Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1273/10.6TBALM.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: ACORDO
ALIMENTOS A FILHO MAIOR
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
HOMOLOGAÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
CONSERVADOR DO REGISTO CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Apresentado ao Conservador competente um acordo de alimentos subscrito por pai e filha maior, deve o mesmo ser tramitado e apreciado em conformidade com o previsto no artº 7º nºs 1 e 3 do DL 272/2001, de 13-10.
(Da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

Manuel …… , devidamente identificado nos autos, notificado do despacho da Exma. Senhora Conservadora do Registo Civil de Almada, que indeferiu liminarmente o requerimento peticionando a homologação de acordo de fixação de alimentos a sua filha maior, A……, também com os sinais nos autos, interpôs recurso, para o Tribunal da Comarca, ao abrigo do disposto no art. 10º do DL nº 272/2001, de 13 de Outubro e artº 685º do CPC, por entender que:
- O despacho recorrido vem, por razões formais, recusar a homologação do acordo extrajudicial de fixação de alimentos, quando os Tribunais são chamados a pronunciar-se para homologação de acordos extrajudiciais, e não apenas para resolução de litígios.
- Terminou pedindo que, o despacho recorrido seja revogada determinando-se que a entidade recorrida se pronuncie pela homologação, ou não, consoante o entender, do acordo extrajudicial que lhe foi submetido pelo recorrente e sua filha.
E sobre esse recurso recaiu a seguinte decisão:
“-…-
Cumpre apreciar e decidir.
Prescreve o art.1412º, nº 1 do CPC, que "Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do art. 1880° do Código Civil, seguir-se-á, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores."
Ora, a obtenção do direito a alimentos devido a menor, estando apenas em causa a definição da prestação alimentar, apenas pode ser alcançada com recurso ao meio processual previsto no art. 186º e ss. da OTM (uma vez que, havendo desacordo dos progenitores quanto a outros aspectos das responsabilidades parentais será de recorrer à acção de regulação das responsabilidades parentais, prevista no art. 175º da OTM).
Decorre, quer do disposto nos arts.186º e ss., da OTM, quer do artº 7º, nºs 1 e 2, do DL nº 272/2001, de 13 de Outubro, que o recurso a tais acções, ao prever uma tentativa de conciliação (art. 187º da OTM e 7º, nº 4 do citado diploma legal) pressupõe a existência de litígio entre o filho e o progenitor quanto à necessidade e montante da prestação de alimentos, sendo, no entanto, possível, na pendência da respectiva acção, a obtenção de acordo e respectiva homologação.
Nesta conformidade, assiste razão à Exma. Senhora Conservadora do Registo Civil no despacho de indeferimento liminar, com cujos fundamentos concordamos, pelo que, nada haverá a reparar, mantendo-se aos na íntegra o despacho proferido.
Por todo o exposto, julga-se improcedente, por não provado, e recurso interposto, e em consequência, mantêm-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente.
-…-”
Deste despacho veio o requerente interpor recurso para este Tribunal da Relação de Lisboa, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – fls. 57 -.
E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
- A lei permite, no artº 2014º do CC que a obrigação de alimentos tenha como fonte um negócio jurídico.
- Nos termos do artº 1412º, nº 1, do CPC, quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores, deve seguir-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para alimentos a filhos menores.
- O artº 183º, nº 2, da Organização Tutelar de Menores, permite a qualquer das pessoas a quem incumba o poder paternal (parental) requerer a homologação desse acordo judicial para o respectivo exercício.
- Os requerentes da homologação celebraram um acordo extrajudicial para prestação de alimentos, conforme se prevê no artº 1880° do CC.
- Sendo maior a filha requerente, o acordo foi por ela assinado, adaptando-se dessa forma o citado artº 1412°, no 1, do CPC.
- A homologação do acordo extrajudicial é condição necessária, para o recorrente obter o efeito previsto no artº 83°-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
- A decisão recorrida vem restringir a aplicação do artº 1412°, nº 1, do CPC aos casos dos litígios entre as partes.
- Esta restrição viola o disposto nos preceitos referidos nas conclusões nºs1 a 4 supra.
- O direito conferido ao recorrente pelo artº 83°-A do Código do IRS deve ser reconhecido pelos tribunais.
10º - De acordo com o artº 2°, nº 2 do CPC, ao direito conferido pela norma do artº 83°-A do Código do IRS, tem de corresponder una acção, ou, melhor dizendo, uma providência jurisdicional.
11° - A decisão recorrida violou assim este ditame do CPC.
12° - A decisão recorrida vem limitar sem razão o exercício do dever dos pais de contribuir para a educação prevista no artº 36°, nº 5 da Constituição, pelo que este preceito se encontra também violado.
13° - A denegação da homologação requerida consubstancia também uma violação do artº 20º, nº 1 da Constituição, que consagra o direito à tutela jurisdicional efectiva.
14° - Foram assim violados pela decisão recorrida os art°s20°, nº1 e 36°, nº5, da Constituição, os art°s2°, nº2 e 1412°, nº1 do Código de Processo Civil, o artº 1880° do Código Civil, o artº 183°, nº 2 da Organização Tutelar de Menores (por remissão do citado artº 1412°, nº 1 do CPC) e o artº 83°-A do Código do IRS.
Nestes termos, a decisão recorrida deve ser revogada, determinando-se que o Conservador do Registo Civil de Almada se pronuncie sobre a substância do acordo extrajudicial que lhe foi submetido, para efeitos de homologação.
- Foram colhidos os necessários vistos.
APRECIANDO E DECIDINDO
Thema decidendum:
Em função das conclusões do recurso, temos que:
- A questão posta a este Tribunal da Relação se circunscreve a saber, se um acordo entre o progenitor e uma filha maior de fixação de alimentos a prestar pelo pai é, ou não, passível de homologação pelo respectivo Conservador do Registo Civil competente.
- Os factos são os constantes do relatório que antecede.
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- O Direito
Segundo o recorrente a não homologação do acordo sobre alimentos em relação à sua filha maior contraria o disposto nos artºs 1880º (despesas com formação profissional dos filhos maiores) e 2014º (obrigação alimentar que tenha por fonte um negócio jurídico) do CC; artº 1412º, nº1 do CPC (aplicação com as necessárias adaptações do regime previsto para os menores, ou seja, artº 183º, nº2 da OTM) e retira ao recorrente o direito à dedução fiscal a que se refere o artº 83°A do Código do IRS.
Alega ainda o recorrente que a interpretação legal agora impugnada é inconstitucional, atento ao disposto no artº 36º, nº5 da CRP (dever dos pais de contribuir para a educação dos filhos) e o artº 20º, nº 1 da mesma CRP (direito à tutela jurisdicional efectiva).
Quid juris?
O DL 272/2001, de 13-10, tem como objecto, a atribuição e transferência de competências relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais para o Ministério Público/MºPº e as Conservatórias do Registo Civil”.
No seu Capítulo III regula o procedimento perante o Conservador do Registo Civil.
O artº 5º daquele diploma legal inserto no citado Capítulo III estabelece que.
- O procedimento regulado na presente secção aplica-se aos pedidos de: a) Alimentos a filhos a filhos maiores ou emancipados; b) Atribuição da casa de morada; c) Privação do direito ao uso de apelidos do outro cônjuge; d) Autorização de uso de apelidos do ex-cônjuge; e) Conversão de separação judicial de pessoas e bens em divórcio (…).
Por sua vez, o artº 7º explicita o procedimento na Conservatória, nestes termos:
1 - O pedido é apresentado mediante requerimento entregue na Conservatória, fundamentando de facto e de direito, sendo indicadas as provas e junta a prova documental; 2 – O requerido é citado para, no prazo de 15 dias, apresentar oposição, indicar as provas e juntar prova documental; 3 – Não sendo apresentada oposição e devendo considerar-se confessados os factos indicados pelo requerente, o Conservador, depois de verificado o preenchimento dos pressupostos legais, declara a procedência do pedido; 4 – Tendo sido apresentada oposição, o Conservador marca Tentativa de Conciliação, a realizar no prazo de 15 dias; 5 – O Conservador pode determinar a prática de actos de produção da prova necessários à verificação dos pressupostos legais.
Finalmente, os artºs 8º, 9º e 10º prevêem a remessa dos autos para o Tribunal judicial de 1ª Instância – quando haja oposição do requerido ou na impossibilidade de acordo - bem como, na hipótese de recurso da decisão do Conservador.
As teses em confronto distinguem-se, fundamentalmente, por: 1) – tese recorrida - Considera que, o sistema judicial em sentido lato (de modo a incluir os processos não jurisdicionais que correm junto das Conservatórias do Registo Civil) só deve intervir em caso de litígio entre pais e filhos maiores quanto a alimentos; 2) – tese do recorrente – Que, o mesmo sistema judicial, à semelhança do que se verifica no caso de filhos menores, também deve homologar o acordo previamente conseguido entre pais e filhos maiores, a título de alimentos.
O artº 1412º do CPC estabelece que:
1 – Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do artº 1880º do CC (despesas com a educação / formação profissional dos filhos), seguir-se-á com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2 – Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação de alimentos corram por apenso.
Ora, do nº2 do normativo supra enunciado decorre que, se o recorrente, na qualidade de pai obrigado a prestar alimentos à sua filha - designadamente, quanto a despesas com a sua educação - tivesse, para esse efeito, pendente um processo de regulação do poder paternal iniciado ainda na menoridade da mesma filha, poderia ver o acordo sobre alimentos, entretanto, alcançado já na maioridade da filha, ser homologado pelo competente Tribunal de Família e Menores.
Esta ilação obriga-nos a questionar que, o Legislador, ao transferir a competência, por razões instrumentais e de eficácia do sistema judicial - descongestionar os Tribunais, resguardando, estes sim para os litígios, necessariamente, mais morosos - para as Conservatórias do Registo Civil tenha querido retirar direitos aos cidadãos - abstractamente considerados -.
Antes, estamos seguros que pretendeu reorganizar o sistema de justiça, dando competências às Conservatórias para regular os casos em que o acordo seja obtido - ou a obter - para, assim, evitar que este tipo de situações, muito comuns, em caso de divórcio, cheguem aos tribunais.
Acresce que, o nº1 do preceito legal em análise – artº 1412º do CPC -  refere que, a  estes casos (alimentos a filhos maiores) aplica-se “com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores”.
O regime de alimentos devidos a menores está estabelecido nos artºs 186º a 190º da Organização Tutelar de Menores / OTM - DL 314/78, alterado, entre outros, pela Lei 166/99, de 14-9, e pela Lei 31/2003, de 22-8 -.
Neste tipo de processo, tutelar cível era e continua a ser, “boa” prática judiciária, perfeitamente compatível e aconselhável, por se estar na presença dum processo de jurisdição voluntária - por isso, não sujeito a critérios de legalidade estrita, atento ao disposto no artºs 1410º do CPCaceitar o requerimento para fixação de alimentos, independentemente do mesmo traduzir um acordo, ou não, com a consequente, designação da prevista Conferência, onde, havendo prévio acordo, este seria, de imediato homologado.
Porquê?
Porque o acordo é o modo mais correcto para resolver estas questões de natureza familiar e daí ser enfatizado pelo Legislador como se retira do disposto no artº 177º nº1 da OTM, aplicável ex vi artº 187º nº3 da mesma OTM.
Ora, tal ratio não pode deixar de estar também subjacente aos processos com o mesmo fim - alimentos a prestar pelos pais aos filhos a estudar, só que maiores - agora da competência das Conservatórias do Registo Civil.
No fundo trata-se dum pedido subscrito por ambas as partes participantes no acordo, que por razões de economia processual, verificados os pressupostos para a sua procedência (estar o acordo devidamente delineado) deve ser homologado pelo Conservador, nos termos do artº 7º nº 1 e 3 do O DL 272/2001, de 13-10.
O escopo neste tipo de processo é, como se disse, unicamente, o acordo entre a s partes, pelo que, seria contraditório para não dizer absurdo que, nos casos em que já haja prévio acordo, este não seja objecto de decisão pelo Conservador.
Também não achamos irrelevante, por injusto, à luz do sistema avaliado no seu todo - como deve ser, nos termos do artº 9º do CC - a alegada diferença de tratamento fiscal conforme o acordo entre as partes seja obtido, como se frisou, na sequência dum anterior processo de regulação do poder paternal, ou, ao abrigo do novo regime legal.
Diga-se, por último, que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade do Decreto Lei em apreço, circunscrevendo-se a questão sub judice, apenas ao domínio da hermenêutica jurídica, sendo que, a lei tal como está formulada admite diversa interpretação, factor que, com tem sido salientado pelos Mais Altos Magistrados da Nação, tem contribuído para, o involuntário, desprestígio do sistema de justiça – vide, o acórdão proferido no pº7275/2001, de 13-12-2001, do Tribunal da Relação do Porto, o qual, com toda a legitimidade, sufraga os fundamentos da decisão recorrida / necessidade da existência dum litígio -.
Concluindo e sumariando:
- Apresentado ao Conservador competente um acordo de alimentos subscrito por pai e filha maior, deve o mesmo ser tramitado e apreciado em conformidade com o previsto no artº 7º nºs 1 e 3 do DL 272/2001, de 13-10.
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DECISÃO
Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação (1ª Secção) acordam em:
a) - Julgar procedente a apelação e consequentemente, revogam a decisão recorrida, ordenando que;
b) - O Exmo. Conservador (a) - competente para o efeito - da Conservatória do Registo Civil de Almada, processe o acordo apresentado pelo recorrente, nos termos dos artºs 1º e 7º do DL 272/2001, de 13-10 e de acordo com a fundamentação supra.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Abril de 2011

Afonso Henrique Cabral Ferreira
Rui Torres Vouga
Maria do Rosário Barbosa