Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2154/12.4TBALM-A.L1-7
Relator: ANA RESENDE
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CADUCIDADE
CONSUMIDOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: 1. O prazo de caducidade previsto no art.º 917, do CC, é o aplicável, por interpretação extensiva, não só às acções em que se vise obter a reparação ou a substituição da coisa, mas também as que em complemento, ou exclusivamente, se vise a indemnização por prejuízos sofridos em consequência do vício da coisa.
2. Os negócios abrangidos pelo regime de compra e venda de bens de consumo são os que se estabelecem entre profissionais actuando no âmbito da sua actividade e pessoas que actuem fora do seu âmbito de actividade profissional, dos quais resulte a aquisição de bens destinados a uso não profissional, afastada ficando qualquer aplicação profissional do bem, mesmo que não exclusiva.
3. Casuisticamente, pode-se estender a protecção devida ao consumidor, a determinada entidade que exerça de forma profissional uma certa actividade económica, visando obter benefícios, desde que não sendo idêntica ao outro contraente, nem tendo em vista dar um destino empresarial aos bens ou serviços adquiridos, actue fora do âmbito da sua especialidade, competência própria ou objecto específico da sua actividade, não dispondo, assim, de preparação técnica, por a utilização do bem adquirido se encontrar fora do domínio da sua especialidade, de modo a que se mostre em relação ao bem que adquiriu, tão leiga como um consumidor.
4. Tendo uma sociedade por quotas, que desenvolve a sua actividade na área de serviços de restauração e comercialização de bebidas, adquirido a uma sociedade anónima, que se dedica ao fabrico e comercialização de máquinas de café expresso, três máquinas de café, com fim de serem instaladas em cada um dos três quiosques concessionados à compradora, para esta servir aos seus clientes café, bebidas dele derivadas e ainda outras bebidas quentes, como chá, leite quente e chocolate quente, estamos perante um negócio realizado entre duas entidades, no âmbito da actividade económica que ambas desenvolvem, destinando-se os bens adquiridos a uma aplicação profissional por parte da adquirente, não devendo esta ser considerada como uma parte leiga e vulnerável, em termos tais, que justifiquem a extensão do regime de protecção ao consumidor.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - Relatório
1. Q, LDA., demandou G, SA., pedindo:
- seja a R. condenada a restituir a totalidade do preço das três máquinas de café, pago pela A. à R. no montante de 30.128,76€;
- seja a R. condenada ao pagamento da quantia total de 9.768,95€ a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pela A. em consequência da falta de conformidade dos bens adquiridos à R.
2. Alega para tanto que no âmbito da sua actividade na área da restauração adquiriu à R., em Abril de 2009, três máquinas de café, por ela fabricadas, pagando por cada uma delas a quantia de 10.042,92€.
Desde as primeiras semanas de utilização as máquinas começaram a evidenciar problemas de funcionamento, tendo a R. prestado a assistência técnica respectiva. Contudo a partir de Outubro de 2009, os problemas de funcionamento foram cada vez mais frequentes, sofrendo avarias de todas as ordens.
Face à continuada verificação de avarias nas três máquinas, denunciou à R. através de carta registada com aviso de recepção, remetida em 13 de Abril de 2010, a falta das qualidades que estava convencida que as mesmas possuíam quando as adquiriu e também os defeitos verificados, tendo reiterado a denúncia por missiva de 21 de Abril de 2011, respondendo a R. por carta datada de 11 de Maio de 2011 que os problemas nas máquinas não se deviam a defeitos de fabrico, mas a deficiências na canalização, incorrecta manipulação, limpeza deficiente dos equipamentos, excesso de produção, e outras causas externas.
Na sequência da situação descrita, desistiu de utilizar as máquinas, exercendo o seu direito de resolução do contrato de compra e venda, no dia 5 de Março de 2012, por carta registada com aviso de recepção, informando a R. que as máquinas se encontravam ao seu dispor para levantamento, aguardando a devolução do preço.
Com a verificação das inúmeras avarias e irregular funcionamento das três máquinas de café, sofreu diversos danos de índole patrimonial.
3. Citada, veio a R. contestar, deduzindo a excepção de caducidade dos direitos invocados na acção. Mais veio impugnar o factualismo aduzido, bem como formular pedido reconvencional, porquanto prestou à A. trabalhos e serviços de assistência técnica, não tendo satisfeito o pagamento de facturas, tudo no  montante de 6.216,17€, acrescido de juros de mora, já liquidados orçando 598,66€, e os vincendos até integral pagamento.
4. Em sede de despacho saneador foi julgada procedente a excepção da caducidade, e consequentemente absolvida a R. do pedido formulado pela A., prosseguindo os autos para conhecimento do pedido reconvencional.
5. Inconformada veio a A. interpor recurso de apelação, formulando, nas suas alegações as seguintes conclusões:
· A interposição do presente recurso deriva do proferimento de decisão de mérito contida no despacho saneador dos presentes autos que recaiu sobre a excepção peremptória, deduzida pela Ré, ora Recorrida, na sua contestação, de caducidade do direito de a Autora, ora Recorrente, accionar judicialmente a Ré pelos vícios verificados nas três máquinas de café por esta vendidas à Autora;
· O Tribunal a quo julgou procedente a mencionada excepção, pelo que o presente recurso de apelação tem por objecto tal decisão, que não pondo fim ao processo, decidiu sobre o mérito da causa;
· Com efeito, a questão nuclear que, na presente instância de recurso, cumpre decidir prende-se com saber em que consiste a actual definição da noção de consumidor;
· Consoante os caracteres que se considerem incluídos na definição do conceito de consumidor, daí resultará a conclusão de qualificar o contrato de compra e venda subjacente à presente demanda como um contrato celebrado entre profissionais, a que se aplica a legislação civil, ou como um contrato celebrado entre um profissional e uma sociedade comercial equiparada a um consumidor, a que se aplica a legislação de protecção do consumidor, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que aprovou o regime de venda de bens de consumo;
· Face ao exposto, a Autora, ora Recorrente, entende que outra deveria ter sido a decisão do douto Tribunal a quo, porquanto considera que a excepção peremptória de caducidade, invocada pela Ré, deveria ter sido julgada improcedente, tendo por base os fundamentos que, de seguida, se explanará;
· Conforme ficou assente, a Recorrente iniciou a sua actividade comercial em Abril de 2009, através da exploração de três quiosques municipais…;
· Em simultâneo com o início da sua actividade comercial, conforme também ficou assente, a Recorrente adquiriu à Ré, ora Recorrida, também em Abril de 2009, três máquinas de café, por si fabricadas do modelo M. P..AM C.. D4.., com os números de série 1…2, 1…3 e 1…4;
· Com efeito, a Recorrente, ao adquirir à Recorrida três máquinas de café, por si fabricadas, pelo preço global de 30.128,76€,  celebrou com esta um contrato de compra e venda, regulado pelos arts. 874.º e seguintes do Código Civil;
· Com base nos factos ora elencados, o Tribunal a quo considerou que os mesmos eram suficientes para concluir que, na celebração do contrato em apreço, a Recorrente, enquanto empresa que juridicamente é, agiu na qualidade de profissional e, como tal, iria utilizar as máquinas de café que adquiriu na sua actividade, destinando-as, desse modo, a um fim profissional;
· Em consequência, o Tribunal a quo entendeu, sem mais, que ao contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida não poderia ser aplicável a legislação de protecção do consumidor, designadamente o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, mas sim as normas constantes do Código Civil;
· Não obstante o entendimento do Tribunal a quo - que se respeita -, o mesmo, no despacho saneador, não se debruçou sobre a argumentação expendida pela Autora, ora Recorrente, nos arts. 100.º a 115.º da sua petição inicial, que versava sobre a tese da extensão da noção de consumidor, que, dentro de certos pressupostos, poderá ser operada em determinados casos, de acordo com a doutrina e a jurisprudência oportunamente citada, tese que, em seguida, se exporá;
· Assim, tendo a Recorrente, com a outorga do contrato de compra e venda das máquinas de café, adquirido as máquinas na qualidade de destinatária final das máquinas de café, deve ser o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, que aprovou o regime da venda  de bens de consumo (a designar, posteriormente, por RVBC), aplicável ao presente caso, porquanto, a Recorrente, conforme resulta do facto provado a que corresponde o quesito A e K, foi constituída no dia 25 de Setembro de 2008, tendo iniciado a sua actividade de exploração dos Quiosques municipais no mês de Abril de 2009;
· Como se depreende do supra referido, a Recorrente, personificada nos seus dois gerentes, J e C, não possuía, no momento da aquisição das três máquinas de café expresso, em Abril de 2009, qualquer experiência no sector comercial onde estava a iniciar o desenvolvimento da sua actividade, e no qual se inserem os bens adquiridos à Recorrida;
· Para corroborar o ora alegado, na resposta à contestação dos presentes autos, foi dito e aceite que a gerente C é uma reputada jornalista, sendo, concomitantemente, gerente de um estabelecimento comercial de venda de produtos antigos portugueses denominado “…..” e o gerente J exerce a profissão de arquitecto, áreas de actividade que, de modo algum, se relacionam ou interligam com a área da restauração e da comercialização de bebidas in casu não alcoólicas;
· Foi dito ainda que, não é pelo facto de, no objecto social da Recorrente, constar que o mesmo consiste  em “serviço de restauração, bares, estabelecimento de comercialização de bebidas; fabrico, produção, distribuição e comercialização de bebidas não alcoólicas, alcoólicas, tradicionais e de produtos alimentares (…)” - conforme doc. 1 junto com a petição inicial - que os seus gerentes adquirem, de forma imediata e automática, a experiência necessária para poderem ser considerados profissionais do sector em questão, porque, se assim fosse, bastaria a qualquer pessoa constituir uma sociedade comercial com um objecto idêntico e, sendo gerente da mesma, logo se tornaria um experimentado profissional do ramo;
· Ou seja, a Recorrente, personificada nos seus gerentes, no que ao tipo de bens aqui em questão diz respeito, é tão ou mais leiga e inexperiente do que um consumidor médio, e, em consequência, revela-se como a parte fraca e vulnerável na relação de consumo estabelecida com a Recorrida;
· Assim, e apesar da alínea a) do art. 1.º-B do RVBC, definir o consumidor como “aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça, com carácter profissional, uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, à semelhança da noção de consumidor que nos é facultada pela actual Lei de Defesa do Consumidor - cfr. art. 2.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho -, a mesma, citando o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 11 de Setembro de 2008, in www.dgsi.pt, não só sofre de algumas imprecisões e insuficiências, deixando grande margem para dúvidas várias, como não pode deixar de ser complementada, nomeadamente, com elementos de cariz sociológico, dado que, e continuamos a citar, “efectivamente, situações há em que se justifica a extensão da noção de consumidor profissional.
· Para reforçar a posição ora defendida, traga-se à colação o Anteprojecto do Código do Consumidor - a cuja Comissão presidiu o Prof. Doutor Pinto Monteiro - que, no seu art. 11.º, preceitua a extensão da noção de consumidor às pessoas colectivas que provarem que não dispõem nem devem dispor de competência específica para a transacção em causa e desde que a solução se mostre de acordo com a equidade.
· Aliás, além do Anteprojecto do Código do Consumidor, também vários Autores - todos eles citados no aresto supra mencionado - sustentam, hoje em dia, a extensão da noção de consumidor às pequenas empresas ao pequeno comércio e às pequenas explorações agrícolas quando elas adquiram bens ou serviços para as necessidades da sua actividade económica junto de grandes empresas de produção e de distribuição.
· A este propósito, veja-se THIERRY BOURGOIGNIE, que comenta: A situação do pequeno comerciante levado a fazer aquisições ou a subscrever contratos de empresa para as necessidades da sua actividade profissional, mas relativamente a objectos ou a materiais que saem da sua especialidade é efectivamente muito vizinha da do consumidor que contrata para fins privados. Ela integra-se, aos olhos da teoria económica, na esfera do consumo; o profissional em questão constitui o último elo do acto da vida económica do bem ou serviço em causa e encontra-se, considerando quer a sua falta de especialização, quer a ausência real de poder de negociação resultante da fraca dimensão da sua empresa, nas mesmas condições de desequilíbrio e de submissão aos meios de produção.
· Ainda sobre a questão vertente, afirma PEGADO LIZ que a finalidade «não profissional» permite incluir ainda no conceito de consumidor os profissionais que adquiram bens ou serviços a outros profissionais, mas o façam fora da sua área de competência ou capacidade especial enquanto profissionais.
· Também SANDRINA LAURENTINO entende igualmente que a noção de consumidor da Lei de Defesa do Consumidor é, na realidade elástica, admitindo a existência de consumidores equiparados.
· Nesta linha, acentua CAS. e D. FERRIER que fora da sua especialidade o profissional tornou-se também ele um profano, pelo que um profissional tem, também ele, necessidade de protecção quando é confrontado com um profissional de outra especialidade.
· Em jeito de conclusão quanto à questão da extensão da noção de consumidor, o Tribunal da Relação do Porto, defende, no douto Acórdão de 11 de Setembro de 2008  que tal extensão deve, no entanto, ser abordada no campo da equidade, com análise casuística (designadamente, do ramo de actividade do profissional em causa e dos seus específicos conhecimentos no sector em que se insere o bem adquirido), devendo adoptar-se o seguinte critério: o profissional deve beneficiar da protecção dada ao consumidor quando, atentas as circunstâncias, se mostrar, em relação ao bem que adquiriu, tão leigo quanto o consumidor,  ou seja, a parte fraca, leiga, profana, débil economicamente e vulnerável, menos preparada tecnicamente de uma relação de consumo, e que tal posição é a que se ajusta à razão de ser da legislação do consumidor, que é compensar situações de clara desigualdade (protegendo a parte mais débil na relação contratual). E estas situações podem, sem dúvida, também verificar-se mesmo que o contraente seja profissional.
· Assim, face ao acima expendido, conclui a Recorrente que, no caso sub judice, deve ser operada a extensão da noção de consumidor, sendo a mesma considerada uma consumidora equiparada, pela seguinte ordem de razões: em primeiro lugar, por ser uma pequena empresa, na altura dos factos completamente inexperiente, que comprou bens para satisfazer as necessidades da sua actividade económica junto de uma grande empresa de produção mundial, como é a Recorrida e,
· em segundo lugar, devido ao facto de, ao ter adquirido à Recorrida máquinas de café, a Recorrente celebrou um contrato fora da sua área de actividade, fora da sua área de especialidade, existindo, assim, um desequilíbrio, que deve ser compensado pela aplicação das normas que protegem os consumidores,
· pelo que a posição da Recorrente, no caso vertente, deverá ser protegida, por ser a parte indefesa, leiga e vulnerável na relação contratual estabelecida, cumprindo-se, assim, a ratio da legislação do consumidor, que reside na protecção da parte mais fraca de uma relação de consumo, como a que se estabeleceu entre a Recorrente e a Recorrida, neste particular;
· Em consequência, o contrato de compra e venda outorgado entre a Recorrente e a Recorrida deve ser considerado um contrato celebrado entre um profissional - a Recorrida - e uma sociedade comercial equiparada a um consumidor - a Recorrente-, a que se aplica a legislação de protecção do consumidor, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que aprovou o regime de venda de bens de consumo;
· Em consonância com tudo o que ficou exposto, requer-se a V. Exas. Venerandos Desembargadores que revoguem a decisão contida no segmento do despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade, invocada pela Ré, ora Recorrida;
· Não obstante, sem conceder, subsidiariamente, sempre se dirá, por mero dever de ofício, que independentemente da qualificação jurídica, efectuada pelo Tribunal a quo do tipo de contrato de compra e venda celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, constatou a Recorrente que o Tribunal a quo, no seu despacho saneador, para fundamentar que a Recorrente não exerceu os seus direitos no prazo de seis meses a contar da denúncia dos defeitos, afirma que a Autora não alega quaisquer outros defeitos que tivessem ocorrido, e sido comunicados, no tempo que mediou a comunicação dos defeitos a 26 de Abril de 2011 e a data da resolução do contrato a 5 de Março de 2012;
· Sucede, porém, que tal não corresponde à verdade, pois, atentando-se ao conteúdo da carta da Autora, ora Recorrente, que operou a resolução do supra referido contrato, datada de 5 de Março de 2012 - junta como doc. 33 com a petição inicial -, pode ler-se, no seu último parágrafo, o seguinte, que se transcreve por se revelar importante: Por último, refira-se que a não resolução do problema nos termos supra aduzidos, não nos deixará outra opção que não seja seguir a via judicial, único meio de obter o reconhecimento dos direitos que nos assistem, em virtude da situação criada por V.as Exas, que se verifica até hoje, sendo certo que, em sede judicial, pediremos a justa indemnização por todos os prejuízos causados pelas sucessivas paragens das máquinas, os quais são objectivamente mensuráveis.
· Deste modo, não é verdade que a Recorrente não tenha denunciado outros defeitos que se tenham verificado após a comunicação de 26 de Abril de 2011 e que, na data de entrada em juízo da presente acção, já tivessem decorrido os seis meses contados do momento em que esses mesmos defeitos ocorreram, conforme se pode constatar pela leitura da carta ora citada, pois, como resulta da carta junta como doc. 33 com a petição inicial - cujo conteúdo não foi impugnado pela Recorrida, fazendo, assim, prova plena dos factos dela constantes -, os defeitos com as máquinas de café verificaram-se até ao momento em que foi comunicada à Recorrida a resolução do contrato celebrado com a mesma, ou seja, até Março do corrente ano, situação que foi, assim, expressamente comunicada à Recorrida, em simultâneo com a resolução do contrato, em conformidade com o exposto e transcrito;
· Concretamente e aquando da comunicação da resolução, a Recorrente expressamente referiu que as anomalias e problemas das máquinas se verificavam até à data, sendo certo que, não obstante o conteúdo da carta junta como doc. 33 com a petição inicial não ter sido impugnada pela Recorrida, fazendo assim prova plena dos factos dela constantes, a Recorrente propõe-se evidenciar tais factos, recorrendo à prova testemunhal, a produzir em sede de audiência de julgamento;
· Face ao exposto, e em consonância com a argumentação expendida pelo Tribunal a quo no seu douto despacho saneador, não se pode considerar que estejam caducados os direitos de indemnização e de resolução do contrato, que nasceram na esfera jurídica da Recorrente, em virtude dos repetidos defeitos verificados nas máquinas de café adquiridas à Recorrida,
· visto que tais defeitos/avarias se verificaram até à data da resolução do contrato de compra e venda outorgado entre a Recorrente e a Recorrida e a competente acção, para exercício dos respectivos direitos, deu entrada no Tribunal em Abril de 2012;
· Face a tudo o que ficou exposto, requer-se a V. Exas. Venerandos Desembargadores que revoguem a decisão contida no segmento do despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade, invocada pela Ré, ora Recorrida.
6. Nas contra-alegações a R. formulou as seguintes conclusões:
§ À Recorrente não assiste qualquer razão, não merecendo o douto despacho ora em crise qualquer censura.
§ Ao contrário do alegado pela Recorrente, não resulta que a Recorrente iniciou a sua actividade comercial em Abril de 2009, mas tão só que no âmbito da sua actividade a Recorrente explora desde Abril de 2009 três quiosques, o que é completamente diferente, sendo a data da sua constituição em 25 de Setembro de 2008.
§ Não resulta dos autos, não foi aceite, nem pode ser considerado assente que os sócios gerentes da Recorrente, não possuíam qualquer tipo de experiência no sector comercial onde estavam a desenvolver a sua actividade, uma vez que tal circunstância não decorre de invocadas profissões nem habilitações literárias.
§ A Recorrida não alcança que tais afirmações tenham sido aceites e por quem já que no articulado posterior a ora Recorrida apenas respondeu quanto à matéria legalmente admissível, ou seja, à excepção peremptória de não cumprimento invocada pela Recorrente, pelo que as habilitações literárias não se encontram demonstradas nos presentes autos.
§ Resulta do despacho saneador que o contrato de compra e venda celebrado entre a Recorrente e a Recorrida., tem natureza mercantil, quer pelo seu objecto quer pela natureza dos sujeitos intervenientes no negócio, porque ambas as partes são sociedades comerciais e o objecto do contrato celebrado insere-se no âmbito da sua actividade comercial.
§  A Recorrente. é uma sociedade comercial por quotas cuja finalidade visa o benefício económico e cujo objecto é “Serviço de restauração, bares, estabelecimento de comercialização de bebidas não alcoólicas(…)
§ Como se afere do alegado no art. 93º da P.I “ A Autora comprou tais máquinas de café com o fito exclusivo de poder servir aos seus clientes café e todo o tipo de bebida dele derivadas, em cada um dos seus três quiosques”(sublinhado e negrito nosso), não adquirindo assim as máquinas como consumidora final.
§ Não é minimamente verosímil ou sequer aceitável do ponto de vista da normalidade da vida e dos negócios, que a Recorrente tendo por actividade mercantil o serviço de restauração, bares, estabelecimento de comercialização de bebidas não alcoólicas, (com concessões atribuídas pela Câmara Municipal em 3 quiosques situados em zonas nobres da Capital) seja mais leiga e inexperiente que o consumidor médio!! e parte vulnerável na relação contratual com a aqui Recorrida.
§ Considerar-se que a aquisição das máquinas de café por parte da Recorrente à Recorrida, integra objectos ou matérias que saem da sua especialidade, quando o objecto da sociedade da A. é a restauração, bares, bebidas, etc.…, e ao mesmo tempo afirmar que as máquinas foram adquiridas para ser utilizadas nos quiosques da Recorrente com o “fito exclusivo de vender cafés aos clientes dos quiosques” é no mínimo temerário.
§ O entendimento da Recorrente se aplicável desvirtuaria a aplicação da legislação do consumidor abrangendo todas as situações de empresas que por terem sido constituídas há um ano, independentemente do seu objecto social e vertente económica e lucrativa se escudariam na referida legislação com o argumento pernicioso e incongruente de não serem profissionais, mas sim leigas na matéria e a parte fraca e vulnerável na relação comercial.
§ Encontrando-nos perante um contrato de compra e venda entre “não consumidores”, a disciplina jurídica aplicável aos presentes autos é a constante nas disposições dos arts 913º e sgts do Código Civil, que se encontra sujeita aos prazos de caducidade aí previstos, ou seja ao prazo de 6 meses para instaurar a presente acção, o qual se encontra largamente ultrapassado.
§ A Recorrente denunciou os alegados defeitos em 12/04/2010 (vide doc. nº 30 junto com a P.I), reiterou os mesmos defeitos em 21 de Abril de 2011, mas somente no dia 13/04/2012 deu entrada da presente acção.
§ O Tribunal a quo fundamentou a procedência da excepção invocada pela ora Recorrida considerando que tendo a última avaria sido comunicada em 26 de Abril de 2011 e a resolução do contrato sido apenas efectuada em 05 de Março de 2012, entre a denúncia do alegado defeito e a resolução distaram cerca de 11 meses, ou seja, muito para além do prazo de caducidade dos 6 meses previsto n o art. 917º do C.C.
§ O efeito jurídico dos factos articulados pela Recorrente, extinguiu-se, verificando-se a referida excepção em virtude de ter sido proposta a presente acção muito para além dos 6 meses.
§ A Recorrente no art. 45 e segts das alegações alega que independentemente da qualificação jurídica quanto ao contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida exerceu os seus direitos no prazo de 6 meses a contar da denúncia dos defeitos, porquanto na carta de resolução datada de 05 de Março de 2012 os defeitos com as máquinas de café verificaram-se até ao momento em que foi comunicada a resolução do contrato celebrado.
§ É a própria Recorrente que admite que na missiva de 05 de Março de 2012 se limitou a reiterar os alegados defeitos das máquinas do café que se cita “Motivos pelos quais, oportunamente denunciámos os defeitos dos equipamentos vendidos por V. Exas., através de missiva remetida, por nós, no dia 12 de Abril de 2010, e reiterada por nova carta datada e enviada a 21 de Abril de 2011.”
§ Conclui-se assim que os defeitos foram denunciados em 12 de Abril de 2010 e reiterados em 21 de Abril de 2011, tendo os presentes autos o seu inicio em apenas em 13/04/2012, encontrando-se também nesta situação o prazo dos 6 meses largamente ultrapassado.
§ Resulta do douto despacho saneador, que em 26 de Abril de 2011 foi comunicada uma nova avaria, logo um novo defeito, e seguindo a fundamentação de direito do mesmo, o exercício dos direitos poderiam ser exercidos pela via extrajudicial, sendo no presente caso através da resolução em 05 de Março de 2012, porém de forma absolutamente extemporânea.
§ Não se concedendo mas por mera cautela de patrocínio se refere que, ainda que a Recorrente seja considerada consumidora final para efeitos de aplicação da lei do Consumidor, o direito da acção de reparação, redução de preço e resolução do contrato caduca no prazo de 2 anos a contar da denúncia dos defeitos, por aplicação do nº 1 do art. 5 do Decreto-lei nº 67/2003, de 8 de Abril com as alterações que foram introduzidas pelo Decreto-lei nº 84/2008, de 21 de Maio.
§ O exercício dos referidos direitos está condicionado à denúncia da desconformidade pelo consumidor no prazo de 2 meses relativamente a bens móveis, nos termos do disposto no nº 2 do art. 5º-A do mencionado diploma.
§ A Recorrente adquiriu os equipamentos em Abril de 2009 conforme facto assente na alínea L. do douto despacho saneador, e o início dos problemas com as máquinas tiveram lugar logo nas primeiras semanas (art.s 15º, 16º e 17º da P.I).
§ Apenas em 13 de Abril de 2010 denunciou à Recorrida “a falta das qualidades que a Autora estava convicta que as máquinas possuíam, quando as adquiriu e também os defeitos verificados nas mesmas” (art. 71º da P.I), e Doc. nº 30 junto aos autos pela Recorrente com a P.I., pelo que a denúncia foi efectuada muito para além dos 2 meses previstos no nº 2 do art. 5-A do citado diploma, tendo em conformidade caducado o direito da Recorrente.
§ Concluindo-se que os direitos de indemnização e resolução invocados pela Recorrente se encontram caducados, não merecendo o despacho ora em crise qualquer censura, pelo que deve ser mantido.
7. Cumpre apreciar e decidir.
*
            II – Enqudramento facto-jurídico.
Do factualismo
Na decisão sob recurso, considerou-se com relevância para o conhecimento da questão ora em análise, os seguintes factos alegados pela Autora:
A. A Autora é uma sociedade comercial por quotas, constituída no dia 25 de Setembro de 2008, com um capital social de €5.000,00 (cinco mil euros) que desenvolve a sua actividade na área dos serviços de restauração e de comercialização de bebidas.
B. A Ré é uma sociedade comercial anónima que se dedica ao fabrico e comercialização de máquinas de café expresso.
C. Em Abril de 2009 a Autora adquiriu à Ré três máquinas de café, por si fabricadas, do modelo “M... D...”, com os números de série .. 114…e 11….4.
D. As máquinas foram adquiridas à Ré com o fim de serem instaladas em cada um dos três quiosques concessionados à Autora, para a mesma servir aos seus clientes café, bebidas dele derivadas e ainda outras bebidas quentes, como chá, leite quente e chocolate quente.
E. Face à continuada verificação de avarias nas três máquinas adquiridas à Ré a Autora denunciou à Ré, através de carta registada com aviso de recepção, remetida a 13 de Abril de 2010, a falta das qualidades que a Autora estava convicta que as máquinas possuíam quando as adquiriu e também os defeitos verificados nas mesmas solicitando que a situação fosse resolvida, no prazo de oito dias, algo que nunca ocorreu.
F. Passado um ano do envio da acima mencionada missiva, no dia 21 de Abril de 2011, a Autora remeteu nova missiva para a Ré onde reiterou a denúncia efectuada no ano transacto, comunicando-lhe que todos os problemas e defeitos já denunciados continuaram e continuam a verificar-se.
G. Em 26 de Abril de 2011, a máquina de café do Q…  encontrava-se com “o sistema do leite (…) interrompido”, o que levou a Ré a efectuar a “substituição do tubo da bomba de leite para o bico de saída”.
H. No dia 5 de Março de 2012, através de carta registada com aviso de recepção a Autora comunicou à Ré a resolução do contrato celebrado com a mesma, informando, ainda, a Autora que as máquinas em questão se encontram ao dispor da Ré para levantamento e que aguarda a devolução do preço pago pelas mesmas.

Do direito
Como se sabe o objecto do recurso é definido pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas, artigos 684. º, n.º 3, 660.º, n.º 2, e 713.º, todos do CPC, não estando o  Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está o mesmo sujeito às razões jurídicas invocadas também pelas partes, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, art.º 664, do CPC.
Nesse necessário atendimento, importa apreciar, se diversamente do entendido, não deveria ter sido dada como procedente a excepção da caducidade do direito da Recorrente conforme foi entendido em sede da decisão sob recurso.
Na verdade, em sede desta última, afastando-se a aplicabilidade do DL 67/2003, de 8.04, por se considerar que o contrato celebrado entre as aqui partes não se configurava como um contrato de compra e venda de bens de consumo, na subsunção, subsequente, ao regime resultante do Código Civil, considerou-se que os direitos que a Recorrente pretendia fazer valer decorrentes da venda defeituosa não tinham sido exercidos no prazo de seis meses a contar da denúncia dos defeitos, mostrando-se assim caducados os direitos de resolução do contrato e indemnização invocados.
Insurge-se a Recorrente contra o decidido, pretendendo que deveria ter sido levada em conta a extensão da noção de consumidor, para abranger casos como em análise, subsidiariamente, dizendo, não ter decorrido o prazo de caducidade, no atendimento do conteúdo da carta de 5 de Março de 2012, que operou a resolução do contrato.
Apreciando.
Não de discute que entre a Recorrente e a Recorrida foi celebrado um contrato de compra e venda, tendo como objecto três máquinas de café, invocado estando que as mesmas enfermam de vícios[1], que obstam ao seu bom funcionamento, garantido aquando da celebração do negócio jurídico em causa.
Em termos do regime de compra e venda de coisas defeituosas, desde logo o previsto no Código Civil, decorre dos artigos 913.º e seguintes deste diploma, que o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou a sua substituição se for fungível, bem como o direito a ser indemnizado, no caso de anulação do contrato por ter havido erro, devendo o comprador, nesse caso, denunciar ao vendedor o vício do contrato, ou a falta da qualidade da coisa nos prazos previstos no art.º 916, n.º 2[2], do CC, a saber, até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.
Por sua vez o art.º 917, do CC, diz-nos que a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos acima mencionados, sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no n.º2, do art.º 287, também do CC, isto é, não estando o contrato cumprido, poder a acção ser intentada sem dependência de prazo.
Não se desconhecendo a divergência jurisprudencial que existiu[3], sobretudo até ao Assento do STJ de 4.12.1996[4], tem-se como bom o entendimento que o prazo de caducidade previsto no art.º 917, do CC, deverá ser o aplicável, por interpretação extensiva, não só às acções em que se vise obter a reparação ou a substituição da coisa, mas também as que em complemento, ou exclusivamente, se vise a indemnização por prejuízos sofridos em consequência do vício da coisa[5].
Com efeito, sabendo-se que subjacentes ao regime de caducidade estão razões de certeza e segurança jurídica, tendo em vista a resolução de conflitos num espaço breve de tempo, compreende-se a estipulação de prazos curtos em contraposição ao geral, gerador de situações de indefinição dos direitos dos envolvidos, com o decorrente prejuízo do comércio jurídico[6], sendo certo, também, que não se configura como perceptível, que o legislador apenas tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os demais prazos sujeitos ao regime geral, justificando-se a interpretação acolhida à luz da unidade do sistema jurídico[7].
Relevante, também, no atendimento até dos termos como surge configurado o presente recurso, o regime específico resultante da protecção dada aos consumidores, nos termos da Lei 24/96, de 31 de Julho, tal como se mostravam definidos no n.º1, do art.º2, da Lei 24/96, isto é, todos aqueles a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.
Assim, no seu art.º 4, consignado estava que os bens destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor, estabelecendo-se um prazo de garantia supletivo de um ano no caso de fornecimento de bens móveis não consumíveis.
Por sua vez, no art.º 12, estipulado estava que o consumidor a quem fosse fornecida coisa com defeito, poderia exigir, independentemente da culpa do fornecedor do bem, a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato, e ainda indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, denunciando o defeito no prazo de 30 dias, caso de tratasse de bem móvel, após o seu conhecimento, e dentro do prazo de garantia, caducando os direitos conferidos ao consumidor findo os prazos mencionados sem que tivesse feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, não se contando para o efeito o tempo dispendido com as operações de reparação.
O DL 67/2003, de 8 Abril, que veio proceder à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Maio, relativa a determinados aspectos de venda de bens de consumo e das garantias a elas relativas, visando assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, afirmando que o vendedor deve entregar ao consumidor os bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda, n.º1 do art.º 2, consigna no n.º2 desse mesmo artigo presunções ilidíveis de conformidade, valendo como regras legais de integração do negócio jurídico, suprindo a insuficiência ou inexistência de cláusulas que estabeleçam as características e qualidades da coisa a entregar ao consumidor, conforme o contratualmente acordado[8].
Referenciam-se assim a não conformidade do bem com a descrição que é feita pelo vendedor, não possuir as qualidades que o vendedor tenha apresentado como amostra ou modelo, não ser adequado ao uso específico para o qual o consumidor o destinou e que informou o vendedor quando celebrou o contrato, ou não ser adequado à utilização habitualmente dada a bens do mesmo tipo, e ainda não apresentar as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo, que o consumidor possa razoavelmente esperar, face à sua natureza.
Por sua vez diz-nos o art.º 3, do mesmo diploma que o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que a entrega lhe é feita, desde que se manifestem num prazo de dois anos, para o caso que nos interessa, presumindo-se existentes já naquela data, a não ser que sejam incompatíveis com a natureza da coisa ou as características da falta de conformidade.
Verificada a falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor têm direito a que seja reposta sem encargos por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato, art.º 4, devendo exercer tais direitos no prazo de dois anos após a entrega da coisa, podendo esse prazo ser reduzido a um ano, se a coisa móvel for usada[9], art.º 5, n.º2 do mesmo diploma, caducando os direitos conferidos ao consumidor, se findos tais prazos não tenha feito a denúncia, ou feita esta, num prazo de dois meses a contar da data que tenha detectado a falta de conformidade, ou decorridos sobre a mesma seis meses, suspendendo-se o decurso do prazo durante o período de tempo em que o consumidor se achar privado do uso dos bens em virtude das operações de reparação da coisa, n.º 4 e n.º 5.
O DL 84/2008, de 21 de Maio, alterando o DL 67/2003, de 8 de Abril, aditou o art.º 1-A, definindo como respectivo campo de aplicação, os contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, definindo como “consumidor” aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º1, do artigo 2.º da Lei 24/96, de 31 de Julho[10].
Assim de jure condito, propende-se a entender que os negócios abrangidos por tal regime são os que se estabelecem entre profissionais actuando no âmbito da sua actividade e pessoas que actuem fora do seu âmbito de actividade profissional, dos quais resulte a aquisição de bens destinados a uso não profissional, levando em última análise que seja afastada qualquer aplicação profissional do bem, mesmo que não exclusiva[11].
Sabido é, que se visa a necessidade da defesa dos interesses daqueles que se vêm envolvidos na voracidade de uma sociedade com apelo constante ao consumo, mesmo desenfreado, relativamente a bens, muitas vezes com características que não se mostram como perceptíveis à generalidade das pessoas, face até as técnicas agressivas de venda, e cuja aquisição surge cada vez em condições mais complexas, determinando assim que se procure salvaguardar a posição daqueles, que em tal quatro se mostram mais desprotegidos, pretendendo estabelecer um possível equilíbrio entre os contratantes.
Daí que, no atendimento da realidade concreta, sempre rica e mutável, não se mostre inviável compaginar o entendimento enunciado, com a possibilidade, aferida casuisticamente, de estender a protecção devida ao consumidor, a determinada entidade que exerça de forma profissional uma certa actividade económica, visando obter benefícios[12].
Para tanto não deverá ela própria ser idêntica ao outro contraente, nem ter em vista dar um destino empresarial aos bens ou serviços adquiridos[13], antes actuando fora do âmbito da sua especialidade, competência própria ou objecto específico da sua actividade[14], não dispondo, em conformidade, de preparação técnica por a utilização do bem adquirido se encontrar fora do domínio da sua especialidade[15], de modo a que se mostre em relação ao bem que adquiriu, tão leiga como um consumidor[16], numa efectiva ponderação das especificidades da situação de facto desenhada com razões de justiça e equidade, alicerçadas, designadamente, no princípio da boa fé na formação e execução dos contratos[17].
Reportando-nos aos presentes autos, no atendimento da matéria alegada pela Recorrente, verifica-se que a mesma é uma sociedade por quotas, que desenvolve a sua actividade na área de serviços de restauração e comercialização de bebidas, tendo adquirido à Recorrida, sociedade anónima que se dedica ao fabrico e comercialização de máquinas de café expresso, três máquinas de café, por si fabricadas, com fim de serem instaladas em cada um dos três quiosques concessionados à Apelante, para esta servir aos seus clientes café, bebidas dele derivadas e ainda outras bebidas quentes, como chá, leite quente e chocolate quente.
Avulta assim, que estamos perante um negócio realizado entre duas entidades, no âmbito da actividade económica que ambas desenvolvem, manifesto sendo, também que os bens adquiridos se destinavam a uma aplicação profissional por parte da adquirente, já que a ser utilizados na prossecução do respectivo escopo, com vista a dele retirar benefícios, fim último que não se configura que seja questionado, e decorre da própria natureza das entidades envolvidas, como é o caso da Recorrente.
Ora, não se configurando que possa a Recorrente enjeitar a sua qualidade de profissional, nos termos explanados, não pode deixar de se considerar que o contrato celebrado se prendia especificamente com a actividade que a mesma se propunha desenvolver, e nessa medida, sem prejuízo de a ter iniciado há mais ou menos tempo, não dispensava, em conformidade, a apreensão dos itens indispensáveis para a levar a cabo, caso dos relativos aos instrumentos para tanto, como não podem deixar de ser consideradas as máquinas em referência.
Deste modo, porque não estamos fora do âmbito de especialidade que ao caso assistia, não releva uma maior ou menor experiência no que à mesma respeita que pudesse assistir aos seus responsáveis, sendo certo que as qualificações daqueles em áreas diferentes do saber não se evidencia como impeditiva da possibilidade da percepção da realidade em causa, no concerne ao exigível em termos do correspondente exercício de funções.
Por conseguinte, diversamente do que entende a Recorrente, não se pode concluir que na realização do contrato com vista à aquisição das máquinas de café, deva a mesma ser considerada como uma parte leiga e vulnerável, em termos tais, que justifiquem a extensão do regime de protecção ao consumidor.
Aqui chegados, a saber está, se à luz do regime legal acima enunciado de venda de coisa defeituosa, se mostra ultrapassado o prazo de caducidade previsto para o exercício de direitos por parte do comprador, isto é, e na vertente que agora nos interessa, se efectivou tal exercício no prazo de seis meses após a denúncia efectuada que a coisa padecia de defeitos.
Atentando ao alegado pela Recorrente no concerne às datas em que as avarias ocorreram, a última reportada a 26 de Abril de 2011, merecendo a correspondente intervenção da Recorrida, mas também, e sobretudo, às acções daquela face a tais avarias, ressalta a comunicação efectuada a 13 de Abril de 2010, apontando para os problemas técnicos com as máquinas, pretendendo que sejam efectuadas as reparações solicitadas, no prazo de oito dias[18], mas também a realizada em 21 de Abril de 2011[19], na qual se faz constar que todos os problemas denunciados no dia 12 de Abril de 2010 continuam a verificar-se, reiterando-se o conteúdo dessa missiva.
Constata-se, também que em 5 de Março de 2012[20], veio a Recorrente resolver o contrato, como no momento próprio alegou, referindo não estar solucionada a situação da existência de defeitos no equipamento, que fora já denunciada através de cartas do dia 12 de Abril de 2010, e reiterada por nova carta datada e enviada a 21 de Abril de 2011.
Assim, tendo em conta a ocorrência de 26 de Abril de 2011, então dada a conhecer à Recorrida, e as denúncia concretizada pelas cartas remetidas pela Recorrente em 12 de Abril de 2010 e 21 de Abril de 2011, não se patenteia a existência de outras denúncias, constando-se que a missiva de resolução do contrato de 5 Março de 2012 se reporta a tais comunicações.
Ora, mesmo que demonstrado fosse que a situação denunciada nas comunicações referenciadas se mantinha, manifesto se torna que a presente acção foi interposta[21] quando fora já ultrapassado o prazo de seis meses, ocorrido após a denúncia que foi realizada, operando-se a caducidade do direito de acção, impeditiva do conhecimento da pretensão formulada pela Apelante.
Improcedem, assim, e na totalidade, as conclusões formuladas.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 18 de Junho de 2013

Ana Resende
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo
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[1] Os defeitos da coisa, constituídos pelas discordâncias com respeito ao fim acordado, e pelos vícios correspondentes às imperfeições relativas à qualidade normal, e que são determinados através do contrato, e dependentes da sua interpretação, cfr. Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso, pag. 166 e segs
[2] Exceptuando-se os casos em que houve dolo por parte do vendedor.
[3] Não sendo mencionado expressamente no art.º 914 qual o prazo de caducidade para o exercício do direito à reparação, a lacuna devia ser suprida, perfilhando-se três entendimentos diversos: um primeiro recorrendo à aplicação extensiva do art.º 917, (corrente que já então se crê ser a maioritária), um segundo ao prazo de caducidade previsto no art.º 309, e um terceiro aplicando as regras do contrato de empreitada, isto é, o disposto no art.º 1225, todos do CC.
[4] A acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao DL 267/94, de 25 de Outubro, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no art.º 917, do CC.
[5] Cfr. a título de exemplo, os Ac. do STJ de 31.5.2005, 14.3.2006, e 2.11.2006, todos in www.dgsi.pt.
[6] Conforme se refere no Ac. STJ de 2.11.2006, acima mencionado, o referido normativo visa(r) a realização do interesse do vendedor, do comércio jurídico, com vendas sucessivas, evitando a incerteza na cadeia negocial e as dificuldades de prova e contraprova dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega das coisas.
[7] Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso, a fls. 367, refere que tendo a lei estatuído que, em caso de garantia de bom funcionamento, todas as acções derivadas do cumprimento defeituoso caducam em seis meses (art.º 921.º, n.º4), não se entenderia muito bem porque é que, na falta de tal garantia, parte dessas acções prescreveriam no prazo de vinte anos, mais mencionando, se o art.º 917.º não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos.
[8] João Calvão da Silva, in Venda de Bens de Consumo, 3ª edição, pag. 59 e 60.
[9] Quanto a este tipo de bens, usados, a expectativa do consumidor em termos de desempenho e qualidade terá de ser necessariamente mais baixa, e tanto menor quanto maior tiver sido a anterior utilização do bem, e a idade do mesmo.
[10] O “vendedor”, nos termos da alínea c), é qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional, enquanto o “bem de consumo”, é qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão.
[11] Conforme menciona Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume III, Contratos em Especial, a fls. 139 e seguintes, excluindo da aplicação do regime três tipos de contratos: os contratos celebrados entre profissionais – vendas entre comerciantes ou empresas; contratos celebrados entre não profissionais; contratos de venda de bens de consumo invertida, em que um profissional compra um objecto a um consumidor, podendo, ou não, vender-lhe simultaneamente outro bem.
[12] Cfr. Fernando Batista de Oliveira, in O Conceito de Consumidor, Perspectiva Nacional e Comunitária, pag. 51 e seguintes.
[13] Cfr. Autor e obra acima referida, a fls. 65.
[14] Cfr. mesmo autor e obra a fls. 70.
[15] Cfr. mesmo autor e obra a fls. 104.
[16] Cfr. mesmo autor e obra a fls. 71.
[17] Citando, autor e obra acima referidos, pag. 102.
[18] Documento referenciado como o n.º 30, junto com a p.i., encontrando-se a fls. 346, e segs. destes autos de recurso.
[19] Documento referenciado como o n.º 31, junto com a p.i, encontrando-se a fls. 350 destes autos de recurso.
[20] Documento referenciado como o n.º 33, junto com a p.i, encontrando-se a fls. 33 destes autos de recurso.
[21] Em 13 de Abril de 2012.