubro de 2013 deu de arrendamento ao réu, para fins não habitacionais, a loja de que é proprietária, sita na Rua ____, n.º __, em Lisboa.

O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 5 anos, sucessivamente renovável por iguais períodos, caso nenhuma das partes se opusesse à sua renovação, podendo a autora pôr-lhe termo desde que o comunicasse ao réu com a antecedência mínima de 120 dias relativamente ao termo do prazo inicial ou de qualquer uma das suas renovações.

Em 9 de janeiro de 2018 a autora comunicou ao réu a sua oposição à renovação do arrendamento, com efeitos a 30 de setembro de 2018, ao que este respondeu que sairia do locado no dia 30 de abril de 2018.

Até ao momento o réu não restituiu o locado à autora, apesar de este ali se ter deslocado no dia 1 de outubro de 2018 para o receber.

A autora tem direito a ser indemnizada pelo réu em consequência da ocupação ilícita que este vem fazendo do locado desde 30 de setembro de 2018.

Tendo em conta os valores de mercado praticados na zona em que se situa o locado, o valor mensal da renda ascende atualmente a € 8.910,00.

Por isso, deve a autora ser indemnizada pelo réu à razão mensal de € 8.910,00, desde a data da cessação do arrendamento até à efetiva restituição do locado.

Caso assim se não entenda, deve o réu pagar à autora, a título de indemnização pela não restituição atempada do locado, quantia correspondente ao dobro da renda, até efetiva restituição do mesmo.

«Nestes termos e nos mais de Direito (...), deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência:
a)- Declarar o contrato de arrendamento relativo à loja com o número __ da Rua ____, válida e legalmente cessado por caducidade com efeitos a partir de 30 de Setembro de 2018; E em consequência,
b)- Condenar o Réu a desocupar e restituir o local arrendado à Autora, inteiramente livre e devoluto de pessoas e bens e em perfeito estado de limpeza e conservação;
c)- Condenar o Réu a pagar, a título de indemnização, o valor mensal de €8.910 (oito mil novecentos e dez euros) desde a data da cessação do contrato de arrendamento até ao momento da sua efectiva restituição, acrescido do valor dos juros de mora a contar da citação até integral pagamento; 
Subsidiariamente,
d)- Condenar o Ré a pagar, a título de indemnização, o valor equivalente ao dobro da renda desde a data da cessação do contrato de arrendamento até ao momento da efectiva restituição do locado, acrescido do valor dos juros de mora a contar da citação até integral pagamento.» 

*

O réu apresentou extensa contestação, pugnando pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido, alegando, para o efeito, e com interesse para a decisão da causa, que em 7 de fevereiro de 2018, a LT candidatou-se ao Programa Lojas com história.

Por carta de 5 de setembro de 2018, o réu informou a autora da candidatura, pelo que «(…) tendo em consideração o contrato de arrendamento (…) por virtude do anteriormente exposto, se manterá o mesmo em vigor, nas condições ora vigentes.»

Por comunicação de 8.6.2018, a livraria foi considerada Loja com história, pelo que a autora não pode opor-se à renovação do contrato por um período de cinco anos.

Aliás, a apresentação do pedido de atribuição de «loja com história» ao locado suspende a produção dos efeitos da comunicação de oposição à renovação, até prolação de decisão pela autoridade administrativa.

Conclui pugnando pela improcedência da ação.

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Na subsequente e morosa tramitação dos autos, foi proferido saneador-sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto:
1. Julga-se parcialmente procedente a ação e:
- Declara-se a cessação em 30.9.2018, por caducidade, do contrato de arrendamento, pela validade da oposição à renovação, relativo a loja com o n.º __, da Rua ____, em Lisboa.
- Condena-se o réu a pagar à autora o valor equivalente ao dobro da renda desde a data da cessação do contrato de arrendamento em 30.9.2018 até à entrega do locado, acrescida de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.
(...).» 

*

Inconformado, o réu apresentou recurso de apelação, desenvolvendo a sua alegação ao longo de 161 artigos e as respetivas conclusões ao longo de 147 pontos.
Por se tratarem de conclusões manifestamente complexas, foi pelo ora relator proferido o despacho de fls. 30 de abril de 2021, convidando o apelante a apresentar nova alegação, concluindo, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pretende a alteração da decisão recorrida.
Na sequência desse despacho, o apelante apresentou nova alegação, que desenvolveu ao longo de 142 (cento e quarenta e dois) artigos, sendo as conclusões constituídas por exaustivos 97 (noventa e sete) pontos.

Com tal procedimento, o apelante dá mostras de não ter compreendido o teor e alcance:
- nem do supra referido despacho;
- nem do preceito contido no n.º 1 do art. 639.º do C.P.C., no qual o legislador impõe que o recorrente conclua, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
É que, embora com redução de 147 para 97 pontos, as novas conclusões apresentadas pela apelante continuam a ser manifestamente complexas, pois:
- não cumprem as exigências de sintetização impostas pelo citado preceito legal, sendo, por isso, prolixas;
- contêm questões inócuas, sem qualquer interesse para a decisão do recurso;
- repetem argumentos expendidos em sede de motivação;
- contêm abundantes citações legais doutrinais e jurisprudenciais, propícias ao segmento da motivação, que não das conclusões.
Como é evidente, o volume ou a quantidade das conclusões:
- não é sinónimo de qualidade;
- não assegura nem delimita o objeto do recurso e a apreciação pelo tribunal ad quem de todas as questões suscitadas[2].
Conforme refere ainda Abrantes Geraldes, «são frustrantes os resultados que geralmente se obtêm com a prolação de aperfeiçoamento das conclusões»[3].

É o que sucede no caso presente!

Neste quadro, resta a este tribunal a ad quem, substituindo-se ao que deveria ser o papel do recorrente, mas do qual o mesmo se alheou, não obstante a oportunidade que lhe foi dada para o efeito:
- recusar os pontos que, constituindo fastidiosas repetições, tanto da motivação como das próprias conclusões, citações doutrinais e jurisprudenciais, de «conclusões» nada têm;
- efetivar a síntese das «questões» que suscitadas neste recurso.
Assim:
«(...);
2. A LT foi distinguida Loja com História (...);
3. (...) o Recorrente foi contactado pela Recorrida, através do seu Mandatário, sendo-lhe proposto um novo contrato de arrendamento, sem qualquer hipótese de negociação, com exceção do valor de renda e caso mantivesse a vontade de permanecer no locado, deveria assinar o referido contrato, com duração de cinco anos, renovável, no qual a renda iria ser atualizada, conforme proposto pela Senhoria (...);
4. O Recorrente, de boa fé, convenceu-se, que o arrendamento tinha continuidade, porem, no dia 10.01.2018, recebeu uma carta da Recorrida, informando-o que se opunha à renovação do contrato e que por essa razão, deveria entregar o locado livre de pessoas e bens a partir de 30.09.2018, ficando convencido que não tinha outra alternativa senão entregar o locado e assim, comunicou por carta datada de 7 de Março de 2018 que iria então sair em 30 de Abril de 2018;
5. ...) informou-se dos seus direitos e enviou nova comunicação a 9 de Abril de 2018 alegando que “tal não seria possível, devido a problemas de logística, assim como imprevistos em torno da mudança da loja” e por essa razão iria permanecer no locado;
6. ...) a LT candidatou-se a 07.02.2018 ao programa Lojas com História, estando no entanto a aguardar desde o dia 26.01.2018 uma Reunião na Camara Municipal de Lisboa (...) para esclarecimento dos requisitos da candidatura;
7. Recorrente de boa fé, comunicou de imediato à Recorrida que se tinha candidatado a Loja com História e por essa razão se opunha à não renovação do contrato, tendo inclusive informado que estava a aguardar a decisão (...);
8.No dia 08.06.2018, o Recorrente recebeu uma comunicação do Grupo de Trabalho, referindo que reunia os critérios necessários e que por essa razão tinha sido distinguida como Loja com Historia, dado o interesse histórico e cultural, das lojas de comércio tradicional;
9. Sendo considerada Loja com História, a Recorrida não podia opor-se à renovação do contrato (...), por um período adicional de cinco anos;
(...);
18. ...) desde essa data[4] que o Recorrente considera ter sido distinguida como Loja com História, conforme comunicação do grupo de trabalho recepcionada “Atendendo à entrada em vigor da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, por razões de segurança jurídica, optou-se por distinguir apenas as entidades que preenchem todos os critérios ali previstos, designadamente no que se refere à longevidade. Assim, temos o prazer de informar que a sua Loja cumpre os requisitos acima mencionados, pelo que obteve a distinção “Lojas com História”. A decisão de atribuir a distinção foi validada em Conselho Consultivo, realizado no dia 18 de dezembro, a que se seguirá a audição das juntas de freguesia, seguida de consulta pública pelo período de 20 dias úteis e posterior submissão a Reunião de Câmara.”
(...);
23.(...) não existem factos concretos suscetíveis de fundamentar prejuízos irreparáveis ou, sequer, de difícil reparação até porque os proprietários dos imóveis da Lojas com Historia podem também aceder a benefícios ou isenções fiscais concedidos pelos municípios.
24.(...) a Recorrida não conseguiu invocar densificadamente quaisquer danos, que permitissem concluir sobre a existência de uma situação de prejuízos de difícil reparação ou de facto consumado, assim como também não conseguiu demonstrar que as partes não tenham pretendido a transição do contrato para o NRAU;
(...);
32.(...) Entre o final do período da Consulta Publica e a elaboração do Relatório Final, decorreram, por força destas vicissitudes, mais de 90 dias, tendo o Recorrente, ao longo do procedimento, adquirido legitimamente, a expectativa de ser distinguida, logo com a comunicação de 08.06.2018, do Grupo de Trabalho;
33. O reconhecimento formal, pela entidade administrativa competente, da distinção de Loja com Historia da LT, ocorreu em data posterior ao termo previsto para o contrato de arrendamento, sem que o Recorrente pudesse de alguma forma interferir no prazo de decisão;
34. (...) os efeitos jurídicos da oposição à renovação do contrato de arrendamento produziram-se no dia 30/09/2018, data do terminus do contrato, enquanto a mencionada distinção apenas veio a ser concedida por deliberação de 13/12/2018, isto é, dois meses depois;
35.(...) não fossem as diversas vicissitudes às quais foi totalmente alheia, a LT teria sido distinguida muito antes da data da cessação do contrato de arrendamento;
(...);
37.(...) o Senhorio estava ciente que a Recorrente tinha se candidatado a Loja com História, porem, por motivos que lhe são alheios, o procedimento administrativo arrastou-se no tempo, não observando o prazo de 90 dias (...);
(...);
52.(...) apresentando o seu pedido de candidatura em 7/02/2018, o Recorrente fê-lo ainda dentro de um prazo normal e expectável que possibilitaria a deliberação camarária antes da data do termo do contrato de arrendamento em vigor.
(...)
85. Só na hipótese da Recorrente não ser distinguida é que valeria inteiramente a sua manifestação de oposição à renovação do contrato de arrendamento que lhe comunicou (...);
(...)
89.Entendeu também o Tribunal a quo, condenar o Reu/Recorrente no pagamento do valor equivalente ao dobro da renda desde a data da cessação do contrato, 30/09/2018 até à entrega do locado, acrescendo ainda os respetivos juros de mora a contar da citação até integral pagamento;
90.Discorda-se com a douta sentença proferida, por se entender que não deverá ser o Reu prejudicado pelo tempo decorrido entre a sua citação e a prolação da sentença, até porque não se lhe pode assacar qualquer responsabilidade pelo tempo decorrido!;
(...)
96.(...) o Recorrente, porque em nada contribui para o atraso na decisão num prazo razoável, não pode ser prejudicado e condenado ao pagamento do valor da renda desde a data da cessação do contrato de arrendamento em 30/09/2018 até à entrega do locado, acrescida de juros de mora a contar da citação;
97.Pois entender-se o contrario é responsabilizar o Reu/Recorrente por atrasos no funcionamento do sistema e na tramitação processual, que em nada contribuiu, consubstanciando tal uma injustiça intolerável, pois houvesse uma decisão num prazo razoável, o Reu/Recorrente, admitindo ser condenado, seria sempre por um valor substancialmente menor.
TERMOS EM QUE e nos mais de Direito, o Douto Recurso merece provimento, devendo revogar-se e substituir-se a decisão proferida pelo Tribunal à quo, fazendo-se assim,
JUSTIÇA.»

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Em contra-alegações a apelada pugnou pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção do saneador-sentença recorrido.

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II–ÂMBITO DO RECURSO:

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1, do C.P.C., que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º, do C.P.C.).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º, todos do C.P.C.).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do C.P.C.) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2, do C.P.C.).

À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir:
a) se o contrato de arrendamento a que se reportam os presentes autos deve ser considerado validamente cessado; ou,
b) se a tal obsta a candidatura da loja objeto desse contrato ao programa «Lojas com História». 
 
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III–FUNDAMENTOS:

3.1-Fundamentação de facto:
O saneador-sentença recorrido considerou provado que:
«1.- A autora é a legítima proprietária de prédio sito na Rua ____, n.ºs __ a __, em Lisboa.
2.- A fls. 14 e ss., encontra-se cópia de “Contrato de arrendamento”, que se encontra assinado, sendo outorgantes a autora e o réu, datado de 1.10.2013.
3.- No contrato consta que a autora se encontra “representada neste acto pelo seu administrador delegado, com poderes para o efeito, Sr. Dr. ML”.
4.- Na cláusula 2.ª, do contrato, os outorgantes revogam o contrato de arrendamento anterior. 
5.- Na cláusula 3.ª, a autora arrenda ao réu, para fins não habitacionais, a loja com o n.º __, da Rua ____, em Lisboa.
6.- Na cláusula 6.ª, o arrendamento é celebrado por um prazo inicial de 5 anos, com início em 1.10.2013, sendo automática e sucessivamente renovável por iguais períodos se nenhuma das partes se tiver oposto à sua renovação e está subordinado ao regime dos contratos com prazo certo previsto nos artigos 1095.º e ss. do Código Civil (com a redação da Lei n.º 31/2012).
7.- Na cláusula 7.ª, n.º 1, a autora pode impedir a renovação automática do contrato desde que comunique ao réu com pelo menos 120 dias de antecedência mínima do seu termo ou de qualquer das suas renovações. 
8.- Na cláusula 12.ª: Restituição dos locais arrendados:
 “1– No termo do arrendamento, seja qual for a razão ou fundamento, o arrendatário fica obrigado a restituir de imediato à Senhoria o Local Arrendado em perfeito estado de limpeza e conservação, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização.
2– O arrendatário será responsável por todos os prejuízos causados no local arrendado e, bem assim, por todos os prejuízos que vier a causar à senhoria ou a terceiros, em consequência do local arrendado não ser restituído logo que finde o contrato.
3– Fica desde já estabelecido, que o arrendatário fica obrigado a pagar à senhoria, até ao momento da restituição do local arrendado, e a título de indemnização, o dobro do valor da renda mensal.”
9. Nos termos da cláusula 16.ª, as comunicações para o réu deveriam ser realizadas para a morada sita na Rua ____, n.º __, 1200-018 Lisboa. 
10.A fls. 19, encontra-se cópia de carta, de 9.1.2018, da autora para o réu, com o seguinte teor: “Na qualidade de senhoria do contrato de arrendamento celebrado com V. Exa. em 1 de Outubro de 2013 relativo ao imóvel acima identificado, vimos por este meio comunicar a nossa oposição à renovação do referido contrato, nos termos e para os efeitos do artigo 1097.º do Código Civil conjugado com a cláusula 7.ª do contrato de arrendamento.
Deste modo, o referido contrato cessará os seus efeitos a partir de 30 de Setembro de 2018, dat a em que V. Exa. deverá entregar o locado livre de pessoas e bens, sem deteriorações, em perfeito estado de limpeza e de conservação bem como proceder à entregar das respetivas chaves.”
11.A carta foi enviada por correio registado com aviso de receção para a morada indicada no contrato, correspondente ao locado, fls. 19-20.
12.O aviso de receção foi assinado pessoa diversa do réu, em 10.1.2018.
13. Por carta datada de 7.3.2018, de fls. 21-22, o réu comunicou à autora que:
“Exmos. Senhores serve a presente para informar que iremos sair da loja da Rua ____, __ - __ no dia 30 de Abril de 2018.”
14. Por carta datada de 9.4.2018 de fls. 23, o réu comunicou à autora que:
“Exmos. Senhores serve a presente para informar que não iremos sair da loja da Rua ____, __ no dia 30 de Abril de 2018 como anteriormente comunicámos; os problemas de logística, assim como imprevistos em torno da mudança da loja, tornam complicada a data previamente avançada por nós.”
15. Por carta datada de 25.9.2018 de fls. 24-25, a autora comunicou ao réu que:
“(…) estaremos na morada do arrendamento no próximo dia 1 de outubro de 2018, pelas 11.15 h para receber o local arrendado e as respetivas chaves.”
16. O réu não entregou o locado.
17. O valor da renda era de €600,00, a partir de 1.10.2016 de €750,00 e posteriormente atualizada para €762,50.
18. Em 7.2.2018, a LT candidatou-se ao Programa Lojas com história.  
19.Por carta de 5.9.2018, o réu informou a autora da candidatura e “(…) tendo em consideração o contrato de arrendamento (…) por virtude do anteriormente exposto, se manterá o mesmo em vigor, nas condições ora vigentes.”
20.A autora enviou à ré a carta de fls. 234, de 19.9.2018, esclarecendo que o réu não cumpria com qualquer dos requisitos previstos no n.º 3, do artigo 13.º da Lei n.º 42/2017, de 14 de Junho, por referência à alínea d) do n.º 3, do artigo 51.º da Lei n.º 6/2006.
21.Não existe qualquer decisão definitiva de reconhecimento pela CML de atribuição de Loja de História ao estabelecimento do réu.»

O saneador-sentença considerou não provado que:
«a)- Na sequência da Lei n.º 31/2012, o réu foi contactado pela autora, e realizada reunião, em 4.10.2013, na qual foi apresentado ao réu novo contrato de arrendamento, não tendo havido qualquer hipótese de negociação, com exceção do valor de renda, tendo sido efetuado pagamento inicial inferior ao requerido pelo réu.
b)- O contrato em branco (sem assinaturas) e numa única via, foi entregue no estabelecimento do réu, em meados de Novembro de 2013.
c)- Depois de o réu ter assinado, o contrato foi entregue à autora para assinatura.
d)- A autora apenas assinou uma via do contrato.
e)- O réu insistiu com a autora, que apenas lhe entregou uma cópia.
f)- O valor de mercado do local arrendado corresponde ao valor mensal de €8.910,00.»

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Ao abrigo do disposto no art. 652.º, n.º 1, al. d), e à luz do princípio da atualidade da sentença consagrado no art. 611.º, n.º 1, aplicável aos acórdãos por via do 663.º, n.º 2, todos do C.P.C., o ora relator proferiu o despacho datado de 9 de junho de 2021, com a Ref.ª 17068855 (fls. 453-457), ordenando, pelas razões nele expostas, a notificação do Município de Lisboa para informar se ao estabelecimento LT, sito na Loja com o n.º __ de polícia da Rua ____, em Lisboa, foi definitivamente atribuído o estatuto de «Loja com História e, em caso afirmativo, em que data ocorreu tal atribuição.
Notificado desse despacho, veio o Município de Lisboa informar que a Câmara Municipal de Lisboa, reunida em sessão ordinária de 13 de dezembro de 2018, deliberou, sob a sob a Proposta n.º __/2018, aprovar o reconhecimento, como «Loja com História», do supra referido estabelecimento, tudo conforme decorre dos documentos remetidos a juízo por aquela autarquia e que constituem fls. 461-528 dos autos.
Recorrente e recorrido foram notificados do teor dessa documentação, a fim de, querendo, sobre a mesma se pronunciarem, tendo ambos concluindo no sentido em que se haviam expressado em sede de alegações e contra-alegações de recurso.

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Como se constata, não corresponde à realidade, o enunciado de facto considerado provado sob o n.º 21 no saneador-sentença recorrido: «Não existe decisão definitiva de reconhecimento pela CML de atribuição de Loja de História ao estabelecimento do réu».
É que, quase dois anos antes de prolação dessa decisão, já a Câmara Municipal de Lisboa havia atribuído o estatuto de «Loja com História» ao supra identificado estabelecimento do réu.
Assim, nos termos do art. 662.º, n.º 1, do C.P.C., altera-se a decisão sobre a matéria de facto, passando o ponto 21. dos factos provados a ter a seguinte redação:
«Na sua reunião ordinária realizada no dia 13 de dezembro de 2018, a Câmara Municipal de Lisboa deliberou atribuir o estatuto de «Loja com História» ao estabelecimento denominado LT, sito na Loja com o n.º __ de polícia da Rua ____, em Lisboa».

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3.2–Enquadramento jurídico:
A Lei nº 42/2017, de 14 de junho[5], veio estabelecer o regime de reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local, constituindo a terceira alteração à Lei n.º 6/2006, de 27.02, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano.
Na concretização desse reconhecimento e proteção:
- Dispõe o art. 7.º:
«1- Os estabelecimentos ou entidades de interesse histórico e cultural ou social local beneficiam, nomeadamente, das seguintes medidas de proteção:
a)- Proteção prevista no regime jurídico do arrendamento urbano;
b)- Proteção prevista no regime jurídico das obras em prédios arrendados;
c)- Acesso a programas municipais ou nacionais de apoio aos estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local.
2- Os proprietários de imóvel em que esteja situado estabelecimento ou entidade reconhecidos como de interesse histórico e cultural ou social local podem aceder a benefícios ou isenções fiscais a conceder pelos municípios, nos termos da legislação em vigor.
3- Os arrendatários de imóvel em que esteja situado estabelecimento ou entidade reconhecidos como de interesse histórico e cultural ou social local gozam de direito de preferência nas transmissões onerosas de imóveis, ou partes de imóveis, nos quais se encontrem instalados, nos termos da legislação em vigor.
4- Recebida a comunicação do projeto de venda e das cláusulas do respetivo contrato, deve o titular exercer o seu direito de preferência dentro do prazo de 30 dias, sob pena de caducidade, salvo se o obrigado lhe conceder prazo mais longo.
5- Os municípios gozam de direito de preferência nas transmissões onerosas de imóveis, ou partes de imóveis, nos quais se encontrem instalados estabelecimento ou entidade reconhecidos como de interesse histórico e cultural ou social local, nos termos da legislação em vigor.
6- É permitida a cessão da posição contratual do arrendatário para uso não habitacional de imóvel em que esteja instalada entidade sem fins lucrativos, reconhecida nos termos da presente lei, para o município da área em que aquele se situe, sem dependência de autorização do senhorio.
7- Os arrendatários de imóvel em que esteja situado estabelecimento ou entidade reconhecidos como de interesse histórico e cultural ou social local podem realizar as obras de conservação indispensáveis à conservação e salvaguarda do locado, do estabelecimento ou da entidade quando, após ter sido interpelado para o fazer, o senhorio não as desencadeie em tempo razoável.»
- Dispõe o art. 8.º:
«Aos procedimentos administrativos para efeitos de reconhecimento e proteção de entidades com interesse histórico e cultural ou social local é aplicável o Código do Procedimento Administrativo.»
Estatui o n.º 2 do art. 13º que «sem prejuízo do procedimento previsto na secção III do capítulo II do título II da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprova o NRAU, os arrendatários de imóveis que se encontrem na circunstância prevista na alínea d) do n.º 4 do artigo 51.º da referida lei, na redação dada pela presente lei, não podem ser submetidos ao NRAU pelo prazo de cinco anos a contar da entrada em vigor da presente lei, salvo acordo entre as partes», acrescentando o n.º 3 que «em relação aos imóveis que se encontrem na circunstância prevista na alínea d) do n.º 4 do artigo 51.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprova o NRAU, na redação dada pela presente lei, e cujos arrendamentos tenham transitado para o NRAU nos termos da lei então aplicável, não podem os senhorios opor-se à renovação do novo contrato celebrado à luz do NRAU, por um período adicional de cinco anos.»

A circunstância enunciada no referenciado artigo 51º, nº 4, alínea d), da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que justifica e avoca a imposição legal do prolongamento do prazo do contrato por mais cinco anos, tem a ver com a existência no locado de um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social reconhecido pelo município, nos termos do respetivo regime jurídico.

Dispõe o mencionado preceito da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que «se for caso disso, o arrendatário deve ainda, na sua resposta, nos termos e para os efeitos previstos no art. 54.º, invocar uma das seguintes circunstâncias:
(...)
d) Que existe no locado um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local reconhecidos pelo município, nos termos do respetivo regime jurídico.»

Feito este prévio enquadramento, vejamos, então se o contrato de arrendamento celebrado entre as partes cessou a produção dos efeitos no dia 30 de setembro de 2018, em virtude da oposição à sua renovação comunicada pela senhoria ao inquilino nos termos do art. 1097º, n.ºs 1, al. d), 2 e 3, do Cód. Civil; ou se, pelo contrário, o referido contrato não cessou por estar a autora impedida de se opor à renovação do contrato, nos termos e para os  efeitos previstos no artigo 13.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2017, de 14 de Junho.

Dúvidas não existem, face à factualidade que se encontra provada, que entre as partes foi celebrado um verdadeiro contrato de arrendamento, para fim não habitacional, com prazo certo.

Locação, diz-nos o art. 1022.º do Cód. Civil, «é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.» 
Estando em causa um contrato de arrendamento para fim não habitacional é-lhe diretamente aplicável o regime previsto nos artigos 1108.º e seguintes do Código Civil.

Uma vez que o contrato foi celebrado no dia 1 de outubro de 2013, tem aplicação a Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o NRAU, em conformidade com o previsto nos artigos 59.º, n.º 1 e 65.º, n.º 2, do referido diploma legal.  
A oposição à renovação do contrato é uma das formas de cessação do contrato de arrendamento.
Conforme refere Menezes Leitão a denúncia e a oposição à renovação «distinguem-se porque na primeira, aplicável aos contratos de duração indeterminada, a declaração do senhorio a pôr termo ao contrato pode ocorrer em qualquer altura, enquanto na segunda, aplicável aos contratos em relação aos quais tenha sido estipulado um prazo renovável, apenas pode ocorrer no fim desse prazo, impedindo que o contrato se renove por períodos subsequentes»[6].
Nos termos do art. 1110.º, n.º 1, do Cód. Civil, «as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.»
A cláusula 6.ª do contrato sub judice tem a seguinte redação: «O arrendamento é celebrado por um prazo inicial de 5 anos, com início em 1.10.2013, sendo automática e sucessivamente renovável por iguais períodos se nenhuma das partes se tiver oposto à sua renovação e está subordinado ao regime dos contratos com prazo certo previsto nos artigos 1095.º e ss. do Código Civil (com a redação da Lei n.º 31/2012).»
Nos termos do n.º 1 da sua cláusula 7.ª, «a senhoria pode impedir a renovação automática do contrato desde que o comunique à arrendatária com pelo menos, 120 (cento e vinte) dias de antecedência mínima do seu termo ou de qualquer das suas renovações.»   
Resulta da matéria de facto provada que a apelada respeitou integralmente o procedimento exigível para se opor à renovação do contrato.
Na verdade, por carta de 9 de janeiro de 2018, a apelada comunicou à apelante o seguinte: «Na qualidade de senhoria do contrato de arrendamento celebrado com V. Exa. em 1 de outubro de 2013 relativo ao imóvel acima identificado, vimos por este meio comunicar a nossa oposição à renovação do referido contrato, nos termos e para os efeitos do artigo 1097.º do Código Civil conjugado com a cláusula 7.ª do contrato de arrendamento.
Deste modo, o referido contrato cessará os seus efeitos a partir de 30 de setembro de 2018, data a em que V. Exa. deverá entregar o locado livre de pessoas e bens, sem deteriorações, em perfeito estado de limpeza e de conservação bem como proceder à entregar das respetivas chaves.»
Essa carta foi enviada por correio registado com aviso de receção para a morada indicada no contrato, tendo o respetivo aviso de receção sido assinado pessoa diversa do réu, no dia seguinte, ou seja, em 10 de janeiro de 2018.
Aqui chegados, não subsistindo dúvidas de que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento efetuada pela Autora cumpriu todos os requisitos de forma legalmente exigíveis e mostrou-se atempada, cumpre passar à análise da questão que constitui efetivamente objeto da causa e que se prende com os efeitos da apresentação da candidatura do inquilino ao programa «Lojas com História» e do posterior reconhecimento dessa distinção em momento posterior à data prevista para o termo do contrato de arrendamento.
Como se viu, a apelada, no dia 9 de junho de 2018, comunicou ao apelante a sua oposição à renovação o contrato de arrendamento, devendo o mesmo, por isso, cessar a produção dos seus efeitos no dia 30 de setembro de 2018.
O apelante reagiu a essa comunicação nos termos constantes da carta enviada à senhoria, datada de 7 de março de 2018: «Ex.mos Senhores serve a presente para informar que iremos sair da loja da Rua ____, __ - __ no dia 30 de Abril de 2018.»
O apelado aceitou, assim, pacífica e expressamente, de modo que não deixa dúvidas a quem quer que seja, a oposição manifestada pela apelada, de não renovação do contrato de arrendamento e, consequentemente, da sua cessação, cujos efeitos até antecipou.
No entanto, logo em 9 de abril de 2018, o recorrente, comunicou à recorrida o seguinte: «Exmos. Senhores serve a presente para informar que não iremos sair da loja da Rua ____, __ - __ no dia 30 de Abril de 2018 como anteriormente comunicámos; os problemas de logística, assim como imprevistos em torno da mudança da loja, tornam complicada a data previamente avançada por nós.»
Vislumbra-se a razão de ser desta missiva!
É que, no dia 7 de fevereiro de 2018, cerca de um mês depois de ter recebido a comunicação da apelada a opor-se à renovação do contrato, e da consequente cessação do contrato com efeitos a 30 de setembro de 2018, o apelante requereu a atribuição ao seu estabelecimento, sito no locado, do estatuto de «Loja com História».
Curiosa e estranhamente, naquela carta de 9 de abril de 2018, o apelante não faz qualquer menção ao facto de, cerca de dois meses antes, em 7 de fevereiro de 2018, ter requerido a atribuição do estatuto de «Loja com História» ao seu estabelecimento[7].
Nessa missiva, o apelante continua a não evidenciar qualquer sinal de oposição ou de reserva quanto à não renovação do contrato de arrendamento e, consequentemente, à sua cessação, limitando-se a informar a apelada que por razões de logística e fatores imprevistos relacionados em torno da mudança da loja, é «complicada» a entrega do locado na data indicada na carta que lhe enviou em 09.04.2018: 30 de abril de 2018.
Em momento algum o apelante põe em causa a cessação do contrato, limitando-se a informar a apelada que, afinal de contas, não está em condições lhe entregar o locado na data que anteriormente tinha indicado: 30 de abril de 2018.
Nessa mesma carta, o apelado revela inequivocamente que vai mudar de loja, ou seja, que vai deixar o locado.
Só vários meses depois, por carta de 5 de setembro de 2018, é que o apelante comunicou à apelada o seguinte:
«(...) foi ao nosso estabelecimento comercial concedida a distinção “LOJA COM ESCOLA” por comunicação datada de 8 de Junho de 2018 (...).
Ora, à luz do exposto e tendo em consideração o contrato de arrendamento para fins não habitacionais relativo ao dito espaço, outorgado em 1 de Outubro de 2013 (...) venho informar que por virtude do anteriormente exposto se manterá o mesmo em vigor, nas condições ora vigentes.
(...).»
Perante isto, logo a apelada reagiu, nos termos da carta que enviou ao apelante, datada de 19 de setembro de 2018, comunicando-lhe, que em seu entender, não se encontravam verificados os requisitos previstos no n.º 3 do art. 13.º da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, por referência à al. d) do n.º 3 do art. 51.º da Lei n.º 6/2006, de 27.02.
Independentemente do juízo que se possa fazer quanto ao descrito comportamento do réu, a verdade é que o contrato de arrendamento em causa nestes autos se mantém em vigor.
Conforme referido, com a entrada em vigor do art. 13.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, os contratos de arrendamento sobre imóveis onde funcionasse um estabelecimento comercial classificado pela entidade autárquica competente com a distinção de «Loja com História» deixaram de poder ser objeto de oposição à renovação por parte do senhorio, sendo automaticamente renovados por um período adicional de cinco anos.
Na situação sub judice, dá-se o caso de o reconhecimento formal, em 13 de dezembro de 2018, pela entidade administrativa competente, a Câmara Municipal de Lisboa, do estabelecimento do réu, denominado LT, sito na Loja da autora com o n.º __ de polícia da Rua ____, em Lisboa, objeto da presente ação, ter ocorrido cerca de dois meses e meio depois ao termo previsto para o contrato de arrendamento, sendo que o inquilino, o ora apelante, apresentou a candidatura àquele programa em 7 de fevereiro de 2018, ou seja, já em data posterior ao da comunicação de oposição à renovação do contrato enviada pela senhoria 9 de janeiro de 2018.
Na verdade, os efeitos jurídicos da oposição à renovação ao contrato de arrendamento produziram-se no dia 30 de setembro de 2018, enquanto a distinção de «Loja com História» apenas veio a ser concedida em 13 de dezembro de 2018, ou seja, cerca de dois meses e meio depois.  
Perante isto, duas questões se suscitam:
- por um lado, importa saber se é, de algum modo, imputável ao réu o reconhecimento tardio da distinção do seu estabelecimento como «Loja com História», designadamente pelo facto de ter tomado a iniciativa de se candidatar ao referido programa só após a comunicação da declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento feita pela senhoria, quando é certo que já o poderia ter feito em momento anterior, e, em caso afirmativo, quais as consequências jurídicas que daí advêm para o caso em apreço;
- por outro lado, importa saber se a data da prática do ato administrativo pelo Município de Lisboa, consistente na atribuição ao estabelecimento da distinção de «Loja com História», impede que o inquilino beneficie da prerrogativa constante do artigo 13.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, pelo facto de, nesse momento, já haver sido atingido e ultrapassado o termo do prazo do contrato de arrendamento vigente. 
O artigo 13.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, que entrou em vigor em 24 de junho de 2017, estabelece a imposição de impedimento da oposição à renovação do novo arrendamento que haja transitado para o NRAU, obrigando os senhorios a conformarem-se com o seu prolongamento por um período adicional de cinco anos. 
Os fundamentos essenciais daquele regime jurídico assentam na defesa da preservação do locado onde se encontre um estabelecimento comercial com interesse histórico e cultural ou social local reconhecido pelo município, por razões de interesse público, as quais, na perspetiva do legislador ordinário, prevalecem sobre os interesses meramente privatísticos dos particulares envolvidos, concretamente os do locador na cessação e na melhor rentabilização do seu imóvel.
O reconhecimento da distinção da «Loja com História» constitui um procedimento regulado à luz do Código de Procedimento Administrativo (CPA), competindo a sua decisão ao Município onde se situa a loja em causa, como obediência aos prazos legalmente estabelecidos para o efeito, da parte da entidade administrativa, como em qualquer outra situação, uma atuação procedimental adequada, empenhada, célere e conforme com a possibilidade de satisfação atempada dos pedidos apresentados pelos interessados.
No caso sub judice, foi em 7 de fevereiro de 2018 que o réu apresentou a candidatura do seu estabelecimento ao programa «Loja com História», após ter tido conhecimento da decisão de oposição à renovação do contrato de arrendamento comunicada pela senhoria.
Poder-se-á dizer que o regime de reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local já existia desde junho 2017 e que ao réu, que tinha consciência do prazo do contrato de arrendamento, se impunha um dever de prudência nesta matéria, dever esse que exigiria que ele se tivesse candidato muito tempo antes da data em que o fez, de modo a, assim, poder acautelar um eventual atraso da decisão administrativa e obviar aos efeitos de uma eventual oposição à renovação do contrato. 
Entendemos, porém, que a circunstância de o ter feito apenas em 7 de fevereiro de 2018, em data muito anterior ao da produção de efeitos da aludida declaração de oposição à renovação, não pode, por si só, constituir fator impeditivo da atribuição da prerrogativa constante do art. 13.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho.
É que, apresentando o seu pedido de candidatura em 7 de fevereiro de 2018, o réu fê-lo ainda dentro de um prazo normal e expectável que possibilitaria a deliberação camarária antes da data do termo do contrato de arrendamento em vigor, conforme a seguir melhor se verá (cfr. 128.º do CPA, conjugado com o Regulamento Municipal de Atribuição da Distinção Lojas Com História, constante do Aviso n.º 3461/2017, de 23 de março de 2017, do Município de Lisboa, publicado no Diário da República n.º 66/2017, II Série, de 3 de abril de 2017). 
Cumpre, para o efeito, atentar no que dispõe o CPA quanto aos prazos de decisão de procedimentos de iniciativa particular. 
Dispõe o art 128.º daquele diploma:
1- Os procedimentos de iniciativa particular devem ser decididos no prazo de 90 dias, salvo se outro prazo decorrer da lei, podendo o prazo, em circunstâncias excecionais, ser prorrogado pelo responsável pela direção do procedimento, por um ou mais períodos, até ao limite máximo de 90 dias, mediante autorização do órgão competente para a decisão final, quando as duas funções não coincidam no mesmo órgão.  
2- A decisão de prorrogação referida no número anterior é notificada ao interessado pelo responsável pela direção do procedimento. 
3- O prazo referido no n.º 1 conta-se, na falta de disposição especial, da data de entrada do requerimento ou petição no serviço competente, salvo quando a lei imponha formalidades especiais para a fase preparatória da decisão e fixe prazo para a respetiva conclusão.  
4- No caso previsto na parte final do número anterior, o prazo conta-se do termo do prazo fixado para a conclusão daquelas formalidades.  
5- Para eventual apuramento de responsabilidade disciplinar, a inobservância dos prazos referidos nos números anteriores deve ser justificada pelo órgão responsável dentro dos 10 dias seguintes ao termo dos mesmos prazos.  
6- Os procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados caducam, na ausência de decisão, no prazo de 180 dias. 

Vemos, assim, que o prazo geral para decisão de procedimentos administrativos de iniciativa particular, como é o caso dos autos, é de 90 dias. E mesmo que, no caso concreto, se considerasse a prorrogação excecional prevista nos termos do citado preceito legal (mais 90 dias), o que se poderia equacionar tendo em consideração o prazo de 20 dias previsto para consulta pública, temos por certo que seria, pelo menos expectável, que a conclusão do procedimento administrativo em causa ocorresse ainda antes da data prevista para o termo do contrato, já que entre a candidatura e o termo do contrato mediaram mais de sete meses.
Mesmo se atentarmos no disposto no referido Regulamento Municipal de Atribuição da Distinção Lojas Com História, constata-se que os procedimentos administrativos aí previstos não assumem uma qualquer especial complexidade que justifique o não cumprimento do prazo geral de decisão previsto no artigo 128.º do CPA.
A normal tramitação de um procedimento administrativo como o ali descrito, que ainda por cima analisa realidades histórias e sociais pretéritas, perfeitamente objetivas e apreensíveis, não deveria razoavelmente demorar perto de um ano, como demorou, assim frustrando as legítimas expectativas do inquilino.
O inquilino, aqui réu, não poderá ser prejudicado pelos atrasos do referido procedimento, não sendo concebível que a definição da situação jurídica do ora apelante pudesse ficar exclusivamente dependente das contingências processuais do funcionamento dos órgãos do Município.
Considera-se, pois, que o apelante, ainda que o pudesse ou devesse ter feito antes, promoveu o processo administrativo próprio com vista à candidatura do seu estabelecimento ao programa «Lojas com História» dentro de um prazo ainda razoável e que, expectavelmente, possibilitaria a deliberação camarária antes do termo do contrato de arrendamento. 
Imputar ao inquilino a demora do referido procedimento administrativo conduziria a uma violação clara do princípio geral da tutela da confiança, princípio que, salvaguardando a atribuição a qualquer cidadão de determinada prerrogativa, por uma questão de elementar segurança jurídica e boa fé, exige que sejam assegurados os procedimentos instrumentais suscetíveis de a formalizar e concretizar, os quais terão de corresponder à possibilidade do seu exercício e da sua plena execução prática, em tempo útil e razoável. 
Esta interpretação impõe-se tanto mais quando está em causa nos autos a efetiva e real existência no locado de um estabelecimento comercial com significado histórico local e de carácter público, realidade de facto que obviamente já existia antes do formal reconhecimento pela Câmara Municipal de Lisboa. 
Acresce que o réu, antes do termo do contrato, por carta de 5 de fevereiro de 2018, informou a autora da candidatura o estabelecimento ao programa «Loja com História”.
Portanto, antes da data da cessação do contrato, a autora ficou a saber, pelo menos, da existência de um processo administrativo em curso tendente ao reconhecimento do estabelecimento do réu como «Loja com História» e que se lhe fosse atribuída tal distinção, o contrato de arrendamento não poderia afinal cessar em 30/09/2018, face ao imperativo legal decorrente do citado art. 13.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho.
Tanto mais que a autora até respondeu ao réu, em 19 de setembro de 2018, dando-lhe de que, em seu entender, este «não cumpria com qualquer dos requisitos previstos no n.º 3, do artigo 13.º da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, por referência à alínea d) do n.º 3, do artigo 51.º da Lei n.º 6/2006».
A autora não poderia, assim, ignorar que na data prevista para o termo do contrato (30 de setembro de 2018), o réu ainda se encontrava a aguardar, desta feita num plano puramente jurídico-formal, a prática do ato administrativo de que dependia o reconhecimento da atribuição ao seu estabelecimento da distinção de «Loja com História».
A autora não poderia, pois, desconhecer que só no caso de não vir a ser atribuído ao estabelecimento do réu a distinção de «Loja com História», é que teria plena validade a sua manifestação de oposição à renovação do contrato de arrendamento que comunicou ao réu.
Neste contexto, só esse facto juridicamente relevante, ou seja, a pendência de procedimento administrativo tendente ao reconhecimento do estabelecimento do réu «Loja com História», seria suficiente para considerar suspenso ou interrompido o prazo decrescente em curso até à data do termo do contrato.  
Ainda que o legislador nada tenha expressamente previsto sobre esta matéria, o certo é que faz muito pouco sentido e põe em causa toda a ratio protetora subjacente ao regime da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, considerar terminantemente cessado um contrato de arrendamento (com todas as consequências definitivas e gravosas que daí decorrem), quando, à data prevista para o seu termo, já existe em curso um procedimento administrativo tendente a um reconhecimento que, a ser atribuído, pode vir a obstaculizar a oposição à não renovação feita pelo senhorio.  
Qualquer interpretação nesse sentido, por puramente formalista, não deixa de ferir princípios essenciais como o da boa fé na execução dos contratos e o da segurança jurídica, bem assim como as razões de interesse geral visadas com a aprovação do aludido regime jurídico especial.
E a vingar uma tal posição, veríamos certamente muitos contratos de arrendamento, com previsão de extinção a termo certo e incidentes sobre estabelecimentos de interesse histórico e cultural, a sair da alçada protetora da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, quando manifestamente o legislador pretendeu o contrário com a aprovação deste regime e com a ampliação da esfera de proteção deste tipo específico de arrendamentos.  
Ora, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presume que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cf. artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil).
No sentido do texto, veja-se o Ac. do TRL de 22 de janeiro de 2019, proferido no Proc. n.º 1316/18.5YLPRT.L1 (Luís Espírito Santo), in www.dgsi.pt, a propósito da expressão contida no artigo 13.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2071, de 14 de junho.

Segundo aquele aresto, a correta interpretação daquela expressão deverá tomar em consideração na sua ratio legis
«1.º- a efectiva e real existência no locado de um estabelecimento comercial com significado histórico local, a reconhecer pelo Município, o qual, antes desse formal reconhecimento, já revestia obviamente tais características objectivas e intrínsecas, facilmente apreensíveis por todos os municípes e pelo público em geral. 
Ou seja, do que se trata essencialmente é de reconhecer uma realidade pretérita largamente consolidada no tempo e na história da cidade, de carácter público, pelo menos no plano local. 
2.º- a promoção pelo inquilino do processo administrativo próprio com vista à sua candidatura a tal distinção dentro do prazo normal e expectável que possibilite a deliberação camarária antes do termo do contrato de arrendamento em vigor.». 
Ambos os pressupostos acabados de elencar se verificam no caso concreto, razão pela qual se conclui que a Ré, não obstante o período de tempo que mediou entre o termo previsto no contrato e a data posterior da prática do acto administrativo que lhe conferiu a distinção de Loja com História, deve beneficiar do regime próprio consignado no artigo 13.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2017, de 14 de Junho. 
Consequentemente, impõe-se à ora Autora o impedimento da oposição à renovação do contrato de arrendamento e o prazo adicional de cinco anos de vigência contratual».
Conclui-se, assim, face aos considerandos que antecedem, que o contrato de arrendamento que liga apelante e apelado se mantém em vigor, nos termos e para os efeitos do art. 13.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2017, de 14 de julho.

*

IV–DECISÃO:

Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação procedente, em consequência do que revogam o despacho saneador-sentença recorrido, declarando em vigor, nos termos e para os efeitos do art. 13.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2017, de 14 de julho, o contrato de arrendamento que liga apelante e apelada, tendo por objeto a Loja com o n.º __ de polícia da Rua ____, em Lisboa.
Custas a cargo da apelada (arts. 527.º, n.º 1 e 2, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, do C.P.C.)


Lisboa, 14 de setembro de 2021


José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara


[1]Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2]Neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 768, nota 5.
[3]Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, 2018, p. 159, nota. 256.
[4]A data referida em 8.
[5]Pertencem a esta Lei os preceitos legais que vierem a ser citados sem indicação da respetiva fonte.
[6]Arrendamento Urbano, 9.ª edição, Almedina, 2019, pp. 162.­
[7]Talvez o princípio da boa fé, que deve nortear a vida dos contratos, aconselhasse a prestação de tal infomação.