Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
65/17.6PJLRS-C.L1-5
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: MEDIDA DE GARANTIA PATRIMONIAL
ARRESTO
OPOSIÇÃO AO ARRESTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - O arresto de bens previsto no artº 10º da Lei 5/2002 de 11.1 é uma medida de garantia patrimonial para salvaguarda ou garantia de pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º e funda-se em dois pressupostos cumulativos, logo que apurado o montante da incongruência e se necessário ainda antes da própria liquidação, a saber:
a) A existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e
b) de fortes indícios da prática do crime
- A oposição ao arresto, visando apenas a prova da origem lícita não é admissível porquanto, havendo previsão expressa de regulação pelo artº 10º nº4, a prova deve ser feita nos termos específicos e especiais previstos na Lei 5/2002- art.º 9.º:
- Consequentemente, se bem que o bem arrestado pareça tê-lo sido por ser parte do património incongruente, foi-o sobretudo como medida de garantia do “valor de incongruência apurado na liquidação” pelo que a defesa contra a liquidação e a presunção de origem ilícita dos bens deve ser apresentada na contestação ou após notificação da liquidação e não por via de articulado de oposição ao arresto em si.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – 5ª SECÇÃO (PENAL)

I-RELATÓRIO
1.1- Por despacho judicial de 18-10-2019 no procº nº 65/17.6 PJLRS-C do Juízo Central Criminal de Loures - Juiz 1, foi decidido:
“Fls. 116 e ss:
Através do requerimento com registo de entrada no dia 04-09-2019 e remetido, via e-mail, no dia 02-09-2019, dirigido ao Juízo de Instrução Criminal de Loures - J3, veio o requerido LP deduzir oposição ao procedimento cautelar de arresto decretado nos autos por decisão datada de 26-06-2019.
Os requeridos nos presentes autos de arresto foram, após a efetivação da providência, notificados por aquele Juízo de Instrução Criminal para dedução de oposição (cfr. disposições conjugadas dos artigos 293°, n.° 2 ex vi artigo 365.°, n.° 3, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 228.° do CPP e 10.° da Lei n.° 5/2002, de 11-01), como resulta da parte final de fls. 50 da referida decisão.
Nessa conformidade, perante o requerimento de dedução de oposição, por despacho de 12-09-2019, entendemos, remeter os autos ao Juízo de Instrução Criminal, considerando o disposto no artigo 372.°, n.° 1, al. b) e n.° 3 do CPC.
A Senhora Juíza de Instrução Criminal entendeu que de tal preceito legal não se retira que a decisão que recaia sobre a oposição deduzida tenha de ser proferida pelo juiz que decretou o arresto, declarando o juízo de instrução criminal incompetente para decidir a oposição ao arresto.
Analisada com rigor a questão de ser, ou não, admissível a dedução de oposição ao arresto decretado nos termos da Lei 5/2002, de 11-01, afigura-se-nos que tal procedimento de oposição não se mostra adequado.
Atento o regime previsto no artigo 9.°, n.° 4 da citada Lei, verificamos que: «Se a liquidação do valor a perder em favor do Estado for deduzida na acusação, a defesa deve ser apresentada na contestação. Se a liquidação for posterior à acusação, o prazo para defesa é de 20 dias contados da notificação da liquidação». Acrescenta o n.° 5 do mesmo artigo 9.° que a prova referida nos n.°sl a 3 (origem lícita dos bens) é oferecida em conjunto com a defesa.
Tenta o requerido demonstrar, na oposição ao arresto, que a viatura Audi, registada em nome da sua companheira, foi adquirida com o seu trabalho, impugnando o apuramento dos seus rendimentos feito através da requerida perda ampliada de bens, bem como que o seu rendimento e o capital apreendido tivessem sido obtidos de forma ilícita. Para tanto, juntou documentação aos autos e indicou uma testemunha.
Acontece que, em nosso entendimento, o requerido apenas poderia recorrer da decisão que decretou o arresto e não deduzir oposição.
Esta é a regra que vem prevista explicitamente no artigo 9.° que supra se citou e que não pode ser nem ignorada, nem ultrapassada pela aplicação de qualquer outro regime a título subsidiário, sob pena de se poder dar mais oportunidades de defesa do que aquelas que a lei cogitou pela sua razão de ser para estes casos de aplicação do regime da Lei n.° 5/2002.
Neste sentido, decide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21-03-2017, no processo 143/11.5JFLSB-A.L2-5, Relator: ANA SEBASTIÃO:
"Decorre do preceito contido no art. 10°, n.° 4 da Lei n.° 5/2002, de 11.1- «Em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei ê aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal».
Sabe-se pois que não se trata de um arresto preventivo pois a própria lei não o designa como tal remetendo para o regime processual penal em tudo o que não contrariar a lei nos termos do qual foi decretado, ou seja nos termos da Lei 5/2002 de 11.1.
E não estando especificado qual a natureza desta medida haverá que com recurso ao direito subsidiário aplicável encontrar qual a configuração mais adequada a esta medida.
Como opina o M°P0, na resposta ao recurso : " Sabendo de antemão que não se encontra regulada a forma de reagir ao arresto em causa na lei mencionada, resta ao aplicador do direito socorrer-se do regime subsidiário aplicável, qual seja o previsto no Código de Processo Penal."
E como sustenta também o M°P° posição a que aderimos, as medidas de garantia patrimonial partilham com as medidas de coacção o livro IV do Código de Processo Penal, que regula, nomeadamente, os modos previstos para a sua impugnação no artigo 219." pelo que deverá entender-se que a forma de reagir ao arresto decretado nos termos do diploma, sob análise, seria por via do recurso, como previsto no art. 219° do Código de Processo Penal, tal como acontece com a prisão preventiva, ou qualquer outra medida de coacção aplicada em sede de inquérito."
Assim, os recorrentes apenas poderiam ter recorrido da decisão que decretou o arresto, alegando todos e quaisquer vícios processuais e substantivos que invalidem a aplicação da Lei n.° 5/2002, de 11.1 ou do arresto - o que não foi feito -, não se mostrando adequado o procedimento adoptado ou seja aquele mediante o qual se pretendeu como também refere o M°P°, na resposta ao recurso, realizar uma espécie de julgamento antecipado do mérito da causa, com o consequente:
a)- contraditório que a arguida esperava ter,
b)-inquirição de testemunhas para justificar os valores movimentados pela arguida e por si investidos;
c)-e discussão sobre o que compreende o património deste ou não."
Esta modalidade de defesa é a prevista no CPC para o qual haveria de remeter-se, caso o CPP não tivesse os mecanismos processuais próprios para resolver a questão suscitada. As regras do processo civil só são aplicáveis em tudo o que já não estiver previamente regulado no Código de Processo Penal (conforme art. 4° e art. 228°, n.° 1), só se podendo aplicar no processo penal aquilo que seja compatível com a sua própria regulação pois a natureza substantiva da medida de arresto e os respectivos regimes dos dois diplomas são muito diversos.
O CPP resolve, no caso, todas as questões inerentes à medida de garantia patrimonial decretada nos termos da Lei 5/2002.
Como tal, o mecanismo do contraditório previsto no artigo 372° do CPC, ou seja o contraditório exercido após o decretamento da providência, não teria aqui aplicação, razão pela qual as diligências invocadas pelo requerente não se justificavam nem se justificam, devendo o juiz indeferir todas as provas que se afigurem irrelevantes ou supérfluas (art. 340°, n.° 4, do CPP)".
Sumaria ainda, para o que aqui releva, o citado Acórdão:
"Tendo o arresto sido decretado nos termos da Lei 5/2002 de 11.1, apenas é possível recorrer da decisão que o decretou, por aplicação subsidiária do regime do CPP, e à semelhança de decisões que impõem medidas de garantia, alegando todos e quaisquer vícios processuais e substantivos que invalidem a aplicação da Lei n.° 5/2002, de 11.1 ou do arresto, não se mostrando adequado o procedimento de oposição ao arresto."
Pelo exposto, e aderindo, na íntegra, à argumentação supra expendida, não se admite a oposição deduzida pelo requerido LP , indeferindo-se, em consequência, todas as diligências de prova requeridas.
Notifique. (…)”
1.2 – Inconformado veio o arguido recorrer, dizendo em conclusões:
1ª – O artº 228º, nº 3, do C.P.P., permite e admite, que o requerido se defenda por oposição, ao arresto mandado decretar, pelo Ministério Público;
2ª – O art.º 219º do C.P.P, apenas se refere ao modo de impugnação das medidas de coação, pois este mesmo artigo é bem explicito ao afirmar que : “[Da decisão que aplicar, substituir ou mantiver medidas previstas no presente título...]”
3ª – As medidas de garantia patrimonial não se enquadram neste título e, portanto, o Mº Pº e Tribunal não têm razão quando afirmam que “a forma de reagir ao referido arresto seria por via de recurso, como previsto no art.º 219º do Código de Processo Penal, tal como acontece com a prisão preventiva, ou qualquer outra medida de coação aplicada em sede de inquérito”.
4ª – Ao contrário do que é referido pelo douto tribunal “ a quo”, no douto despacho, ora colocado em crise, o art. 372º do CPC (Contraditório subsequente ao decretamento da providência), tem de ter, aqui, aplicação, pois só assim o requerido poderá apresentar a sua defesa, tanto mais que alegou factos que não constam da acusação (alínea b) do referido preceito).
5ª A decisão de não admitir a oposição deduzida pelo requerido, LP , vertida no despacho, ora posto em crise, violou o disposto nos arts. 228º, nº 3, artº 219º, artº 125º, todos do C.P.P. e artº 372º, do C.P.C. e ainda os arts. art.º 9, nº 2, artº 10º e art. 7º, da Lei 5/2002, de 11 de janeiro.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V.EXªS. deve o recurso apresentado pelo recorrente/requerido, ser julgado procedente, por provado e em consequência, ser a decisão de não admissão da oposição apresentada pelo requerido, ser revogada, por outra que admita a oposição, com as suas legais consequências”
1.3 - Em resposta disse o MºPº, em síntese:
“Da leitura da motivação apresentada pelo Recorrente e respectivas Conclusões (que, como é sobejamente sabido, delimitam o objecto do recurso), resulta, em síntese, que se insurge contra o teor do despacho de fls. 145 e ss, por considerar que o arresto decretado nos autos, ao abrigo do disposto no art0 10o, n° 1 a 3 da Lei n° 5/2002, de 12/02, segue o regime do arresto preventivo previsto no art° 228° do Código de Processo Penal, e, nessa medida, admite oposição, nos termos do n° 3 do mesmo preceito legal.
Cremos que não assiste qualquer razão ao ora Recorrente.
A Lei n° 5/2002 de 11 de Janeiro estabelece medidas de combate à criminalidade organizada económico-financeira e, por essa razão, define e estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra do sigilo profissional e perda de bens a favor do Estado relativamente aos crimes enunciados no seu art°Io.
A Lei n° 5/2002 de 11 de Janeiro estabelece medidas de combate à criminalidade organizada económico-financeira e, por essa razão, define e estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra do sigilo profissional e perda de bens a favor do Estado relativamente aos crimes enunciados no seu art° Io.
O n° 4 do art° 10° da referida Lei dispõe que "em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei é aplicável o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal".
E os artigos 8o, n° 4 e 9o, n° 4 do mesmo diploma legal estatuem que uma vez apresentado requerimento de liquidação de perda alargada o mesmo deve ser, de imediato, notificado ao arguido que poderá apresentar defesa na contestação ou, se a liquidação for posterior, no prazo de 20 dias a contar da notificação.
De acordo com o art° 7o, n° 3 do Código Civil "a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador. "
Ora, estabelecendo a Lei n° 5/2002, de 11/02 um regime especial, o mesmo prevalece sobre o regime geral estabelecido no Código de Processo Penal e apenas naquilo que é omisso será de se aplicar este último, como regime supletivo.
Da leitura dos supra mencionados preceitos legais afigura-se-nos claro que o legislador definiu duas medidas específicas em dois momentos distintos, a saber: a liquidação da perda de bens e o arresto.
E, ao fazê-lo, consagrou, igualmente dois mecanismos de defesa, adequados a cada uma delas. No caso da liquidação da perda de bens a defesa a apresentar configura uma "oposição" à pretensão do Ministério Público, a apreciar pelo Tribunal na sequência da produção de prova em julgamento e, no caso do arresto, decretado pelo Juiz, o modo de reagir será pela via do recurso.
Donde, salvo melhor entendimento, não assiste qualquer razão ao Recorrente, pois que, caso pretendesse deduzir oposição, deveria tê-lo feito aquando da apresentação de contestação, como defesa da liquidação da perda de bens formulada na acusação e não após o decretamento do arresto.
Na verdade, do arresto deveria, como bem se diz no despacho sub judicio, ter recorrido, socorrendo-se do preceituado no n° 1 do art° 219° do Código de Processo Penal.
Destarte, aderindo in totum à bondade de argumentação expendida no douto despacho recorrido pela Exma Juiz a quo e ao decidido no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/03/2017, ali citado, somos do entendimento que o mesmo não merece qualquer censura
Porque elucidativo cita-se o sumário do já mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/03/2017: "Tendo o arresto sido decretado nos termos da Lei 5/2002 de 11.1, apenas é possível recorrer da decisão que o decretou, por aplicação subsidiária do regime do CPP, e à semelhança de decisões que impõem medidas de garantia, alegando todos e quaisquer vícios processuais e substantivos que invalidem a aplicação da Lei n." 5/2002, de 11.1 ou do arresto, não se mostrando adequado o procedimento de oposição ao arresto."
Por todo o exposto, bem andou o Tribunal a quo ao proferir o douto despacho recorrido, não se vislumbrando a violação de qualquer norma jurídica, mormente os artigos 228, n° 3, 219°, 125°, todos do Código de Processo Penal, e art° 372° do Código de Processo Civil, nem tampouco os artigos 9o, n° 2, 10° e 7o da Lei n° 5/2002, de 11/02.”
1.4- Admitido o recurso e remetido a esta Relação, o MºPº emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
A este parecer o arguido respondeu, mantendo a sua posição.
1.5- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora decidir.
II- CONHECENDO
2.1- É jurisprudência pacífica e unânime que o âmbito dos recursos se encontra delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, porém, do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente dos vícios indicados no art.º 410º, n.º2 do CPP ([1]).
Tais conclusões visam permitir e habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância da decisão recorrida.
2.2-Está em  discussão para apreciação e em síntese:
Tendo sido decretado arresto de bem nos termos da Lei 5/2002 de 11.1, apenas é possível recorrer da decisão que o decretou, por aplicação subsidiária do regime do CPP ou poderá o arrestado deduzir previamente oposição e a oposição deduzida pelo arguido deveria ter sido admitida em vez de ter de recorrer do despacho que decretou o arresto?
2.3-  A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL  ad quem.
Situando o cerne da questão, dir-se-á, em síntese, que entendeu o despacho recorrido não admitir a oposição deduzida pelo requerido LP  considerando  que, tendo o arresto sido decretado nos termos da Lei 5/2002 de 11.1, apenas é possível recorrer da decisão que o decretou, por aplicação subsidiária do regime do CPP.
Por sua vez o arguido defende que a decisão de não admissão da oposição apresentada deve ser revogada e substituída  por outra que a admita.
O MPº, por seu lado, defende que, caso pretendesse deduzir oposição, o arrestado deveria tê-lo feito aquando da apresentação de contestação, como defesa da liquidação da perda de bens formulada na acusação e não após o decretamento do arresto e que do arresto deveria, como se diz no despacho sub judicio, ter recorrido, socorrendo-se do preceituado no n° 1 do art° 219° do Código de Processo Penal.
Artigo 219.º
1 - Da decisão que aplicar, substituir ou mantiver medidas previstas no presente título, cabe recurso a interpor pelo arguido ou pelo Ministério Público, a julgar no prazo máximo de 30 dias a contar do momento em que os autos forem recebidos.
Artigo 228.º
Arresto preventivo
1 - Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
2 - O arresto preventivo referido no número anterior pode ser decretado mesmo em relação a comerciante.
3 - A oposição ao despacho que tiver decretado arresto não possui efeito suspensivo.
4 - Em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode o juiz remeter a decisão para tribunal civil, mantendo-se entretanto o arresto decretado.

5 - O arresto é revogado a todo o tempo em que o arguido ou o civilmente responsável prestem a caução económica imposta.
6 - Decretado o arresto, é promovido o respetivo registo nos casos e nos termos previstos na legislação registal aplicável, promovendo-se o subsequente cancelamento do mesmo quando sobrevier a extinção da medida.
O arresto da viatura Audi foi decretado nos termos da Lei 5/2002, de 11-01.
Dispõe o artº 9º deste diploma:
1 - Sem prejuízo da consideração pelo tribunal, nos termos gerais, de toda a prova produzida no processo, pode o arguido provar a origem lícita dos bens referidos no n.º 2 do artigo 7.º
2 - Para os efeitos do número anterior é admissível qualquer meio de prova válido em processo penal.

3 - A presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 7.º é ilidida se se provar que os bens:
a) Resultam de rendimentos de atividade lícita;
b) Estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido;
c) Foram adquiridos pelo arguido com rendimentos obtidos no período referido na alínea anterior.
4 - Se a liquidação do valor a perder em favor do Estado for deduzida na acusação, a defesa deve ser apresentada na contestação. Se a liquidação for posterior à acusação, o prazo para defesa é de 20 dias contados da notificação da liquidação.
5 - A prova referida nos n.os 1 a 3 é oferecida em conjunto com a defesa.
Por sua vez dispõe  o artº 10º:
1 - Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, é decretado o arresto de bens do arguido.
2 - A todo o tempo, logo que apurado o montante da incongruência, se necessário ainda antes da própria liquidação, quando se verifique cumulativamente a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios da prática do crime, o Ministério Público pode requerer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de atividade criminosa.
3 - O arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime.
4 - Em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal.

Da leitura dos autos podemos retirar que o arresto preventivo ordenado foi promovido pelo MPº ao abrigo do artº 10º nº1 a 3 daquela Lei  e que havia já sido deduzida acusação pública. Foi concomitantemente ao requerimento de arresto liquidado o valor do património incongruente com o rendimento lícito dos arguidos e  pedido virem a ser os mesmos condenados a pagarem ao Estado os montantes liquidados.
O arresto seria garantia daqueles valores assim liquidados e fundou-se em receio de dissipação dos bens  pelos arguidos e familiares.
Um dos bens abrangidos foi o veículo Audi modelo A4 com a matrícula 58-93-ZG registado em nome de MM companheira do arguido LP.
O arresto foi decidido a 26 de Junho de 2019.
No final dessa decisão foi determinado que os arguidos fossem notificados para deduzirem oposição cfr disposições conjugadas dos artºs 293º, nº2, ex vi do artº 365º nº3 do CPC aplicáveis ex vi do disposto no artº 228º do CPP e 10º da Lei 5/2002 e nos termos e para os efeitos do artº 8º  nº4 deste último diploma (- nº4-“Recebida a liquidação, ou a respetiva alteração, no tribunal, é imediatamente notificada ao arguido e ao seu defensor.”)
Neste desenvolvimento veio o arguido deduzir oposição ao arresto da viatura e do capital apreendido, apresentando testemunha e prova documental.
A oposição veio então a não ser admitida como meio processual adequado pelo despacho ora recorrido, de 18.10.2019.
E foi ali entendido, apesar daquela ordem de notificação para oposição ao arresto determinada no final da decisão que o decretou, que afinal era o recurso e não a oposição o meio de impugnação do arresto.
A decisão em causa apoiou-se em situação idêntica discutida no mesmo sentido pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 21.3.2017 (procº 143/11.5JFLSB-A.L2-5)
Com a oposição deduzida veio o arguido pretender provar tão somente a origem lícita do bem e a razão de a viatura arrestada estar em nome da  companheira.
No domínio da tipologia de situações previstas ao abrigo da lei 5/2002 temos de considerar que as coisas não se confundem.
O arresto de bens ali previsto no artº 10º é uma medida de garantia patrimonial para salvaguarda ou garantia de pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º
E funda-se em dois pressupostos cumulativos, logo que apurado o montante da incongruência e se necessário ainda antes da própria liquidação:
a) A existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e
b) de fortes indícios da prática do crime
Nestas circunstâncias é que o Ministério Público, como aliás aconteceu, pode requerer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de actividade criminosa.
Acresce que os bens arrestados preventivamente não têm de ser necessariamente bens de origem ilícita. Qualquer bem do património do arguido pode ser arrestado para aquele efeito na medida do valor incongruente apurado.
Consequentemente, a origem lícita ou ilícita dos bens arrestados não é necessariamente um pressuposto do arresto mas apenas o aludido conjunto de pressupostos.
Assim, a oposição ao arresto visando apenas a prova da origem lícita não é admissível porquanto, havendo previsão expressa de regulação pelo artº 10º nº4 (- Em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal),  a prova deve ser feita nos termos específicos e especiais previstos na Lei 5/2002- art.º 9.º:
“(…)1 - Sem prejuízo da consideração pelo tribunal, nos termos gerais, de toda a prova produzida no processo, pode o arguido provar a origem lícita dos bens referidos no n.º 2 do artigo 7.º
(…) n.º 4: Se a liquidação do valor a perder em favor do Estado for deduzida na acusação, a defesa deve ser apresentada na contestação. Se a liquidação for posterior à acusação, o prazo para defesa é de 20 dias contados da notificação da liquidação.”
5 - A prova referida nos n.ºs 1 a 3 é oferecida em conjunto com a defesa.”
Nos termos do Artigo 7.º da lei 5/2002 ( nº2) entende-se por «património do arguido» o conjunto dos bens:
a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.”
Consequentemente, se bem que o bem arrestado pareça tê-lo sido por ser parte do património incongruente, foi-o sobretudo como medida de garantia do “valor de incongruência apurado na liquidação”
Assim, a defesa contra a liquidação e a presunção de origem ilícita dos bens deve ser apresentada na contestação ou após notificação da liquidação e não por via de articulado de  oposição ao arresto em si.
Por outro lado, a oposição ao arresto seria sempre possível apenas para impugnação dos pressupostos que o fundaram: fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e os fortes indícios da prática do crime.
Nada disso tendo sido fundamento da oposição, a mesma não seria de admitir mas, apenas por essa razão e não por uma mera razão formal como foi a indicada no despacho recorrido. O despacho em causa concluiu certo, mas pela razão errada.
III- DECISÃO
3.1 - Pelo exposto, ainda que por razões diferentes, julga-se o recurso  improcedente.
3.2 - Taxa de justiça criminal a cargo do recorrente  em 3 UC

Lisboa,  4 de  Fevereiro    de  2020                                    
Os Juízes Desembargadores
(texto elaborado em  suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP)                                              
Agostinho Torres
João Carrola
_______________________________________________________
[1] vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95