Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1223/05.1TBCSC-B.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
POSSE
HIPOTECA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Embora o contrato promessa tenha eficácia meramente obrigacional, não facultando, em regra, ao promitente comprador a possibilidade de usar os embargos de terceiro, por a sua posse ser precária, tem sido entendido que se houver tradição da coisa e o promitente comprador liquidar a totalidade ou quase totalidade do preço do contrato e se considerar e comportar como dono do prédio, a sua posse é exercida em nome próprio e não é precária, podendo fundamentar os embargos de terceiro.
2. Mas mesmo que o promitente-comprador exerça uma posse em nome próprio sobre o imóvel penhorado, os embargos de terceiro nunca poderão proceder numa execução hipotecária, pois a hipoteca é um direito real de garantia que tem associado o direito de sequela, por via do qual o credor hipotecário pode perseguir a coisa hipotecada no património de terceiro a quem o mesmo seja transmitido.
(M.T.P.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.

Por apenso à execução comum que a CGD intentou contra I, C e R, vieram A e M deduzir os presentes embargos de terceiro alegando, em síntese, que o prédio penhorado na execução lhes pertence e não aos executados, porque, por contrato promessa de 1/03/2000, a executada I prometeu vender a referida fracção à embargante A, que por sua vez prometeu comprá-la pelo preço de 38 500 000$00 (192 037,19 euros), do qual os embargantes já pagaram o total de 27 250 000$00 (135 922,43 euros), faltando pagar apenas 11 250 000$00 (56 114,76 euros), quantia que não foi liquidada por não ter sido outorgada a escritura pública do contrato prometido por facto imputável aos ora executados, uma vez que de início foi necessário obter uma autorização judicial para o negócio por o 2º e 3º executados serem menores e, posteriormente, depois de obtida tal autorização, foi a 1ª executada interpelada para outorgar a escritura, mas não efectuou qualquer diligência nesse sentido.
Mais alegaram que ficou acordado que os embargantes usassem o prédio, o que estes têm vindo a fazer desde Março de 2000, habitando-o, agindo como seus proprietários, liquidando as quotas do condomínio, participando nas assembleias de condóminos, efectuando benfeitorias, à vista de todos, sem oposição de ninguém, pelo que exercem a posse em nome próprio sobre o prédio.
Concluíram pedindo a admissão dos embargos e a sua procedência, com o levantamento da penhora sobre o prédio.

Produzida prova liminar e recebidos os embargos, apenas a embargada exequente CGD contestou, alegando, em síntese, que o contrato promessa invocado pelos embargantes, mesmo que acompanhado da tradição do prédio, não é susceptível de transmitir a posse ao promitente comprador por ter natureza obrigacional, pelo que os embargantes não têm a posse sobre o imóvel penhorado, sendo insuficientes os factos invocados para qualificar a sua ocupação como posse, sendo irrelevante o facto de haver eventual incumprimento dos executados e sendo certo ainda que o direito da exequente é de constituição anterior, pois à data do contrato promessa já havia uma hipoteca registada a seu favor, o que certamente seria do conhecimento dos embargantes e faz suspeitar que o acordo é simulado.
Concluiu pedindo a improcedência dos embargos.

Saneados os autos, procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos e determinou o levantamento da penhora sobre o imóvel.

Inconformada, a embargada exequente interpôs recurso, que foi admitido como apelação com efeito devolutivo.
A apelante alegou, formulando as seguintes conclusões:
a) Não existe posse abstracta, mas apenas posse exercida nos termos de um qualquer direito real, propriedade ou outro.
b) Não há qualquer posse dos embargantes baseada no contrato-promessa, porquanto este, mesmo que acompanhado da traditio do imóvel, nunca é, por si só, susceptível de transmitir a posse ao promitente-comprador e tendo natureza obrigacional, a sua celebração não conduz à aquisição da posse causal, nem formal.
c) A entrega do imóvel ao promitente-comprador tem lugar em virtude de um acordo paralelo, segundo o qual o promitente-vendedor concede o uso da coisa, ou seja, se os embargantes ocuparam a fracção, fizeram-no por um acto de mera tolerância, ainda para mais de apenas um dos seus proprietários, o promitente-vendedor, sendo a sua “posse” condicional e precária.
d) Com a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, o promitente-comprador apenas adquire o “corpus”, não assume o “animus possidendi”, ficando na situação de mero detentor ou possuidor precário o que corresponde a uma mera “posse em nome alheio”, porque conscientemente assente na propriedade de outrem, que os embargantes reconhecem.
e) Assim vem sendo entendido pela grande maioria da doutrina e jurisprudência, sendo, a título exemplificativo: “No contrato-promessa com entrega da coisa que constitui objecto do contrato prometido, o promitente-comprador não é possuidor, mas mero detentor, pois lhe falta o animus ou intenção de exercer o poder de facto em termos de direito real de propriedade ou outro”, Acórdão do TRL, de 28.04.2005, Proc. 2396/2005-8, www.dgsi.pt.
f) Por outro lado, apenas a ocorrer inversão do título de posse, por oposição do detentor do direito contra o proprietário, nos termos do disposto no art. 1265º do CCivil, poderiam os ora embargantes assumir-se como possuidores, o que não foi invocado nem provado.
g) Não havendo transmissão da posse, como nem a sentença chega a equacionar, o único título que aqui poderia levar à aquisição daquela seria a inversão do título, sendo que a sentença jamais enuncia a que título pelo qual o mero detentor passa a possuidor.
h) E se houvesse posse, não poderia ser a correspondente ao direito de propriedade, pois os embargantes bem sabem não actuar como proprietários, desde logo porque invocam que interpelaram os promitentes-vendedores para celebrar o contrato de compra e venda.
i) Pagar despesas de condomínio, quando hoje são muitas vezes os não proprietários que as pagam, e ser convocada para as respectivas assembleias é manifestamente pouco para alguém ser considerado proprietário.
j) Atente-se em que a sentença se baseia em acórdão que assenta a sua decisão no facto de todo o preço estar pago, quando no presente caso apenas foi invocado o pagamento de menos de 50% de tal preço.
l) E também não podem os embargantes basear a sua posse em qualquer direito de retenção, assente na existência de um direito de crédito sobre a promitente-vendedora, por incumprimento do contrato-promessa por esta, pois para isso necessitavam de invocar e provar o incumprimento definitivo do contrato-promessa, que não invocaram, nem a quem tal incumprimento pudesse ser imputado.
m) Os embargantes não invocam que interpelaram os executados para realização da escritura em dia e hora marcados em Cartório Notarial para o efeito, não podendo, pois, afirmar-se que a falta de outorga da escritura pública é exclusivamente imputável aos 1º, 2º e 3º embargados.
n) Pagar tão elevadas verbas sem certeza da concessão de autorização pelo tribunal, e vários anos antes da acção para o efeito ter sido instaurada – que é de 2003, sendo que a sentença na mesma proferida só pode ser provada por certidão – demonstra mais do que incúria, pondo em causa a existência de real vontade negocial por parte dos contraentes e faz duvidar sobre o fundamento dos invocados pagamentos, como igualmente corrobora tal falta de vontade negocial, de natureza simulada, o facto do contrato resultar que os embargantes tinham conhecimento da existência do registo da hipoteca a favor do exequente, de 26.10.1994, visto que só perante uma certidão predial o prédio ali poderia ser identificado como o foi.
o) Todo o processo de compra tem sido, aliás, conduzido pelos embargantes com bastante mais do que notória negligência.
p) Mesmo que provassem, o que não fizeram, incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável à promitente-vendedora, os embargantes apenas gozariam do direito de reclamar créditos na acção executiva, não sendo a sua alegada posse ofendida com a penhora, ficando afastados todos os requisitos legais dos embargos de terceiros, uma vez que o direito de retenção não visa manter os promitentes-compradores na fruição de qualquer direito de gozo, mas antes garantir o pagamento do seu crédito, reclamando-o em sede de acção executiva.
q) Por outro lado, sendo de constituição anterior o direito da exequente, ou não lhe é oponível o referido contrato-promessa de compra e venda, ou extinguem-se com a venda judicial todos e quaisquer direitos dele resultantes, como previsto no art. 824º do CCivil.
r) Acresce que o contrato-promessa de compra e venda não faz referência a que o bem seria alienado livre de ónus ou encargos, o que, pelo menos, indicia não ser essa a intenção das partes.
s) Ao contrário do que vem referido na douta sentença de 28.11.2011, os interesses a tutelar pelo ordenamento jurídico não podem ser exclusivamente os dos promitentes-compradores, especialmente quando nem sequer foi dada publicidade ao referido contrato-promessa, designadamente pela via do registo, dado que tal entendimento deixa liminarmente desprotegidos os direitos do credor hipotecário, ficando refém da manifesta má fé dos promitentes-vendedores, sendo, essa sim, uma interpretação “redutora, inadequada e injusta” para com a salvaguarda dos direitos do credor hipotecário.
t) Não tendo posse em termos de propriedade ou outro direito real de gozo, facilmente se conclui que os embargos de terceiro não são o meio idóneo para defesa do seus eventuais direitos – a “concessão desse meio ao possuidor sempre teve como razão última a presunção da titularidade do direito de fundo que a posse concede ao possuidor em nome próprio (arts 1268-1 CC e 1251 CC)” (José Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, vol.I 2 Ed., pág. 663).

O recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

A questão a decidir é a de saber se a situação de promitente-comprador da embargante faculta aos embargantes a possibilidade de embargar de terceiro e de obstar à penhora do prédio objecto do contrato promessa.

FACTOS.
Os factos considerados provados pela sentença recorrida são os seguintes:
1. Encontra-se inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante a apresentação nº 57, datada de 12 de Janeiro de 2007, a penhora efectuada no âmbito dos autos principais, a favor da exequente, CGD, SA, para garantia da quantia exequenda no montante de 79 648,98 euros, relativamente à fracção autónoma correspondente ao quarto andar C e designada pela letra X do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na (…) e descrito naquela Conservatória sob o nº (…) (A).
2. Os embargantes só tiveram conhecimento da penhora referida em 1. em 22 de Abril de 2010, data em que foi afixado o edital relativo à venda ordenada nos autos, tendo também tomado conhecimento da data designada para a venda (1).
3. Por acordo escrito denominado “contrato promessa de compra e venda”, datado de 1 de Março de 2000, a executada I, declarou prometer vender à ora embargante A, que, por sua vez, declarou prometer comprar-lhe pelo preço de 38 500 000$00/192 037,19 euros a fracção referida em 1. (2).
4. Nos termos de tal acordo, foi estipulado entre as partes que o pagamento do preço seria feito de forma faseada e que a escritura pública de compra e venda seria outorgada no prazo de 3 meses após a executada obter autorização judicial para venda do imóvel, uma vez que à data da celebração do contrato-promessa os seus filhos, C e R eram menores, e o bem imóvel objecto do contrato integrava a herança por óbito do pai dos mesmos (3).
5. A autorização para venda da fracção em causa nos autos foi dada por decisão proferida em 15 de Fevereiro de 2005 (4).
6. Por diversas vezes, os ora embargantes interpelaram extra-judicialmente a executada I para a realização/outorga da escritura pública de compra e venda, não tendo a mesma feito qualquer diligência (5).
7. Para pagamento do imóvel dos autos, como sinal e princípio de pagamento, os ora embargantes entregaram à executada a quantia de 1 000 000$00/4 987,98 euros (6).
8. Em 1 de Março de 2000, com a celebração do contrato-promessa de compra e venda, os embargantes entregaram à executada a quantia de 9 000 000$00/44 891,81 euros (7).
9. A 9 de Maio de 2000, os embargantes efectuaram mais um pagamento no montante de 8 200 000$00/40 901,43 euros (8).
10. Ficou acordado entre as partes, que os promitentes-compradores, ora embargantes, poderiam usar e fruir do bem imóvel objecto do contrato, designadamente para a sua habitação e do seu agregado familiar, oito dias após a assinatura do contrato promessa (12).
11. Desde então, os embargantes fizeram da fracção dos autos a casa de morada de família, como se ela lhes pertencesse (13).
12. Liquidaram, ao longo dos anos, as quotas de condomínio (14).
13. A embargante A era e é convocada para as assembleias de condóminos, votando e assinando as actas, como se fosse proprietária do imóvel (15).
14. Os embargantes outorgaram, em seu nome, os contratos de água, luz e gás para a fracção em questão nestes autos, desde o momento em que aí passaram a residir (16).
15. Os embargantes solicitaram junto do Banco (…) um empréstimo no âmbito do crédito pessoal, destinado a obras de habitação, no montante de 6 128 703$00 (17).
16. Os embargantes ocupam a fracção à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém e de forma contínua, desde Março de 2000 até à presente data (18).
17. Em 26 de Outubro de 1994 foi lavrado registo provisório de aquisição (convertido em definitivo em 2 de Fevereiro de 1995) da fracção descrita em 1. a favor da embargada I e marido (…) (doc.).
18. Em 2 de Maio de 1996 foi lavrado registo de aquisição de ½ (metade) da referida fracção, em determinação de parte ou de direito, a favor dos embargados I, C e R, por sucessão por morte daquele outro (doc.).

Ao abrigo dos artigos 713 nº2 e 659º nº3 do CPC, considera-se ainda provados os seguintes factos, com base no requerimento executivo e documentos aí juntos, bem como a certidão do registo predial junta aos autos com a penhora:
19. O título executivo em que se baseia a presente execução é uma escritura pública de 7 de Dezembro de 1994, em que a executada I e o seu falecido marido (…) compraram a fracção autónoma designada pela letra X, correspondente ao 4º andar C do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº ... e se confessaram devedores ao Banco (…) da quantia de 16 000 000$00 por virtude de empréstimo.
20. Pela apresentação 21/261094, provisória por natureza, foi registada hipoteca voluntária a favor do Banco (…) para garantia deste empréstimo no valor de 16 000 000$00, montante máximo de 29 600 000$00 e pela apresentação 17/020295, foi o referido registo convertido em definitivo.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
Reagindo à penhora de uma fracção autónoma, efectuada nos apensos autos de execução, os embargantes vieram invocar a ofensa da sua posse, alegando que são possuidores da referida fracção, por a usarem como donos desde que esta lhes foi entregue pela executada, no âmbito de um contrato promessa.
Ao abrigo dos artigos 1285º do CC e 351º nº 1 do CPC, pode o possuidor defender a sua posse contra diligência judicial que a ofenda, através de embargos de terceiro.
Para obter o levantamento da penhora, têm então os embargantes, na qualidade de beneficiários da outorga de um contrato promessa previsto no artigo 410º do CC, de demonstrar que são possuidores da fracção penhorada.
Como é sabido, a utilização do bem penhorado pelo promitente comprador nessa qualidade tem sido tradicionalmente considerada uma posse em nome de outrem, precária, que não pode fundamentar os embargos de terceiro, a não ser que tenha sido atribuída eficácia real ao contrato promessa ao abrigo do artigo 413º do CC.
Com efeito, não tendo sido atribuída eficácia real ao contrato promessa, a entrega do prédio ao promitente comprador é feita no âmbito de um contrato meramente obrigacional e só por causa dele, sendo uma cedência do promitente vendedor que não atribui ao promitente comprador a posse do bem em nome próprio nos termos do artigo 1251º do CC, mas sim uma simples detenção ou posse em nome do promitente vendedor nos termos do artigo 1253º do CC.
Tem-se, porém, entendido também que existem casos em que a entrega do prédio excede a normal situação de cedência num contrato obrigacional, em virtude de essa cedência ser efectuada já com a intenção de entrega definitiva, com o pagamento total ou quase integral do preço e considerando-se o promitente um verdadeiro proprietário e exercendo uma posse em nome próprio.
Nestes casos, existirá uma verdadeira posse que fundamenta a dedução de embargos de terceiro, podendo até suceder que haja uma aquisição por usucapião, se tiver decorrido o necessário prazo nos termos do artigo 1287º do CC (neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ 29/11/2011, P.322-d/99, 7/01/2010, P.860/03 e da RL 25/10/2011, P. 237/06, 17/06/2010, P. 2211/06, todos em www.dgsi.pt).
No presente caso, a sentença recorrida entendeu que a situação dos embargantes integra essa posse em nome próprio, por lhes ter sido feita uma entrega definitiva do prédio e por já terem pago quase 50% do preço, para além de praticarem actos consentâneos com a actuação de um proprietário.
A apreciação sobre se existe ou não posse em nome próprio boa para fundamentar os embargos de terceiro tem de ser feita caso a caso, através da interpretação da vontade das partes e da respectiva actuação.
Parece-nos que no caso dos autos os factos serão escassos para se considerar que a posse é exercida em nome próprio, apesar do tempo entretanto decorrido desde o início da entrega do prédio.
Na verdade, ainda se encontra por pagar mais de metade do preço e, à data da entrega, os outorgantes nem sequer tinham a certeza de que seria possível cumprir o contrato, uma vez que na altura ainda não existia autorização judicial para a respectiva venda, face à menoridade de dois dos executados, não se podendo considerar que a entrega foi feita com carácter definitivo.
Mas mesmo que se entendesse, como o fez a sentença recorrida, que os factos integram uma posse em nome próprio, exercida pelos embargantes na qualidade de proprietários, nunca esta posse pode fundamentar os embargos de terceiro na execução em causa.
Isto porque o entendimento atrás exposto e seguido pela sentença recorrida só pode valer em execuções em que não exista uma hipoteca registada anteriormente a favor do exequente.
Já não pode valer nas execuções hipotecárias, como é o caso dos autos (cfr ac STJ de 19/06/2007, P. 07A1624, em www.dgsi.pt).
Conforme resulta dos factos provados, aditados agora no presente acórdão, a exequente tem uma hipoteca registada a seu favor desde 1994, para garantia do crédito exequendo.
A hipoteca é um direito real de garantia e, nos termos do artigo 686º do CC, “ … confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
Para pagamento do seu crédito, pode, pois, o credor hipotecário perseguir o prédio objecto da garantia de hipoteca quer no património do devedor, quer no património de terceiro, como consequência do direito de sequela, característico dos direitos reais.
Pode, pois, a hipoteca ser constituída por terceiro que não é devedor, assim como pode ser constituída pelo próprio devedor, que, por sua vez, não está impedido de transmitir o prédio a terceiro, mantendo-se, neste caso, o bem onerado com a hipoteca, restando ao terceiro adquirente o direito de, querendo, a expurgar (artigos 695º e 721º do CC).
Por isso, mesmo que os ora embargantes tivessem celebrado a escritura definitiva de compra e venda e efectivamente adquirido o prédio, nunca poderiam impedir a penhora do mesmo, devido à existência de hipoteca anterior a favor do exequente e ao respectivo direito de sequela, restando-lhes apenas a possibilidade de expurgar a hipoteca ao abrigo do artigo 721º do CC.
Não tendo sido celebrado o contrato definitivo de aquisição do prédio pelos embargantes, estes não podem expurgar a hipoteca, pelo que o único direito que poderão ter sobre o prédio, caso tenha havido incumprimento dos executados no contrato promessa (questão que não está em discussão nestes autos) é o direito de retenção sobre o mesmo na reclamação dos eventuais créditos contra os executados promitentes vendedores (artigo 755º nº1 f) do CC).
Mas o direito de retenção, a existir, não obsta a que os embargantes tenham de abrir mão do prédio para que os credores – nomeadamente o exequente credor hipotecário – possam satisfazer os seus créditos com o produto da venda do mesmo, graduando-se os créditos consoante as garantias de cada um (cfr ac RL de 15/12/2011, P. 9400/06, em www.dgsi.pt).
Deverá, portanto, manter-se a penhora do prédio, procedendo a apelação.

DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida e mantém-se a penhora do prédio.

Custas pelos embargantes em ambas as instâncias.

2012-09-13

Maria Teresa Pardal
Tomé Ramião
Jerónimo Freitas