Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
111868/21.0YIPRT.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
ELIMINAÇÃO DE DEFEITOS DA OBRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1- Nos casos em que o preço não tenha de ser integralmente pago em momento anterior ao da entrega da obra, o dono desta pode opor ao empreiteiro a excepção do não pagamento de parte do preço, proporcional à desvalorização provocada pela existência de defeitos, enquanto estes não tenham sido eliminados.
2- Não assiste ao empreiteiro a faculdade de opor ao dono da obra a excepção do não cumprimento para não eliminar os defeitos da obra, enquanto o dono da obra não realizar o pagamento pretendido.
3- Tendo o empreiteiro recusado peremptoriamente a eliminação de defeitos, mais declarando ao dono da obra que considera terminados os trabalhos da empreitada, há que considerar definitivamente incumprida a obrigação contratual do empreiteiro e resolvido o contrato pelo mesmo, sem justa causa, assim passando a assistir ao dono da obra o direito a reparar os defeitos, por si ou por terceiro, e a ser indemnizado do custo desses trabalhos pelo empreiteiro, mas sendo tal indemnização deduzida da parte do preço que ficou por pagar ao empreiteiro, por via compensatória.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

R., Ld.ª apresentou requerimento de injunção, aí pedindo a notificação de O., Ld.ª, no sentido desta lhe pagar a quantia de capital de € 6.000,00, sustentando tal pretensão com a celebração de um contrato verbal de fornecimento e montagem de uma piscina, da realização dos trabalhos e do não pagamento de duas facturas pela requerida, apesar de notificada para tanto.
A requerida apresentou oposição, aí invocando, em síntese, que a obra apresenta inúmeros defeitos, alguns detectados logo no início da obra e outros mais tarde, e que foram denunciados à requerente, mas que esta se recusou a reparar até lhe serem pagas as facturas peticionadas, abandonando a obra, e assim legitimando a requerida a recusar o pagamento das facturas, a reparar os defeitos e a compensar os custos respectivos com a parte do preço da empreitada que ficou por pagar. Conclui pela improcedência da acção e deduz ainda pedido reconvencional, no valor global de € 17.368,83, correspondente à soma do valor necessário para eliminar os defeitos da piscina (€ 11.838,75) com o valor necessário para reparação de um muro da requerida que foi destruído pela requerente (€ 5.530,08). Mais peticiona a condenação da requerente como litigante de má fé, em multa e indemnização.
Remetidos os autos à distribuição e passando a acção a correr termos sob a forma do processo comum, foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento à A., com possibilidade de resposta às excepções e ao pedido reconvencional, o que a A. fez, aí alegando, em síntese, que informou a R. que estaria disponível para efectuar as reparações necessárias, no que foi impedida pela R., que a informou que seria outra empresa a concluir a obra.
A R. exerceu o contraditório quanto a este articulado, concluindo como na oposição.
Em audiência prévia foi proferido despacho saneador, aí sendo fixado o valor da causa, admitida a reconvenção, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Por todo o exposto, julgo a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolvo a Ré do pedido.
Julgo o pedido reconvencional procedente e condeno a Autora a pagar à Ré a quantia de € 11.368,83 (onze mil, trezentos e sessenta e oito euros e oitenta e três cêntimos).
Absolvo a Autora como litigante de má-fé.
As custas serão suportadas pela Autora, nos termos do artigo 527º do Código de Processo Civil.
Custas do incidente de condenação em litigância de má-fé pela Ré, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC”.
A A. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem (com excepção das epígrafes):
1.Vem o presente Recurso interposto da douta decisão do Tribunal a quo, que julgou improcedente o pedido de condenação da Recorrida no pagamento do valor peticionado no requerimento de injunção, acrescido de juros, à taxa legal desde a citação até pagamento e, em consequência, absolveu a Recorrida, com reapreciação da prova gravada.
2.Não pode a Recorrente conformar-se com o teor da douta decisão do Tribunal em crise por ser sua firme convicção que com base na matéria de facto dada como provada, entende o Recorrente que foi erroneamente aplicado o direito aos factos.
3.Entende a Recorrente que a sentença recorrida viola a lei substantiva e aplica erradamente a lei de processo.
4.A sentença proferida considerou que se verificou abandono da obra por parte da ora Recorrente, sufragando o entendimento de que ao presente caso se aplica o instituto da excepção de não cumprimento.
5.Entende a Recorrente que o Tribunal a quo não podia ter decidido como decidiu.
6.Desde logo, a excepção de não cumprimento é um instituto que carece de ser invocado e, nos presentes autos, a Recorrida em momento algum o fez, sendo que apenas alegou e invocou uma excepção peremptória e um pedido reconvencional fundado e fundamentado no abandono da obra pela Recorrente.
7.A jurisprudência é unânime no sentido de que a excepção de não cumprimento não é de conhecimento oficioso e de que cabe à parte a quem seja exigido o cumprimento da obrigação o dever de a invocar — neste sentido cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.11.2009, proferido no âmbito do processo nº 674/02.STJVNF.S1; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.02.2008, proferido no âmbito do processo nº 4820/2007-2; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.01.2013, proferido no âmbito do processo nº 17498/11.4YIPRT.C1.
8.Outro entendimento seria intolerável para os princípios da certeza e segurança jurídicas, bem como para o princípio do contraditório.
9.A Recorrida teria de alegar, invocar e demonstrar, nos presentes autos, se encontram preenchidos os demais pressupostos de que depende o instituto da excepção de não cumprimento, o que não fez.
10.Resulta, igualmente, da matéria de facto dada como provada que a Recorrida resolveu unilateralmente o contrato, e que entregou a empreitada a um terceiro, sem ter requerido o reconhecimento judicial dos defeitos alegados.
11.O dono da obra, confrontado com o cumprimento defeituoso de um contrato de empreitada, incumbe definir o direito que pretende exercitar de entre aqueles que a lei lhe concede.
12.Analisado e compulsado os autos, constata-se que a Recorrida nunca peticionou e/ou alegou a redução do preço.
13.Pelo que o Tribunal a quo encontrava-se impedido de declarar direito cuja tutela não foi concreta e expressamente peticionada – cfr. artigos. 2.º, n.º 2 e 3.º, n.º 1, e 615º, n.º 1 alínea e), todos do CPC.
14.Uma vez que a Recorrida não se apresentou a exercer o direito à redução do preço, invocando-o de forma expressa em juízo, não poderia o tribunal a quo ter procedido à sua declaração, sem que Recorrida, previamente e expressamente tivesse impetrado tal efeito jurídico.
15.A Recorrida, com a dedução do pedido, pretende obter uma quantia necessária à indemnização pela reparação/eliminação dos defeitos.
16.Mas a supressão desses defeitos só podia ser exigida ao empreiteiro, nos termos do artigo 1221º CC.
17.Este artigo não confere à Recorrida o direito de, por si ou por intermédio de terceiro, eliminar os defeitos.
18.Assim, não podia a ora Recorrente deixar de ser absolvida do pedido reconvencional.
19.Pelo que o douto Tribunal Recorrido não podia ter decidido como decidiu. Acresce ainda que,
20.como resulta da matéria provada, a Recorrida obrigou-se a pagar o preço acordado de 35% com a entrega do equipamento, 20% com o final da montagem, e 10% teste e ensaios.
21.As partes convencionaram que os 10% do preço final seriam pagos com os testes e ensaios finais, não fazendo qualquer referência ao estado em que a obra se deveria encontrar.
22.A exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode exercida após o credor ter exigido o cumprimento, a substituição da prestação, a sua realização de novo, a redução do preço ou o pagamento de uma indemnização pelos danos circa rem. Situação que nunca ocorreu!
23.Nada disto foi feito pela Recorrida, antes do momento dos testes e ensaios finais, em que os pagamentos deveriam ocorrer.
24.Ora, a excepção não pode ser invocada pelo contraente que primeiro deva cumprir – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.12.2009, proferido no âmbito do processo nº 163/02.OTBVCD.S1.
25.Pelo que não se verificam os requisitos de que depende a aplicação deste instituto.
Mais, ficou também demonstrado que, a Recorrida sem interpelar o ora Recorrente para o cumprimento do contrato, resolveu unilateralmente o contrato e contratou uma terceira entidade que levou a cabo a prestação contratada com a Recorrente.
26.Deste modo impossibilitando a Recorrente de cumprir com a sua obrigação.
27.E desse modo incumprindo definitivamente o contrato celebrado.
28.Por outro lado, a consequência prática retirada da aplicação (errónea) daquele instituto foi, também ela, errada.
29.A excepção de não cumprimento não determina a extinção do direito, apenas o paralisa temporariamente.
30.Não destrói o vínculo contratual, apenas suspende temporariamente os seus efeitos – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.04.2009, proferido no âmbito do processo n° 09B0212.
31.Ora, nos presentes autos temos que a Recorrente não abandonou a obra e que a extinção do contrato de empreitada não ocorreu por sua iniciativa, não lhe tendo sido permitido terminar a sua prestação, como largamente se discorreu em sede de petição, oposição petição aperfeiçoada e contestação e que constam da matéria assente.
32.Uma vez que a Recorrida não interpelou a Recorrente para cumprir, uma eventual mora nunca se transformou em incumprimento definitivo.
33.Consequentemente, não se encontravam preenchidos os pressupostos para que a Recorrida procedessem à resolução do contrato de empreitada.
34.Inexistiu por parte da Recorrida um acto de resolução do contrato de empreitada.
35.Dos dados que constam dos autos, não se verifica um reiterado incumprimento das obrigações a cargo da Recorrente.
36.Ao contrário do alegado pelo Tribunal a quo, a Recorrente não necessitava da autorização da Recorrida para realizar o arranque da piscina (ponto 9 dos factos dados como provado)
37.Não se encontrando, por isso, demonstrado o incumprimento definitivo por parte da Recorrente, não podia o Tribunal a quo legitimar o incumprimento da Recorrida com o instituto da excepção de não cumprimento,
38.e consequentemente absolver a Recorrida do pagamento do valor remanescente contratualizado..
39.Nos presentes autos temos que o incumprimento definitivo e culposo ocorreu, isso sim, quando a Recorrida no dia 06 de Outubro de 2021 contratou uma terceira entidade para terminar a prestação contratada com a Recorrente (ponto 17 dos factos dados como provados).
40.E não liquidou o preço final acordado com a Recorrente (20% com o final da montagem, e 10% com os teste e ensaios) no valor global de 6.000,00 euros, invocando a excepção para o não cumprimento.
41.Deste modo, a Recorrida impossibilitou, definitivamente, a Recorrente de cumprir com a sua prestação.
42.Pelo que estamos perante um incumprimento contratual culposo, imputável à Recorrida.
43.Só por erro na fixação dos factos, é que o Tribunal a quo concretizou valorou os supostos factos que não encontram na realidade qualquer grau de correspondência no depoimento da testemunha MR.
44.Em momento algum do seu depoimento a testemunha confirmou ou assumiu que derrubou o muro quando estava a proceder à escavação do buraco para colocação da piscina.
45.Nem o Tribunal a quo poderia retirar tal ilação ou presunção do seu testemunho.
46.As suas declarações não podem valor como como confissão, nem tão pouco como reconhecimento dos factos desfavoráveis.
47.Pelo que a sentença em crise não poderia dar como provado a factualidade descrita em D.
48.A dedução presuntiva e ilactiva de um depoimento como confissão é intolerável, no quadro do direito da prova e da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efectiva dos direitos subjectivos e das demais posições jurídicas subjectivas.
49.Confissão e admissão de factos por acordo são dois meios distintos de prova, pois a confissão consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária;
50.e a admissão de facto, ocorre quando factos relevantes para a acção ou para a defesa não forem impugnados, havendo uma aceitação deles, independentemente da convicção da parte acerca da realidade dele – cfr Acórdão do STJ de 07‑01‑2010 no âmbito da Revista nº 5298/06.8TBMTS.S1 – 7ª Secção
51.Pelo que não poderá valor como confissão nem como admissão o depoimento da testemunha, valendo, antes, como elemento probatório que o tribunal deverá apreciar livremente.
52.Quem derrubou, efectivamente, o muro, foi o Sr. LL., empreiteiro da Recorrida que, utilizando o seu tractor, espalhou as terras, provenientes da escavação do local da piscina, pela propriedade, destruindo o muro que aí existia.
53.Pelo exposto, deverá o ponto 5 da factualidade dada como provada pela sentença em crise dada como não provada porquanto não foi confirmada pela testemunha, que não assumiu o facto, o que permitirá dar como provada a factualidade descrita em D.
54.Não obstante o supra alegado, a indemnização com a eliminação dos defeitos/danos com a reconstrução do muro só poderia ter sido peticionada antes da resolução do contrato e depois de a Recorrida ter pedido a sua reconstrução à Recorrente.
55.Caso a Recorrente se recusasse a reconstruir o muro, a Recorrida teria ainda de recorrer ao Tribunal, permitindo à Recorrente que ela própria eliminasse os defeitos/danos.
56.Só no caso de a Recorrente, mesmo assim, não reconstruisse o muro, é que a Recorrida poderia, em sede de execução de sentença e após reconhecimento judicial, recorrer a um terceiro para eliminar os à custa da Recorrente, que teria de suportar o correspondente custo ou indemnização.
Situação que não ocorreu!
57.A supressão destes defeitos só podia ser exigida à Recorrente, nos termos do artigo 1221º CC.
58.Este artigo não conferia à Recorrida o direito de, por si ou por intermédio de terceiro, proceder à reconstrução do muro e pedir uma indemnização à Recorrente.
59.Assim, não pode a ora Recorrente deixar de ser absolvida do pedido reconvencional correspondente ao valor indemnizatório pago a terceiro necessário para a reconstrução do muro.
Pela R. foi apresentada alegação de resposta, aí pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
***
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem‑se com:
- A nulidade da sentença recorrida nos termos da al. e) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil;
- O incumprimento definitivo das obrigações contratuais e suas consequências;
- A alteração da matéria de facto (no que respeita ao derrube do muro);
- A indemnização pelo derrube do muro.
***
Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto:
1.No âmbito das respectivas actividades comerciais, a R. contratou a A. para construção de uma piscina pelo valor global de € 20.000,00, a liquidar da seguinte forma: 35% com a entrega do equipamento, 20% com o final da montagem, e 10% teste e ensaios, que incluía:
- escavação da piscina;
- abertura de vala até à casa das máquinas;
- realização de cama em brita;
- lage de fundo em betão armado com malha sol;
- fornecimento de betão e aço para paredes da piscina;
- realização de betonilha no fundo da piscina;
- realização de meio fio para assentamento das margens:
- assentamento das margens;
- encosto das terras em volta da piscina.
2.No dia 09 de Junho de 2021 com a adjudicação a R. pagou à A. a quantia de € 7.000,00.
3.A obra iniciou-se em Julho de 2021 e deveria ter sido concluída em 4 a 8 semanas.
4.No dia 26 de Julho de 2021, com a entrega do material, a R. pagou à A. a quantia de € 7.000,00.
5.O muro existente à volta da piscina foi derrubado pelo Sr. MR. contratado pela A. para a realização dos trabalhos de construção civil.
6.Em 19 de Agosto de 2021, a R. enviou um e-mail à A. a comunicar a existência dos seguintes defeitos: piscina não estar nivelada, degraus de acesso à piscina não estarem direitos, fundo da piscina com irregularidades (cimento não foi afagado e nivelado), e não foi colocada uma manta antes do cimento, tendo sugerido que fosse o seu empreiteiro, Sr. LL., a regularizar a situação.
7.A A. deu o seu consentimento para que os trabalhos de regularização do chão e paredes da piscina fossem realizados pelo Sr. LL. mediante o pagamento de uma contrapartida monetária.
8.A A. pagou a quantia de € 497,00 ao Sr. LL.
9.Em 13 de Setembro de 2021 (a referência a 2022 trata-se de evidente lapso de escrita, que aqui se rectifica, desde já), a A., sem autorização da R., realizou o arranque da piscina e enviou-lhe o manual de manutenção.
10.No dia 13 de Setembro de 2021, a R. comunicou à A. quea piscina continua a perder água. Não autorizei que colocassem o sal na piscina, pois a mesma não está em condições. Tem bastantes rugas e nunca irá ao sítio. […] Os trabalhos referentes à colocação da terra num outro local também estavam incluídos no orçamento inicial ou pensavam deixar a terra num monte ao lado da piscina..
11.No dia 15 de Setembro de 2021, a A. enviou uma comunicação à R. a informar que os técnicos tinham colocado o sal na piscina, procedendo à limpeza com o objectivo de deixar tudo operacional.
12.No dia 15 de Setembro de 2021, pelas 10h39, a A. comunicou à R. o seguinte: Pelo que observamos nas fotografias a água do skimmer encontra-se ao nível da descarga e também a gota de água parece que vem da parte superior do tubo. Deduzimos que será oriundo da descarga, tanto que anteriormente não encontrámos indícios nessa tubagem. […] Quando nos deslocamos ao local para o arranque, os técnicos colocaram o sal e limparam a piscina com a intenção de deixar tudo operacional. […] também necessito do teu pagamento, deixando uma verba para final. Relativamente às ondas da parede é flexível e tem tendência a ir ao lugar porque tem folga no canto. Caso isso não aconteça podemos retirar o bite branco e forçamos a tela a ir ao lugar. Irei agendar para a próxima semana uma deslocação para rectificar e soldar uma tira de 5 cm.”.
13.No dia 20 de Setembro de 2021, a A. procedeu ao envio à R. da factura FT 0/000259 com o valor de € 4.000,00, referente a 20% (final da montagem) e da factura FT 0/000260 com o valor de € 2.000,00, referente a 10% (testes e ensaios finais na piscina).
14.No dia 22 de Setembro de 2021 a A. remeteu à R. um e-mail com o seguinte teor: Junto enviamos as facturas correspondentes aos trabalhos realizados na instalação da piscina de Alvega e respectivos equipamentos. Relativamente aos detalhes de acabamento que mencionou que necessitam de ser rectificados, não obtivemos resposta ao e-mail enviado, por forma a poder agendar com a produção a devida rectificação. Solicitamos assim a regularização das facturas e questionamos se podemos realizar a referida intervenção na segunda semana de Outubro […].
15.No dia 30 de Setembro de 2021, a A. recebeu uma carta do advogado do sócio e gerente da R., o Sr. MG., com o teor de que se encontrava em aberto o valor de € 3.194,31, a que haveria que descontar a quantia de € 497,00, para com o Sr. LL., e que não aceitavam nem aprovavam as facturas enviadas, porque a obra não tinha sido concluída e os seus defeitos devidamente eliminados.
16.No dia 04 de Outubro de 2021, a A. veio solicitar à R. o pagamento da factura nº 259 correspondente à tranche do final da montagem, no prazo de cinco dias, sob pena de incumprimento contratual. No que respeita à factura nº 260 afirmou também esperar o pagamento uma vez que não obteve resposta quanto à deslocação à piscina para analisar e rectificar as questões analisadas. Conclui, afirmando que, na ausência de resposta no prazo de cinco dias, considera os trabalhos terminados.
17.Em 06 de Outubro de 2021 a R. comunica à A. que a obra não está concluída, apresentando os seguintes defeitos por si detectados:
- Perfis Hung colocados com o distanciamento errado;
- Instalação irregular de geotêxtis;
- Soldaduras verticais e longitudinais mal executadas;
- Rugas em toda a tela colocada (possível fuga através dos focos);
- Os dois focos estão colocados de forma errada (encontram-se desalinhados);
- Parede lateral com fuga de água;
- Tubagem mal colocada com fuga de água do skimmer.
Mais acrescentou quetendo em conta os defeitos da piscina quem irá assumir a conclusão da obra é o meu empreiteiro, bem como uma empresa especializada na área. O valor referente ao arranjo deverá ser pago pela ora Autora”.
18.Em 2 de Novembro de 2021 (a referência a 2011 trata-se de evidente lapso de escrita, que aqui se rectifica, desde já), a R. comunicou à A. os seguintes defeitos por si detectados:
- A piscina continua a perder água;
- Não autorizei que colocassem sal na piscina, pois a mesma não está em condições, tem bastantes rugas e nunca irá ao sítio;
- Os trabalhos referentes à colocação da terra noutro local também estavam incluídos no orçamento;
- O muro referente à piscina foi destruído pelo empreiteiro;
- Erros estruturais graves aquando da realização da cama em brita, bem como a lage de fundo em betão armado com malha sol;
- A bordadura foi mal colocada e não foi colocado betume;
- Perfis hung foram instalados sem distanciamento;
- Instalação irregular de geotêxtis;
- Instalação da membrana em paramentos não observou as boas regras de execução;
- Instalação da membrana em pisos desalinhada.
Mais referiu que desde, pelo menos, 27/08/2021 que o empreiteiro não realiza nenhum trabalho (…) nem fez deslocar quaisquer trabalhadores, encontrando‑se obra parada e abandonada. (…)
Tendo em conta o abandono da obra e à falta de resposta à carta enviada pelo meu advogado (…) facilmente se conclui que essa empresa não pretende resolver o problema que criou. (…)
Coloca-se assim essa empresa em incumprimento definitivo e em mora nos termos da lei vigente. (…)
Assim é perfeitamente claro a ineptidão da empresa em realizar a obra, o que no entanto não impediu de aceitar a empreitada, nem de eliminar os defeitos, o que nos termos da lei me consagra a faculdade de exigir nova construção a terceiro e a consequente indemnização a essa empresa. (…)
Pelo que aguardarei até sexta-feira pela resposta da vossa empresa no sentido de resolver-mos a questão extrajudicialmente, caso contrário entregarei o processo ao meu advogado.”.
19.A R. destina o imóvel onde foi construída a piscina ao alojamento local.
20.A correcção das desconformidades existentes na piscina ascende a um custo de € 11.838,75.
21.A recuperação do muro envolvente da piscina tem um custo de € 5.530,08 (com IVA).
***
Na sentença recorrida considerou-se como não provado que:
A.As partes acordaram na venda de uma estrutura para piscina denominado “kit térmico” pelo preço de € 14.500,00, sendo as escavações de terra e trabalhos de construção civil por conta do cliente, sendo que estes trabalhos acabaram por ser adjudicados à A. em momento posterior pelo valor de € 6.000,00.
B.A piscina deveria ter sido construída com 2 metros na zona mais funda e 1,5 metros na zona de entrada.
C.Nas circunstâncias descritas em 8 a A. acordou com o Sr. LL. o pagamento da quantia de € 3.194,31 ou € 497,00.
D.O Sr. LL. derrubou um muro da R. que existia à volta da piscina com o seu tractor.
E.O acesso da A. à obra ficou vedado, tornando impossível a verificação e correcção das anomalias.
***
Da nulidade da sentença recorrida
Segundo a al. e) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil a sentença é nula quando condene em mais do que é pedido ou em objecto diverso do pedido.
A questão da violação dos limites quantitativos e qualitativos do pedido tem sido tratada repetidamente pela jurisprudência, como no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/2/2015 (relatado por Abrantes Geraldes e disponível em www.dgsi.pt), onde se concluiu que “o princípio do dispositivo impede que o tribunal decida para além ou diversamente do que foi pedido, mas não obsta a que profira decisão que se inscreva no âmbito da pretensão formulada”, mais se afirmando que “se é verdade que a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido, não podendo o juiz condenar (rectius apreciar) nem em quantidade superior, nem em objecto diverso do que se pedir, tal não dispensa um esforço suplementar que permita apreender realmente o âmbito objectivo do pedido que foi formulado na presente acção”. E essa necessidade da flexibilização do princípio do pedido resulta igualmente da doutrina de Miguel Mesquita apresentada na RLJ, ano 143º, pág. 134 e seguintes (anotação citada no acórdão acima referido), designadamente quando refere (pág. 141‑142) que “o princípio do pedido (…) tem de ser mitigado ou suavizado, a não ser que queiramos regressar ao passado, ao tempo em que vigorava em pleno o Código de Processo Civil de 1876! Não estamos com isso a defender que o juiz possa atribuir € 2000 quando o autor se limitou a pedir € 1000. Longe disso. Mas essa mitigação já faz todo o sentido sempre que o autor requeira, unicamente, certa medida drástica e o juiz, em face dos factos alegados e provados, entenda ser conveniente e justo o decretamento de uma medida menos radical e qualitativamente diferente”.
Por outro lado, e como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 737), existe “uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso”.
Revertendo tais considerações ao caso concreto, constata-se que a R. pediu a condenação da A. a pagar-lhe a quantia de € 11.838,75 (para além do mais que aqui não releva), que alegou corresponder ao valor da eliminação total dos defeitos existentes na obra realizada pela A., nos termos do orçamento que solicitou a uma terceira empresa. Mais alegou a R. (art.º 55º da oposição) que “até seria legítimo (…) em face do abandono da obra por parte da requerente, empreender a reparação dos defeitos e a conclusão dos trabalhos executados, compensando os respectivos custos com o preço da empreitada que ficou por pagar”. E bem ainda (art.º 60º da oposição) que “se quiser ver a obra concluída e sem defeitos” carece de despender tal montante.
Na sentença recorrida afirmou-se que a A. estava obrigada a reparar os defeitos que haviam sido denunciados pela R. Mais se considerou aí que a A. não reparou os defeitos denunciados porque considerou que a obra estava realizada em conformidade com o acordado. Nessa medida, considerou-se ainda na sentença recorrida que foi legítima a recusa da R. em proceder ao pagamento das duas últimas prestações do preço, porque os trabalhos não estavam concluídos nos termos acordados, havendo lugar a uma “redução do preço” que “traduz a verificação da perda do valor da obra face a uma obra conforme com o plano estipulado e sem vícios”, e que deve ser “equivalente à desvalorização da obra ou à sua menor rentabilidade, provocada pelo vício ou pela desconformidade existente”, valorizada patrimonialmente em € 11.838,75.
Ou seja, não está em causa o conhecimento de qualquer questão que não tivesse sido colocada à consideração do tribunal recorrido, desde logo porque a causa de pedir reconvencional assenta na existência de defeitos nos trabalhos realizados pela A., valorizados pecuniariamente em € 11.838,75, que é o valor assim peticionado pela R.
E o tribunal recorrido considerou ser esse o montante devido à R. pela A., mais não fazendo que operar a compensação (tal como invocado pela R. na sua oposição) entre tal valor da reparação dos defeitos e o valor remanescente do preço devido pela R. à A., daí resultando que, em vez de condenar a R. a pagar à A. o remanescente do preço, no montante de € 6.000,00, e de condenar a A. a pagar à R. o valor necessário à reparação dos defeitos, no montante de € 11.838,75, concluiu tão só pela condenação da A. a pagar à R. a diferença (€ 5.838,75) entre esses montantes (embora qualificando juridicamente a mesma como uma “redução do preço”, o que não estava impedido de efectuar, nos termos do nº 3 do art.º 5º do Código de Processo Civil).
Pelo que não se pode afirmar a nulidade da sentença recorrida, quando o tribunal recorrido condena a A. a entregar à R. uma quantia pecuniária em valor menor que a que havia sido peticionada, e recorrendo a uma qualificação da fonte desse direito de crédito da R. distinta da invocada por esta na reconvenção.
Em suma, improcedem as conclusões da alegação da A., no que respeita à invocada nulidade da sentença recorrida.
***
Do incumprimento definitivo
Na sentença recorrida sustentou-se a verificação do direito da R. a não satisfazer o pagamento da quantia de € 6.000,00 peticionada pela A., pela seguinte forma:
A Autora peticiona o pagamento das tranches finais atinentes à construção da piscina no valor de € 6.000. Por seu turno, a Ré comunicou à Autora a existência de desconformidades na obra, as quais não foram solucionadas pela Autora, de tal modo que para a respectiva reparação terá que despender quantia não inferior a € 11.838,75.
Está em causa a eventual aplicação da excepção de não cumprimento, instituto previsto no artigo 428º do Código Civil.
(…) a Autora não fez qualquer prova de que o descriminado pela Ré não fosse defeito, como devia.
Assim sendo, denunciados os defeitos, a Autora deveria ter procedido à respectiva rectificação como, aliás, anunciou que iria fazer por e-mail de 15 de Setembro de 2021. Porém, não foi isso que fez, tendo-se limitado a emitir as facturas finais em 20 de Setembro de 2021 como se a obra estivesse realizada em conformidade com o acordado, incumprindo a sua obrigação de eliminação de defeitos em momento anterior.
Por isso, é legítima a recusa da Ré em proceder ao pagamento das facturas finais emitidas pela Autora, uma vez que os trabalhos não foram efectivamente concluídos nos termos acordados, havendo lugar a uma redução do preço (cfr. artigo 1222º do Código Civil).
A redução do preço traduz a verificação da perda do valor da obra face a uma obra conforme com o plano estipulado e sem vícios. O carácter sinalagmático do contrato de empreitada explica que entregando o empreiteiro algo diverso do valor convencionado da sua prestação, este facto se repercuta na prestação a efectuar pelo dono da obra, por representar o seu correspectivo, devendo ser objecto de proporcional diminuição.
Na verdade, existe um reajustamento do preço, recuperando-se o equilíbrio na relação sinalagmática entre as prestações.
A redução deve ser equivalente à desvalorização da obra ou à sua menor rentabilidade, provocada pelo vício ou pela desconformidade existente. Se a desconformidade não implicar qualquer desvalorização, ou menor utilidade da obra, o dono da obra não tem direito à redução do preço, pelo que esta deve ser proporcional à diminuição do valor.
Segundo o artigo 1222º do Código Civil a redução do preço é feita nos termos previstos no artigo 884º do Código Civil para o contrato de compra e venda: quando no contrato se mostrem individualizadas as parcelas do preço global, correspondentes às partes da obra inutilizadas pela existência dos defeitos, será esse o valor da redução (nº 1 do artigo 884º); não se mostrando individualizadas as parcelas do preço global, a redução é feita por meio de avaliação (nº 2 do artigo 884º).
No caso em apreço, a Ré logrou demonstrar que a eliminação dos defeitos da piscina ascende a um custo € 11.838,75, pelo que será este o valor da redução do preço.
Assim sendo, considerando que as partes acordaram no preço de € 20.000 para a construção da piscina, que a redução de preço ascende a € 11.838,75, e que a Ré já pagou € 14.000, temos que a Autora deve restituir à Ré a quantia de € 5.838,75 paga em excesso face aos trabalhos realizados.
Conclui-se, pois, que o exercício da excepção de incumprimento ou de cumprimento defeituoso foi legítimo por não contrariar os ditames da boa fé. Com efeito, perante a falta de reparação dos defeitos até reconhecidos pela Autora não caberia à Ré pagar as prestações pedidas como se a piscina tivesse sido concluída perfeitamente.
Por outro lado, como a Ré liquidou uma quantia superior àquela que seria devida, face aos trabalhos realizados, temos que não só não terá que liquidar as tranches finais peticionadas, como a Autora ainda terá que lhe restituir o valor de € 5.838,75 por si pago a mais”.
Sustenta a A. que a R. apenas podia lançar mão da excepção do não cumprimento após ter exercido os direitos que lhe são conferidos pelos art.º 1221º a 1223º do Código Civil, e segundo a prioridade aí estabelecida.
Do mesmo modo, sustenta a A. que a R. não podia eliminar os defeitos por si ou por intermédio de terceiro, antes devendo exigir essa eliminação à A., desde logo porque o contrato não foi por si resolvido, sendo antes a R. quem o resolveu unilateralmente e sem justa causa.
Pelo que conclui que a R. não detém qualquer crédito correspondente ao valor necessário para a reparação dos defeitos, que pudesse opor ao crédito da A. correspondente à parte do preço ainda por satisfazer.
Ou seja, a A. não coloca em crise que incumpriu com a sua obrigação principal emergente do contrato de empreitada celebrado com a R., correspondente à execução da obra de construção da piscina nos termos convencionados, sem vícios que excluam o reduzam o seu valor, ou a sua aptidão para o seu uso ordinário (art.º 1208º do Código Civil).
Com efeito, a A. reconhece que tal obra padece dos defeitos que a R. enunciou e que resultam provados, os quais se apresentam como vícios que reduzem, não só o valor da obra, como a sua aptidão para o seu uso normal corrente (desde logo em razão da falta de estanquicidade da piscina).
Assim sendo, e como decorre do nº 1 do art.º 1224º do Código Civil, assistia à R. a faculdade de recusar a obra de construção da piscina, face a tais defeitos, e tendo em vista a sua eliminação pela A.
Isso mesmo explica João Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 5ª edição revista e aumentada, pág. 108), referindo que “o empreiteiro, após ter concluído a obra encomendada, deve disponibilizá-la para que o dono possa verificar a sua boa execução. Se este detectar a existência de defeitos, a lei permite-lhe que recuse a obra, em alternativa à sua aceitação, conforme resulta claramente do disposto no art.º 1224º, nº 1, do C.C., que prevê a possibilidade da obra ser recusada por se encontrar defeituosa”.
Mais explica que essa “recusa pressupõe necessariamente o exercício simultâneo ou posterior de algum dos restantes direitos conferidos ao dono da obra, como meio de reacção ao cumprimento defeituoso da prestação do empreiteiro, com excepção da redução do preço, que tem como pressuposto o interesse do dono da obra nesta, apesar dos defeitos verificados. Com a recusa, o dono da obra pode solicitar a eliminação dos defeitos, a construção de nova obra, resolver o contrato de empreitada, ou reclamar o pagamento de uma indemnização, consoante a relevância dos defeitos na obra”.
Recuperando tais considerações para o caso concreto, logo se alcança que a construção da piscina pela A. compreendia a realização de testes e ensaios à mesma, a par do “assentamento das margens” e do “encosto das terras” em volta da piscina. Pelo que só depois da realização desses trabalhos se podia afirmar que a A. estava em condições de entregar tal obra à R.
Todavia, quando em 13/9/2021 a A. realizou o “arranque da piscina”, a R. reclamou desde logo que a mesma não estava em condições de ser utilizada, pois continuava a “perder água”, apresentava “bastantes rugas” e o monte de terra existente ao lado da piscina ainda aí se encontrava, não tendo tal terra sido retirada ou espalhada.
Ou seja, torna-se inequívoco que a R. recusou a obra de construção da piscina, nos termos em que lhe estava a ser entregue pela A. Também se torna inequívoco que a A. reconheceu a existência da perda de água (a que chamou uma “gota de água”) e das “rugas” (a que chamou “ondas da parede”), porque isso resulta claro da comunicação de 15/9/2021. E também resulta claro de tal comunicação que a A. se comprometeu perante a R. a realizar uma intervenção para eliminação dos defeitos em questão, compromisso que renovou pela comunicação de 22/9/2021, quando afirmou à A. pretender realizar uma intervenção na segunda semana de Outubro, para rectificar o que chamou de “detalhes de acabamento”. Pelo que, se a A. reconhecia que ainda havia “detalhes de acabamento” em falta na obra da piscina, naturalmente que a mesma não estava concluída em conformidade com o convencionado, assim justificando a actuação da R.
Nessa medida, e face ao acordado relativamente ao pagamento do preço total da obra, ainda não eram devidos os 20% correspondentes ao final da montagem, nem os 10% correspondentes aos testes e ensaios. Pelo que a emissão e envio das duas facturas respectivas, no valor global de € 6.000,00, careceu de qualquer sentido, do mesmo modo que careceu de qualquer sentido o pedido de “regularização das facturas”. Ou seja, assistia à R. fundamento para comunicar à A. que não aceitava nem aprovava as duas facturas em questão, como o fez através da comunicação de 30/9/2021, na medida em que se verificava o cumprimento defeituoso da prestação da A., correspondente à construção da piscina em conformidade com o convencionado.
Do mesmo modo, e como igualmente explica João Cura Mariano na obra mencionada (pág. 161), acompanhando a doutrina que aí igualmente refere, “nos casos em que o preço não tenha de ser integralmente pago em momento anterior ao da entrega da obra, o dono desta pode suspender o pagamento duma parte, proporcional à desvalorização provocada pela existência de defeitos, enquanto estes não tenham sido eliminados, ou não tenha sido realizada nova obra, ou o dono da obra não tenha sido indemnizado dos prejuízos sofridos”.
Também o Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando a existência de tal faculdade do dono da obra, como no acórdão de 8/6/2010 (relatado por Oliveira Vasconcelos e disponível em www.dgsi.pt), onde se conclui que “a excepção do não cumprimento de contrato de empreitada só pode ser oposta após o dono da obra ter denunciado os defeitos e manifestado a sua opção pelo direito que pretende exercer”, e mais se concluindo que “para que a exceptio possa ser invocada necessário é que a parte do preço, cujo pagamento se recusa, seja proporcional à desvalorização provocada pela existência do defeito, conforme o exige os ditames da boa fé no cumprimento das obrigações”.
Ou seja, também por esta via podia a R. recusar o pagamento do montante titulado pelas duas facturas emitidas pela A., tendo presente o cumprimento defeituoso da obrigação da A. de construção da piscina, em razão dos vícios verificados.
Não obstante a validade da recusa da R. em efectuar o pagamento das duas facturas em questão, em 4/10/2021 a A. comunicou à R. que esse pagamento devia ser efectuado no prazo de cinco dias, “sob pena de incumprimento contratual” e de considerar os “trabalhos terminados”. E face a essa posição da A. a R. comunicou-lhe que iria providenciar pela conclusão da obra com recurso a terceiro, imputando à A. o pagamento dos trabalhos respectivos.
Na sua alegação de recurso a A. sustenta que quando a eliminação dos defeitos ou a realização de nova obra se revela possível, ao dono da obra só assiste o direito à resolução do contrato ou à redução do preço na medida em que o empreiteiro tenha recusado qualquer uma das referidas prestações de cumprimento, ou depois de decorrido o prazo suplementar fixado pelo dono da obra para a sua efectivação, fixado nos termos do art.º 808º do Código Civil. E mais alude que a posição que manifestou em 4/10/2021 correspondeu ao exercício da faculdade a que alude o art.º 428º do Código Civil, podendo validamente suspender a realização dos trabalhos necessários à eliminação de defeitos enquanto não recebesse o valor das duas facturas em questão. Assim, retira que não houve qualquer recusa, da sua parte, em concluir a obra de construção da piscina em conformidade com o convencionado, pelo que não assistia à R. o direito a considerar extinto o contrato e a recorrer a terceiro para a realização dos trabalhos em falta.
Começando desde logo pela invocada faculdade da A. de não proceder à eliminação dos defeitos enquanto não recebesse o remanescente do preço da empreitada, torna-se evidente que não assiste qualquer razão à mesma. Com efeito, estando-se perante o cumprimento defeituoso da obrigação da A. de construção da piscina, em razão dos vícios verificados, não assistia à mesma a faculdade de recusar a realização dos trabalhos necessários à eliminação dos vícios em questão, sob pretexto do não pagamento integral do preço. É que, como vem referindo o Supremo Tribunal de Justiça, como no acórdão de 11/12/2008 (relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e disponível em www.dgsi.pt), “estando o empreiteiro obrigado a “executar a obra em conformidade com o que foi acordado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”, como se diz no artigo 1208º do Código Civil, não lhe é possível opor a excepção de não cumprimento para não realizar as reparações dos defeitos, enquanto o dono da obra não realizar o pagamento pretendido”, uma vez que “cumprir com defeito não equivale a cumprir” e “o empreiteiro está em falta enquanto não reparar os defeitos”, não podendo, assim, usar da faculdade a que alude o art.º 428º do Código Civil.
No mais, e acompanhando o raciocínio da A., importa não esquecer que a falta de cumprimento da prestação distingue-se da simples mora, ou seja do mero atraso nesse cumprimento, revelando-se tal incumprimento definitivo por diversos meios, a saber:
- a impossibilidade da prestação, por destruição da coisa ou pela sua alienação a terceiro, sem qualquer reserva (art.º 801º do Código Civil);
- a perda de interesse do credor na prestação, em consequência de mora do devedor, ou a sua inexecução dentro do prazo razoável que lhe for fixado por aquele (art.º 808º do Código Civil);
- o decurso de prazo fixado contratualmente como absoluto ou improrrogável, o que equivale àquela perda de interesse; ou
- a recusa peremptória do devedor em cumprir, comunicada ao credor, não se justificando então a necessidade de nova interpelação ou de fixação do prazo suplementar.
Como igualmente explica João Cura Mariano na obra já mencionada, a propósito do cumprimento da obrigação do empreiteiro de eliminação dos defeitos (pág. 111‑112), o mesmo “está sujeito às regras gerais das obrigações, nomeadamente as que respeitam ao lugar e tempo de cumprimento, tendo-se em consideração que estamos perante uma obrigação de indemnização em espécie, derivada de responsabilidade contratual”, nada obstando a que o dono da obra fixe prazo para o início e termo das obras de reparação dos defeitos, e “podendo conferir ou não carácter admonitório” à interpelação assim efectuada. Todavia, explica ainda que não “será necessário estabelecer qualquer prazo para o cumprimento da obrigação de eliminação de defeitos, se o empreiteiro desde logo se recusar peremptoriamente a efectuar os respectivos trabalhos, considerando-se então definitivamente incumprida a obrigação”.
Por outro lado, e como já referiu o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 31/5/2005 (relatado por Luís Fonseca e disponível em www.dgsi.pt), “a declaração de resolução dum contrato, mesmo que o tribunal venha a entender que as razões invocadas não têm fundamento, só por si não equivale a vontade de não querer cumprir.
Há que averiguar se tal comportamento revela recusa de cumprimento, permitindo considerá-lo inadimplemento definitivo.
Com efeito, ao declarar-se resolvido um contrato bilateral porque se entende que a parte contrária faltou culposamente ao seu cumprimento, como é o caso, pode‑se estar convencido de haver fundadas razões para tal resolução, não havendo neste caso um comportamento de recusa de cumprimento por parte de quem declara a resolução.
Tudo depende da intenção, do propósito da declaração resolutiva”.
Mas como também já referiu o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 3/3/2005 (relatado por Oliveira Barros e disponível em www.dgsi.pt), “o conceito de recusa de cumprimento não se restringe à declaração expressa de não querer cumprir, antes se compreendendo, em geral, nesse conceito todo e qualquer comportamento que indique de maneira certa e unívoca que o devedor não pode, ou não quer, cumprir, devendo, quando tal se constate, ser, sem mais, considerado inadimplente de forma definitiva”.
Reconduzindo tais considerações ao caso concreto da actuação da A., desde logo a que resulta da conjugação das suas comunicações de 15/9/2021, 20/9/2021, 22/9/2021 e 4/10/2021, torna-se evidente que nesta última comunicação a A. não expressou qualquer vontade de suspender a realização dos trabalhos a que estava contratualmente obrigada, enquanto a R. não efectuasse o pagamento das duas facturas. E desde logo porque não lhe assistia tal faculdade, ao abrigo do disposto no art.º 428º do Código Civil, tendo presente que quem não havia cumprido com a sua prestação contratual era a A., e não a R., como acima já se expôs.
Mas, do mesmo modo, aquilo que emerge desse conjunto de comunicações é a manifestação de vontade da A. de dar a relação contratual por extinta, com fundamento na falta de pagamento das duas facturas pela R., não realizando quaisquer outros trabalhos relativos à obra de construção da piscina e, designadamente, não realizando a intervenção necessária para rectificar os “detalhes de acabamento” (que mais não correspondem que aos trabalhos que a R. tinha anteriormente denunciado como estando em falta e que assim foram reconhecidos pela A.).
Pelo que se está perante uma manifestação de vontade da A. de cessação unilateral da relação contratual, embora não justificada por qualquer incumprimento da obrigação da R. de pagamento do preço da empreitada. E igualmente se está perante um comportamento conclusivo da A. de recusa de cumprimento da sua obrigação contratual como empreiteira, correspondente à realização dos trabalhos necessários para que a obra de construção da piscina fosse efectuada nos termos convencionados, sem os vícios que apresentava e que reduziam o seu valor e a sua aptidão para o seu uso normal.
Nesta medida, e ao contrário do invocado pela A., tornava-se desnecessário que a R. a demandasse judicialmente para obter a sua condenação na realização dos trabalhos em falta, antes passando a assistir à R. o direito a ser indemnizada desse prejuízo causado pela referida actuação ilícita da A. (e que se presume culposa, nos termos do art.º 799º do Código Civil).
Isso mesmo explica também João Cura Mariano na obra já referida (pág. 144), acompanhando a restante doutrina ao afirmar que “nos casos de incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos e de realização de nova construção (…), o dono da obra poderá optar pela efectivação destas prestações por si próprio, ou por terceiro, assistindo-lhe um direito de indemnização em dinheiro, correspondente aos custo das obras de reparação ou de reconstrução”. E mais afirma que “este direito é de exercício alternativo relativamente aos direitos de redução do preço e de resolução do contrato”, o que significa que, visando a R. (dona da obra) a obtenção da indemnização correspondente ao valor da totalidade das obras em falta, tal pressupõe a manutenção do preço estipulado para a empreitada.
Dito de outra forma, assistindo à R. o direito a receber da A. uma piscina com as características convencionadas, contra o pagamento do preço global de € 20.000,00 (do qual entregou apenas € 14.000,00), mas tendo ainda de despender a quantia de € 11.838,75 para que a piscina em questão apresente as referidas características, o prejuízo decorrente do incumprimento ilícito e culposo da A. corresponde ao valor de € 5.838,75, resultante da diferença entre o que tem de despender para alcançar o fim visado pelo contrato e o que não despendeu a título de preço, tendo em vista a obtenção desse mesmo fim (a construção da piscina nos termos convencionados).
O que é o mesmo que dizer que a R. não deixou de estar obrigada a pagar à A. o remanescente do preço, no valor de € 6.000,00. Só que tal prestação não era devida enquanto a A. não concluísse os trabalhos em falta e entregasse à R. a obra da construção da piscina sem os defeitos que a mesma apresentava, desde logo porque era a R. quem gozava da faculdade de recusar tal pagamento, nos termos do art.º 428º do Código Civil.
Pelo que, tendo a A. recusado peremptoriamente o cumprimento da sua obrigação contratual, assim dando lugar ao incumprimento definitivo da mesma, e passando a R. a ser credora daquela do valor dos trabalhos necessários à eliminação de tais defeitos, passou a assistir à R. o direito a fazer sua a parte desse preço que não entregou à A., tendo em vista a satisfação (parcial) daquele valor indemnizatório, por via compensatória.
Ou seja, ainda que na aparência se possa afirmar que houve lugar à redução do preço da empreitada, na realidade nada mais ocorreu que a compensação parcial entre o crédito da R. sobre a A. e o crédito desta sobre a R., extinguindo-se este último na sua totalidade e reduzindo-se aquele, na medida correspondente.
E, nesta medida, ajuizou correctamente o tribunal recorrido, no sentido da improcedência da pretensão pecuniária da A. e da parcial procedência da pretensão indemnizatória da R., respeitante ao pagamento do valor necessário para a realização dos trabalhos de reparação dos defeitos da obra realizada pela A., e que esta recusou efectuar.
O que equivale a afirmar a improcedência das conclusões do recurso da A., não só quanto ao reconhecimento da sua faculdade de invocar a excepção do não cumprimento da sua obrigação de eliminação dos defeitos, e correspondente impossibilidade de a R. usar da mesma faculdade, relativamente à obrigação de pagamento do remanescente do preço da empreitada, mas igualmente quanto à afirmação do incumprimento definitivo do contrato pela R. e suas consequências, no que respeita à verificação do direito de crédito da A. e não verificação do direito de crédito da R.
***
Da alteração da matéria de facto
Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes, (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197):
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos constitutivos da causa de pedir e das excepções invocadas.
É que, face ao disposto no referido art.º 5º do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto apenas tem por objecto os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das excepções invocadas, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultam da instrução da causa (para além dos factos notórios e daqueles que o tribunal tem conhecimento em consequência do exercício das suas funções).
Da conclusão 53 do recurso da A. decorre que esta pretende que seja considerada como não provada a matéria elencada no ponto 5 dos factos provados, do mesmo modo devendo ser dada como provada a matéria elencada no ponto D dos factos não provados.
Mais resulta a indicação dos concretos meios de prova que sustentam a alteração pretendida, estando ainda devidamente identificadas as passagens da prova gravada, pelo que se considera cumprido o ónus acima mencionado.
Assim, é em relação aos referidos pontos de facto, e apenas em relação a estes, que importa conhecer da pretensão da A., no que respeita à alteração da decisão de facto.
O tribunal recorrido motivou pela seguinte forma a decisão de facto em questão, (que se prende exclusivamente com o derrube de um muro existente à volta da piscina):
A factualidade dada como provada em 5 foi confirmada pelo próprio MR. que o assumiu, o que permitiu dar como não provada a factualidade descrita em D.”.
Já a A. entende que do depoimento da testemunha MR. não resulta ter este assumido que derrubou o muro em questão.
Ouvido o depoimento da testemunha em questão, resulta claro do mesmo que o muro foi demolido numa extensão de cerca de um metro e meio, logo no início dos trabalhos, para criar um acesso de máquinas e materiais ao local de construção da piscina. Mais resulta que tal demolição do muro foi realizada pela empresa da testemunha MR., que a A. contratou para realizar trabalhos de escavação no local de construção da piscina.
Ou seja, se é a própria testemunha que, na sua qualidade de responsável da empresa contratada pela A. para a realização dos trabalhos de escavação, confirma que o muro foi demolido naquela referida extensão de um metro e meio, logo no início dos trabalhos a realizar pela A., e para que os mesmos pudessem ter lugar, torna-se evidente que resulta demonstrada a factualidade alegada pela R. (art.º 59º da oposição), no sentido de a A. ter destruído um muro existente na sua propriedade, para a construção da piscina, mais concretamente “para abrir o buraco para a piscina”, e de não o ter reconstruído.
E quanto à intervenção do empreiteiro LL. no derrube do muro, torna-se evidente que tal factualidade fica por demonstrar.
Com efeito, tendo a A. alegado que foi o mesmo LL. quem derrubou o muro, quando “espalhou as terras provenientes da escavação do local da piscina” (art.º 20º da P.I. aperfeiçoada), mas resultando da conjugação entre o depoimento testemunhal acima referido e a troca de comunicações escritas entre as partes (que consta da factualidade provada e não impugnada) que em 13/9/2021 as terras em questão ainda estavam “num monte ao lado da piscina”, e que a piscina já tinha sido colocada em funcionamento (o que pressupõe a utilização da totalidade dos materiais colocados pela A. em obra para a sua construção), é materialmente impossível que o derrube do muro tivesse sido provocado pelo referido LL., quando espalhou as terras, porque nesse momento as terras ainda não estavam espalhadas, mas antes amontoadas ao lado da piscina, e esta já estava construída com os materiais que entraram em obra através daquela abertura obtida pelo derrube do muro.
O que é o mesmo que afirmar que, face à credibilidade que o depoimento da testemunha MR. merece, face à forma objectiva como foram relatados os factos que presenciou, se retira a verificação da factualidade constante do ponto 5 (alegada pela R.), mais se retirando a não verificação da factualidade constante do ponto D (alegada pela A.).
Em suma, na improcedência das conclusões da A. relativamente à impugnação da decisão de facto, é de manter a mesma, tal como consta da sentença recorrida.
***
Da indemnização pela destruição do muro
Nesta parte, ficou assim determinada na sentença recorrida a obrigação da A. pagar à R. a quantia de € 5.530,08:
Dispõe o artigo 800º do Código Civil que “1. O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.
2. A responsabilidade pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública.”.
No caso em apreço, estando demonstrado que a Autora contratou o Sr. MR. para realizar trabalhos de construção civil na construção da piscina adjudicada pela Ré e que este danificou o muro à volta da piscina, terá a Autora que responder perante esses danos causados por força do supramencionado preceito.
Conclui-se, assim, que a Ré tem direito a ser ressarcida da quantia de € 5.530,08 por parte da Autora, a título de indemnização pelos danos materiais sofridos e custo na reparação dos mesmos”.
Entende a A. que a R. não poderia peticionar o valor da reparação do muro, mas antes pedir a reparação do mesmo pela A., tendo presente, mais uma vez, a invocada prioridade de direitos a que respeitam os art.º 1221º a 1223º do Código Civil.
Equivoca-se a A. quanto à fonte do direito da R.
O derrube do muro da R. não decorre dos vícios que afectam a obra construída pela A., mas antes da forma como a A. violou o direito de propriedade da R. (na concreta dimensão do derrube do muro existente no seu prédio), enquanto executava os trabalhos compreendidos na empreitada (ainda que por intermédio de terceiro).
Dito de outra forma, o prejuízo causado à R. não respeita ao objecto da prestação contratual (a construção da piscina), mas antes a uma coisa (o muro) que não integra tal objecto. Pelo que, recorrendo à distinção entre danos circa rem e danos extra rem, nos termos propostos por Pedro Romano Martinez (Cumprimento defeituoso. Em especial na compra e venda e na empreitada, 2001, pág. 236), logo se alcança que se está perante um dano extra rem, assim sendo a responsabilidade da A. de fonte extracontratual.
Nessa medida, e tendo presente o princípio geral que emerge do art.º 483º do Código Civil, ficou a A. obrigada a indemnizar a R. dos danos resultantes da referida violação do direito de propriedade desta, havendo que recorrer ao disposto nos art.º 562º e seguintes do Código Civil para determinar a medida dessa obrigação de indemnização.
Ou seja, a reconstituição da situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento danoso, passaria pela reconstrução do muro. Mas como a realização de tal reconstrução pela A. não se mostrou possível, tendo presente o disposto no art.º 566º do Código Civil deve a indemnização devida à R. ser fixada em dinheiro, correspondendo ao valor da reconstrução, tal como resultou o mesmo provado.
Em suma, porque não se trata de eliminar quaisquer defeitos da empreitada, não há que fazer apelo ao disposto nos art.º 1221º e seguintes do Código Civil para determinar a medida da obrigação da A., mas antes verificar que a mesma deve ser condenada a indemnizar a R. no valor das obras necessárias à reconstrução do muro, tal como ficou afirmado na sentença recorrida.
Pelo que, também nesta parte, improcedem as conclusões do recurso da A.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela A.

14 de Setembro de 2023
António Moreira
Carlos Castelo Branco
Inês Moura