Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14285/18.2T8LSB.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGAR PROVIMENTO
Sumário: I– As regras da repartição do ónus da prova não servem para que o tribunal possa formar a sua convicção a respeito da verificação deste ou daquele facto selecionado como relevante para a decisão da causa. Será, aquando da aplicação do direito aos factos provados, que o tribunal extrairá as devidas consequências da prova (ou falta de prova) desses mesmos factos.

II– A qualificação como “investidor não qualificado” resulta do não preenchimento da previsão do art. 30.º do Código dos Valores Mobiliários (na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15-03), constituindo uma conclusão jurídica, a extrair, na fundamentação de direito.

III– Não pode ser considerado facto notório o “modus operandi” de um certo Banco enquanto intermediário financeiro ou o facto de as contas de determinada sociedade detentora desse Banco serem (alegadamente) falsificadas.

IV– São pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro: o facto ilícito e culposo (“violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade”); o dano (“obrigados a indemnizar os danos”); e o nexo de causalidade (“causados a qualquer pessoa em consequência” daquela violação).

V– Ainda que fosse de considerar verificada a violação do dever de informação, esta não pode configurar causa adequada do dano, quando, em termos naturalísticos, não resultou provado nenhum facto a esse respeito, designadamente não se provou que o falecido irmão do Autor teria deixado de subscrever o produto (Obrigações) se lhe tivesse sido mostrada a respetiva Nota informativa e prestada toda a informação a respeito das caraterísticas do mesmo. Tão pouco existindo factos (incluindo os supostos factos notórios) que permitam considerar que, em 2004, aquando da subscrição do produto, era muito provável que a sociedade emitente viesse a encontrar-se, cerca de 12 anos depois, numa situação de insolvência ou (à beira desta).

Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados


IRELATÓRIO:


SG… interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a ação declarativa de condenação que, sob a forma de processo comum, intentou contra Banco … Português, S.A..

Na Petição Inicial, apresentada em 15-06-2018, o Autor pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia global de 59.502,39 €, acrescida de juros à taxa supletiva legal, contados sobre 50.000 €, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

O Autor alegou, para tanto e em síntese, que:
- É irmão de EG…, falecido em 2017, o qual não deixou descendentes, nem vivos os ascendentes, sendo ele o seu único e universal herdeiro;
- O Autor e o seu falecido irmão eram investidores não qualificados, sendo simples aforradores e eram há mais de 15 anos clientes do Banco Réu;
- O Autor e o seu falecido irmão tinham num depósito a prazo a quantia de 50.000 € quando receberam um telefonema do gestor de conta dizendo que tinha um novo produto totalmente seguro, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que permitia auferir uma taxa de juro superior;
- Esse novo produto tratava-se de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, emitidas pela SLN - Soc. … de …, SGPS, S.A., tendo sido dadas instruções aos funcionários do Banco para não entregarem aos clientes, potenciais ou efetivos subscritores das Obrigações, a nota informativa do produto, convidando-os a aderir ao mesmo como se este fosse um simples sucedâneo de um depósito a prazo;
- Seduzido pela conversa do funcionário, o falecido irmão do Autor subscreveu o boletim de subscrição de uma Obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor nominal de 50.000 €;
- Nunca o falecido irmão do Autor teria aceitado subscrever uma Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido;
- A SLN - Soc. … de …, SGPS, S.A. não pagou as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 na data do seu vencimento, em 24 de outubro de 2014, tendo pago os juros semestrais até setembro de 2015.

Regularmente citada, a Ré apresentou Contestação, na qual se defendeu por exceção (prescrição) e por impugnação motivada, alegando, em síntese, que: a sua intervenção ocorreu na qualidade de simples intermediária financeira, tendo cumprido todos os seus deveres de informação; não foi garantido o pagamento do produto no seu prazo de maturidade pelo Banco, antes se apresentou o mesmo com a obrigação de entrega do capital e dos juros da exclusiva responsabilidade da entidade emitente. Concluiu, pugnando pela improcedência da ação.
 
Dispensou-se a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, em que se decidiu relegar para final o conhecimento da exceção de prescrição, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, nos seguintes termos:

“A– O objecto do litígio:
Da responsabilidade contratual do Réu no reembolso do capital relativo à aquisição por parte do irmão do Autor da obrigação SLN Rendimento Mais 2004.
B– Os temas da prova:
–Das informações prestadas ao irmão do Autor prévias à aquisição da obrigação SLN Rendimento Mais 2004 com a garantia de reembolso de capital a 100% e a sua equivalência a um depósito a prazo e das condições de aplicação;
–Do papel do Banco BPN na venda da obrigação SLN Rendimento Mais 2004;
–Dos danos causados e do nexo causal entre os danos e o facto ocorrido”.

Em 04-02-2019, o Autor veio requerer a junção aos autos de duas certidões, juntando apenas a folha de rosto de cada uma, com o respetivo código de acesso, por se tratarem de documentos com 1593 páginas e 1798 páginas.

Realizou-se a audiência final, no decurso da qual foram ouvidas três testemunhas.

Foi também proferido, relativamente à requerida junção documental, o seguinte despacho:
“Face aos temas da prova que estão aqui em discussão e que estão referidos no despacho saneador de fls. 120, não se revela pertinente à boa decisão da causa os documentos ora juntos pelo Autor, para além de que já decorreu o hiato de tempo previsto no artigo 423.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Nestes termos, proceda-se ao desentranhamento do requerimento de fls. 134 e seguintes”.

De seguida, foi proferida a sentença recorrida, que julgou a ação improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Inconformado com esta decisão, veio o Autor interpor o presente recurso de apelação, em que pugnou pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por decisão que julgue a ação procedente, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões (dada a sua extensão, reproduzimos apenas a parte útil):
(…) B.– Reputa-se como um facto público e notório (que dispensa alegação e prova), o modus operandi do Banco réu, o qual consistiu em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.
C.– E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros, o que na realidade não era verdade.
D.– A forma como foram comercializadas as obrigações SLN 2004 é hoje um facto notório e do perfeito conhecimento de todos os magistrados do tribunal cível da comarca de Lisboa.
E.– Não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
F.– Pese embora o antigo gerente da agência de Tomar do Banco réu, FL…, não ter sido ouvido em sede de audiência de julgamento, por se encontrar atualmente em Angola, e de ter sido ele quem vendeu a obrigação dos autos ao falecido irmão do autor, entendemos, ao contrário do tribunal a quo, que ficou apurado quais as informações efetivamente prestadas ao falecido irmão do autor, até porque, como resulta dos autos, tais informações eram generalizadas pelos funcionários do Banco réu, que as transmitiam aos clientes, após receberem instruções dos seus superiores para o efeito.
G.– A argumentaria utilizada pelos comerciais do banco (que as obrigações SLN eram um “produto de capital garantido pelo banco, semelhante a um depósito a prazo”) foi a mesma em todo o lado, a nível nacional, como bem o demonstra o documento 12 da petição inicial!
H.– A alínea a) dos factos não provados deveria ter sido dada por provada, atento o depoimento da testemunha AC….
I.– Por outro lado, refira-se, que, segundo as regras da repartição do ónus da prova (artigos 344.º e 799.º do Código Civil) caberia ao Banco réu ter demonstrado que tanto o autor como o seu falecido irmão eram investidores qualificados.
J.– Atenta a distinção entre a letra constante do preenchimento e a letra constante da assinatura do Doc. 15 da p.i., e, bem assim, atentas as declarações das testemunhas FC… e AC…, deveria o tribunal a quo ter dado por “provadas” as alíneas e), h) e q) dos factos não provados.
K.– As alíneas i) e j) dos factos não provados deveriam ter merecido a resposta de “provadas”, tendo em conta os depoimentos das testemunhas FC… e AC….
L.– Dado que não foi explicada ao falecido irmão do autor a característica da subordinação, que o produto lhe foi apresentado como um produto do Banco, garantido pelo Banco, tendo-lhe sido garantido pelos funcionários do Banco réu que o capital investido era garantido, facilmente se aquilata que nunca o falecido irmão do autor teria aceitado a sugestão do funcionário do Banco réu de subscrever uma obrigação “SLN Rendimento Mais 2004” se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivesse sido mostrada a nota informativa respetiva.
M.– Por último, também as alíneas n) e r) dos factos não provados deveriam ter sido dados por “provadas”, tendo por base os depoimentos das testemunhas FC… e AC….
N.– O depoimento da testemunha AC… tem sido valorado em outros processos a correr no Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa, respeitantes a obrigações da SLN, vendidas ao balcão de Tomar do banco réu, pelo mesmo funcionário que vendeu aquela em causa nestes autos ao irmão do autor.
(…) P.–No caso de o cliente não ser um investidor institucional ou experiente, carece objetivamente de particular proteção, nomeadamente em termos de informação.
(…) S.– Os depoimentos das testemunhas ouvidos em sede de audiência de julgamento evidenciam um incentivo descarado do cliente a efetuar operações que tinham objetivos contrários aos seus interesses, por um lado, e um flagrante conflito de interesses entre o falecido irmão do autor, por um lado, e o BPN e a SLN, por outro.
T.– A informação prestada pelo Banco … Português, S.A. ao falecido irmão do autor acerca do produto financeiro obrigações “SLN RENDIMENTO MAIS 2004", responsabiliza o Banco, enquanto intermediário financeiro.
U.– A informação prestada pelo BPN, através dos seus funcionários da agência de Tomar, ao falecido irmão do autor, acerca do produto financeiro obrigações “SLN RENDIMENTO MAIS 2004", foi enganosa, defeituosa, imperfeita e inexata, porque não foi explicitado ao mesmo que a aquisição do produto financeiro comportava risco, não sendo reconduzível à figura de um puro depósito a prazo.
V.– No caso sub judice está provado que os funcionários das agências do Banco … Português, S.A. tinham indicações superiores para convencerem os clientes a adquirirem aquele produto financeiro como se fosse um produto semelhante a um depósito a prazo e que esses funcionários estavam convencidos, de acordo com indicações superiores que lhes foram transmitidas, que as obrigações “SLN RENDIMENTO MAIS 2004” constituíam um produto financeiro seguro e que não ofereciam risco para os subscritores, razão pela qual asseguraram ao falecido irmão do autor que tais obrigações eram um mero sucedâneo de um depósito a prazo, sem qualquer risco e melhor remunerado, o que se recolhe da factualidade consignada no mail junto como Doc. 13 da petição inicial.
W.– O tribunal a quo estava obrigado a atentar nos documentos n.º 12 e n.º 13 da petição inicial, bem como nos dois documentos (certidões judiciais) juntas aos autos em 4 de fevereiro de 2019.
X.–  O mail junto como Doc. 12 da petição inicial é revelador de um padrão comportamental por parte das chefias do Banco: seduzir os clientes com produtos de risco, como se de depósitos a prazo se tratasse.
Y.–  O tribunal a quo não procedeu ao exame crítico das provas e deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar.
Z.– A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
AA.–  Presumindo-se a culpa do devedor, este só consegue evitar a obrigação de indemnizar o credor se demonstrar que não teve culpa na violação do vínculo obrigacional, ou seja, que não lhe possa ser censurável o facto de não ter adotado o comportamento devido.
(…) CC.– Na informação prestada ao falecido irmão do autor acerca do produto financeiro obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004, exigia-se ao Banco ... Português, S.A. uma atuação caracterizada por um elevado grau de diligência, prudência, zelo e cautela.
(…) GG.– O Banco … Português, S.A. não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impende, pois não fez prova de que agiu com toda a diligência que lhe era exigível e de que atuou de acordo com o grau de zelo, de cautela, de responsabilidade e competência técnica que a situação exigia.
HH.– Resulta cristalino dos documentos n.º 9, n.º 12 e n.º 13 da petição inicial, dos depoimentos das testemunhas FC… e AC… que o Banco … Português, S.A., ao invés de informar o falecido irmão do autor do risco inerente à aquisição da obrigação “SLN RENDIMENTO MAIS 2004" dos autos, enganou-o sobre as características do dito produto financeiro, depois de já ter feito o mesmo aos seus funcionários.
II.– Os autos demonstram que o falecido irmão do autor só adquiriu a obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004 dos autos por ter sido convencido, pelos funcionários do Banco réu que o retorno da quantia investida na sua aquisição era garantida pelo próprio Banco, e que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo, com características semelhantes a este.
JJ.– Ficou provado que o falecido irmão do autor nunca teve intenção de adquirir aquele produto financeiro, nem o teria adquirido se os funcionários do Banco … Português, S.A. o tivessem previamente informado acerca das suas características.
KK.– Ocorreu uma gritante violação dos deveres de informação a que o Banco … Português, S.A. estava vinculado na atividade que desenvolveu junto do falecido irmão do autor, enquanto intermediário financeiro.
LL.– Sendo o Banco … Português, S.A. responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários, conclui-se que aquele violou, de forma ostensiva, os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito.
MM.– O Banco réu atuou de forma ilícita e não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impedia.
NN.– A falha de informação inicial do Banco … Português, S.A. acerca das características das obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 projetou-se negativamente na esfera patrimonial do autor, o qual, após o vencimento da aplicação, não foi reembolsado pela emitente SLN.
OO.– O comportamento do BPN foi decisivo e causal na produção dos danos sofridos pelo autor, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco (um produto semelhante a um depósito a prazo), que o seu falecido irmão deu o seu acordo na aquisição de uma obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004.
PP.– Os factos demonstrados no caso dos autos confirmam que a vontade do irmão do autor foi determinada pelas informações enganosas que lhe foram prestadas pelo Banco réu.
QQ.– É ostensivo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei, nomeadamente os deveres de informação, a que o Banco ... Português,S.A. estava adstrito e o dano que o autor reclama nesta ação.
RR.– O dano corresponde ao valor do montante investido e não reembolsado na data do vencimento da aplicação.
SS.– O mail junto como Doc. n.º 13 da petição inicial, é revelador de uma narrativa e de um padrão comportamental por parte do Banco réu, coerente e em sintonia com os depoimentos das testemunhas, supra reproduzidos, que se traduz num incentivo aos funcionários para ocultarem aos clientes as verdadeiras características dos produtos comercializados.
TT.– O ónus da prova da prestação da informação correta sobre o produto financeiro cabia ao Banco réu.
UU.– Os autos revelam um ostensivo conflito de interesses entre a SLN e o Banco réu, consubstanciado no simples facto de o BPN e a SLN terem por Presidente do Conselho de Administração o mesmo JC….
VV.– Revelou-se também uma intermediação excessiva, pois a atividade descrita e demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, no verdadeiro sentido do termo: do que se tratava era de utilizar o Banco réu para captar de forma ilícita recursos para a sua dona, através de uma autêntica caça aos depósitos a prazo dos seus clientes.
WW.– Está demonstrado nos autos e é um facto notório (o que dispensa esforço de alegação e prova) que as contas da SLN eram falsificadas desde o ano 2000.
XX.– A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de já em 2004 a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN serem falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.
YY.– O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações como a dos autos.
ZZ.– A decisão de que ora se recorre vai contra o entendimento maioritário e consolidado dos juízes do Juízo Cível Central de Lisboa, em causas da mesma natureza, patrocinadas pelo mesmo mandatário, por factos praticados em Leiria, pelos mesmos funcionários, conforme sentenças, proferidas no âmbito dos processos n.ºs 6543/16.7T8LSB, do Juiz 4; 3317/15.6T8LRA, do Juiz 13 e 3341/15.9T8LRA, do Juiz 18, todas transitadas em julgado.
AAA.– O entendimento pelo qual pelejamos tem sido perfilhado por este Venerando Tribunal, nos acórdãos de (…).
BBB.– Tal entendimento foi acompanhado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdãos de (…).
CCC. – Também o Supremo Tribunal de Justiça perfilha o mesmo entendimento: nomeadamente nos acórdãos de (…).
DDD.– Atua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem o capital investido era garantido.
EEE.– Demonstrados o facto, o tipo, a ilicitude, a culpa (que se presume), bem como o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, deverá ser revogada a douta sentença recorrida.
FFF.– A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 73.º; 74.º; 75.º, n.º 1, 76.º e 77.º do R.G.I.C.S.F.; nos artigos 227.º, 309.º; 323.º, n.º 1; 342.º, n.º 1; 344.º, n.º 1; 376.º; 406.º; 483.º; 485.º; 487.º; 563.º; 573.º; 762.º, n.º 1; 798.º; 799.º e 800.º do Código Civil; nos artigos 412.º, n.º 1, 574.º, n.º 1 e n.º 2; 607.º, n.º 4 e n.º 5 e 615.º, n.º 2, alíneas b) e c) do C.P.C. e nos artigos 1.º, n.º 1, al. a); 7.º; 30.º; 289.º; 290.º; 292.º; 293.º, n.º 1, al. a); 304.º; 304.º-A; 305.º; 309.º-A; 309.º-B; 310.º; 312.º; 314.º; 324.º, n.º 2 e 325.º a 334.º do C.V.M..

Foi apresentada alegação de resposta, em que a Ré/Apelada defendeu que deverá manter-se a sentença recorrida, encerrando as suas conclusões, nos seguintes termos:
19. – Finalmente, a responsabilidade bancária distingue-se da do intermediário financeiro: esta, fixada no Código dos Valores Mobiliários, acompanha as informações a prestar sobre a própria situação de intermediação.
20. – Quanto aos produtos: o intermediário financeiro não se substitui às informações a prestar pelo emitente e não pode ser um garante dos produtos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

IIFUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).

Face ao teor das conclusões da alegação de recurso, identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª)-  Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto, passando a considerar-se provado o que consta das alíneas a), e), h), i), j), n), q) e r) do elenco dos factos não provados da sentença;
2.ª)- Se a Ré incorreu em responsabilidade civil (pré-contratual, contratual ou extracontratual), por violação de deveres legais na sua atuação como intermediária financeira aquando da subscrição pelo falecido irmão do Autor de uma Obrigação SLN Rendimento mais 2004, com a consequente obrigação de indemnizar, e, na afirmativa, qual a medida da indemnização devida.

Factos provados

Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos (alterámos o texto em conformidade com o Acordo Ortográfico e acrescentámos o que consta entre parenteses retos):
1. EG… faleceu em 18 de março de 2017, no estado de divorciado (parte do artigo 1.º da petição inicial).
2. EG… não deixou descendentes, nem vivos ascendentes, tendo-lhe sucedido como “herdeiro legitimário” o Autor SG…, seu irmão germano (artigo 2.º da petição inicial).
3. O Banco … PORTUGUÊS, S.A. é um banco comercial que girava anteriormente sob a denominação BPN – BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A. (artigo 3.º da petição inicial).
4. Até à nacionalização do BPN – BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS, S.A., a totalidade do capital social do Banco era detida, na íntegra, pela sociedade BPN, SGPS, S.A., a qual, por sua vez, era detida na íntegra pela sociedade SLN – SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS, SGPS, S.A. (artigo 5.º da petição inicial).
5. O Banco Réu era uma instituição de crédito e um intermediário financeiro (artigo 9.º da petição inicial).
6. O Autor e o seu falecido irmão eram, há mais de quinze anos, clientes do Banco Réu, através da agência de Tomar, através da conta solidária 0..9.0000.1……….1.51 (artigo 19.º da petição inicial).
7. O falecido irmão do Autor subscreveu no dia 13 de outubro de 2004, o boletim de subscrição de uma obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004, no valor nominal de 50.000,00 € (artigo 61.º da petição inicial).
8. No dia 19 de outubro de 2004, o Autor e o seu falecido irmão resgataram o depósito a prazo que tinham noutra instituição financeira e depositaram a respetiva quantia na sua conta à ordem do Banco Réu, tendo de imediato sido a aludida quantia aplicada num depósito a prazo (artigo 63.º da petição inicial).
9. A referida quantia do Autor e do seu falecido irmão foi aplicada, na sua totalidade, na compra do título em causa, em 25 de outubro de 2004 (artigo 64.º da petição inicial).
10. O referido título encontra-se, ainda hoje, depositado na carteira de títulos do Autor, junto do Banco Réu (artigo 82.º da petição inicial).
11. Enquanto houve lugar ao pagamento de juros pela G…, SGPS, S.A., o mesmo sempre teve lugar por intermédio do Banco Réu (artigo 87.º da petição inicial).
12. A operação foi lançada em setembro/outubro de 2004 (artigo 103.º da petição inicial).
13.A SLN – SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS, SGPS, S.A. não pagou as obrigações SLN RENDIMENTO MAIS 2004 na data do seu vencimento, em 24 de outubro de 2014 (artigo 118.º da petição inicial).
14. Ainda assim pagou os juros semestrais até setembro de 2015 (artigo 119.º da petição inicial).
15. A G…, SGPS, S.A. foi declarada insolvente por sentença [de 29-06-2016, proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Central, 1.ª Secção de Comércio-J4, no âmbito do processo n.º 23449/15.0T8LSB] (artigo 121.º da petição inicial).

Na sentença recorrida, foram considerados não provados os seguintes factos (sublinhámos as alíneas de que constam os factos que o Apelante pretende ver provados):
a)- O Autor e o seu falecido irmão eram investidores não qualificados (artigo 13.º da petição inicial).
b)- O Autor e o seu falecido irmão eram simples aforradores que tinham num outro Banco um depósito a prazo (artigo 17.º da petição inicial).
c)- O Autor e o seu falecido irmão tinham, num depósito a prazo, num outro Banco, em outubro de 2004, a quantia de 50.000,00 € (artigo 59.º da petição inicial).
d)- No início do mês de outubro de 2004, o falecido irmão do Autor recebeu um telefonema do seu gestor de conta, FL…, à data, funcionário do Banco Réu, dizendo-lhe que o Banco tinha um novo produto totalmente seguro, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior (artigo 60.º da petição inicial).
e)- O referido documento de subscrição, sem qualquer numeração, uma mera cópia de outra cópia anterior, foi colocado na frente do falecido irmão do Autor, já preenchido à mão, e este limitou-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado (artigo 62.º da petição inicial).
f)- O Autor e o seu falecido irmão eram avessos a qualquer tipo de jogo ou de risco (artigo 65.º da petição inicial).
g)- O falecido irmão do Autor era reformado e tinha por habilitações o 2.º ciclo do ensino básico (artigo 66.º da petição inicial).
h)- O falecido irmão do Autor só se dispôs a aplicar o seu dinheiro na obrigação sugerida pelo Banco Réu por que lhe foi afiançado, pelo funcionário do mesmo, que o retorno da quantia da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características (artigo 67.º da petição inicial).
i)- Os funcionários do Banco informaram o falecido irmão do Autor de que se tratava de um produto sem qualquer risco e que podia ser resgatado a qualquer altura (artigo 69.º da petição inicial).
j)- Foi assegurado ao falecido irmão do Autor, que não obstante tratar-se de uma obrigação a dez anos, este poderia, querendo, resgatá-la a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros (artigo 71.º da petição inicial).
k)- O falecido irmão do Autor apenas estava disposto a aceitar subscrever uma aplicação em que a recuperação do valor fosse segura a 100%, além de poder ser resgatada a qualquer altura (artigo 72.° da petição inicial).
l)- O que era do pleno conhecimento dos funcionários do Banco Réu que com ele lidavam (artigo 73.º da petição inicial).
m)- Os funcionários do Banco tinham perfeita consciência de que o falecido irmão do Autor, devidamente informado, nunca aceitaria subscrever o produto em causa (artigo 75.º da petição inicial).
n)- Nunca o falecido irmão do Autor teria aceitado subscrever uma obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004 se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e sobretudo se lhe tivesse sido mostrado o documento onde consta “Reembolso antecipado”, “Liquidez” e “Subordinação”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição (artigo 81.º da petição inicial).
o)- Apesar de inúmeras vezes ter o falecido irmão do Autor exigido que lhe fosse dada informação, nomeadamente documento escrito com as condições de aplicação, a rentabilidade, as condições de movimentação e demais informação relevante, a mesma nunca lhe foi fornecida (artigo 91.º da petição inicial).
p)- O falecido irmão do Autor nunca adquiriu, nem alguma vez teve intenção de adquirir obrigações da SLN – SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS, SGPS, S.A., atualmente G…, SGPS, S.A. (artigo 100.º da petição inicial).
q)- O Banco Réu assegurou ao falecido irmão do Autor que se tratava de uma aplicação substancialmente igual a um depósito a prazo, em especial quanto ao prazo e à sua remuneração através de uma taxa fixa e líquida (artigo 138.º da petição inicial).
r)- O falecido irmão do Autor só aceitou subscrever uma obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004 sob o compromisso expresso do BPN recomprar a obrigação na data acordada, pelo valor da compra, pagando juros por esses valor e pelo período correspondente, à taxa pré-estabelecida (artigo 139.º da petição inicial).

1.ª questãoDa impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Defende a Autora/Apelante que devem ser considerados provados os factos que, na sentença recorrida, foram considerados não provados, nas alíneas a), e), h), i), j), n), q) e r).

Atentemos na motivação constante da sentença recorrida:
“A convicção do Tribunal (artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil), espelhada nos factos provados e não provados, foi adquirida com base na apreciação crítica, conjugada e concatenada, dos documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas.
No âmbito da presente acção, resulta que os factos dados como provados de 3. a 15. não foram impugnados pelo Réu.
Quanto aos factos contidos em 1. e 2., resultam do Assento de óbito junto aos autos a fls. 21 e da Escritura de habilitação junta aos autos a fls. 22 a 23 vs., respectivamente.
Não resultou mais nenhum facto provado (matéria de facto não provada), apesar dos documentos juntos pelo Autor com a sua petição inicial e dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência final.
Assim, dos documentos juntos aos autos não resulta qualquer facto relativo ao Autor e ao seu falecido irmão, designadamente quanto às informações prestadas ou não ao falecido irmão do Autor aquando da aquisição da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004 (factos não provados d), e), i), j), q)).
A prova testemunhal também não alicerçou qualquer facto. A testemunha FC… nunca falou com o falecido irmão do Autor, nem era o seu gestor de conta e não lhe comercializou o produto em causa nos autos, apenas falando em termos gerais sobre as Obrigações SLN Rendimento Mais. SANDRA G… também nada sabia sobre a situação em causa nos autos, não lidava regularmente com o falecido irmão do Autor, acompanhava muito pouco e não sabia nada sobre o seu perfil, referindo ainda que não comercializou Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, porquanto era à data apenas responsável administrativa. Finalmente a testemunha AC…, que também trabalhou no BPN, apenas começou a lidar com o falecido irmão do Autor em 2007 e falou de forma genérica sobre a comercialização das Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”.

Vejamos, em primeiro lugar, o facto referido na alínea a).

O Autor e o seu falecido irmão eram investidores não qualificados (artigo 13.º da petição inicial).
Este facto foi efetivamente alegado no art. 13.º da Petição Inicial, acrescentando-se aí “na terminologia legal adotada pela CMVM”. E foi expressamente impugnado no art. 74.º da Contestação, acrescentando-se aí que o subscritor do produto em causa “sempre foi pessoa informada, consciente, cuidadosa e preocupada com o investimento do seu património” e que “aplicava o seu dinheiro em produtos diferentes dos simples depósitos a prazo”, exemplificando-se com o pagamento de juros de Obrigações BPB 2003, em 17-12-2003, ou a subscrição de Unidades de Participação no Fundo de Investimento Imobiliário BPN Tesouraria, em 22-01-2004, conforme extrato junto como documento 1.
No entender, da Apelante a “alínea a) dos factos não provados deveria ter sido dada por provada, atento o depoimento da testemunha AC…”. Além disso, “segundo as regras da repartição do ónus da prova (artigos 344.º e 799.º do Código Civil) caberia ao Banco réu ter demonstrado que tanto o autor como o seu falecido irmão eram investidores qualificados”.
Como é sabido, as regras da repartição do ónus da prova não servem para fundamentar/motivar a decisão da matéria de facto, no sentido de considerar como provado ou não provado determinado facto. Não estamos com isto a dizer que sejam irrelevantes, já que não podem deixar de ser tidas em conta enquanto critério de seleção dos factos relevantes. Mas não servem para que o tribunal possa formar a sua convicção a respeito da verificação deste ou daquele facto eleito como relevante para a decisão da causa. Será depois, aquando da aplicação do direito aos factos provados, que o tribunal extrairá as devidas consequências da prova (ou falta de prova) desses mesmos factos.
Nessa medida, tendo sido o Autor a alegar o facto em apreço, não deixa de ser contraditório com essa alegação vir defender que à Ré é que incumbia demonstrar (o que obviamente pressupõe a alegação desse facto) que o Autor e o seu falecido irmão eram investidores qualificados.
Quanto ao significado da expressão “investidor não qualificado”, trata-se efetivamente de um conceito legal, consagrado, a dada altura, no Código dos Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13-11), mas que, sublinhe-se, inexistia à data dos factos em apreço nos autos (13-10-2004). Nessa ocasião, estavam previstas no referido Código as figuras de “investidor institucional” e “investidor não institucional” (cf. art. 30.º do CVM, na redação originária e na redação posterior, dada pelo Decreto-Lei n.º 66/2004, de 24 de março). Foi só com o Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de março, que os conceitos de “investidor qualificado” e “investidor não qualificado” foram introduzidos no CVM (no art. 30.º). Entretanto, com a Lei n.º 35/2018, de 20 de julho, foram, aliás, substituídos pelos de “investidor profissional” e “investidor não profissional”.
A qualificação como “investidor não qualificado” resulta, a contrario, do não preenchimento da previsão do art. 30.º, constituindo, quando se justifique, uma conclusão jurídica, a extrair, na fundamentação de direito. Logo, é inaceitável o aditamento de conclusão jurídica. Daí que não mereça censura a justificação constante da sentença recorrida a este respeito, mormente quando aí se afirma que “O restante constante da petição inicial e da contestação e que não se deu como provado ou não provado, são considerações de facto e de direito, opiniões, ilações, conjecturas ou conclusões ou em nada relevam para a decisão da causa”.
Poderia, quando muito, interpretar-se a alegação feita pelo Autor de forma a dela se retirar um sentido mais corrente da expressão, considerando aquilo que foi efetivamente perguntado pelo ilustre mandatário do Autor às testemunhas, aludindo ao perfil de investidor e na linha do que foi mais concretamente descrito na alínea k) da matéria de facto não provada; no fundo, a ideia de um investidor avesso ao risco, que se limitava a aplicar o seu dinheiro em depósitos bancários ou produtos com as caraterísticas dos referidos em k).
No entanto, esta alínea não está abrangida pela impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Ainda assim, sempre diremos que, ouvidos na íntegra os depoimentos das testemunhas, não ficámos minimamente esclarecidos sobre o tipo de investidores que eram o Autor ou o seu falecido irmão. Com efeito, as testemunhas (que eram funcionários do então Banco BPN) não desempenhavam, à data dos factos, as funções de “gestor de conta” ou “gestor de cliente” do falecido irmão do Autor. A testemunha AC… referiu que só mais tarde, a partir de 2007-2008, lidou com ele. A testemunha arriscou dizer que aquele, como investidor, teria “talvez um perfil conservador”, mas acrescentou que não sabia se investia ou não em ações, sabendo pouco sobre o tipo de investidor que era. De salientar que não se pode conhecer o perfil de um cliente apenas pela forma como se relaciona com um determinado Banco, já que poderá fazer investimentos através de outras instituições bancárias.
Ponderámos também o depoimento da testemunha FC…, que parecia conhecer melhor o falecido irmão do Autor (incluindo de “vários convívios com os amigos”), tendo referido que ele tinha um estabelecimento, precisando depois que se tratava de uma loja de ótica, em Tomar. Assim, tratava-se de um comerciante.
A testemunha Sandra G… referiu que o falecido era uma pessoa de “algumas posses”, mas não saber nada sobre o tipo de investimentos que fazia.
Atentámos também no extrato junto pela Ré como documento 1 com a Contestação, do qual resulta que, contrariamente, ao que o Autor parece sugerir com a expressão em causa, o falecido irmão do Autor investia frequentemente em diversos produtos financeiros, assinalando-se, por exemplo, além das Obrigações SLN Rendimento Mais n.ºs 12931, 16702, 18256, 20014, os Cupões BPBDXE n.ºs 20467, 17141, 13440, 15378, 18977, e os Cupões BPN 2008, n.ºs 14357, 16443, 18061.
Concluímos, pois, que não se justifica aditar à matéria de facto provada o que consta da alínea a), improcedendo as conclusões da alegação de recurso neste particular.

Factos vertidos nas alíneas e), h) e q)
Lembramos o teor destas alíneas:
e)- O referido documento de subscrição, sem qualquer numeração, uma mera cópia de outra cópia anterior, foi colocado na frente do falecido irmão do Autor, já preenchido à mão, e este limitou-se a assiná-lo, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado (artigo 62.º da petição inicial).
h)- O falecido irmão do Autor só se dispôs a aplicar o seu dinheiro na obrigação sugerida pelo Banco Réu por que lhe foi afiançado, pelo funcionário do mesmo, que o retorno da quantia da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características (artigo 67.º da petição inicial).
q)- O Banco Réu assegurou ao falecido irmão do Autor que se tratava de uma aplicação substancialmente igual a um depósito a prazo, em especial quanto ao prazo e à sua remuneração através de uma taxa fixa e líquida (artigo 138.º da petição inicial).
No entender da Apelante, estes factos estão provados “atenta a distinção entre a letra constante do preenchimento e a letra constante da assinatura do Doc. 15 da p.i., e, bem assim, atentas as declarações das testemunhas FC… e AC…”.

Em primeiro lugar, importa salientar que, conforme resulta do referido documento e dos depoimentos das três testemunhas, não foi nenhuma delas que “comercializou” (para usar a expressão usada na audiência final) o produto em causa. Foi o gestor de conta, FL… (conforme depoimento das testemunhas Sandra G… e AC…).

Aliás, não obstante as limitações da videoconferência, foi possível exibir o documento à testemunha AC…, o qual precisou que no espaço destinado às assinaturas do Banco não constam duas assinaturas, mas apenas uma, explicando que, abaixo da assinatura, está a letra “A” (admitimos que de Assinatura) e o n.º da procuração daquele gestor de conta (FL…), a quem pertence a assinatura (assim afastando a “sugestão” de que poderia existir uma segunda assinatura, que seria desta testemunha).

Pela análise do documento não nos é possível determinar quem o preencheu.

Atentámos nesse documento, mas também no extrato de conta junto pela Ré com a Contestação (documento 1) e nos depoimentos das testemunhas ( em  especial  a  testemunha  AC…), que esclareceram as caraterísticas do produto, explicando designadamente que se tratava, na altura, de uma aplicação com muita procura, pelo que quando o cliente se queria desfazer do mesmo e receber “o dinheiro de volta” era fácil encontrar quem estivesse interessado em adquiri-lo, o que se processava através de endosso.

Não deixámos também de atentar no teor dos documentos 12 e 13 juntos com a Petição Inicial, invocados pelo Apelante na sua alegação de recurso, os quais não servem para provar quaisquer factos relevantes. Trata-se de cópia de duas mensagens de correio eletrónico que terão sido encaminhadas para o endereço lesados.bpn@gmail.com, em abril de 2010: sendo a primeira uma mensagem, de julho de 2008, enviada por um suposto funcionário do BPN, que nem sequer é testemunha no presente processo, aparentemente dirigida os funcionários do Banco (mas não está indicado o endereço destinatário da mesma), a propósito da emissão de papel comercial da SLN Valor, SGPS, S.A.; e a segunda, de julho de 2009, enviada de endereço que parece ser funcionáriosbpn@sapo.pt (sem estar identificado o autor) dirigida genericamente aos trabalhadores do BPN (para vários endereços internos do Banco), mensagem cujo conteúdo nos dispensamos de reproduzir, mas que é, em jeito de desabafo, um apelo a que os funcionários imprimam, de forma anónima e confidencial os e-mails internos e os enviem para os clientes que subscreveram papel comercial e obrigações do grupo SLN. Estes documentos foram expressamente impugnados pela Ré, no art. 76.º da Contestação, salientando precisamente tratar-se, um de e-mail anónimo cujo conteúdo impugnava, e outro de e-mail de 2008 sem qualquer relevância para os autos. É, pois, evidente que destes documentos não resultam provados os factos em apreço no presente recurso.

Muito menos das certidões cuja junção foi requerida em 04-02-2019, invocadas pelo Apelante nas conclusões da sua alegação de recurso, pois foi proferido, na audiência final, despacho que indeferiu essa junção documental.

O documento 9, também referido pela Apelante na sua alegação, é a nota informativa relativa às Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, documento datado de outubro de 2004, com várias páginas, que, não foi impugnado pela Ré (que o aceita, alegando que o subscritor foi informado sobre todos os elementos da mesma constantes). Ora, é evidente que este documento também não serve para prova dos factos ora em discussão.

Tudo visto e ponderado, não podemos deixar de concluir pela falta de prova sobre o que concretamente se passou aquando da subscrição do produto pelo falecido irmão do Autor. Se algo podemos afirmar é que, tendo-lhe sido exibido o documento de subscrição, que assinou, vindo mais tarde a receber os extratos de conta que refletiam essa posição (e outros investimentos que fez), certamente este, até pela sua qualidade de comerciante, bem sabia que o produto em causa era diferente de um depósito a prazo.

Não vemos, pois, razão para censurar a sentença recorrida, antes nos parecendo correto e acertado o que aí se afirma, salvo quando, certamente por lapso, se  refere  que  a  testemunha FC… nunca   falou   com o falecido irmão do  Autor,  pois  a  testemunha  o  que disse foi que ao Autor só o viu uma vez, após a morte do irmão; já o irmão (do Autor, logicamente) conhecia-o bem, da cidade de Tomar, conforme acima referimos.

De resto, é acertado o que se refere na sentença, mormente que “dos documentos juntos aos autos não resulta qualquer facto relativo ao Autor e ao seu falecido irmão, designadamente quanto às informações prestadas ou não ao falecido irmão do Autor aquando da aquisição da Obrigação SLN Rendimento Mais 2004” e que a “prova testemunhal também não alicerçou qualquer facto”.

Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso, nesta parte.

Factos referidos nas alíneas i), j), n) e r)
Recordemos o teor destas:
i)- Os funcionários do Banco informaram o falecido irmão do Autor de que se tratava de um produto sem qualquer risco e que podia ser resgatado a qualquer altura (artigo 69.º da petição inicial).
j)- Foi assegurado ao falecido irmão do Autor, que não obstante tratar-se de uma obrigação a dez anos, este poderia, querendo, resgatá-la a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros (artigo 71.º da petição inicial).
n)- Nunca o falecido irmão do Autor teria aceitado subscrever uma obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004 se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e sobretudo se lhe tivesse sido mostrado o documento onde consta “Reembolso antecipado”, “Liquidez” e “Subordinação”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição (artigo 81.º da petição inicial).
r)- O falecido irmão do Autor só aceitou subscrever uma obrigação SLN RENDIMENTO MAIS 2004 sob o compromisso expresso do BPN recomprar a obrigação na data acordada, pelo valor da compra, pagando juros por esses valor e pelo período correspondente, à taxa pré-estabelecida (artigo 139.º da petição inicial).

No entender da Apelante, estes factos resultam provados pelos depoimentos das testemunhas FC… e AC….

As considerações supra tecidas, valem também aqui. Não existe nenhuma prova, documental ou testemunhal, relativa à forma como a subscrição do produto pelo falecido irmão do Autor teve lugar, designadamente que tenha sido veiculada a informação referida nessas alíneas, nem qual o conhecimento que o falecido irmão do Autor tinha (ou deixava) de ter sobre as características do produto e o que o motivou ou determinou aquando da subscrição das obrigações em apreço.

Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso, mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto.

2.ª questãoDos pressupostos da responsabilidade civil

Defende o Apelante, reportando-se a um conjunto de factos, incluindo diversos factos que nem sequer resultaram provados, que a Ré está obrigada a indemnizá-lo por ter incorrido, no âmbito da celebração e cumprimento do contrato de intermediação financeira com o falecido irmão daquele, em responsabilidade civil, sustentando que estão verificados todos os pressupostos designadamente “o facto, o tipo, a ilicitude, a culpa (que se presume), bem como o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano”, pelo que deverá ser revogada a sentença recorrida.

A Apelante parece sustentar que além dos factos descritos, existirão factos notórios, que deveriam ser considerados por este Tribunal superior.

Como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 209, seguindo de perto a lição de Castro Mendes, “(S)ão notórios os factos do conhecimento geral, isto é, conhecido ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência (…) No domínio do processo civil, a esfera social que o caracteriza tem de abranger as partes e o juiz da causa. Embora o âmbito da notoriedade apreça hoje consideravelmente alargado mercê dos meios modernos de comunicação de massas, tal não significa que deva ser considerado notório todo o facto divulgado pela imprensa, rádio ou televisão, pois se pode mesmo assim duvidar da sua ocorrência. Sendo, por definição, indiscutível a sua verificação, o facto notório não carece de prova nem é suscetível de prova contrária, sem prejuízo de poder impugnar-se a sua notoriedade.”
Ora, não se vislumbra que exista qualquer facto notório que deva ser considerado nos presentes autos, mormente no tocante ao “modus operandi” do Banco Réu ou à falsificação das contas da SLN.

Teremos, pois, de nos cingir aos factos efetivamente provados, aplicando o direito aos mesmos.

Resulta da factualidade substantivamente relevante que entre o falecido irmão do Autor, investidor não institucional, e a Ré (ou Banco Réu) foi celebrado, no ano 2004, um contrato de intermediação financeira para aquisição de uma Obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no valor de 50.000 €.

O Autor/Apelante, na qualidade de “herdeiro legitimário” (conforme a lei espanhola, cf. escritura pública - documento autêntico europeu de fls. 22), pretende ser indemnizado com fundamento em responsabilidade civil, por violação de deveres de informação e lealdade por parte do Banco Réu, cuja atuação qualifica como ilícita, culposa e causal do dano da perda do montante investido nas Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 (não reembolsado na data do respetivo vencimento). Nas conclusões da alegação de recurso apresenta, em prol desse entendimento, um conjunto de razões, muito embora sem destrinçar de forma cabal as razões de direito das que concernem à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A Ré/Apelada continua a defender não estarem verificados os pressupostos da responsabilidade civil.

Atentemos na fundamentação de direito constante da sentença recorrida, a fim de sindicar eventual erro de julgamento:
Nos presentes autos pretende o Autor receber o valor correspondente ao valor investido nas obrigações subscritas pelo seu irmão falecido, acrescidos de juros, não pela entidade emitente das mesmas (a SLN, ou actualmente G…), mas sim contra o Banco, actualmente Banco … Portuguûes, S.A., como intermediário financeiro na venda dessas obrigações ao seu falecido irmão, pela violação dos deveres de informação, lealdade e protecção, com a responsabilidade inerente a tal situação.
Logo, importa aferir se da matéria de facto em análise, se o banco Réu violou os deveres de informação, lealdade e protecção para com o falecido irmão do Autor.
O diploma a considerar reporta-se ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante denominado RGICSF) – Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
Com efeito, dispõe o artigo 74.º do RGICSF que nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
Além disso, também se prevê no artigo 76.º do mesmo diploma que os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores.
Quanto aos deveres de informação, estabelece-se no artigo 77.º que as instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.
Assim, a questão prende-se com a venda ou subscrição, como cliente do banco, de obrigações não da instituição bancária mas sim e, neste caso, da SLN, emitente das obrigações em causa, ou seja, não reportado à relação directa tida com o Banco, mas sim actuando este como intermediário financeiro. É certo ainda que quanto à SLN esta era detentora do BPN, SGPS, S.A e esta, por sua vez, era a que detinha a totalidade do capital do Banco BPN.
Mas tal situação não determina que a actuação do Réu seja directa, ou na venda de um produto financeiro próprio, mas sim de outra entidade emitente – SLN, contra quem não foi intentada a acção e contra quem o Autor poderia eventualmente reclamar os seus créditos.
Haverá assim, que trazer à colação o disposto no Código de Valores Mobiliários (na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, à data aplicável) pois para além deste tipo de responsabilidade do banqueiro que presta informações com vista a celebração de negócios, há ainda deveres legais específicos de informação resultantes do exercício de certas actividades pelos bancos. Com efeito, nos termos do diploma aludido, os bancos podem efectuar operações sobre valores mobiliários (artigo 4.º, n.º 1, alíneas e) e f) do RGICSF) sendo inclusivamente admitidos como intermediários financeiros em valores mobiliários (293.º, n.º 1, alínea a), do CVM).
Contratos de intermediação financeira são os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira (neste sentido, JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, DIREITO DOS CONTRATOS COMERCIAIS, Almedina, página 573, e OS CONTRATOS DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXXXV, Coimbra, 2007, página 281).
São contratos que constituem uma categoria contratual autónoma, tratando-se, além disso, indubitavelmente, de contratos comerciais, representando verdadeiros “contratos de empresa”, na medida em que são, quase em exclusivo, celebrados por entidades constituídas sob a forma de instituições de crédito, de empresas de investimento ou sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário (ob. cit., página 574/575).
O CVM impõe aos intermediários financeiros especiais deveres de informação e publicidade (artigos 312.º e 323.º CVM/99), que se destinam a assegurar a confiança dos investidores e a transparência do mercado, devendo possuir os requisitos de completude, verdade, actualidade, clareza, objectividade e licitude (artigo 7.º, n.º 1 CVM/99).
O artigo 304.º do CVM determina que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado (n.º 1). Além disso, devem conformar a sua actividade aos ditames da boa fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (n.º 2).
De acordo com o Código (CVM/99), os intermediários financeiros estão assim, adstritos a deveres, dos quais aqui se realçam deveres de protecção dos legítimos interesses dos clientes (artigo 304.º, n.º 1 do CVM/99), de informação e publicidade, previstos nos artigos 312º e 323º CVM/99, e deveres acessórios de boa fé nas relações com todos os intervenientes no mercado (artigo 304.º, n.º 2 do CVM/99). Quanto aos deveres, de protecção dos legítimos interesses dos clientes, o intermediário financeiro deve averiguar não apenas os objectivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste a recepção daquele serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento (artigo 304.º, n.º 3 CVM/99).
Donde o intermediário não pode incentivar o cliente a efectuar operações que tenham objectivos contrários aos interesses daquele (artigo 310.º, n.º 1 CVM/99). Essa protecção de interesses concretiza-se ainda pelo dever de evitar conflitos de interesses (artigo 309.º, n.º 1 CVM/99), fazendo prevalecer os interesses do cliente sobre os seus ou de outros eventuais interessados (artigo 309.º, n.º 3 CVM/99), a designada “no profit rule”, ou seja o intermediário não pode lucrar em detrimento do cliente.
Os deveres de informação e publicidade destinam-se a assegurar, por um lado, a confiança dos investidores e a transparência do mercado, estando o intermediário financeiro obrigado a prestar informações ao cliente e à CMVM (artigo 313.º CVM/99); por outro lado, destinam-se a permitir que o cliente tome uma decisão esclarecida e fundamentada, incluindo, nomeadamente, quanto:
a)- aos riscos especiais envolvidos na operação a realizar;
b)- qualquer interesse que o intermediário tenha no serviço a prestar (artigo 312.º, n.º 1 CVM/99); sendo que a extensão e profundidade da informação devem ser maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º, n.º 2 CVM/99).
No que diz respeito à publicidade, estão a ela sujeitas as ofertas públicas, dirigidas a um número indeterminado de destinatários (artigo 109.º, n.º 1 CVM/99) sendo obrigatório o seu prévio registo junto da CMVM (artigo 114.º CVM/99). A publicidade relativa à oferta pública deve obedecer aos princípios enunciados no artigo 7.º CVM/99 (completude, verdade, actualidade, clareza, objectividade e licitude da informação), referir a existência e disponibilidade futura do prospecto e harmonizar-se com o conteúdo deste (artigo 121.º CVM/99); pode ser feita publicidade prévia à publicação do anúncio de lançamento, desde que a CMVM a autorize (artigo 122.º do CVM/99). O anúncio de lançamento deve indicar os elementos essenciais à formação dos contratos, incluindo identificação do emitente, características e quantidade dos valores mobiliários objecto da oferta, tipo de oferta e, locais de publicação e distribuição do prospecto (artigo 123.º, n,º 1 CVM/99); deve ainda (o anúncio de lançamento) ser publicado em simultâneo com a divulgação do prospecto em meio de comunicação de grande difusão no País (artigo 123.º, n.º 3 CVM/99). O prospecto, além de estar sujeito aos princípios gerais do artigo 7.º (completude, verdade, actualidade, clareza, objectividade e licitude da informação) (artigo 135.º CVM/99) deve conter informação sobre as pessoas responsáveis pelo seu conteúdo, o objectivo da oferta, o emitente, a sua actividade, sua estrutura orgânica e a composição dos seus órgãos (artigo 136.º CVM/99), deve ainda conter, tratando-se de prospecto de oferta pública de distribuição, todos os elementos referidos no artigo 137.º CVM/99, relativos à situação patrimonial, económica e financeira do emitente.
Quanto à responsabilidade civil do intermediário financeiro, dispõe o artigo 314.º CVM/99, sob a epígrafe “Responsabilidade Civil”: (…)
Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro, perante qualquer pessoa, em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.
Da norma do n.º 1 resulta a qualificação dos deveres legais e regulamentares impostos ao intermediário financeiro, como disposição destinada a proteger interesses alheios, semelhante à previsão do artigo 483.º do Código Civil, relativo à responsabilidade civil delitual (Cfr. MENEZES LEITÃO, ACTIVIDADES DE INTERMEDIAÇÃO E RESPONSABILIDADE DOS INTERMEDIÁRIOS FINANCEIROS, AAVV, Direito dos Valores Mobiliários, vol. II, página 147).
Em termos de ónus de prova da culpa, por força da qualificação do 314.º, n.º 1 CVM/99 como responsabilidade delitual e por argumento a contrario do artigo 314.º, n.º 3 CVM/99, impõe-se ao lesado o ónus de prova da culpa do intermediário financeiro, à semelhança do artigo 487.º, n.º 1 do Código Civil (Cfr. MENEZES LEITÃO, ob. cit., página 148).
Já no que respeita à regra do n.º 2 do artigo 314.º CVM/99, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou précontratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação (MENEZES LEITÃO, ob. cit., pág. cit.).
Porém, e ainda que a maioria da doutrina entenda que a responsabilidade é aquiliana e não obrigacional, esta última tem sido defendida nomeadamente pelo Prof. ANTÓNIO BARRETO MENEZES CORDEIRO (palestra proferida no Centro de Estudos Judiciários, no dia 10/02/2017, subordinado ao tema “Direito Bancário e Financeiro” e sub tema “Contrato de intermediário Financeiro”), argumentando que é obrigacional por existirem obrigações acessórias além das principais, mas também por aplicação do disposto no artigo 304.º-A do CVM na sua versão actual, a qual porém, não é a aplicada na data da prática dos factos, pois nestes caso o diploma a aplicar é o CVM na versão de 99, como referimos.
Em nosso entender porém, a responsabilidade neste caso aferir-se-á pela verificação dos requisitos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, ou seja o facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade, e quanto à ilicitude da conduta do intermediário financeiro, compete ao cliente/investidor a prova do facto ilícito (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Junho de 2013, wwwÁgsi.pt) e do nexo de causalidade (adequada).
Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a “falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade” (cfr. MENEZES CORDEIRO, DIREITO BANCÁRIO, ob. cit., página 432). Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa (cfr. MENEZES CORDEIRO, DIREITO BANCÁRIO, ob. cit., página 433).
No domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância.
Mas como tem sido defendido por AGOSTINHO CARDOSO GUEDES (A RESPONSABILIDADE DO BANCO POR INFORMAÇÕES À LUZ DO ARTº 485º DO CC, RDE 14, página 135 e seguintes), no que toca ao dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.
Pois ainda que sendo o prestador das informações um Banco, a questão da responsabilidade coloca-se com mais acuidade. O dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem (AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, A RESPONSABILIDADE DO BANCO POR INFORMAÇÕES À LUZ DO ART. 485 DO CÓDIGO CIVIL, Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, pp. 138 e 139).
Todavia, o grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa, e quanto aos conselhos ou recomendações sobre negócios, como consultoria ou intermediação em operações sobre valores mobiliários, é mais difícil a obtenção de exactidão absoluta, porque pressupõe uma evolução de previsões relativas a situações futuras, cujas variáveis escapam ao controle do banco, sendo por isso grandes as possibilidades de erro.
A esta luz, como refere MENEZES LEITÃO (INFORMAÇÃO BANCÁRIA E RESPONSABILIDADE, AAVV, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocência Galvão Telles, Vol. II, 225 e segs, especificamente, pág. 238) “(...) não será forçado enquadrar esta situação no âmbito da responsabilidade pré-contratual (artº 227º do CC) uma vez que a informação é prestada para instituição de futuras relações contratuais e a sua falsidade, mesmo que resultante de negligência, constitui manifesta violação do dever de boa fé”.
No âmbito da acção, o Autor alega a falta informação quanto ao reembolso antecipado, à liquidez, à subordinação e alega o facto de o Banco ter assegurado que o capital era garantido a 100% pelo próprio Banco.
Quanto a esta última questão, decidiu-se no Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 17 de Março de 2016 (www.dgsi.pt/jstj) que: “Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.”.
Ora, não resulta dos factos provados quais as informações prestadas ao falecido irmão do Autor. Desconhecendo-se quais as informações prestadas não é possível aferir se essas são exactas ou inexactas, completas ou incompletas.
Mas o que resulta evidente é que o capital aquando da compra (e este nunca é posta em causa pelo Autor enquanto tal, ou seja, admite que o seu falecido irmão “subscreveu tal obrigação” e não que procedeu a um “depósito”) era efectivamente garantido pela entidade emitente, ou seja a detentora do banco, pelo que inexiste qualquer engano ou informação inexacta.
A situação de não pagamento apenas ocorre pelo facto de a SLN - SOCIEDADE LUSA DE NEGÓCIOS, SGPS, S.A., hoje denominada G…, SGPS, S.A. apresentou, no Tribunal da Comarca de Lisboa, um Processo Especial de Revitalização, o qual corre seus termos pela 1.ª Secção de Comércio - J4, com o número 22922/15.4T8LSB, tendo sido logo proferido o despacho e sido proferida sentença que, declarando encerrado o processo negocial, sem aprovação do Plano de Recuperação, determinou o encerramento do Processo de Revitalização. A que se soma também a nacionalização do BPN, em 2008, pois caso estivéssemos perante a insolvência de ambas, sempre a responsabilidade do pagamento seria da entidade emitente.
Como se refere no Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, de 2 de Março de 2015: (…).
Na verdade, não se provou que tenha sido dada garantia de reembolso pelo próprio banco Réu.
Assim, inexiste qualquer ilicitude na actuação do Réu, tendo por base tal informação, sendo que esta seria a única que lhe permitiria obter o reembolso do capital pois só neste caso o dano se consubstancia no capital investido.
Mas, no caso concreto não ficou apurado quais as informações efectivamente prestadas, pelo que não é possível aferir da ilicitude do acto, ou concretamente a violação dos deveres legais ou regulamentares impostos, pois nestes inclui-se o dever de averiguar não apenas os objectivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste (cliente) a recepção daquele serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento.
Soçobrando a prova da ilicitude é manifesto que não haverá a responsabilidade assacada ao Réu, mas além disso, também não se verifica in casu o nexo de causalidade entre a actuação do Réu, na qualidade de intermediário financeiro, e o não reembolso do capital investido. Pois como referimos a ausência de reembolso ocorre pela insolvência da emitente.

Apreciando.

A matéria em apreço nos autos encontra-se efetivamente regulada pelo Código dos Valores Mobiliários, aqui aplicável (cf. art. 12.º do CC) na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31-10, diploma legal, que no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 25/2007, de 18 de Julho, alterou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o Código dos Valores Mobiliários, o Código das Sociedades Comerciais, o regime jurídico das sociedades corretoras e financeiras de corretagem, o regime jurídico dos fundos de investimento imobiliário, o regime jurídico dos organismos de investimento coletivo, o Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de julho, o Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de abril, e o Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros (DMIF), e as respetivas normas de execução constantes da Diretiva n.º 2006/73/CE, da Comissão, de 10 de Agosto de 2006, que regula os requisitos em matéria de organização e as condições de exercício da atividade das empresas de investimento, bem como a Diretiva n.º 2004/109/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 2004, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado (Diretiva da Transparência), e as respetivas normas de execução constantes da Diretiva n.º 2007/14/CE, da Comissão, de 8 de março de 2007.
A este respeito, veja-se o acórdão do STJ de 04-05-2017, proferido na revista n.º 1961/13.5TVLSB.L1.S1 - 7.ª Secção: “Atenta a natureza jurídica dos negócios em causa, situados no cerne da actividade bancária e de intermediação financeira, exercida pelo banco/réu; o âmbito do dever de informação do proponente de cláusulas contratuais gerais não pode deixar de ter-se por moldado em função do que está previsto no CMVM, na versão em vigor à data da celebração do negócio.” – disponível para consulta em www.dgsi.pt.

O art. 304.º do CVM, na redação em vigor em outubro de 2004 (dada pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de março), preceituava, sob a epígrafe, “Princípios”, que:
“1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2- Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
3- Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
4- Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das excepções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º
5- Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efectivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das actividades de intermediação”.

Por seu turno, dispunha o artigo 314.º (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro) que:
“1- Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2- A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

E o artigo 312.º, sob a epígrafe “Deveres de informação”, dispunha:
“1– O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a)- Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b)- Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c)- Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d)- Custo do serviço a prestar.
2– A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3– A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral”.

Feita esta excursão por alguns dos preceitos legais cuja violação é invocada pelo Autor/Apelante e que foram acertadamente citados na sentença recorrida, não podemos deixar de atentar na doutrina, sendo vários os autores que têm aprofundado o estudo desta matéria, com abundante obra publicada.
Seguindo de perto José Engrácia Antunes, citamos, pelo seu interesse, a síntese exemplar que faz no artigo “Deveres e Responsabilidade do Intermediário Financeiro – Alguns Aspetos”, páginas 44-49, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários (disponível em www.cmvm.pt). Como explica este autor, (I)ndependentemente da posição que se pretenda tomar sobre a questão da sua natureza jurídica, certo é que, nos termos das normas juscivilisticas gerais (arts. 483.º e 798.º do Código Civil) e nos termos da específica norma jusmobiliária do art. 304.º-A do CVM, a responsabilidade civil do intermediário perante o cliente está sujeita aos tradicionais pressupostos da responsabilidade civil (delitual e contratual): a conduta ilícita e culposa (“violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade”), o dano (“obrigados a indemnizar os danos”), e o nexo de causalidade (“causados a qualquer pessoa em consequência” daquela violação).
Primus”, exige-se uma conduta do intermediário financeiro. Tal conduta pode consistir numa ação (v.g., celebração de negócio de bolsa por conta própria e como contraparte do cliente sem conhecimento ou autorização deste: cf. art. 346.º, nº 1 do CVM), mas consubstanciar-se-á mais frequentemente numa omissão da prestação devida ou numa violação negativa dos respetivos deveres, dada a natureza próativa da grande maioria destes deveres (v.g., omissão da prestação da informação devida ao cliente, do juízo de adequação sobre as operações de investimento deste, da prevalência dos interesses dos clientes, do envio de extratos periódicos, etc.).
(…) “Secundus”, torna-se ainda necessário que a conduta ativa ou omissiva do intermediário financeiro se traduza numa violação de um ou de vários deveres funcionais que integram o seu estatuto jurídico-profissional (de índole legal, contratual ou deontológica) no quadro da prestação dos serviços de intermediação financeira aos respetivos clientes.
(…) “Tertius”, exige-se que a conduta ilícita do intermediário financeiro seja imputável à sua culpa, devendo aqui atentar-se, todavia, na previsão de um regime especial em matéria de aferição e imputação diferente do regime geral dos arts. 487.º e 799.º do Código Civil.
Tal regime especial traduz-se, essencialmente, na consagração de um padrão de aferição de “culpa levíssima” – decorrente do já referido critério do “elevado padrão de diligência” (“diligentissimus pater familias”) previsto no art. 304.º, nº 2 do CVM (ao invés do critério geral do “bonus pater familias” dos arts. 487.º, nº 2, e 799.º, nº 2 do Código Civil) - e de uma inversão do ónus da prova - por força da presunção de culpa prevista no art. 304.º-A, nº 2 do CVM, cujo âmbito de aplicação, de resto, é bastante mais vasto do que o da presunção geral de culpa do art. 799.º, nº 1 do Código Civil (estendendo-se à responsabilidade précontratual e aplicando-se automaticamente no caso da violação de deveres informativos).
“Quartus”, para que o intermediário financeiro se constitua em responsabilidade perante o cliente é necessário que este tenha sofrido danos ou prejuízos patrimoniais: tais prejuízos tanto se podem traduzir numa desvalorização ou diminuição real do património do cliente (danos emergentes) como numa frustração da valorização ou do incremento desse mesmo património (lucros cessantes) (arts. 563.º e 564.º, nº 1 do Código Civil).
Sublinhe-se que, no âmbito da prestação de serviços de intermediação financeira, a imputação da obrigação indemnizatória não pressupõe a exclusividade causal da conduta ilícita e danosa do intermediário responsável, sendo possíveis e conhecidos casos em que a conduta dos próprios clientes concorrem ou agravam de algum modo para a dimensão dos danos sofridos, justificando concomitantemente a redução do “quantum” indemnizatório”.
“Quintus”, e por último, exige-se ainda que os danos ou prejuízos sofridos pelo cliente possam ser considerados como provocados ou resultantes da conduta (ativa ou omissiva) ilícita e culposa daquele (nexo de causalidade).
A integração deste derradeiro requisito coloca problemas delicados para que importa, desde já, advertir. Não se perca de vista que os juízos de causalidade são, por definição, bastante complexos em domínios particulares que, como é o caso dos mercados financeiros, são caracterizados pela álea do seu funcionamento: como fatores coadjuvantes desse juízo, deverão ser tidos em conta os serviços de intermediação financeiro prestados (já que uma mesma conduta ilícita do intermediário poderá ter repercussões diferentes consoante o concreto tipo de serviço prestado), o tipo ou natureza do cliente (mormente, se se trata de um investidor qualificado ou institucional, ou inversamente de um investidor não qualificado ou profano), ou ainda a natureza controlável ou incontrolável dos eventos que determinaram as perdas patrimoniais (havendo alguma doutrina e jurisprudência estrangeiras que distingue, a este propósito, entre fatores controláveis e incontroláveis).
(…) Questão relevante é a da distribuição do ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, tendo especialmente em conta a presunção fixada no nº 2 do art. 304.º-A do CVM: “a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
Este preceito legal veio assim inverter o ónus de prova relativamente à culpa do intermediário financeiro: é ao intermediário financeiro, e não ao cliente, que incumbe provar que uma eventual conduta ilícita e danosa não lhe é subjetivamente imputável a título de dolo ou negligência.
(…) A partir daqui, é já controverso na doutrina e na jurisprudência qual o exato alcance a dar a semelhante presunção legal relativamente à prova dos demais requisitos da responsabilidade civil do intermediário financeiro. Com efeito, segundo alguns, tal presunção legal valeria também como uma presunção do nexo de causalidade: à semelhança do que sucede noutros dispositivos da lei mobiliária que consagram presunções relativas ao nexo causal (v.g., arts. 152.º, nº 2, 282.º, 334.º do CVM), a necessidade de proteção dos clientes-investidores – especialmente, dos investidores não qualificados, os quais, enquanto leigos destituídos de conhecimentos e competências técnicas especiais, ficariam expostos a uma espécie de “probatio diabolica” – e a situação privilegiada dos intermediários financeiros – instituições altamente especializadas com acesso privilegiado à informação relevante – justificariam a extensão da inversão do ónus probatório relativamente a nexos causais particularmente complexos. [SANTOS, G. Castilho, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, 235 e segs., Almedina, Coimbra, 2008]
E não falta quem, mais afoitamente, se proponha ver aqui uma verdadeira e própria presunção de imputação de responsabilidade “tout court”, a qual abrangendo unitariamente a ilicitude, a culpa e o nexo de causalidade para efeitos da imputação de danos, faz recair sobre o intermediário financeiro o ónus probatório da ausência de praticamente a totalidade dos pressupostos da sua responsabilidade no seu conjunto. [Assim A. Menezes Cordeiro para o caso da presunção de culpa do devedor no âmbito da responsabilidade civil contratual (art. 799.º, nº 1 do Código Civil), bem como no âmbito da responsabilidade civil societária (Código das Sociedades Comerciais Anotado, 266, Almedina, Coimbra, 2009) e bancária (Manual de Direito Bancário, 430 e segs., 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2014). No mesmo sentido, na jurisprudência, o Acórdão da Relação de Lisboa de 8-XI-2007 (Lopes Martins), in: www.dgsi.pt]
O Autor/Apelante, na sua alegação de recurso, invocou um amplo conjunto de decisões, designadamente acórdãos dos tribunais superiores, parecendo olvidar que a realidade fáctica apreciada nas mesmas apresenta diferenças significativas comparativamente com o elenco de factos provados que nos é dado apreciar. Na verdade, a jurisprudência, mormente a firmada nas decisões citadas na alegação de recurso, não pode ser transposta acriticamente para casos com contornos fácticos diferenciados. “Cada caso é um caso”, sendo indispensável atentarmos nos factos que resultaram provados. Aliás, isto mesmo foi salientado no recente acórdão do STJ de 24-01-2019, proferido no processo n.º 2406/16.4T8LRA.C1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt:
«É um truísmo afirmá-lo, mas, como o revela a leitura de outros arestos que têm sido publicados sobre litígios de contornos semelhantes ligados ao “Grupo DD”, não existem processos ou “casos” iguais, neles assomando diversas realidades e uma multiplicidade de questões de facto e de direito.
A diferenciação começa logo pelos sujeitos, quer do lado ativo, quer do lado passivo, e acentua-se com a diversidade de factos alegados e, depois, com a variedade de factos provados e não provados, em função quer dos meios de prova apresentados, quer da diversidade de tribunais que os apreciaram em diversas circunscrições e instâncias judiciais.
Os litígios especificamente relacionados com a intermediação financeira de “Obrigações DD-2006” não escapam a esta proliferação, acentuando a necessidade de na resolução de cada um deles serem tidos em conta os factos que, em concreto, se apuraram (a par daqueles que, tendo sido alegados, não ficaram demonstrados), esconjurando o risco de indevidas generalizações. Sendo verdade que existem pontos comuns e que a tarefa de interpretação e de aplicação das normas deve potenciar respostas tendencialmente idênticas, para a resolução de cada litígio tanto interessam as grandes áreas comuns como os pormenores diferenciadores.
Embora possa existir alguma similitude nos casos, não pode correr-se o risco - que este mesmo coletivo já assinalou no recente Ac. do STJ de 8-11-18, 2147/16, em www.dgsi.pt - de a uma série de petições massificadas, seguidas de contestações similares, se sucederem decisões convergentes à margem da diversidade dos elementos de ordem subjetiva e objetiva presentes em cada caso».
Citamos ainda, pelo seu interesse, o sumário deste acórdão:
«1.– A responsabilidade do intermediário financeiro deve ser aferida com referência à data em que ocorreram os factos – in casu, Abril de 2006 - designadamente no que concerne aos deveres a que estava obrigado perante as normas então aplicáveis, máxime as que constavam do CVM.
2.– A responsabilidade civil do intermediário financeiro pressupõe a verificação de uma situação de incumprimento de deveres legais ou contratuais, a ocorrência de um dano e um nexo de causalidade adequada, sendo presumida a culpa quando haja violação daqueles deveres.
3.– Relativamente ao âmbito e conteúdo do dever de informação para com os clientes ou investidores não qualificados, nos termos do art. 312º do CVM, o intermediário estava obrigado a prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada referente aos produtos financeiros intermediados, de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (art. 304º), sendo a extensão e a profundidade da informação inversamente proporcional ao grau de conhecimentos e à experiência do concreto investidor.
4.– Para apuramento do cumprimento ou incumprimento do dever de informação deve atender-se ao que era exigível nas circunstâncias em que ocorreu a intermediação, não devendo ser exponenciados, a posteriori, elementos informativos que então seriam irrelevantes para a tomada de decisão do investidor esclarecida e fundamentada.
5.– No caso, o A. não tinha conhecimentos aprofundados dos diversos produtos financeiros e dos riscos que comportavam; apresentava um perfil conservador relativamente ao investimento do seu dinheiro; e os funcionários do intermediário financeiro (CC) sabiam que não queria investir em produtos de risco. Mas o facto de pretender realizar um investimento em que, além da melhor remuneração relativamente a um depósito a prazo, também estivesse prevista a restituição do capital no fim do período contratado (como ocorria com as obrigações DD 2006), não permite que se considere incumprido o dever de informação só porque não lhe explicou que o CC, intermediário financeiro, e a DD, emitente das obrigações, “eram duas entidades distintas e que investir em DD era diferente de aplicar dinheiro no CC”.
6.– Para além de não se terem provado outros factos que o A. alegou para sustentar o incumprimento dos deveres de informação, lealdade e boa fé, a irrelevância daquela informação resultava ainda de se verificar que o capital do CC era detido a 100% pela sociedade emitente das obrigações, cujo risco estava indexado ao risco do CC, constituindo este o principal ativo do seu património.
7.– Ainda que se apurasse ter existido incumprimento do dever de informação por parte do intermediário financeiro, a sua responsabilidade civil dependeria ainda do estabelecimento de um nexo de causalidade, ou seja, de que foi por causa daquele incumprimento que o investidor realizou o concreto investimento que se revelou prejudicial.
8.– Não se tendo provado que a subscrição da Obrigação DD 2006 foi decidida em função de alguma confusão relativamente a um depósito a prazo constituído na instituição financeira intermediária da operação ou de algum aspeto conexo com a identidade da emitente das obrigações e do intermediário financeiro, não se considera verificado o nexo de causalidade».
Veja-se também o acórdão da Relação do Porto de 11-04-2018, no processo n.º 984/17.0T8PNF.P1, pela explicação adiantada a respeito deste último pressuposto da responsabilidade civil: “Conforme vem entendendo a jurisprudência, face ao disposto no art.º 563º do CC, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores está demonstrado quando, face à factualidade provada, podemos concluir que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, os AA. não teriam investido naquele produto financeiro” (disponível em www.dgsi.pt).
E ainda o acórdão desta Relação de Lisboa de 07-02-2019, no processo n.º 906/17.8T8LSB.L1-2, em que, na esteira de Margarida Azevedo Almeida, se afirma lapidarmente que “o estabelecimento da relação de causalidade supõe a determinação da vontade do investidor pelo comportamento do intermediário financeiro” (disponível em www.dgsi.pt).
Em conclusão, são pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro: o facto ilícito e culposo (“violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade”); o dano (“obrigados a indemnizar os danos”); e o nexo de causalidade (“causados a qualquer pessoa em consequência” daquela violação).
Atento o disposto no art. 342.º do CC e no art. 314.º do CVM na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 357-A/2007, o ónus da prova da verificação desses pressupostos, salvo quanto à culpa, é do demandante.
Sem embargo desta posição, não podemos deixar de acrescentar que não nos repugna a tese segundo a qual a presunção de culpa pode constituir também uma presunção de ilicitude relativamente ao cumprimento dos citados deveres legais de informação, fazendo recair sobre o intermediário o ónus da prova da sua observância, apenas nos parecendo excessivo que possa ainda abranger o nexo de causalidade.
Vejamos se estes pressupostos estão verificados no caso concreto.

Do facto ilícito culposo – violação dos deveres de informação e lealdade
O Autor alegou um conjunto de factos a respeito da violação destes deveres, seja no que concerne à incompletude da informação prestada (como a falta de entrega da nota informativa que constitui o documento 9 junto com a Petição Inicial), seja quanto à falsidade da informação (ter sido afiançado ao falecido irmão do Autor, antes de subscrever a Obrigação SLN Rendimento Mais 2004, que o retorno da quantia da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um produto sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características, sem qualquer risco e que podia ser resgatado a qualquer altura com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros).
A Ré, por seu turno, alegou, na Contestação, que cumpriu, aquando da subscrição do produto em causa, todos os seus deveres de informação, informando designadamente o falecido irmão do Autor sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto, que ademais se encontrava disponível para consulta.
Todavia, como resulta do elenco dos factos provados/não provados, esta factualidade (alegada pela Ré) não foi selecionada pelo Tribunal recorrido (face ao entendimento jurídico adotado a respeito do ónus da prova), sendo certo que a Ré/Apelada não requereu a ampliação do âmbito do recurso neste particular (cf. art. 636.º, n.º 2, do CPC).
Ora, não obstante a assinalada presunção de culpa (nos termos do art. 314.º, n.º 2, do CVM na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 357-A/2007), inexistem factos provados substantivamente relevantes dos quais resulte que a Ré, por intermédio de um seu funcionário (cf. art. 800.º do CC), no cumprimento do contrato de intermediação financeira (incluindo o momento que antecedeu a subscrição do produto em apreço), incorreu, por ação ou omissão, num facto ilícito (por violação de dever legal de informação ou de lealdade).
Assim, concordamos com a conclusão vertida a este respeito na sentença recorrida.
Não estando verificado este pressuposto da responsabilidade civil, tanto bastaria para concluirmos não assistir ao Autor o direito de indemnização a que se arroga.

Do dano e do nexo causal entre o facto e o dano
Reconhecendo que se verifica um terceiro pressuposto, o dano, já que o falecido irmão do Autor sofreu a perda do capital investido na Obrigação SLN 2004, que deixou de render juros a partir de setembro de 2015 e não foi reembolsado pela G… em 24 de outubro de 2014 (desconhecendo-se, aliás, se o valor que foi pago a título de juros foi superior ao montante investido), podemos prosseguir na nossa análise, admitindo, por tal não se mostrar descabido (considerando a doutrina acima referida), que a referida presunção de culpa possa funcionar também como uma presunção de ilicitude e que sobre a Ré recaia o ónus de provar o cumprimento do dever de informação, ou seja, que informou o falecido irmão do Autor sobre os elementos constantes da referida Nota informativa, necessários para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, que, no caso, seriam os atinentes à natureza do produto, reembolso, garantias e subordinação.
Nessa perspetiva, considerando a matéria de facto provada/não provada, seria de ponderar a hipótese de anulação da sentença – cf. art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.
Todavia, não nos parece que tal se justifique, porquanto, a nosso ver, no caso em apreço, mesmo que fosse de considerar verificada a (hipotética) violação do dever de informação, esta não se mostra causa adequada do referido dano, uma vez que, em termos naturalísticos, não resultou provado nenhum facto a esse respeito, designadamente não se provou que o falecido irmão do Autor teria deixado de subscrever o produto se lhe tivesse sido mostrada a respetiva Nota informativa e prestada toda a informação a respeito das caraterísticas do produto.
Portanto, no caso dos autos, não retiramos dos factos provados que, se os funcionários do Banco tivessem cumprido o dever de informação nos termos então legalmente previstos, mormente prestando ao falecido irmão do Autor a informação constante da Nota informativa (documento 9 junto com a Petição Inicial), este não teria adquirido o produto em causa.
Muito menos existem factos [incluindo os supostos factos notórios, como o referido na conclusão ww), atinente à falsificação das contas da SLN desde o ano 2000] que permitam considerar que, em 2004, aquando da subscrição do produto, era muito provável que a então SLN viesse a encontrar-se, cerca de 12 anos depois, numa situação de insolvência ou (à beira desta).

A este respeito, veja-se o voto de vencido do Conselheiro Abrantes Geraldes (Relator do acórdão do STJ supra citado), no acórdão do STJ de 10-01-2013, proferido no processo n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1, que citamos, pelo seu interesse:
“Sem embargo, concordo que houve incumprimento, por parte das RR., de deveres inerentes à actividade de intermediação financeira, nos termos que resultavam dos arts. 7º (qualidade da informação), 8º (conteúdo das recomendações), 304º e 312º (dever de informação) do CVM. Porém, em meu entender, tal não basta para sustentar a constituição da obrigação de indemnização correspondente ao reembolso do capital investido, já que não foi essa a causa que despoletou a situação danosa na esfera jurídica da A.
Com efeito, malgrado o referido incumprimento, a aquisição do produto financeiro concretizou-se e produziu efeitos durante um prolongado período de 6 anos, sem que a Autora alguma vez tenha posto em causa a execução da referida aplicação que lhe garantiu efectivamente a rentabilidade procurada.
Sendo insofismável e do conhecimento geral que no mercado de capitais não existem investimentos de risco nulo (afinal, até os depósitos bancários, que são considerados dos investimentos mais seguros, estão sujeitos ao risco de insolvência das entidade bancárias), não fora a crise financeira do sub prime que se propagou a todo o sistema financeiro, atingindo o produto K2 Corporation Capital, a Autora teria porventura procedido ao resgate dos títulos, sem que as falhas de informação inicial se projectassem negativamente na sua esfera patrimonial.
Deste modo, para além de não encontrar na matéria de facto provada a assunção originária da obrigação de reembolso do capital garantido, também considero que a actuação dos RR. é insuficiente para a sua responsabilização, já que a causa dos danos correspondentes à desvalorização absoluta dos títulos se encontra num factor que lhes era estranho (a crise financeira global despoletada em 2007), sem que algo permita concluir que em 2001 pudesse ser antecipada a sua ocorrência.
Assim, sendo verdade que houve incumprimento de deveres legais e contratuais (ilicitude) e que não foi elidida a presunção de culpa que recai sobre o intermediário financeiro, nos termos do art. 314º do CVM, para que se possa afirmar a existência de responsabilidade civil a partir da actuação inicial dos RR., falta, em meu entender, o nexo de causalidade entre o incumprimento de deveres inerentes à actividade de intermediação financeira e a desvalorização dos títulos (sobre a matéria cfr. Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil dos Intermediários Financeiros Perante o Cliente, pág. 222 e segs.).”

Não sendo de presumir o nexo de causalidade, incumbia ao Autor ter feito prova do que alegou, o que não logrou fazer, sendo assim também correta a asserção constante da sentença recorrida de não verificação deste pressuposto, pelo que improcedem as conclusões da alegação de recurso.

Vencido o Autor/Apelante, é responsável pelo pagamento das custas do presente recurso (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

***

IIIDECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida e condenar o Autor/Apelante no pagamento das custas do presente recurso.

D.N.



Lisboa, 11-07-2019


(Laurinda Gemas)
(Gabriela Cunha Rodrigues)
(Arlindo Crua)