Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6723/2008-6
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
REGULAMENTO
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I – A lei permite que o único proprietário de um prédio validamente constituído em propriedade horizontal possa, em simultâneo com o respectivo título constitutivo (no caso dos autos, por vontade negocial e através de escritura pública), elaborar o regulamento do condomínio.
II – Destinando-se o registo a dar publicidade – no fundo, conhecimento a qualquer interessado – acerca da situação de um dado imóvel (no caso dos autos, acerca dos termos da constituição em propriedade horizontal, ónus e encargos respeitantes às respectivas fracções e espaços comuns e demais condicionalismos a ela e ao condomínio respeitantes), inexiste uma qualquer situação de ineficácia jurídica daqueles (com especial relevância para o artigo 45.º) relativamente a cada um dos actuais condóminos.
III - Tais Regulamentos são juridicamente vinculativos para os actuais condóminos, independentemente destes conhecerem ou não o seu teor, através da oportuna leitura dos exemplares guardados na Conservatória do Registo Predial, dado terem assinado os correspondentes contratos de compra e venda das suas fracções (numa aceitação tácita ou presumida do conteúdo daqueles documentos reguladores).
IV – Existindo, “grosso modo”, duas realidades diversas abrangidas pela estatuição do nº 1 do artigo 1424.º do Código Civil – “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum” –, é manifesta a distinção que o legislador faz entre ambas, pois relativamente ao primeiro conjunto de despesas, para efeitos de alteração da regra supletiva ali contemplada, exige a unanimidade dos condóminos ao passo que, com referência ao segundo e ao lado da regra da unanimidade, admite ainda uma maioria qualificada de 2/3, sem oposição, sendo certo que, ainda assim e para um tipo de encargos que não brigam directamente com a estrutura e manutenção do edifício, só permite que fiquem “a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação”.
V - Quando se fala em disposição em contrário (artigo 1424.º, nº 1 do Código Civil), quer-se dizer por acordo de todos os condóminos, assim se estabelecendo a necessária distinção entre uma e outra norma.
VI – Apesar dessa permissão legal no sentido do afastamento da regra supletiva, certo é que os condóminos, fora das situações excepcionais previstas nos nºs 3 e 4 daquele mesmo dispositivo legal, têm a obrigação irrenunciável de comparticipar nos encargos decorrentes da conservação e fruição das partes comuns, bem como relativos ao pagamento de serviços de interesse comum, ou seja, não se podem escusar ou recusar o cumprimento desse dever jurídico, quer em termos totais como parciais (cf., por exemplo, para além do próprio artigo 1424.º, o disposto no artigo 1420.º, nº 2 do Código Civil).
VII - Não se nos afigura possível aos condóminos, quer colectivamente como individualmente, fora dos casos legalmente previstos, distribuir os encargos e despesas de tal maneira que alguns deles fiquem isentos ou só suportem, de maneira desequilibrada e/ou abusiva, algumas vertentes dos mesmos, dessa maneira moldando a seu belo prazer e conveniência tal dever, em desfavor, à custa e com sério prejuízo dos demais.
VIII - Sendo a propriedade horizontal e o correspondente condomínio realidades potencialmente conflituosas, de gestão e regulação muito complexas e com profundos reflexos de índole económica, social e urbanística, não é concebível que o legislador tivesse deixado na livre disponibilidade dos condóminos a definição de muitas das suas regras relativas à organização, funcionamento, administração, preservação e manutenção (tais como aquelas que se acham contempladas nos dispositivos legais cima mencionados).
IX – A Ré, ao instituir a regra provisória do artigo 45.º, vem derrogar e violar intencionalmente as normas que se mostram contidas nos artigos 1420.º, nº 2 e 1424.º do Código Civil e que espelham o princípio básico vigente nesta matéria: todos os condóminos devem arcar com o pagamento dos encargos e despesas comuns, sem prejuízo das excepções espacialmente contempladas no texto legal.
X - Nessa medida e atendendo ao disposto no artigo 280.º, número 1, do Código Civil, tais artigos 45.º dos Regulamentos tem de ser considerados nulos, por contrariarem norma imperativa.
XI – As normas que estabelecem as diversas maiorias, para efeitos de votação das deliberações dos condóminos, consoante as matérias que são delas objecto, têm natureza imperativa.
XII – A equiparação entre o título constitutivo e o regulamento, muito embora possa recolher um aparente apoio – essencialmente literal – nos textos legais em análise, não corresponde à melhor interpretação dos mesmos, não só em função da específica razão de ser, conteúdo, função e finalidade de cada um desses instrumentos normativos da propriedade horizontal e do condomínio, como dos próprios interesses em presença.
XIII - Em primeiro lugar, que o legislador estabelece uma clara diferenciação entre regulamento e título constitutivo, mesmo quando aquele formalmente integra este último, não sendo, nessa medida, o primeiro anulado, absorvido ou sequer esgotado pelo segundo nem sequer assumindo a sua natureza jurídica própria.
XIV - Depois e por outro lado, mal se compreende que pelo facto de se achar inserido no título constitutivo, qualquer regra do regulamento, por mais secundária e pontual que seja tenha de estar sujeito ao princípio da escritura pública, unanimidade de condóminos e efeitos relativamente a terceiros, desde que registada, quando, se aí não for consagrada, já está subordinada a uma maioria simples ou mesmo qualificada, mas sempre diversa da unanimidade (em rigor, uma norma como a dos condóminos deverem fechar sempre a porta da garagem comum do condomínio quando a virem aberta, se estiver incluída em Regulamento constante de Título Constitutivo só pode ser modificada por acordo de todos, ao passo que uma norma como a da distribuição equitativa do pagamento dos serviços comuns pode sê-lo por 2/3 de todos os condóminos sem oposição, o que não deixa de ser um absurdo).
XV - Em conclusão, o Regulamento inserido no Título Constitutivo da Propriedade Horizontal não estará sujeito, pelo menos em toda a sua extensão (admite-se que tal acontecerá no que concerne às normas que afectem o uso e a fruição das fracções autónomas), ao princípio da unanimidade e da escritura pública, podendo haver aspectos do mesmo (verdadeira grandeza e em regra, as disposições referentes aos espaços e serviços comuns) que podem ser modificadas através de Acta da Assembleia de Condóminos por simples maioria simples ou pelas maiorias qualificadas previstas legalmente.
XVI - A Ré, em momento prévio à comercialização das fracções e quando era o único dono das mesmas, a coberto do exercício de um direito legalmente reconhecido, ao elaborar, em simultâneo com o título da constituição da propriedade horizontal, Regulamentos de Condomínio onde se permitiu escusar ao pagamento de muitas das despesas relativas à conservação e fruição dos espaços comuns e aos encargos com os serviços de interesse comum, na parte concernente às suas fracções e correspondente percentagem, ao mesmo tempo que impunha a sua liquidação aos demais condóminos, de uma forma autoritária, excessiva e prejudicial aos seus interesses, excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé negocial, bem como o fim económico e social do correspondente direito.
XVII - Esse cenário abusivo sai reforçado pelas restrições à formação da vontade colectiva do condomínio, com especial relevância para o número 2 do artigo 45.º, ao vedar qualquer alteração que não contasse com o voto favorável da Ré, independentemente da sua representatividade (permilagem). (JES)
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
M, residente em Lisboa, e outros 52 CONDÓMINOS (devidamente identificados a fls. 1 a 4 dos autos) dos Condomínios I e II, prédios urbanos situados em Lisboa, intentaram, em 06/10/2006, esta acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra IMOBILIÁRIA, LDA., com sede em Lisboa, pedindo, em síntese, que seja declarada a nulidade do Artigo 45.º dos Regulamentos dos condomínios dos lotes 4.46 e 4.47, ou caso assim se não entenda, que sejam os mesmos considerados por abusivos e, em consequência, terem-se por não escritos.
(…)
Citada a Ré, através de carta registada com Aviso de Recepção (fls. 99 e 100), veio a mesma a apresentar, dentro do prazo legal, a respectiva contestação, conforme fls. 104 e seguintes, onde pugna pela validade substancial e formal do artigo 45.º dos Regulamentos em causa, porquanto não viola nenhuma norma imperativa, pois o art. 1424.º do Código Civil estabelece precisamente a possibilidade legal de ser afastada a regra da contribuição proporcional à permilagem, sendo que no caso justifica-se o afastamento dessa regra, porquanto a Ré não faz utilização das fracções de que é titular nos prédios, as quais destinam-se exclusivamente à venda a terceiros.
Impugnou igualmente as situações de alegado abuso de direito, chamando a atenção para o facto ter assumido uma postura de colaboração no sentido de assumir despesas comuns com o propósito de manter a funcionalidade dos equipamento dos prédios, como sejam as despesas de água, electricidade, elevadores e serviços de limpeza, sendo que a Ré dotou a Administração de fundo de maneio suficiente para pagamento das necessidades básicas.
Em conformidade, concluindo pela justiça da regra estabelecida no artigo 45.º dos Regulamentos em face do efectivo uso diminuto que faz das partes comuns dos prédios, sustentou a improcedência da acção.
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Notificados os Autores dessa contestação, vieram replicar nos moldes constantes de fls. 149 e seguintes, impugnando que o alegado fundo de maneio fosse suficiente, que a Ré pague as despesas com água, electricidade e elevadores, sendo que a Ré pode a qualquer momento decidir deixar de pagar esses valores com base no artigo 45.º dos Regulamentos em causa, e chamando a atenção para a insuficiência dos orçamentos aprovados unilateralmente pela Ré, concluindo nos mesmos termos pela procedência da acção.
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(…)
Foi então proferido, a fls. 734 e seguintes, sentença que, em síntese, decidiu o seguinte:
“Por todo o exposto, julgamos absolver a Ré dos pedidos de declaração de nulidade do Artigo 45.º dos Regulamentos de Condomínio dos lotes 4.46 e 4.47, mas declaramos a ineficácia, relativamente aos A.A., do disposto nesse mesmo Artigo dos Regulamentos.
- Custas pela R. (art. 446º do C.P.C.).
- Registe e notifique.”
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A Ré, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 760, interpor recurso de apelação da mesma, que foi admitido a fls. 764 dos autos, tendo-lhe sido determinada a subida imediata e nos próprios autos e atribuído efeito meramente devolutivo.
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A Apelante Ré apresentou alegações de recurso (fls. 768 e seguintes) e formulou as seguintes conclusões:
“A) O objecto do Recurso sub judice consiste na apreciação jurisdicional por parte deste Venerando Tribunal dos artigos 1419.º n.º 1 e 1424.º do Código Civil por forma a averiguar se, do teor dos mesmos se conclui, como elucubrou o Tribunal a quo, pela ineficácia do artigo 45.º dos Regulamentos de Condomínio dos lotes 4.46 e 4.47.
B) Da análise do artigo 1424.º do Código Civil, conclui-se que a distribuição das despesas referentes às partes comuns diversa da regra da proporcionalidade, se efectuada por unanimidade e em escritura pública, refira-se a despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou ao pagamento de serviços de interesse comum, é realizada livremente, ou seja, a lei não dispõe que se conforme a determinado critério.
C) Ora, no caso em apreço, a Apelante regulamentou a distribuição das despesas referentes às partes comuns dos prédios dos autos na qualidade de condómina única e através do título constitutivo da propriedade horizontal (portanto, em escritura pública), não estando assim, nos termos do disposto no artigo 1424.º, n.º 1 do Código civil, adstrita a qualquer critério especifico mas, ao invés, é livre de escolher aquele que considera mais adequado.
D) Uma vez que a Apelante era, à data, titular de todas as fracções dos prédios dos autos, a regulamentação da distribuição das despesas referentes às partes comuns dos prédios dos autos diversa da regra da proporcionalidade consta da escritura pública de constituição de propriedade horizontal e foi efectuada, necessariamente, por unanimidade, mostrando-se, assim, preenchidos os pressupostos formais exigidos para o efeito no artigo 1419.º, n.º 1 do Código Civil.
E) Aliás, assim se refere claramente na Sentença sob censura, nos termos da qual o Tribunal a quo sustentou não poder declarar, tal como era peticionado pelos Apelados, a nulidade do artigo 45.º dos Regulamentos em causa, por não haver violação de lei imperativa.
F) O Tribunal a quo decidiu, ao invés, pela ineficácia dos mencionados Regulamentos relativamente aos Apelados, pois, no seu entender, o artigo 1419.º, n.º 1 do Código Civil contempla um requisito "extra" – a exigência do consentimento dos condóminos adquirentes das fracções no caso de Regulamento aprovado unilateralmente pelo proprietário originário do prédio, o que não terá sido, segundo a mesma asserção, observado.
G) A Apelante não concorda com a interpretação "sui generis" do teor do artigo 1419.º, n.° 1 do Código Civil efectuada pelo Tribunal a quo, a qual é, no seu entender, formulada ao arrepio das melhores Doutrina e Jurisprudência existente sobre a matéria.
H) Com efeito, a Doutrina e a Jurisprudência convergem, pacificamente, no entendimento que a formalidade de "acordo de todos os condóminos" prevista no artigo 1419.º, n.º 1 do Código Civil poder ser cumprida, na circunstância de existir apenas, ao tempo, um condómino titular de todas as fracções, por declaração unilateral deste.
I) Assim o defende claramente Pires de Lima e Antunes Varela, a propósito, precisamente, da anotação efectuada ao artigo 1419.º do Código Civil: "Se as várias fracções autónomas do imóvel pertencerem à mesma pessoa – porque nenhuma delas foi ainda alienada após a constituição do condomínio por acto unilateral do proprietário do imóvel, ou porque a pluralidade de condóminos deixou de existir em virtude da concentração de todas as fracções na titularidade de um só sujeito – a modificação poderá ser feita por declaração negocial do proprietário único." (cf. Código Civil Anotado, Volume III, página 414).
J) Na esteira da doutrina citada, é postulado no Acórdão STJ de 10-02-1998 proferido em sede do Processo n.º 870/97 "A validade do título modificativo da propriedade horizontal depende da verificação de três requisitos: primeiro, terá sempre de constar de escritura pública; segundo, exige-se o acordo de todos os condóminos (salvo se a um só sujeito pertencer a titularidade de todas as fracções, pois, então, a modificação poderá ser feita por declaração negocial do proprietário); e terceiro, a divisão do edifício continuará a obedecer às condições fixadas no art. 1415° para a constituição da propriedade horizontal. (...)"
K) E não podia ser outro o entendimento uniforme, pois a "intervenção" dos condóminos posteriores ao proprietário original apenas releva, nesta sede, para o seguinte propósito legal: fazer depender da alienação da primeira fracção o início de produção dos efeitos do regime da propriedade horizontal,
L) Não contemplando o artigo 1419.º, n.º 1 do Código Civil ou outro normativo previsto nesse diploma legal, qualquer outra "intervenção" dos mesmos condóminos, designadamente através do seu consentimento como condição de eficácia dos Regulamentos de Condomínio, como é proposto pelo Tribunal a quo na sua Sentença.
M) Com efeito, a propriedade horizontal constituída por declaração unilateral de vontade não é plenamente eficaz antes da alienação de pelo menos uma das fracções, momento a partir do qual se pode dizer que passa a existir uma pluralidade de condóminos.
N) No entanto, isto não significa que o título constitutivo que antecede a alienação das fracções autónomas seja destituído de qualquer eficácia jurídica, distinguindo-se entre situações decorrentes da constituição da propriedade horizontal que produzem efeitos imediatos e outras cuja produção de efeitos fica dependente da alienação de, pelo menos, uma das fracções, pois só nessa altura surgirá a pluralidade de condóminos, pressuposto essencial, como dissemos, da aplicação do regime dos artigos 1414.º do Código Civil e seguintes.
O) E tal significa que, mesmo nas situações em se mostre necessário a alienação de uma das fracções para que haja produção de efeitos jurídicos, o proprietário (ainda) único não fica impedido de realizar qualquer acto decorrente da constituição da propriedade horizontal, designadamente a eleição do administrador das partes comuns, a previsão de regras disciplinadoras do uso das fracções autónomas ou, ainda, a regulação da repartição das respectivas despesas.
P) Com efeito, o proprietário/condómino único pode proceder a tais actos, não sendo, como se viu, os mesmos inválidos, designadamente, nulos: o único desfavor que recai sobre os mesmos traduz-se apenas na circunstância de, embora legalmente constituídos, só produzem os seus efeitos após a alienação da primeira fracção.
Q) Assim, mostra-se válida a regulação da distribuição das despesas respeitantes às partes comuns efectuada pela Apelante nos títulos constitutivos da propriedade horizontal dos prédios dos autos, não dependendo a sua eficácia relativamente aos restantes condóminos, ora Apelados, do consentimento destes, mas tendo, ao invés, a referida regulamentação sido plenamente eficaz, no que concerne aos mesmos, aquando da alienação da primeira fracção autónoma ocorrida em cada um deles.
Nestes termos, deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-­se a decisão recorrida, nos termos e para todos os efeitos legais, tudo com as legais consequências, assim fazendo Vossas Excelências, a costumada Justiça!”
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Os Autores, na sequência da correspondente notificação, apresentaram contra-alegações dentro do prazo legal, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 800 e seguintes):
“(1) A sentença recorrida não questiona a validade formal dos Regulamentos de Condomínio que a Apelante, enquanto única proprietária de todas as fracções, fez aprovar, por observarem o disposto no artigo 1418.º, número 2, alínea b) do Código Civil, nem a Apelada, na sua petição inicial, invocou a nulidade de tais regulamentos por vício de forma.
(2) A regra da forma legal para introduzir modificações ao título constitutivo da propriedade horizontal foi respeitada, já que os Regulamentos de Condomínio constam das escrituras públicas de constituição da propriedade horizontal. Contudo, não se verifica o outro requisito exigido pelo artigo 1419.º, n.º 1 do Código Civil: o acordo de todos os condóminos.
(3) O relevante em toda esta matéria não é saber se a modificação introduzida aos Regulamentos de Condomínio violou lei imperativa, mas sim se a aprovação dos Regulamentos de Condomínio, nomeadamente a sua disposição transitória, vertida no artigo 45.º, satisfaz o requisito do acordo de todos os condóminos, como estabelecido na parte final do número 1 do artigo 1419.º do Código Civil, sobretudo quando aquela disposição transitória tinha o seu âmbito essencial de aplicação para o momento em que a Apelante tivesse vendido algumas das suas fracções.
(4) Os Apelados não foram previamente consultados para se pronunciarem ou darem a sua concordância aos Regulamentos de Condomínio, especialmente ao artigo 45.º dos mesmos. Nem da escritura pública junta aos autos consta a existência de um qualquer Regulamento de Condomínio nem, muito menos, o acordo às suas disposições (aliás, o consentimento de todos os condóminos não tem de ser expresso em escritura pública).
(5) Apenas após os Apelados terem adquirido as suas fracções e participado nas primeiras Assembleias de Condóminos, a propósito da aprovação dos orçamentos e das formas de comparticipação nas despesas comuns dos lotes 4.46 e 4.47, se aperceberam estes da existência de um Regulamento de Condomínio e das suas implicações, decorrentes da aplicação da regra transitória constante do artigo 45.º.
(6) O que está em causa nos presentes autos é, pois, a natureza necessariamente contratual do estabelecimento de excepções à regra supletiva da proporcionalidade na repartição das despesas comuns do edifício.
(7) A natureza contratual do Regulamento de Condomínio provém, não da vontade dos condóminos expressa em assembleia, mas sim da conjugação da vontade do predisponente (a ora Apelante) com a aceitação dos futuros condóminos (alguns deles ora Apelados).
(8) Assim, a eficácia dos Regulamentos de Condomínio dependerá da aceitação do mesmo por parte de cada condómino, aceitação que deve ser expressa na própria escritura de compra e venda da fracção ou em qualquer outro documento escrito, mas do qual resulte a vontade inequívoca de aceitar as disposições regulamentares.
(9) Tal consenso é exigido de forma a que um condómino não se veja confrontado com decisões com as quais legitimamente não conta no momento em que adquire a fracção de um condomínio, uma vez que a elas não deu o seu consentimento, expresso ou tácito.
(10) Com este entendimento não se cria, pois, qualquer requisito extra aos que constam do artigo 1419.º, n.º 1 do Código Civil, nem esta interpretação é de alguma forma sui generis, apesar de tal artigo não prever, expressamente, a necessidade de os condóminos adquirentes das fracções terem de dar o seu consentimento ao Regulamento de Condomínio elaborado e aprovado unilateralmente pelo proprietário originário do prédio.
(11) Este entendimento decorre do espírito de tal artigo, que ficará comprometido se aqueles que, no futuro imediato, ficam vinculados pelo regime estabelecido em resultado das alterações à regra geral da contribuição para os encargos de conservação e fruição das partes comuns do prédio, não prestarem o seu consentimento, sobretudo quando tais alterações, aprovadas unilateralmente pela Apelante, causam um sério prejuízo aos Apelados e demais condóminos.
(12) Tal como vertido na douta sentença recorrida, "não se pode falar em consentimento unânime dos condóminos relativamente a Regulamento aprovado por um único condómino proprietário de todas as fracções, quando no acto constitutivo da propriedade horizontal os potenciais condóminos afectados por tais disposições não são consultados para dar o seu consentimento".
(13) A alteração à regra geral de contribuição para as despesas com as partes comuns do prédio, como consta do artigo 45.º dos Regulamentos de Condomínio, é de tal forma gravosa para com os Apelados e demais condóminos que, muito provavelmente, estes não teriam comprado as fracções caso soubessem da existência deste artigo 45.°.
(14) Porque os Apelados não aceitaram, nem expressa nem implicitamente, o teor do artigo 45° dos Regulamentos de Condomínio, não se podem considerar vinculados por tal disposição, como foi decidido pelo doutro Tribunal recorrido.
(15) Tal disposição é, assim, ineficaz em relação aos Apelados, pelo que as despesas com a conservação e fruição das partes comuns do prédio e o pagamento dos serviços de interesse comum deverão ser suportadas por todos os condóminos em função do valor das suas fracções, tal como consta do artigo 20.º dos Regulamentos de Condomínio.
NESTES TERMOS,
Deve o presente Recurso de Apelação ser julgado improcedente, mantendo-se, em consequência, nos seus exactos termos, a douta sentença recorrida.”
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O relator do processo, apesar de ter sido somente interposto recurso da sentença que considerou ineficazes os artigos 45.º dos Regulamentos de Condomínio pela Ré, entendeu que poderia configurar-se uma situação mais gravosa de nulidade por violação de norma imperativa ou abuso de direito, matéria essa de conhecimento oficioso, convidou as partes a pronunciarem-se sobre essa matéria no prazo de 10 dias, o que veio a acontecer, conforme ressalta de fls. e seguintes (recorrente) e fls. e seguintes (recorridos).
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Na sequência das respectivas notificações, vieram as partes pronunciar-se relativamente às questões suscitadas no despacho intercalar do relator, tendo, no final das suas alegações complementares, formulado conclusões.
A recorrente apresentou as seguintes conclusões:
“A) Da análise do artigo 1424.º do Código Civil, conclui-se que a distribuição das despesas referentes às partes comuns diversa da regra da proporcionalidade, se efectuada por unanimidade e em escritura pública, refira-se a despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou ao pagamento de serviços de interesse comum, é realizada livremente, ou seja, a lei não dispõe que se conforme a determinado critério.
B) Ora, no caso em apreço, a Apelante regulamentou a distribuição das despesas referentes às partes comuns dos prédios dos autos na qualidade de condómina única e através do título constitutivo da propriedade horizontal (portanto, em escritura pública), não estando assim, nos termos do disposto no artigo 1424.º, n.º 1 do Código civil, adstrita a qualquer critério especifico mas, ao invés, é livre de escolher aquele que considera mais adequado.
C) Uma vez que a Apelante era, à data, titular de todas as fracções dos prédios dos autos, a regulamentação da distribuição das despesas referentes às partes comuns dos prédios dos autos diversa da regra da proporcionalidade consta da escritura pública de constituição de propriedade horizontal e foi efectuada, necessariamente, por unanimidade, mostrando-se, assim, preenchidos os pressupostos formais exigidos para o efeito no artigo 1419.º, n.º 1 do Código Civil.
D) Assim sendo, não se mostra possível declarar a nulidade do artigo 45° dos Regulamentos em causa, por não haver violação de lei imperativa.
E) E tal direito – legalmente incontestável – da Apelante poder, mediante a observância dos requisitos formais, estabelecer uma regra de repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício diversa do princípio geral supletivo da proporcionalidade, foi exercido nos estritos termos da boa-fé.
F) Com efeito, permitindo a própria letra da Lei, a qual não impõe quaisquer limites, que no título constitutivo se podem estabelecer formas de distribuição dos encargos completamente distintas da regra supletiva do artigo 1424°, n.º 1 do CC, a Apelante não compreende porque se há-de considerar, sem mais, a repartição das despesas de acordo com a intensidade do uso de cada condómino como uma situação de (necessário) abuso de direito.
G) Com efeito, a Apelante tem como único intento a comercialização das fracções autónomas por si detidas nos prédios dos autos, pelo que as mesmas, enquanto não forem alienadas a terceiros, permanecem devolutas e sem qualquer utilização.
H) O uso que a Apelante faz, assim, das referidas fracções é esporádico – apenas dentro do horário do seu expediente para visitas de potenciais clientes – e, consequentemente, o correspondente consumo, designadamente, de energia eléctrica, água, uso dos elevadores ou necessidade de portaria, entre outros, é diminuto.
I) Deste modo, (i) permitindo o artigo 1424°, n.° 1 do Código Civil a adopção de uma qualquer outra regra de repartição das despesas das partes comuns sem obrigatoriedade de comungar algum aspecto da estrutura da regra da permilagem, (ii) estando, inclusive, no espírito do Legislador a premissa do uso das coisas comuns em condições de igualdade ou desigualdade pelos condóminos e (iii) sendo indiscutível o facto da Apelante destinar a totalidade das fracções autónomas por si detidas nos prédios dos autos unicamente a venda, mostra-se evidente que a Apelante procedeu ao exercício moderado, equilibrado, lógico, racional do direito que a lei confere previsto no citado normativo legal.
J) No que concerne à matéria controvertida do desvalor da ineficácia, por a Apelante já se ter pronunciado sobre a mesma nos presentes autos no âmbito das respectivas alegações de recurso, reitera o dito a esse propósito na referida sede.
Nestes termos, reitera-se a procedência do Recurso interposto pela Apelante, por se inverificar qualquer invalidade do artigo 45° dos Regulamentos de Condomínio dos lotes 4.46 e 4.47 em apreço nos autos, revogando-se a decisão recorrida, nos termos e para todos os efeitos legais, tudo com as legais consequências, assim fazendo Vossas Excelências, a costumada Justiça.”
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Os Apelados, por seu turno, formularam as seguintes conclusões:
“1) Pese embora o título constitutivo de propriedade horizontal possa ser elaborado unilateralmente, ele está sujeito à condição suspensiva de alienação da primeira fracção, isto é, a sua eficácia está dependente da pluralidade de proprietários, como resulta do artigo 1414.º do Código Civil.
2) Não sendo as regras constantes do título constitutivo da propriedade horizontal eficazes antes da alienação de pelo menos uma das fracções, é sobre esse pressuposto que deve analisar-se a validade da disposição que exclui um determinado condómino dos encargos de conservação e fruição das partes comuns.
3) Nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 1424.º do Código Civil, quer nos serviços de interesse comum, quer na conservação e fruição das partes comuns, o respectivo pagamento das despesas será efectuado através da regra da proporcionalidade, isto é, os condóminos pagam em proporção do valor das suas fracções.
4) O critério da proporcionalidade tem em consideração a destinação objectiva das coisas comuns, abstraindo do uso que efectivamente cada condómino faça das mesmas, o que significa que, mesmo os condóminos que não utilizem certas partes comuns ou não as utilizem de todo, têm de pagar, exactamente porque, querendo, podem servir-se delas.
5) Os n.ºs 3 e 4 do artigo 1424.º do Código Civil dispõem que as despesas das partes comuns que, objectivamente, apenas servem alguns condóminos, apenas por eles devem ser suportadas, exactamente porque só eles podem, em absoluto, servir-se dessas partes comuns.
6) Existem, desta forma, duas regras supletivas fundamentais: o critério da proporcionalidade, por um lado, e o critério da redução dos condóminos obrigados, por outro.
7) Apesar de o artigo 1424.º do Código Civil permitir a alteração das regras de participação dos condóminos nos encargos das partes comuns, a lei jamais permite a exclusão de algum dos condóminos de contribuir para o pagamento daquelas despesas. Esta conclusão pode retirar-se dos artigos 1420.º/2 e 1424.º/3 e 4 do Código Civil.
8) No que diz respeito ao artigo 1420.º/2 do Código Civil, este estabelece que os direitos de propriedade exclusiva da fracção e de compropriedade das partes comuns são incindíveis: nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição.
9) O critério que permite excluir um condómino do pagamento das despesas comuns será apenas o da impossibilidade de utilização dessas partes comuns, não se podendo por isso excluir do pagamento das despesas o condóminos que (i) utiliza partes comuns ou que (ii) embora não as utilizando, o pode fazer objectivamente.
10) E se assim é, por maioria de razão não se pode isentar do pagamento das despesas comuns um condómino que usa essas partes comuns, nomeadamente para visitas no âmbito da sua actividade de alienação das fracções autónomas, como é o caso da Apelante, sendo a exoneração deste tipo de despesas, nestas circunstâncias, inaceitável, pelo que se conclui que o artigo 45.º do regulamento de condomínio é nulo.
11) A lei não dá qualquer margem de manobra aos condóminos para se furtarem ao pagamento das despesas comuns, a não ser a resultante de dispor uma participação conforme à fruição das partes comuns, o que de modo algum significa a exclusão do condómino dessas despesas.
12) Por outro lado, o número 2 do artigo 45.º do regulamento prevê ainda que tal artigo só é alterável ou eliminável com o expresso consentimento da sua beneficiária e ora Apelante, sendo também, no entendimento dos Apelados, nula esta disposição, uma vez que o regulamento de condomínio, mesmo sendo parte do título constitutivo, pode ser alterado por maioria dos votos representativos do capital investido, conforme resulta do disposto no artigo 1432.º/3 do Código Civil, no que diz respeito às partes comuns.
13) Porém, mesmo que assim se não entenda, a actuação da Apelante sempre constitui abuso de direito, pois verificam-se os seus requisitos fundamentais: (i) exercício de um direito de forma anormal quanto à sua intensidade ou à sua execução; (ii) comprometimento de direitos de terceiros; e (iii) criação de uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício por parte do seu titular e as consequências que outrem tem de suportar.
14) O condómino que unilateralmente exclui a sua participação nas despesas comuns a ponto tal que todos os outros condóminos, minoritários, tenham encargos mensais incomportáveis e, sobretudo, desproporcionados, para garantir as condições de conservação e fruição do prédio, age com abuso do seu direito de proprietário, subsistindo o perigo de, após 2006, a Apelante voltar a actuar com desrespeito pelos direitos dos condóminos, já que o artigo 45.º dos regulamentos de condomínio e a sua posição de condómina maioritária assim o permitem.
15) Com tal conduta, a Apelante compromete direitos de terceiros, i.e., coloca em causa o gozo dos direitos dos Apelados, na qualidade de condóminos, na medida em que o afastamento de um dos condóminos do dever de pagar essas despesas, face à dificuldade dos restantes condóminos de as suportarem, coloca em causa a conservação e completa fruição das partes comuns, assim como os mais básicos direitos a uma habitação condigna e em plenas condições de utilização, o que já se comprovou, quanto aos equipamentos que deixaram de estar em funcionamento.
16) Por fim, ao prever a sua exclusão de contribuir para as despesas, podendo assim beneficiar do prédio e suas partes comuns, sem para a sua conservação contribuir, a Apelante retira uma vantagem através do sacrifício dos restantes condóminos, em termos clamorosamente afastados da regra da proporcionalidade.
NESTES TERMOS,
Acaso o presente Tribunal decida pela não manutenção da sentença que determinou a ineficácia do artigo 45.º dos regulamentos de condomínio dos lotes 4.46 e 4.47, deverá, oficiosamente, proferir decisão que considere nulo tal artigo 45.º, aplicando-se subsidiariamente a regra da proporcionalidade já consagrada no artigo 20.º daqueles. Caso assim não se entenda, deverá ser proferida decisão que, julgando abusivo o artigo 45.º dos regulamentos de condomínio dos lotes 4.46 e 4.47, o considere como não escrito.”
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS
Da discussão da causa, conforme realizada pelo tribunal da 1.ª instância, ficaram provados os seguintes factos:
1) A IMOBILIÁRIA LDA procedeu, no âmbito da sua actividade, à promoção e é proprietária da maioria das fracções dos seguintes prédios urbanos:
a) Prédio designado por Parcela …, composto de quatro blocos e sito em Lisboa (Lote 4.46); e
b) Prédio designado por Parcela …, composto de quatro blocos e sito em Lisboa (Lote 4.47) – (Al. A) dos factos assentes);
2) No respeitante ao primeiro prédio referido, a Ré outorgou a escritura constitutiva da propriedade horizontal a 29 de Setembro de 2005, da qual fazem parte dois documentos: o documento que discrimina as 230 (duzentas e trinta) fracções autónomas que compõem o prédio, bem como as suas permilagens; e o regulamento de condomínio (cfr. Doc n.º 1 de fls. 85 a 309 junto aos autos de providência cautelar apensos) – (Al. B) dos factos assentes);
3) No respeitante ao segundo prédio referido, a Ré outorgou a escritura constitutiva da propriedade horizontal também a 29 de Setembro de 2005, da qual fazem também parte dois documentos: o documento que discrimina as 207 (duzentas e sete) fracções autónomas que compõem o prédio, bem como as suas permilagens; e o regulamento de condomínio (cfr. Doc. n.º 2 de fls. 201 a 313 junto aos autos de providência cautelar apensos) – (Al. C) dos factos assentes);
4) Os Regulamentos de condomínio foram unilateralmente aprovados pelo então único proprietário dos prédios, a ora Ré, no âmbito dos respectivos títulos constitutivos – (Al. D) dos factos assentes);
5) Ambos os Regulamentos prevêem, no seu artigo Quadragésimo Quinto, número 1, que desde que não utilize, por qualquer forma, as fracções autónomas de que seja titular, a proprietária originária do prédio IMOBILIÁRIA, LDA., ora Ré, fica isenta do pagamento de quaisquer das respectivas quotizações condominiais e da satisfação de quaisquer despesas dessa natureza, com excepção das necessárias à reparação das danificações ocorridas nos equipamentos e partes comuns dos edifícios e à satisfação da retribuição e das despesas de expediente da Administração do Condomínio – (Al. E) dos factos assentes);
6) O número 2 daquele artigo prevê ainda que, não obstante o disposto no subsequente artigo Quadragésimo Sexto, o artigo Quadragésimo Quinto só é alterável ou eliminável com o expresso consentimento da IMOBILIÁRIA, LDA, sua beneficiária e ora Ré – (Al. F) dos factos assentes);
7) Por sua vez, o artigo vigésimo dos dois Regulamentos de Condomínio prevê a participação de cada condómino nas despesas de manutenção e conservação das partes comuns dos edifícios de acordo com a respectiva permilagem – (Al. G) dos factos assentes);
8) A 23 de Novembro de 2005, a Ré efectuou, na qualidade de única proprietária, a primeira reunião da Assembleia-geral de condóminos para ambos os prédios, ainda antes da alienação de qualquer das fracções autónomas – (Al. H) dos factos assentes);
9) Na mesma, a ora Ré procedeu igualmente à eleição da Administração para o exercício de 1 de Dezembro de 2005 a 31 de Dezembro de 2006, tendo igualmente aprovado o orçamento para o mesmo período (cfr. Docs. n.º 3 e 4, juntos a fls. 314 e 315 dos autos de providência cautelar apensos) – (Al. I) dos factos assentes);
10) A Ré, enquanto proprietária única dos lotes nessa data, deliberou e aprovou: eleição de administração e orçamento para 2006 – (Al. J) dos factos assentes);
11) O orçamento então aprovado previa, para o Lote 4.46, um conjunto de despesas, entre as quais as despesas de água, electricidade, serviços de limpeza e jardinagem, que totalizavam um montante de € 88.365,18 (oitenta e oito mil trezentos e sessenta e cinco Euros e dezoito cêntimos) a vigorar para 13 meses (cfr. Doc. n.º 5 a fls. 316 dos autos de providência cautelar apensos) – (Al. L) dos factos assentes);
12) Para o Lote 4.47, o orçamento ascendia a € 84.687,00 (oitenta e quatro mil seiscentos e oitenta e sete Euros) para 13 meses (cfr. Doc. n.º 6, a fls. 317 dos autos de providência apensos) – (Al. M) dos factos assentes);
13) Só posteriormente à elaboração dos títulos constitutivos e consequentes Regulamentos de Condomínio, bem como das primeiras actas de condomínio, a Ré procedeu à celebração das escrituras de compra e venda das seguintes fracções, conforme certidão de teor junta a fls. 312 a 881, como Doc. n.º 7 à providência cautelar apensa e Doc. n.º 1 junto a fls. 39 a 45, correspondente ao contrato de compra e venda da condómina Anabela Vieira Lourenço, que não constava da certidão de teor:
No respeitante ao Lote 4.46:
(...)
No respeitante ao Lote 4.47:
(...)
- (Al. N) dos factos assentes);
14) A totalidade das fracções alienadas à data da emissão das certidões do registo predial referidas representa:
a) No respeitante ao Lote 4.46, 188,369 da permilagem do prédio, sendo que portanto a Ré se mantém titular de 811,631 do mesmo;
b) No respeitante ao Lote 4.47, 201,165 da permilagem do prédio, sendo que portanto a Ré se mantém titular de 798,835 do mesmo – (Al. O) dos factos assentes);
15) Em termos percentuais, a Ré é titular, quanto ao Lote 4.46, de 81% do prédio, enquanto os restantes condóminos são titulares de apenas 19% – (Al. P) dos factos assentes);
16) Quanto ao Lote 4.47, a Ré é titular de cerca de 80% do prédio e os restantes condóminos de 20% do mesmo – (Al. Q) dos factos assentes);
17) A empresa Administradora dos Prédios, em 17/02/2006, apresentou a demissão das funções que lhe foram atribuídas, tendo invocado “que não se encontram reunidas as condições necessárias para o bom desempenho das nossas funções no condomínio de V. Exas.” (cfr. Doc. n.º 8 e 9, a fls. 812 a 814 dos autos de providência cautelar apensos) – (Al. R) dos factos assentes);
18) Os Autores enviaram, através da sua mandatária, um “fax” e carta registada com aviso de recepção à Ré com a exposição do entendimento por estes partilhado no que respeita à nulidade do mencionado artigo quadragésimo quinto dos Regulamentos, tendo solicitado o agendamento de uma reunião de forma a obter-se a eliminação deste artigo (cfr. Doc. n.º 10, a fls. 815 a 819 dos autos de providência cautelar apensos) – (Al. S) dos factos assentes);
19) Em resposta ao fax e carta referidos, a Ré afirmou entender não haver qualquer nulidade, tendo-se disponibilizado para revisão dos orçamentos após eleição da nova administração (cfr. Doc. n.º 11, a fls. 820 a 822 dos autos de providência cautelar apensos) – (Al. T) dos factos assentes);
20) A Ré como condómina maioritária convocou assembleias-gerais extraordinárias para os dias 27 e 28 de Março de 2006, respectivamente, para os lotes 4.46 e 4.47 – (Al. U) dos factos assentes);
21) A 27 e 28 de Março de 2006, foram realizadas Assembleias extraordinárias, para os Lotes 4.46 e 4.47, respectivamente, cuja ordem de trabalhos consistia na eleição de nova administração de condomínio, tendo sido eleita a empresa … (cfr. Doc. n.º 1 e 2, juntos a fls. 849 a 858, com a oposição da ora Ré à providência cautelar apensa) – (Al. V) dos factos assentes);
22) A 4 de Maio de 2006, os Autores propuseram a providência cautelar apensa na qual requereram a suspensão dos artigos quadragésimo quinto dos dois regulamentos e o impedimento de a Ré convocar ou votar em Assembleias-gerais cujo objectivo ou resultado fosse igual ao que se pretendia evitar com a suspensão do artigo, bem como de votar em quaisquer deliberações que produzissem os mesmos efeitos que então se pretendiam impedir, tendo a providência sido decretada a 4 de Setembro de 2006, cfr. fls. 935 a 944 dos autos apensos - (Al. X) dos factos assentes);
23) Durante a pendência do processo, em Julho de 2006, a nova administração de condomínio apresentou, para ambos os prédios, novos orçamentos, a vigorar de Abril a Dezembro de 2006, isto é, 9 meses, cfr. Docs de fls. 872 a 875 dos autos da providência cautelar – (Al. Z) dos factos assentes);
24) As propostas apresentadas cobriam a hipótese de se contratar serviços de portaria a 12 ou a 24 horas, sendo nesse ponto que residia a diferença entre as duas propostas apresentadas para cada prédio – (Al. AA) dos factos assentes);
25) Essas propostas foram discutidas – com algumas alterações, respeitantes às despesas com equipamento de tratamento de águas, não contempladas nas primeiras propostas – em Assembleias-gerais de 8 e 9 de Agosto, respectivamente para os Lotes 4.46 e 4.47, cfr. Doc. de fls. 167 a 184 - (Al. AB) dos factos assentes);
26) Nessas assembleias, foram aprovados novos orçamentos, cfr. Docs de fls. 183 e 184 – (Al. AC) dos factos assentes);
25) Em assembleia-geral de 27 de Novembro de 2006 foi aprovada por maioria a revogação das deliberações tomadas na última assembleia de condóminos referentes ao orçamento, e aprovado um novo orçamento por outros valores, cfr. Doc. de fls. 162 a 166 - (Al. AD) dos factos assentes);
26) A Ré dotou os condomínios com fundos de maneio recolhidos aquando da celebração das escrituras públicas de alienação das fracções juntos dos respectivos compradores, no valor unitário de € 250,00 – (Al. AE) dos factos assentes);
27) A Ré não renunciou às partes comuns dos prédios – (Al. AF) dos factos assentes);
28) A postura inicial da Ré, até à propositura da providência cautelar, era no sentido de ficar dispensada de contribuir para o pagamento das despesas comuns relativas à utilização dos prédios a que os autos se reportam, no pressuposto de que não utilizasse as fracções de que é titular – (Resposta ao 1.º da Base instrutória);
29) A Ré utiliza de facto as partes comuns, nomeadamente para visitas no âmbito da sua actividade de alienação das fracções autónomas – (Resposta ao 2.º da Base Instrutória);
30) A Ré utiliza as partes comuns para visitas às fracções não vendidas, passando por corredores nunca utilizados por outros condóminos, acende as luzes, nunca acesas por outros condóminos, e leva os elevadores a andares que os outros condóminos nunca levam – (Resposta ao 3.º da Base Instrutória);
31) Enquanto o artigo quadragésimo quinto vigorar a maioria das despesas comuns são suportadas apenas pelos Autores – (Resposta ao 4.º da Base Instrutória);
32) Por haver insuficiência de fundos no condomínio e, também porque não havia interesse da Ré em suportar gastos com equipamentos que ela não utilizava, nem eram utilizados pelos restantes condóminos, vários equipamentos houve ficaram sem funcionar, nomeadamente alguns elevadores que permaneceram desactivados; havia lâmpadas em alguns pisos, de fracções que não eram habitadas, que estavam desligadas; a limpeza dessas áreas desabitadas também não era efectuada com regularidade; e, no princípio, também não havia segurança, ou sequer portaria nos prédios dos autos – (Resposta ao 6.º da Base Instrutória);
33) Os Autores solicitaram à Ré a revogação do artigo quadragésimo quinto, o que esta não aceitou, mas disponibilizou-se a proceder à alteração dos orçamentos, que considerou excessivos – (Resposta ao 7.º da Base Instrutória);
34) A Ré afirmava que os orçamentos estavam empolados, fundamentando-se no argumento de que estavam pensados para uma ocupação total dos prédios, quando a sua ocupação se situava na ordem dos 20%. - (Resposta ao 8.º da Base Instrutória);
35) A verificação das despesas com a limpeza de todos os corredores e escadas, com a manutenção de toda a área do jardim e com a luz de todos os pisos pode ser independente da taxa de ocupação efectiva do prédio – (Resposta ao 9.º da Base Instrutória);
36) As propostas de novos orçamentos apresentadas em Julho de 2006 apontavam para os seguintes valores globais de despesas:
a) Quanto ao prédio do lote 4.46:
- € 99.073,04, na hipótese da Portaria funcionar durante 24 horas (cfr. fls. 872 do apenso “A”);
- € 84.099,29, na hipótese da Portaria funcionar só durante 12 horas (cfr. fls. 873 do apenso “A”);
b) Quanto ao prédio do lote 4.47:
- € 95.695,83, para a hipótese Portaria funcionar durante 24 horas (cfr. Doc. de fls. 875 do apenso “A”);
- € 80.722,08, para a hipótese da Portaria funcionar durante 12 horas (cfr. Doc. de fls. 874 do apenso “A”).
Por seu turno, os orçamentos aprovados unilateralmente pela Ré em 23 de Novembro de 2005, que não incluíam serviço de Portaria, apontavam para os seguintes valores de despesas:
a) € 88.365,18 para o prédio do lote 4.46 (cfr. Doc. de fls. 316 do apenso “A”); e
b) € 84.687,00 para o prédio do lote 4.47 (cfr. fls. 317 do apenso “A”) - (Resposta ao 10.º da Base Instrutória);
37) Para o prédio 4.46, e no caso do orçamento com serviço de Portaria de 12 horas, o orçamento proposto em Julho de 2006 é inferior, mensalmente, em € 355,50, sendo que o orçamento com serviço de Portaria de 24 horas superior em € 892,32 por mês – (Resposta ao 11.º da Base Instrutória);
38) Para o prédio 4.47, e no caso do orçamento com serviço de Portaria de 12 horas, o orçamento proposto em Julho de 2006 é inferior, mensalmente, em € 330,41 e o orçamento com serviço de Portaria de 24 horas é superior em € 917,40 por mês – (Resposta ao 12.º da Base Instrutória);
39) Em resposta à carta pela mandatária dos Autores, junta como Doc. 10 (fls. 815 a 819 do apenso “A”), a Ré respondeu nos termos da carta junta como Doc. n.º 11 (fls. 820 a 821 do apenso “A”) não aceitando a eliminação do artigo quadragésimo quinto, mas disponibilizando-se para colaborar com os condóminos - (Resposta ao 13.º da Base Instrutória);
40) A Ré sempre se recusou a eliminar o artigo quadragésimo quinto, o que se mantém até hoje, apesar das insistências dos condóminos e da anterior administradora, da empresa … – (Resposta ao 14.º da Base Instrutória);
41) A anterior empresa administradora demitiu-se do seu cargo por considerar que não tinha condições para exercer essas funções, nomeadamente por considerar não ter receitas suficientes para garantir a manutenção do prédio - (Resposta ao 15.º da Base Instrutória);
42) A Ré, quando é confrontada pelos condóminos sobre a questão da sua comparticipação nas despesas comuns, manifesta a sua vontade no sentido de contribuir para a resolução do problema – (Resposta ao 16.º da Base Instrutória);
43) A Ré, de acordo com a sua vontade, decide em que despesas comparticipa e já decidiu não participar em algumas despesas comuns, como por exemplo nas despesas relativas às caves, onde estão sitas as garagens, com o fundamento que não utiliza esses espaços; relativamente às despesas de Portaria decidiu apenas suportar o seu pagamento em parte; e não aceitou comparticipar nas despesas com a reconstrução do jardim, por entender que a sua manutenção competia à administração dos prédios - (Resposta ao 17.º da Base Instrutória);
44) Inicialmente, a Ré considerava que não tinha de suportar as despesas com a Portaria, as quais não eram contempladas nos primeiros orçamentos em vigor - (Resposta ao 18.º da Base Instrutória);
45) Entretanto já aceitou contribuir em parte para as despesas de Portaria - (Resposta ao 19.º da Base Instrutória);
46) A Ré decide aceitar contribuir para as despesas comuns em função do seu conceito sobre a razoabilidade das mesmas, atendendo ao tipo de despesa que esteja em causa e à necessidade efectiva da sua realização, o que faz conforme as questões lhe são casuisticamente colocadas pelos restantes condóminos – (Resposta ao 20.º da Base Instrutória);
47) No início da utilização dos prédios a que os autos se reportam após a venda das fracções aos Autores, vários equipamentos ficavam sem funcionar, nomeadamente alguns elevadores e a iluminação de alguns pisos que não eram habitados, porque não havia interesse da Ré em suportar gastos com os equipamentos que não tinha necessidade de usar – (Resposta ao 21.º da Base Instrutória);
48) Os atrasos verificados no pagamento de contribuições dos condóminos para as despesas comuns, aí se incluindo a própria Ré, está a permitir a degradação dos prédios – (Resposta ao 22.º da Base Instrutória);
49) Quanto ao Lote 4.46. e relativamente ao primeiro orçamento estabelecido para o período de 1 de Dezembro de 2005 a 31 de Dezembro de 2006, no valor global de € 88.365,18, de acordo com o artigo quadragésimo quinto do Regulamento, e de acordo com a interpretação que a Ré dele fazia, esta apenas comparticiparia pela regra da permilagem nas despesas por danos ocorridos nas partes comuns, nas despesas de expediente e honorários da Administração, que totalizavam um montante de € 18.398,00, sendo todas as restantes despesas, no montante de € 69.967,18, somente da responsabilidade dos Autores, restantes proprietários minoritários – (Resposta ao 24.º da Base Instrutória);
50) Considerando que os Autores são proprietários de fracções do prédio correspondente ao lote 4.46 na proporção total de 18,8369%, relativamente ao orçamento inicial, pelo valor global de € 88.365,18, esse montante repartido por todos os condóminos, segundo a regra da permilagem, determinava que aos Autores caberia apenas suportar o montante total de € 1.387,11 mensais (€88.365,18x18,8369%:12 meses) - (Resposta ao 25.º da Base Instrutória);
51) Esse valor dividido pelos condóminos, pela regra da permilagem, varia entre os € 38,36 e € 88,28 mensais (€88.365,18x5,209% (permilagem mais baixa de todas as fracções de que os Autores são titulares):12 meses / 88.365,18x11,989% (permilagem mais alta de todas as fracções de que os Autores são titulares): 12 meses) – (Resposta ao 26.º da Base Instrutória);
52) Por aplicação do artigo quadragésimo quinto dos Regulamentos, o montante global a suportar pelos Autores era já € 6.119,40 mensais (100% x €69.967,18 + 18,8369% x €18.398,00 = € 73.432,79 : 12 meses) - (Resposta ao 27.º da Base Instrutória);
53) Neste último caso, os montantes mensais a suportar pelos Autores, por aplicação da regra da permilagem, variam entre os € 171,44 e os € 394,55 mensais - (Resposta ao 28.º da Base Instrutória);
54) Quanto ao Lote 4.47. e relativamente ao primeiro orçamento estabelecido para o período de 1 de Dezembro de 2005 a 31 de Dezembro de 2006, no valor global de € 84.687,00, de acordo com o artigo quadragésimo quinto do Regulamento, e segundo a interpretação que a Ré dele fazia, esta apenas comparticiparia pela regra da permilagem nas despesas por danos ocorridos nas partes comuns, nas despesas de expediente e honorários da Administração, que totalizavam um montante de € 16.628,20, sendo todas as restantes despesas, no montante de € 68.058,80, somente da responsabilidade dos A.A., restantes proprietários minoritários – (Resposta ao 29.º da Base Instrutória);
55) Considerando que os Autores são proprietários de fracções do prédio correspondente ao lote 4.47 na proporção de 20,1165%, relativamente ao orçamento inicial, pelo valor global de € 84.687,00, esse montante repartido por todos os condóminos segundo a regra da permilagem determinava que aos Autores caberia apenas suportar o montante total de € 1.419,67 mensais (€84.687,00 x 20,1165% : 12 meses) - (Resposta ao 30.º da Base Instrutória);
56) Por aplicação do artigo quadragésimo quinto dos Regulamentos, o montante global a suportar pelos Autores era já €5.950,32 mensais (100% x €68.058,80 + 20,1165% x € 16.628,20 = € 71.403,81 : 12 meses ), o que representa uma diferença de € 4.530,65 relativamente ao que resultaria da regra da proporcionalidade (€ 5.950,32 - € 1.419,67) - ( Resposta ao 31.º da Base Instrutória );
57) É previsível que a Ré não aliene de forma célere as fracções autónomas, fazendo prever a manutenção desta situação durante um longo período de tempo – (Resposta ao 33.º da Base Instrutória);
58) Tem sido a Ré a suportar directamente o pagamento dos consumos de água, electricidade e telefone e está ainda a cumprir um plano de pagamentos duma dívida do condomínio à empresa de manutenção dos elevadores, com o esclarecimento que esses pagamentos são descontados no valor que ficou definido corresponder à sua comparticipação para as despesas comuns do prédio – (Resposta ao 34.º da Base Instrutória);
59) A Ré quis com o estabelecimento da regra do artigo 45.º do Regulamento criar uma disposição transitória pela qual ficasse dispensada de contribuir para as despesas comuns dos edifícios desde que não utilizasse as fracções de que é titular, não sendo assim obrigada a pagar despesas para as quais não houvesse concorrido, ou ao menos, não com igual intensidade, as quais só aproveitavam e interessavam aos condóminos compradores das fracções – (Resposta ao 35.º da Base Instrutória);
60) A Ré promoveu a construção e comercialização dos edifícios, destinando-os unicamente à venda, sendo que enquanto não fossem alienados a terceiros, as fracções permaneceriam devolutas e sem qualquer utilização - (Resposta ao 36.º da Base Instrutória);
61) Ficou estabelecido que a Ré comparticiparia em 30% de todas as despesas orçamentadas – (Resposta ao 38.º da Base Instrutória).

III – OS FACTOS E O DIREITO
É pelas conclusões dos recursos que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 690.º e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).

A – MATÉRIA DE FACTO
(…)
B – OBJECTO DO RECURSO

B1 – CLÁUSULAS E NORMATIVOS EM PRESENÇA
Importa, antes de mais, chamar à colação os artigos dos Regulamentos de Condomínio que foram declarados válidos mas juridicamente ineficazes pelo tribunal da 1.ª instância, bem como os que podem ter relevância para a boa decisão da causa, estabelecendo as mesmas o seguinte (a síntese dos mesmos encontra-se vertido nos pontos 5) a 7 da matéria de facto):
Artigo Vigésimo
(Responsabilidade pela satisfação das despesas e encargos com as partes, equipamentos e serviços de utilidade comuns e respectiva repartição)
UM – A responsabilidade e repartição das despesas e encargos com as partes, equipamentos e serviços de utilidade comuns obedecerão aos seguintes princípios:
a) Competirá a todos os condóminos, na proporção das permilagens das respectivas fracções autónomas de que sejam titulares, concorrer para o pagamento de todas as despesas e encargos das partes, equipamentos e serviços de utilidade comuns que sejam do interesse geral do condomínio e, designadamente, as previstas no Artigo quinto do presente Regulamento;
b) Competirá exclusivamente aos condóminos titulares das respectivas fracções autónomas suportar as despesas e encargos relativos às partes e equipamentos comuns de cada Bloco, que, nos termos dos artigos sexto a nono do presente Regulamento, sirvam exclusivamente as respectivas fracções autónomas.
DOIS – Constituem encargo geral do condomínio e, portanto, a suportar nos termos da alínea a) do antecedente número um deste artigo, designadamente, as seguintes despesas:
a) Os prémios de seguro de incêndio estabelecido no número um do artigo décimo nono deste Regulamento e, bem assim, os de quaisquer outros seguros de interesse geral do condomínio que venham a ser efectuados nos termos do número um do mesmo artigo;
b) O custo das obras gerais de conservação e beneficiação que tenham por objecto a totalidade do prédio e as que respeitem a alguma das partes comuns discriminadas no artigo quinto do presente Regulamento;
c) As inerentes à manutenção da própria administração do condomínio;
d) As emergentes de salários, vencimentos, honorários e respectivos encargos sociais, quando legalmente devidos, relativos ao pessoal e técnicos independentes adstritos a tarefas e a prestação de serviços de interesse geral do condomínio;
e) O custo da prestação de quaisquer serviços de utilidade comum à totalidade do prédio ou referente a quaisquer das partes comuns previstas no Artigo quinto do presente Regulamento.
TRÊS – A repartição das despesas, que, de harmonia com a alínea b) do número um deste artigo, devam ser suportadas apenas pelos condóminos titulares das fracções autónomas correspondentes a cada Bloco, efectuar-se-á proporcionalmente entre as aludidas fracções e, para tal efeito, a cada uma destas corresponderá uma permilagem corrigida determinada nos termos da seguinte fórmula:
Totalidade da permilagem ----------------------------- Permilagem de uma fracção
Permilagem das Fracções de um Bloco --------------------------------X

QUATRO – As fracções autónomas que constituam estacionamentos automóveis ou lojas destinadas a comércio/serviços localizadas, respectivamente nos pisos subterrâneos, nos pisos zero e um dos edifícios encontram-se isentas do pagamento de quaisquer despesas condominiais relacionadas com a conservação, utilização e funcionamento dos pisos destinados a habitação, com excepção das referentes aos pisos subterrâneos de parqueamento automóvel, ascensores, portarias, Administração do Condomínio, sala de Condóminos e reparação do exterior e fachadas dos edifícios, nas quais comparticiparão de harmonia e na proporção das correspondentes permilagens.
CINCO – As despesas de fruição mencionadas neste Regulamento abrangem todas e quaisquer despesas que essa utilização envolva, incluindo consumos de energia, água, gás e similares e custos de limpeza e outros de natureza semelhante, registados directamente em cada uma das zonas de responsabilidade definidas nas mesmas disposições ou a elas imputadas segundo critérios que a Assembleia Geral de Condóminos fixará com base em proposta do Administrador.
CAPÍTULO SÉTIMO – DISPOSIÇÃO TRANSITÓRIA
Artigo Quadragésimo Quinto
N.º 1 – Desde que não utilize, por qualquer forma, as fracções autónomas de que seja titular, a proprietária originária do prédio "Imobiliária Lda." fica isenta do pagamento de quaisquer das respectivas quotizações condominiais e da satisfação de quaisquer despesas dessa natureza, com excepção das necessárias à reparação das danificações ocorridas nos equipamentos e partes comuns dos edifícios e à satisfação da retribuição e das despesas de expediente da Administração do Condomínio.
N.º 2 – Não obstante o disposto no subsequente artigo quadragésimo sexto, a presente disposição regulamentar transitória só é alterável ou eliminável com o expresso consentimento da "Imobiliária Lda.", sua beneficiária.
CAPITULO OITAVO – DISPOSIÇÃO FINAL
Artigo Quadragésimo Sexto
Qualquer alteração do presente Regulamento só será válida desde que seja aprovada em Assembleia-Geral e através de deliberação tomada por Condóminos titulares de fracções autónomas que representam, pelo menos, três quartos do capital investido no edifício.

Por seu turno, para além do regime legal respeitante à propriedade horizontal e ao condomínio, importa realçar o teor dos artigos 1419.º e 1424.º do Código Civil, na redacção que foi introduzida pelo Decreto-Lei 267/94, de 25-10, e que é o seguinte:
(…)
Será essencialmente com este regime jurídico, de carácter legal e regulamentar, que iremos apreciar as diversas questões que se suscitam no presente recurso.

B2 – ELABORAÇÃO UNILATERAL DO REGULAMENTO DO CONDOMÍNIO
A primeira questão que se coloca neste âmbito é da possibilidade do único proprietário de um prédio validamente constituído em propriedade horizontal poder, em simultâneo com o respectivo título constitutivo (no caso dos autos, por vontade negocial e através de escritura pública – cf. artigos 1417.º e 1418.º, números 1 e 3 do Código Civil e certidões juntas a fls. 85 e seguintes e 200 e seguintes dos autos apensos de procedimento cautelar inominado) elaborar o Regulamento do respectivo condomínio (na hipótese vertente, dos dois condomínios), conforme ressalta de fls. 144 e seguintes (Lote 4.46) e 253 e seguintes (Lote 4.47).
Afigura-se-nos que não existem grandes divergências entre as partes (pelo menos, as mesmas não ressaltam das alegações e conclusões do recurso) quanto a essa possibilidade, o que bem se compreende face ao disposto no artigo 1418.º, número 2, alínea b), do Código Civil, quando estatui que “além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode ainda conter, designadamente: (…) b) Regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas”, convindo ainda referir, a propósito, o disposto no artigo 1429.º-A do mesmo texto legal (Regulamento do condomínio):
“1 - Havendo mais de quatro condóminos e caso não faça parte do título constitutivo, deve ser elaborado um regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a conservação das partes comuns.
2 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 1418º, a feitura do regulamento compete à assembleia de condóminos ou ao administrador, se aquela o não houver elaborado.”
Pensamos que as referências jurisprudenciais e doutrinárias inseridas nas conclusões do seu recurso pela Apelante sustentam de forma clara o que acabou de se explanar, muito embora tais posições estejam pensadas para a modificação do título constitutivo (artigo 1429.º do Código Civil, acima transcrito) e não para a sua criação (de qualquer forma, quem pode o mais, pode o menos, ou seja, a quem é legalmente possível alterar uma realidade anterior e já estabelecida, pode também proceder dessa mesma maneira relativamente ao próprio acto original e criador).
Nesse sentido vão, então, Pires de Lima e Antunes Varela, a propósito, precisamente, da anotação efectuada ao artigo 1419.º do Código Civil: "Se as várias fracções autónomas do imóvel pertencerem à mesma pessoa – porque nenhuma delas foi ainda alienada após a constituição do condomínio por acto unilateral do proprietário do imóvel, ou porque a pluralidade de condóminos deixou de existir em virtude da concentração de todas as fracções na titularidade de um só sujeito – a modificação poderá ser feita por declaração negocial do proprietário único." (cf. Código Civil Anotado, Volume III, página 414).
Também o Acórdão STJ de 10-02-1998 proferido em sede do Processo n.º 870/97 refere: "A validade do título modificativo da propriedade horizontal depende da verificação de três requisitos: primeiro, terá sempre de constar de escritura pública; segundo, exige-se o acordo de todos os condóminos (salvo se a um só sujeito pertencer a titularidade de todas as fracções, pois, então, a modificação poderá ser feita por declaração negocial do proprietário); e terceiro, a divisão do edifício continuará a obedecer às condições fixadas no art. 1415.º para a constituição da propriedade horizontal. (...)".
Pensamos que é quanto basta para dar uma resposta positiva à dúvida jurídica inicialmente suscitada.

B3 – INEFICÁCIA JURÍDICA DO ARTIGO 45.º DE AMBOS OS REGULAMENTOS
A sentença recorrida entendeu que tais regras dos regulamentos eram válidas mas ineficazes juridicamente face aos condóminos, por os mesmos, durante o processo de negociação e celebração dos respectivos contratos de compra e venda das suas fracções, não terem sido informados da existência dos ditos Regulamentos e, nessa medida, terem subscrito aqueles negócios jurídicos sem conhecerem o seu teor, com especial relevância para os mencionados artigos 45.º dos Regulamentos em questão.
Muito embora se compreenda a posição defendida na decisão judicial impugnada, que se radica, designadamente, na circunstância dos contratos de compra e venda não fazerem qualquer menção aos ditos Regulamentos, bem como na interpretação do disposto nos artigos 1419.º e 1424.º do Código Civil, acima reproduzidos, pensamos que importa reapreciar tais temáticas, não só em função das conclusões do recurso da Apelante como ainda pela necessidade de ponderar outros elementos de natureza fáctica e jurídica, que podem ser relevantes para o julgamento das mesmas.
Chegados aqui, debrucemo-nos então sobre esta segunda problemática, frisando desde já que, muito embora não estejamos, no quadro dos autos e ao contrário do que se afirma na decisão impugnada, face a uma situação de facto que requeira a aplicação do artigo 1419.º do Código Civil, que reproduzimos anteriormente, dado não nos acharmos, de acordo com a matéria de facto dada como assente, perante uma modificação posterior do título constitutivo da propriedade horizontal dos dois prédios dos autos, mas antes confrontados com a elaboração originária do acto fundador da mesma, a que se aplicam os artigos 1417.º e 1418.º do Código Civil, certo é que tal dispositivo legal (artigo 1419.º) revela-se crucial a uma correcta e integrada interpretação do regime jurídico em apreço.
Importa relembrar que os títulos constitutivos da propriedade horizontal dos autos inserem também, ao abrigo do artigo 1418.º, número 2, alínea b) do Código Civil, os dois Regulamentos em análise, verificando-se, por outro lado, que, tanto uns como outros se acham inscritos na correspondente Conservatória do Registo Predial, conforme ressalta das certidões emitidas por essa entidade e juntas, respectivamente, a fls. 318 a 324 e fls. 557 a 563 (aí se refere, ainda que telegraficamente: “Tem Regulamento do Condomínio”.)
Jorge Alberto Aragão Seia, em “Propriedade Horizontal – Condóminos e condomínios”, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, Março de 2002, páginas 49 e seguintes, defende o seguinte:
“Na alínea b) diz-se que o título pode ainda conter o regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas.
Também o regulamento do condomínio não tem de constar necessariamente do título Constitutivo, muito embora seja provável que uma grande parte dos interessados trate de definir preliminarmente o estatuto da sua pro­priedade. (…)
Se constar do título constitutivo, e este for submetido a registo predial, passa a ser oponível a terceiros – artigos 2.º, n.º 1, alínea b), e 5.º, n.º 1, do CRP. Caso o título não tenha sido registado o regulamento pode ser invocado entre as próprias partes ou seus herdeiros – n.º 1, do artigo 4.º.” (cf., no mesmo sentido, Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, 3.ª Edição, Outubro de 2006, página 83).
Os artigos 1.º (com interesse também para questão em análise), 2.º, número 1, alínea b) e 5.º, número 1 do Código de Registo Predial estatuem o seguinte:
(…) (cf., quanto ao conceito de terceiros, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/99, publicado em DR 159/99 SÉRIE I-A de 1999-07-10, com o qual, aliás, não concordamos, muito embora com uma relevância muito relativa no quadro dos autos)

Destinando-se o registo a dar publicidade – no fundo, conhecimento a qualquer interessado – acerca da situação de um dado imóvel (no caso dos autos, acerca dos termos da constituição em propriedade horizontal, ónus e encargos respeitantes às respectivas fracções e espaços comuns e demais condicionalismos a ela e ao condomínio respeitantes), afigura-se-nos que se torna difícil defender, nos moldes em que o faz a decisão impugnada, a ineficácia jurídica daqueles (com especial relevância para o artigo 45.º) relativamente a cada um dos actuais condóminos.
Pode-se argumentar que, habitualmente, as pessoas não se preocupam em consultar previamente o registo predial, por forma a informarem-se devidamente antes da concretização de qualquer negócio que envolva direitos sobre prédios, mas essa objecção colhe tanto como a relativa ao disposto no artigo 6.º do Código Civil (ignorância ou má interpretação da lei), pois, como é habitual dizer-se, o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém (na presente hipótese, a falta de consulta do registo predial não pode equivaler à falta de comunicação ou conhecimento da existência dos ditos Regulamentos).
Abílio Neto, obra citada, páginas 258 e seguintes afirma o seguinte: “A principal obrigação que decorre do próprio estatuto da propriedade horizontal para cada um dos condóminos é a de contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum (n.º 1 deste art. 1424.º). (…)
Vejamos, pois, qual o regime aplicável aos encargos de conservação e fruição comuns a todos os condóminos.
Em primeiro lugar, há que observar a estipulação das partes (1.ª parte do n.º 1 deste art. 1424.º): se o título constitutivo da propriedade horizontal ou o regulamento a ele anexo enunciarem regras especiais relativas à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesses comuns (art. 1418.º-2-b), são essas as aplicáveis, tanto mais que, depois de levadas ao registo predial, adquirem eficácia em relação a terceiros, abrangendo, assim, os adquirentes posteriores de quaisquer fracções, ainda que delas não tenham um conhecimento efectivo” (sublinhados nossos).
Logo, sendo tais Regulamentos juridicamente vinculativos para os actuais condóminos, independentemente destes conhecerem ou não o seu teor, através da oportuna leitura dos exemplares guardados na Conservatória do Registo Predial e tendo os mesmos assinado, nessas circunstâncias, os correspondentes contratos de compra e venda das suas fracções (numa aceitação tácita ou presumida do conteúdo daqueles documentos reguladores), pensamos que carece de fundamento a tese exposta na sentença judicial.
Sendo assim, muito embora sensíveis à posição expressa em tal decisão judicial recorrida (que poderíamos subscrever noutro circunstancialismo factual e jurídico), não pode colher, em nosso entender, a declarada ineficácia jurídica do artigo 45.º dos Regulamentos.

B4 – DA LEGALIDADE DO ARTIGO 45.º, NÚMERO 1, DOS REGULAMENTOS
Enquadrada juridicamente a questão, debrucemo-nos agora sobre os Regulamentos dos autos e o seu artigo 45.º, para recordar que o mesmo tem necessariamente de ser confrontado com o disposto no artigo 1424.º do Código Civil, acima transcrito, importando também quanto a ele precisar o seguinte: o número 1 deste último dispositivo legal define uma regra supletiva, que, segundo o próprio, pode ser afastada por disposição em contrário, abrindo, contudo, o número 2 do mesmo artigo uma excepção quanto à específica forma de afastamento naquele referida e com referência ao pagamento de serviços de interesse comum (e só quanto a estes), permitindo uma fixação igualitária entre os condóminos ou em função da respectiva fruição, desde que constante de disposição de Regulamento aprovada, sem oposição, por uma maioria representativa de 2/3 do total do prédio.
Quando se fala em disposição em contrário, quer-se dizer por acordo de todos os condóminos, assim se estabelecendo a necessária distinção entre uma e outra norma (neste sentido, Aragão Seia, obra citada, páginas 125 e 126 e Abílio Neto, obra indicada, páginas 259 e 260).
Por outro lado, apesar dessa permissão legal no sentido do afastamento da regra supletiva, certo é que os condóminos, fora das situações excepcionais previstas nos números 3 e 4 daquele mesmo dispositivo legal, têm a obrigação irrenunciável de comparticipar nos encargos decorrentes da conservação e fruição das partes comuns, bem como relativos ao pagamento de serviços de interesse comum, ou seja, não se podem escusar ou recusar o cumprimento desse dever jurídico, quer em termos totais como parciais (cf., por exemplo, para além do próprio artigo 1424.º, o disposto no artigo 1420.º, número 2 do Código Civil).
Não se nos afigura possível aos condóminos, quer colectivamente como individualmente, fora dos casos legalmente previstos, distribuir os encargos e despesas de tal maneira que alguns deles fiquem isentos ou só suportem, de maneira desequilibrada e/ou abusiva, algumas vertentes dos mesmos, dessa maneira moldando a seu belo prazer e conveniência tal dever, em desfavor, à custa e com sério prejuízo dos demais.
Sendo a propriedade horizontal e o correspondente condomínio realidades potencialmente conflituosas, de gestão e regulação muito complexas e com profundos reflexos de índole económica, social e urbanística (já para não mencionar os aspectos do foro privado dos donos ou utilizadores das fracções e espaços comuns, como os referentes às relações de vizinhança, familiares e pessoais), não é concebível que o legislador tivesse deixado na livre disponibilidade dos condóminos a definição de muitas das suas regras relativas à organização, funcionamento, administração, preservação e manutenção (tais como aquelas que se acham contempladas nos dispositivos legais cima mencionados).
Dir-se-á que a expressão “salvo disposição em contrário” dá cobertura a qualquer regra de repartição do pagamento dos encargos e despesas aí referenciados, assim validando a norma transitória contida no número 1 do artigo 45.º.
Existindo, “grosso modo”, duas realidades diversas abrangidas pela estatuição do número 1 do artigo 1424.º do Código Civil – “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum” –, é manifesta a distinção que o legislador faz entre ambas, pois relativamente ao primeiro conjunto de despesas, para efeitos de alteração da regra supletiva ali contemplada, exige a unanimidade dos condóminos ao passo que, com referência ao segundo e ao lado da regra da unanimidade, admite ainda uma maioria qualificada de 2/3, sem oposição, sendo certo que, ainda assim e para um tipo de encargos que não brigam directamente com a estrutura e manutenção do edifício, só permite que fiquem “a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação” (muito embora seja defensável uma interpretação diversa desse regime, alegando que a unanimidade permite tudo ao passo que a mencionada maioria qualificada, pela sua própria natureza, só consente o cenário ali previsto, afigura-se-nos como mais consentânea com o espírito e a letra dos preceitos em questão a leitura por nós efectuada dos mesmos).
Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, III Volume, 3.ª Edição, 1987, Coimbra Editora, pág. 431, em anotação ao artigo 1424.º: “Nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns devem incluir-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam, independentemente do montante a que, em cada caso ascendam. (…) A responsabilidade dos condóminos pelas despesas de conservação e fruição é uma responsabilidade ex lege e subsiste mesmo nos casos em que tais despesas tenham sido originadas por facto imputável apenas a um deles ou a terceiro.”
Abílio Neto, obra e local citados, diz: “Na falta de disposição negocial que regule especificamente a matéria, a regra supletiva aplicável, e que na prática é a mais comum, é a da proporcionalidade, em função do valor (percentagem ou permilagem) de cada fracção (2.ª parte do n.º 1 deste art. 1424.º, conjugado com a 2.ª parte do n.º 1 do art. 1418.º), fixado no título constitutivo da propriedade horizontal.
Trata-se de um critério objectivo, de aplicação fácil e directa, embora susceptível de conduzir a resultados eventualmente injustos ou injustificados, seja porque a fixação do valor relativo de cada fracção não foi feita de modo transparente ou assentou em critérios dissonantes da realidade, seja porque, na sua frieza, o critério da mera proporcionalidade é insensível a razões de equidade ou de correlação entre custo/benefício, pois não atende à regularidade ou à intensidade da utilização que cada condómino faz das partes comuns, submetendo a uma mesma e única bitola todos os utilizadores/pagadores.
Talvez por essa razão, o legislador não elevou a apontada regra a norma de interesse público, subtraindo-a à livre disponibilidade das partes, antes admitiu a sua modificação, embora com restrições.
Assim, por acordo de todos os condóminos, titulado por escrita pública (art. 1419.º), é possível modificar o título constitutivo, adoptando novos, e diferentes, critérios, seja para a repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, seja para o pagamento de serviços de interesse comum; os condóminos são livres para estabelecer as regras que tenham por mais adequadas, sem quaisquer restrições, contanto que haja unanimidade em torno da proposta aprovada e seja observado o requisito de forma imposto pelos n.ºs 1 e 2 do art. 1419.º. Discordamos, pois, da doutrina firmada nos Acórdãos STJ, tanto de 8.2.2001, que preteriu ou não atendeu à natureza real do estatuto do condomínio, ao declarar meramente anulável uma deliberação sobre a repartição das despesas de conserva­ção tomada com desrespeito do disposto no art. 1419.º, como no Acórdão de 24.2.2005, ao decidir ser "possível instituir, por acordo maioritário da assembleia de condóminos, um critério equitativo/proporcional de repartição de despesas distinto do da proporcionalidade (permilagem) do valor das respectivas fracções, quiçá em função da regularidade ou da intensidade da utilização das partes ou equipamentos comuns".
Se os condóminos não quiserem, ou não puderem, nomeadamente por não conseguirem obter a unanimidade indispensável à criação de um novo regime global para a repartição das despesas e encargos, podem, no entanto, ao abrigo do disposto no n.º 3 deste art. 1424.º, adoptar um regime diferente do da proporcionalidade, desde que circunscrito ao pagamento de serviços de interesse comum.
Para tanto, a respectiva deliberação deverá ser aprovada, sem oposição, por uma maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio, e só pode ser adoptado um de dois critérios: (a) ficar a cargo dos condóminos em partes iguais, ou (b) na proporção da respectiva fruição, mas, neste caso, terão de ser devidamente especificadas quais as despesas abrangidas, sempre dentro do perímetro das relativas ao pagamento de serviços de interesses comum, e terão, de igual modo, de ser justificados ou fundamentados os critérios que determinam a sua imputação. o que tudo deve ficar a constar da respectiva acta da assembleia, por forma a integrar o regulamento de condomínio.
É este o regime consagrado na lei, embora – convenhamos – talvez demasiado rígido e por isso merecedor de alguma flexibilização a introduzir pelo legislador.”
A Apelante, através do artigo 45.º dos Regulamentos veio, de uma forma unilateral, fixar um regime de repartição e comparticipação de despesas que, em nosso entender, afasta a sua responsabilidade com referência a grande parte daquelas respeitantes aos espaços e equipamento comuns que sirvam as fracções ainda não vendidas dos condomínios dos autos, resguardando a sua posição, em termos de gastos colectivos e fazendo desequilibrar consideravelmente a balança em desfavor dos actuais adquirentes das fracções (31) Enquanto o artigo quadragésimo quinto vigorar a maioria das despesas comuns são suportadas apenas pelos Autores (Resposta ao 4.º da Base Instrutória)].
Faça-se notar que o artigo 45.º dos Regulamentos do Condomínio não encontra razão de ser em qualquer uma das excepções previstas nos números 3 e 4 do artigo 1424.º, atento o seu carácter genérico, abrangente e objectivamente infundado.
Importa referir que a Ré, para além de vendedora dos edifícios, é também proprietária dos mesmos, em toda a extensão ainda não alienada a terceiros, funcionando aqui e enquanto possuir essa dupla qualidade, como condómino das fracções correspondentes (cf., neste preciso sentido o artigo 11.º dos Regulamentos elaborados de forma exclusiva e unilateral pela Apelante).
Não se deixa de estranhar a atitude da demandada nesta matéria – inspirada, fundamentalmente, numa visão economicista de curto prazo, apostada em rentabilizar ao máximo o seu investimento, o que passa por gastar o menos possível com o conjunto de fracções sua propriedade – quando o seu estatuto de vendedora desse património imobiliário lhe impõe um outro comportamento empresarial, através do necessário investimento na sua manutenção, conservação e criação de uma imagem apelativa e comercial (não constituirá uma desmotivação para potenciais compradores encontrar os espaços comuns sujos e desleixados, com elevadores avariados ou inactivos, lâmpadas fundidas, etc?), já para não falar da responsabilidade legal que lhe advêm das normas que regulam a empreitada/compra e venda de imóveis de longa duração, no que toca a vícios e defeitos da coisa – artigos 1225.º e 1218.º e seguintes do Código Civil).
A Apelante alega que nunca utiliza tais fracções e os respectivos espaços e equipamento comuns, mas a prova efectuada demonstra, por um lado, que tal não corresponde à verdade, como ressalta dos artigos 29) e 30) da factualidade dada como assente [29) A Ré utiliza de facto as partes comuns, nomeadamente para visitas no âmbito da sua actividade de alienação das fracções autónomas – (Resposta ao 2.º da Base Instrutória) e 30) A Ré utiliza as partes comuns para visitas às fracções não vendidas, passando por corredores nunca utilizados por outros condóminos, acende as luzes, nunca acesas por outros condóminos, e leva os elevadores a andares que os outros condóminos nunca levam - (Resposta ao 3.º da Base Instrutória)] como ainda porque o suporte de tais encargos e despesas não depende do uso efectivo dos espaços comuns e equipamentos mas somente da possibilidade da sua utilização, o que é, manifestamente, o caso dos autos, pois a Ré, enquanto for dona das fracções por vender, pode nelas fazer o que entender, com a correspondente utilização dos mencionados espaços, equipamento e serviços comuns. (cf., a respeito de alguns dos aspectos abordados, Abílio Neto, obra citada, páginas 258 e seguintes; Aragão Seia, obra citada, páginas 63 e 124 e seguintes, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1987, páginas 431 e seguintes; também alguma da jurisprudência referida por José António de França Pitão, “Propriedade Horizontal – Anotações ao artigo 1424.º do Código Civil”, Almedina, Abril de 2007, páginas 139 e seguintes).
Logo, a Ré, ao instituir a regra provisória do artigo 45.º, vem derrogar e violar intencionalmente as normas que se mostram contidas nos artigos 1420.º, número 2 e 1424.º do Código Civil e que espelham o princípio básico vigente nesta matéria: todos os condóminos devem arcar com o pagamento dos encargos e despesas comuns, sem prejuízo das excepções espacialmente contempladas no texto legal.
Nessa medida e atendendo ao disposto no artigo 280.º, número 1, do Código Civil, tais artigos 45.º dos Regulamentos tem de ser considerados nulos, por contrariarem norma imperativa.

B5 – LEGALIDADE DOS ARTIGOS 45.º, NÚMERO 2 E 46 DOS REGULAMENTOS
A regra contida no número 2 do artigo 45.º dos Regulamentos dos autos determina que a alteração do seu número 1 tem de contar sempre com o voto favorável da Ré, isto é sem prejuízo do estatuído no artigo 46.º dos mesmo documentos.
Pensamos que a análise desta matéria tem, inevitavelmente, de passar pela consideração de ambos os artigos, quer porque o primeiro remete para o segundo, como ainda e principalmente porque ambos procuram, ainda que por vias formalmente diferentes, alterar as normas que se encontram legalmente previstas para a votação dos aspectos constantes dos Regulamentos.
Sabendo-se que os Regulamentos dos autos integram os respectivos Títulos Constitutivos, a primeira dúvida que se pode suscitar, neste âmbito, é a seguinte: muito embora o regulamento do condomínio possa integrar, na sequência do estatuído nos artigos 1418.º, número 2, alínea b) e 1422.º-A do Código Civil, o título constitutivo da propriedade horizontal (“o título constitutivo pode ainda conter…”), será que assume, por esse simples facto, a natureza daquele (melhor dizendo, será que se lhe aplicam as restrições legalmente impostas aquele, como por exemplo as do artigo 1419.º do Código Civil)?
Esta matéria não é despicienda, pois, caso o Regulamento se embeba da natureza jurídica do título constitutivo, as suas normas só poderão ser alteradas por voto unânime de todos os condóminos e impõem-se a terceiros, desde que inscritas na Conservatória do Registo Predial, não podendo, por outro lado, ser consagradas regras regulamentares que contrariem, por exemplo, o regime imperativo do artigo 1419.º do Código Civil.
Aliás, as normas que estabelecem as diversas maiorias, para efeitos de votação das deliberações dos condóminos, consoante as matérias que são delas objecto, têm natureza imperativa, conforme refere Jorge Alberto Aragão Seia, em “Propriedade Horizontal – Condóminos e condomínios”, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, Março de 2002, página 175 (cf. também, a páginas 175 a 178, as diversas maiorias que são contempladas pelo texto legal): “As normas que fixam a maioria exigida para aprovação das deliberações não podem ser afastadas por vontade dos condóminos, nem por unanimidade, pois têm natureza imperativa”, referindo ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/04/1991, BMJ 406, 595 (Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, 3.ª Edição, Outubro de 2006, páginas 335 e seguintes e Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2002, páginas 174 e seguintes não o afirmam clara e expressamente, muito embora pareçam defender essa mesma ideia).
A ser assim e caso se subscreva, sem reservas, a regra da unanimidade contida no artigo 1419.º, número 1 do Código Civil, quer para o título constitutivo propriamente dito, quer para o Regulamento do Condomínio, quando naquele incluído, logo se poderá concluir pela nulidade do artigo 46.º dos Regulamentos dos autos, ao consagrar a regra da maioria qualificada de 2/3 em vez da dita unanimidade.
Afigura-se-nos, contudo, que esta equiparação entre o título constitutivo e o regulamento, muito embora possa recolher um aparente apoio – essencialmente literal – nos textos legais em análise, não corresponde à melhor interpretação dos mesmos, não só em função da específica razão de ser, conteúdo, função e finalidade de cada um desses instrumentos normativos da propriedade horizontal e do condomínio, como dos próprios interesses em presença.
Pensamos, em primeiro lugar, que o legislador estabelece uma clara diferenciação entre regulamento e título constitutivo, mesmo quando aquele formalmente integra este último, não sendo, nessa medida, o primeiro anulado, absorvido ou sequer esgotado pelo segundo nem sequer assumindo a sua natureza jurídica própria.
Aliás, como bem defende Sandra Passinhas, obra citada, página 70, nada obsta a que, cumulativamente com esse regulamento “constitutivo”, coexista um outro, aprovado em Assembleia de Condóminos ou elaborado pelo Administrador, que aborde matérias não abarcadas pelo primeiro.
Depois e por outro lado, mal se compreende que pelo facto de se achar inserido no título constitutivo, qualquer regra do regulamento, por mais secundária e pontual que seja tenha de estar sujeito ao princípio da escritura pública, unanimidade de condóminos e efeitos relativamente a terceiros, desde que registada, quando, se aí não for consagrada, já está subordinada a uma maioria simples ou mesmo qualificada, mas sempre diversa da unanimidade (em rigor, uma norma como a dos condóminos deverem fechar sempre a porta da garagem comum do condomínio quando a virem aberta, se estiver incluída em Regulamento constante de Título Constitutivo só pode ser modificada por acordo de todos, ao passo que uma norma como a da distribuição equitativa do pagamento dos serviços comuns pode sê-lo por 2/3 de todos os condóminos sem oposição, o que não deixa de ser um absurdo).
Os autores que defendem a equiparação entre ambas as realidades, quando o regulamento integra o título constitutivo, apercebem-se das dificuldades que a mesma acarreta para os condóminos e seus interesses, sugerindo o seguinte: “Esta faculdade deverá ser prudentemente usada, porquanto as posteriores alterações que haja necessidade de introduzir no regulamento, se ele constar do título constitutivo, só podem ser formalizadas através de escritura pública e havendo acordo de todos os condóminos (art. 1419.º). Parece, assim, preferível inserir no título constitutivo apenas algumas normas fundamentais relativas ao uso, fruição e conservação das partes comuns e/ou das fracções autónomas, relegando para a assembleia de condóminos a definição dos aspectos menos estáveis ou circunstanciais do regulamento (art. 1429.º-A)” (Abílio Neto, obra e local citados – um pouco no mesmo sentido, Aragão Seia, obra e local aludidos, nota 3 da página 50).
Muito embora a nossa lei não seja particularmente clara quanto às fronteiras materiais e formais entre título constitutivo e regulamento (admitindo-se mesmo a existência de uma zona cinzenta de contornos variáveis consoante o caso concreto), certo é que suporta ainda assim e de forma suficiente uma distinção entre ambos os instrumentos, nomeadamente, para efeitos do seu conteúdo e requisitos para a sua modificação posterior, como parece ressaltar do confronto entre, por um lado, o regime instituído, nomeadamente, pelos artigos 1418.º, números 1 e 3, 1419.º, 1420.º. 1421.º, 1422.º, 1422.º-A e 1424.º, números 1, 3 e 4 do Código Civil, para os aspectos constitutivos e estruturantes da propriedade parcelada das fracções autónomas e partilhada das partes comuns e, por outro, o estatuído, designadamente, nos artigos 1418.º, número 2, alínea b), 1424.º, número 2, 1429.º-A, 1433.º do Código Civil e 7.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 268/94 de 25/10, no que toca ao uso, fruição e conservação das partes comuns e funcionamento do condomínio.
Sandra Passinhas, obra e local citados, refere o seguinte, a este respeito:
“O título constitutivo é, em geral, uma declaração unilateral do pro­prietário, ou uma sentença do juiz, em que se exprime a vontade ou a deci­são de sujeitar o edifício ao regime da propriedade horizontal. No título constitutivo são estabelecidos os poderes dos condóminos sobre as fracções autónomas e sobre as partes comuns, sendo, assim, um acto modelador do estatuto da propriedade horizontal. A assembleia de condóminos e o admi­nistrador são os órgãos administrativos das partes comuns do edifício, em cujo âmbito de competências cabe a elaboração do regulamento do condo­mínio que discipline o uso, fruição e conservação das coisas comuns.
Quanto à modificabilidade, o regulamento contido no título consti­tutivo e, portanto, formalizado por escritura pública e sujeito a registo, nos termos do artigo 1419.º, n.º 1, só pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos. O regulamento aprovado pela assembleia ou elaborado pelo administrador é modificável por deliberação simples dos condóminos.
Só por si, esta é uma distinção formal entre duas realidades, que a nós não nos parece suficiente.
Vejamos, por exemplo, uma cláusula regulamentar com o seguinte conteúdo: "a piscina comum só pode ser utilizada entre as 8 e as 18 horas". Esta norma visa disciplinar o uso de uma parte comum do edifício. In­serida no título constitutivo, segundo o artigo 1419.º, n.º 1, esta cláusula regulamentar só pode ser modificada pela vontade unânime das partes. Mas, a mesma cláusula, se aprovada por deliberação tomada em assembleia de condóminos, é modificável por simples maioria (ainda que tenha sido aprovada por unanimidade). Duas cláusulas com o mesmo conteúdo pode­rão ter natureza diferente, consoante o acto em que estão inseridas? Terão os condóminos algum direito subjectivo, ou alguma expectativa digna de protecção legal, a que o horário da piscina não seja alterado, ou seja modificado apenas com o seu acordo, e através de acto formalizado por escritura pública? Direito ou expectativa que não terão se o horário for regulado por deliberação e, portanto, sujeito a modificação por simples maioria dos condóminos?
É necessário encontrarmos uma outra distinção, de cariz substancial, no âmbito do conteúdo do regulamento do condomínio. (…)
O artigo 1429.º-A refere-se ao regulamento do condomínio, propriamente dito, como aquele que disciplina o uso, fruição e conservação das partes comuns do edifício.
O regulamento pode incidir sobre a abertura e o fecho da porta da rua ou dispor regras sobre a utilização do elevador, por exemplo. Quanto a despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, o regulamento do condomínio, aprovado sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, pode dispor que tais despesas fiquem a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas quais são e justificados o critérios que determinam a sua imputação (cfr. artigo 1424.º, n.º 2). No termos do artigo 7.º do DL 268/94, o regulamento deve prever e regula o exercício das funções de administração na falta ou impedimento do administrador ou de quem a título provisório desempenhe as funções deste
As normas que incidam sobre este núcleo mínimo de matérias têm carácter regulamentar e podem ser alteradas pela maioria dos condóminos. São matérias que cabem na competência dos órgãos administrativos e que têm um poder decisório diminuto: não alteram a distribuição de poderes mas apenas disciplinam o exercício desses poderes pelos seus titulares A disciplina das partes comuns satisfaz necessidades que variam continuamente e, por isso, foi-lhe fixado um regime expedito de resolução, de deliberação maioritária em assembleia ou por decisão do administrador. Se o regulamento inserido no título constitutivo contiver cláusulas que disciplinem estas matérias, pode ser alterado, neste âmbito restrito, por maioria. Esta nossa opinião leva a uma interpretação restritiva do artigo 1419.º n.º 1: o regulamento do condomínio contido no título constitutivo pode ser alterado pela maioria prescrita na lei. Em sequência, pode ser alterado por maioria a deliberação que fixa o horário de utilização da piscina, ainda que contida no título constitutivo.
Por estar inserido no título constitutivo, o regulamento do condomínio não vê alterada a sua natureza. É a mesma realidade, qualquer que seja a sua fonte ou localização.”
Neste sentido parecem apontar, ainda que de uma forma meramente tendencial e indirecta, ao restringirem o âmbito do título constitutivo a determinadas realidades e temáticas, de índole radical, estruturante e mais estável, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/1998, em BMJ n.º 474, páginas 467 e seguintes e de 18/09/2003, em CJ – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo III, páginas 36 e seguintes, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6/11/1986, em CJ, Tomo V, págs. 204 e seguintes e sentença da 1.ª instância, do juiz Dr. Francisco António Lourenço, de 27/01/1979, em CJ, Tomo V, páginas 1362 e seguintes, todos citados por José António de França Pitão, “Propriedade Horizontal – Anotações aos artigos 1414.º a 1438.º-A do Código Civil”, Almedina, Abril de 2007, páginas 62 e seguintes.
Logo e em conclusão, o Regulamento inserido no Título Constitutivo da Propriedade Horizontal não estará sujeito, pelo menos em toda a sua extensão (admite-se que tal acontecerá no que concerne às normas que afectem o uso e a fruição das fracções autónomas), ao princípio da unanimidade e da escritura pública, podendo haver aspectos do mesmo (verdadeira grandeza e em regra, as disposições referentes aos espaços e serviços comuns) que podem ser modificadas através de Acta da Assembleia de Condóminos por simples maioria simples ou pelas maiorias qualificadas previstas legalmente.
Logo, e no que toca ao artigo 46.º dos Regulamentos dos autos, por se mostrar desconforme com o regime legal imperativo, em função das matérias por eles regidas (maiorias várias para a formação da vontade colectiva do condomínio), tal regra é nula, por violação de lei (artigos 280.º, número 1, 292.º e 295.º do Código Civil), sendo certo que sempre seria praticamente inútil no que toca às restantes situações, em que houvesse coincidência entre a norma dos 2/3 e o regime legal, por ser mera repetição deste último.
Também o artigo 45.º, número 2, muito embora sem aludir expressamente ao quórum constitutivo ou deliberativo gerais ou especiais (quanto a estas noções, ver Abílio Neto, obra citada, páginas 334 e seguintes), padece do mesmo vício, pois que, ao impor sempre o voto favorável da Apelante no que concerne ao estatuído no seu número 1, acaba por subverter as regras do “jogo eleitoral”, por permitir, dessa forma, que, independentemente da permilagem representada pela demandada (80% ou 1%), nunca sejam aprovadas deliberações que alterem o dito artigo 45.º, número 1, mesmo quando se alcance uma maioria legal e diversa da unanimidade (verdadeira grandeza, quanto aos encargos respeitantes aos serviços comuns – pense-se numa deliberação dessa natureza em que, apesar de obtidos 80% dos votos favoráveis, não pode produzir efeitos por a Ré, com os restantes 20%, não ter simplesmente comparecido na respectiva Assembleia de Condóminos, sendo ainda concebível deliberações de pormenor ou instrumentais das temáticas proibidas que, reclamando uma maioria simples, esbarram com esse obstáculo instituído pela própria beneficiária do mesmo!).
Sendo assim, também esse número 2 do artigo 45.º de ambos os Regulamentos é nulo, por violação de regime legal imperativo (artigos 280.º, número 1, 292.º e 295.º do Código Civil).

B6 – DO ABUSO DE DIREITO
Dir-se-á, todavia e ainda que não se concorde com o que se deixou acima defendido, que a estipulação do regime constante do artigo 45.º dos Regulamentos configura, sem grande margem para dúvidas e em nosso entender, uma situação de abuso de direito nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334.º do Código Civil, pois que, pelas razões explanadas anteriormente, a Ré, ao estabelecer as mencionadas regras, visou subtrair-se às suas obrigações de proprietária das fracções ainda não alienadas (e cujos encargos de manutenção e conservação até à sua venda terão sido, certamente, considerados em termos de custos impostos pelo investimento realizado), transferindo, quanto a elas, de uma forma unilateral, desproporcionada e abusivamente, a maior parte da sua responsabilidade e peso económico para os ombros e carteiras dos demais condóminos, que só representam, recorde-se, no respeitante ao Lote 4.46, 188,369 da permilagem do prédio – sendo que portanto a Ré se mantém titular de 811,631 do mesmo – e no respeitante ao Lote 4.47, 201,165 da permilagem do prédio, sendo que portanto a Ré se mantém titular de 798,835 do mesmo (Ponto 14 da Factualidade Assente).
O artigo 334.º do Código Civil estatui que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Ora, a Ré, em momento prévio à comercialização das fracções e quando era o único dono das mesmas, a coberto do exercício de um direito legalmente reconhecido, ao elaborar, em simultâneo com o título da constituição da propriedade horizontal, Regulamentos de Condomínio onde se permitiu escusar ao pagamento de muitas das despesas relativas à conservação e fruição dos espaços comuns e aos encargos com os serviços de interesse comum, na parte concernente às suas fracções e correspondente percentagem, ao mesmo tempo que impunha a sua liquidação aos demais condóminos, de uma forma autoritária, excessiva e prejudicial aos seus interesses, excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé negocial, bem como o fim económico e social do correspondente direito.
Esse cenário abusivo sai reforçado pelas restrições à formação da vontade colectiva do condomínio, com especial relevância para o número 2 do artigo 45.º, ao vedar qualquer alteração que não contasse com o voto favorável da Ré, independentemente da sua representatividade (permilagem).
Tal abuso de direito, no caso em análise, implica também e em nossa opinião a nulidade do respectivo artigo 45.º dos Regulamentos, que é um dos possíveis efeitos jurídicos desse instituto, conforme é referido por Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, I Volume, 3.ª Edição, 1982, Coimbra Editora, págs. 296 e seguintes, em anotação ao artigo 334.º: “6. A ilegitimidade do abuso de direito tem as consequências de todo o cato ilegítimo: pode dar lugar à obrigação de indemnizar; à nulidade, nos termos gerais do artigo 294.º; à legitimidade de oposição; ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade”.

B7 – APLICAÇÃO DO ARTIGO 20.º DOS REGULAMENTOS
Face à nulidade do artigo 45.º dos Regulamentos, impõe-se a aplicação em toda a sua extensão do disposto no artigo 20.º dos mesmos documentos regulamentares, sem prejuízo do regime imperativo ou supletivo constante da legislação aplicável, que tenha eventualmente de ser chamado à colação.

IV – DECISÃO
Por todo o exposto e tendo em conta o artigo 713.º do Código do Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso de apelação interposto por IMOBILIÁRIA, LDA., mas, apesar da revogação da sentença final proferida pelo tribunal da 1.ª instância, declarar, ainda assim e em termos oficiosos, a nulidade dos artigos 45.º dos Regulamentos de Condomínio dos autos.
Custas da acção e do recurso pela Apelante.
Notifique e Registe.
Lisboa, 5 de Março de 2009
(José Eduardo Sapateiro)
(Teresa Soares)
(Rosa Barroso)