Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32928/07.1YYLSB-A.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
DEPÓSITO DA RENDA
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1-A resolução do contrato de arrendamento não fica sem efeito, nos termos do art 1084º/3 CC, se o arrendatário, não obstante ter depositado na Caixa Geral de Depósitos as rendas em divida e a indemnização devida pela mora, ao invés de colocar tal depósito «à ordem do tribunal da situação do prédio», como o determina o art 18º/3 do NRAU, o tiver colocado à ordem do tribunal a que havia sido distribuída a notificação judicial avulsa de que o senhorio se tinha utilizado para fazer cessar o arrendamento (arts 1084º/1 e o nº 7 do art 9º do NRAU) e, após, não tiver dado conhecimento desse depósito ao senhorio, como haveria de ter feito nos termos do art 19º/1 RAU.
2-A expressão “pôr fim à mora”, utilizada no nº 3 do art. 1084º CC, há-de interpretar-se de acordo com o conteúdo do art. 1042º e portanto, concluir-se, que o arrendatário para pôr fim à mora tem que oferecer – o que implica comunicar - ao locador o pagamento das rendas em atraso, bem como a indemnização fixada art. 1041º.
4-Interposta pelo senhorio execução para entrega de coisa certa nos termos do art 15º/1 al e) NRAU, se o arrendatário, na qualidade de oponente, depositar as somas devidas e a indemnização referida no nº1 do art. 1041º, resulta do art. 1048º/1 CC que faz caducar o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda.
5- Não obstante muita doutrina vedar ao inquilino na situação referida a possibilidade de se servir do mecanismo constante do referido art. 1048º/3, não vê este tribunal que essa possibilidade lhe possa ser coarctada.
6- Desde sempre existiu essa forma de fazer caducar o direito de resolução por falta de pagamento de rendas. Motivo por que, se os mecanismos de defesa do arrendatário que se coloque em mora quanto ao pagamento destas, se configuram no NRAU como muitos e repetidos, dificultando a cessação do contrato e implicando para o senhorio – que vai tendo de viver sem o pagamento pontual das rendas - a insegurança de não saber nunca “se é desta vez” que consegue a resolução do contrato, o defeito estará mais no excesso de “períodos de graça de três meses” do que neste derradeiro meio de o inquilino fazer sobreviver a relação locatícia. Onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir.
7-Se o inquilino pode o mais - pagar, depositar, ou consignar em depósito as somas devidas e a indemnização referida no nº 1 do art. 1041º até ao termo da oposição à execução para fazer caducar o direito à resolução do contrato - poderá o menos, aqui correspondente à invocação nessa oposição, do depósito das rendas e da indemnização devida feito meses antes, como o fez o aqui apelante.
8- Pelo que se há-de entender que caducou o direito à resolução do contrato e que por isso a execução não deverá prosseguir; não, porém, sem a consequência do executado dever ser condenado nas custas da execução porque a ela deu manifestamente causa.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Na execução para entrega de coisa certa que “A – Compra e Venda de Bens Imóveis, Lda”, instaurou contra “B”, fazendo-o ao abrigo da alínea e) do artigo 15º do NRAU, veio este deduzir oposição pugnando pela extinção da execução.
Alega que tendo sido notificado em 25/7/2007, mediante notificação judicial avulsa, da resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas vencidas entre Novembro de 2006 e Junho de 2007, procedeu de imediato ao depósito autónomo, na Caixa Geral de Depósitos, da quantia de € 813,46, correspondente à indemnização de 50% das rendas dos meses de Dezembro de 2006 a Julho de 2007 e à totalidade da renda, acrescida da indemnização de 50%, relativa ao mês de Agosto de 2007, depósito efectuado nos termos do art 17º e ss do NRAU e, considerando que a notificação avulsa tem efeito equivalente à acção baseada em falta de pagamento da renda, juntou ao processo da referida notificação, esses comprovativos de depósito, nos termos do nº 2 do art 19º do NRAU. Conclui que Pôs termo à mora pelo pagamento pelo que a execução deverá ser julgada extinta.
A exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição, invocando que a  notificação judicial avulsa não constitui um processo judicial, nem admite oposição, nem a prática de qualquer acto processual, acrescendo que nunca teve conhecimento de qualquer depósito autónomo, sendo que a renda deve ser paga ao senhorio só sendo admissível consignação se tal se mostrar impossível, o que não foi o caso, pelo que o  depósito efectuado não se mostra liberatório. Conclui que no caso de se vir a entender como subsistente o depósito, deverão então as custas da execução ser suportadas pelo executado.

Foi designado dia para a realização de uma tentativa de conciliação, a qual não foi conseguida.
Entendendo-se que o estado dos autos permitia o conhecimento imediato do pedido, saneado o processo, foi aquele apreciado, declarando-se improcedente a oposição à execução e determinando-se a prossecução da mesma.

            II - Do assim decidido apelou o R., que concluiu as respectivas alegações, nos seguintes termos:
            1- De acordo com o nº 1 do art. 17º do NRAU o arrendatário pode proceder ao  depósito da renda quando lhe seja permitido fazer cessar a mora, o que sucedeu no caso em   apreço.
2-  Nesta situação não se pressupõe a existência de uma acção de despejo, pois tal  situação é outra e diversa em que o arrendatário pode proceder ao depósito da renda.
3. O depósito de rendas e legais acréscimos pode obstar ao despejo e fazer cessar a mora feito pelo recorrente é válido e eficaz.
4. Tal depósito tem relevância jurídica à luz da norma ao abrigo da qual foi  efectuado e produz o efeito de ter feito cessar a mora do executado, aqui opoente.
5. Por força do nº 1 do art. 19º do NRAU o arrendatário deve comunicar ao senhorio o depósito da renda.
6. Mas a lei não estabelece qualquer cominação para a omissão de tal comunicação, nem a mesma é obrigatória.
7. A sua omissão apenas faz incorrer o executado nas custas do processo a que deu causa ou no dever de indemnizar o senhorio pelos prejuízos que, para aquele, tenham decorrido de tal omissão do dever de comunicação.
8. Assim e sendo o depósito válido e eficaz a oposição deveria ter sido julgada procedente.
9. A douta decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação do nº 1 do art. 17º e nº 1 do art. 19º, ambos do NRAU.

Não foram oferecidas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III - Foram dados como provados na 1ª instância os seguintes factos :
            1- Por notificação judicial avulsa, efectuada em 23/7/2007, a exequente notificou o opoente «ser sua intenção resolver o contrato e despejar o inquilino com base na falta de pagamento de renda, nos termos do NRAU».
2- A notificação judicial avulsa acima referida foi averbada à 3ª secção, do 4º Juízo.
3- Em 6/8/2007 o opoente procedeu ao depósito, na Caixa Geral de Depósitos, da quantia de € 813,46, «à ordem do Juiz de Direito do 4º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, 3ª Secção, P. 2227/07.5TJLSB, correspondente à renda do mês de Agosto de 2007, vencida em 01.07.2007 e à indemnização pela mora do pagamento das rendas dos meses de Dezembro de 2006 a Agosto de 2007, nos termos do artigo 17º do NRAU, a fim de pôr termo à mora no pagamento da renda».
4- Encontra-se junto aos autos a fls. 9, um requerimento dirigido ao Juiz de Direito do 4º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, 3ª Secção, P. 2227/07.5TJLSB, no qual, o executado, referindo ter efectuado o depósito bancário referido no n.º 3, requer a extinção do procedimento.

A esses factos acrescenta-se:
5- À data da notificação judicial avulsa referida em 1., entrada em tribunal em 17/7/2007, mostrava-se vigente contrato de arrendamento relativo ao 3º dto do nº … das …, na freguesia do …  em Lisboa, sendo senhorio a exequente “A – Compra e Venda de Bens Imóveis, Lda”, e inquilino o executado  “B”, sendo o montante da renda devida o de € 147,90 mensais.
6- O executado não liquidou a renda em Novembro de 2006 referente a Dezembro desse ano.
7- O mesmo sucedendo nos meses seguintes: Dezembro de 2006, referente a Janeiro de 2007; Janeiro de 2007, referente a Fevereiro de 2007; Fevereiro de 2007, referente a Março de 2007; Março de 2007, referente a Abril de 2007.
8 - Em 11/4/2007 o executado depositou o equivalente a seis meses de renda mas em singelo.
9-  Em Maio de 2007 não pagou a renda referente a Junho.
10- Apenas em 26/6 depositou as rendas referentes a Junho e Julho, de novo, em singelo.

IV – Está em questão saber se, ao contrário do que foi entendido na 1ª instância, a circunstância de o apelante/inquilino não ter dado conhecimento ao apelado/senhorio do depósito que efectuou das rendas em dívida e da indemnização devida (depois que foi notificado, através de notificação judicial avulsa, de que aquele pretendia fazer cessar o contrato de arrendamento entre eles vigente, em virtude da falta atempada do pagamento de rendas), não impede a cessação da mora decorrente desse depósito; quando se entenda em consonância com a 1ª instância, isto é, no sentido de que o desconhecimento do senhorio da existência do depósito impede a cessação da mora, haverá ainda que saber se a invocação de tal depósito na oposição à execução faz caducar o fundamento resolutivo em apreço.

Que houve falta de pagamento atempado das rendas, mostra-se assente: o apelante não pagou a renda de Dezembro de 2006 e as de Janeiro a Abril de 2007,  até ao 8º dia subsequente àquele em que as mesmas eram devidas,  e só depositou – em singelo – os montantes correspondentes a essa rendas em 11/4/07. E de novo em Maio de 07 se constituiu em mora relativamente ao pagamento da renda referente a Junho desse ano, e apenas em 26/6, e já em mora relativamente à renda de Julho, pagou o correspondente a essas rendas, mas, de novo, em singelo.       

Com efeito, o arrendatário considera-se constituído em mora, quando por causa que lhe seja imputável, não paga a renda no tempo devido (art 804º/2).
 A obrigação de pagamento de renda tem prazo certo – art 805º/2 al a) CC – sendo o tempo de pagamento da renda aquele que foi acordado pelas partes – art 1039º/1 CC.
E na falta de convenção entre as partes, se a renda corresponder a uma prestação periódica mensal, a primeira vence-se no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito – art 1075º/2.

Constituindo-se o arrendatário em mora quanto ao pagamento da renda é-lhe permitido fazê-la cessar no prazo de 8 dias a contar do seu começo, nos termos do art 1041º/2 CC.
Trata-se este de um prazo de moratória já tradicional, podendo dizer-se que a mora até esse oitavo dia se tem como juridicamente irrelevante, pois que o inquilino a pode purgar pagando apenas a renda em singelo sem qualquer indemnização [1].
A partir do nono dia após o do vencimento da renda[2], a mora passa a ser juridicamente relevante, e em dois sentidos: no sentido de que para a sua purgação o arrendatário tem de lhe fazer acrescer uma indemnização igual a metade do valor da renda – art 1041º/; e no sentido de que passa a poder vir a constituir fundamento para a cessação do contrato de arrendamento.
No entanto, o senhorio tem que optar, ou pelo recebimento da indemnização, ou pela cessação do contrato, pois que, caso opte por proceder à resolução do arrendamento, não tem direito à referida indemnização, como decorre da parte final do nº 1 do art 1041º CC. [3]

Na situação dos autos o inquilino, aqui apelante, não purgou a mora, nem em 11/4/2007 quando depositou o equivalente às rendas de Dezembro de 2006 e de Janeiro a Abril de 2007, e tão pouco em Julho, quando depositou a renda de Junho e de Julho, já que, de uma e outra vez, o fez em singelo, sem a referida indemnização de 50% do valor de cada renda.
 
Ao que parece, e, não obstante, o senhorio continuou a receber as rendas subsequentes, o que, nos termos do art 1041º/4 CC não o privou do direito à resolução do contrato (querendo optar por ela) ou à indemnização de 50% de cada renda em mora (caso preferisse optar por esta).  [4]

O senhorio decidiu-se, porém, pela resolução do contrato, certo como é, que, atento o referido procedimento do inquilino se lhe tornou inexigível a manutenção do arrendamento nos termos do art 1083º/3 do CC, onde se dispõe ser «inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda (…) ».
Esta disposição – nº 3 do referido art 1083º-  constitui tipificação de um dos casos em que, sem que se admita prova em contrário por parte do arrendatário, se torna inexigível para o senhorio a manutenção do arrendamento. [5]

Para fazer cessar o arrendamento o apelado senhorio, em obediência ao disposto no art 1084º/1, fez operar tal cessação por comunicação à contraparte [6], utilizando, entre as possíveis formas de comunicação a que se refere  o nº 7 do art 9º do NRAU, a  notificação judicial avulsa que, tendo feito entrar em juízo em 17/7/2007, foi distribuída ao 4º Juízo 3ª Secção  da Comarca de Lisboa, nela tendo obtido a notificação do aqui apelante  em 23/7/2007.

Dispõe o nº 3 do art 1084º que «a resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, fica sem efeito  se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses», o que significa que o aqui  apelante dispunha do prazo de 3 meses, contados a partir de 23/7/07, para, querendo, «pôr fim à mora».[7]

Parece que sem o decurso desses três meses não poderá o senhorio, ainda que munido de certidão da comunicação a que se reporta o referido nº 1 do art 1084º CC  e do contrato de arrendamento, intentar execução para entrega de coisa certa, nos termos do art 15º/1 al e) NRAU, pois que só no fim do decurso desse prazo se consolidará o fundamento executivo em questão, a que se há-de somar ainda, como é óbvio,  a circunstância de o inquilino não ter deixado o locado.[8]

Ora o aqui apelante no referido prazo de três meses – pois que o fez em 6/8/2007 -  procedeu ao depósito, na Caixa Geral de Depósitos, da quantia de € 813,46, «à ordem do Juiz de Direito do 4º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, 3ª Secção, P. 2227/07.5TJLSB, correspondente à renda do mês de Agosto de 2007, vencida em 01/07/2007 e à indemnização pela mora do pagamento das rendas dos meses de Dezembro de 2006 a Agosto de 2007, nos termos do artigo 17º do NRAU, a fim de pôr termo à mora no pagamento da renda».

È certo que, ao invés de colocar tal depósito «à ordem do tribunal da situação do prédio», como o determina o art 18º/3 do NRAU  («o depósito fica à ordem do tribunal da situação do prédio ou, quando efectuado na pendência de processo judicial, do respectivo tribunal») colocou-o «à ordem do Juiz de Direito do 4º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, 3ª Secção, P. 2227/07.5TJLSB» assim procedendo, no entendimento de que a notificação judicial avulsa - que como acima se referiu foi distribuída ao 4º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, 3ª Secção, correspondendo-lhe o nº de Proc 2227/07.5TJLSB – constituía um processo judicial.
Entendimento errado, uma vez que – e, aliás, como o apelante o reconhece no recurso – a notificação judicial avulsa não é um processo judicial, não admite «oposição alguma» e «os direitos respectivos só podem fazer-se valer nas acções competentes», como o refere muito claramente o nº 1 do art 262º CPC.
O que significa que, finda, logo que se mostre esgotado o seu objectivo, que é o de tão somente transmitir uma declaração de vontade ou de ciência ao destinatário, munindo o requerente da prova indiscutível do acto de ter dado conhecimento dessa declaração e da sua efectiva transmissão quando se consiga a notificação.        
O processo judicial a que o referido art 18º/3 NRAU se refere, será a acção de despejo, ou a acção de execução para entrega de coisa certa, ou para pagamento de quantia de coisa certa.
 
É certo que se mostra junto aos autos um requerimento dirigido ao Juiz de Direito do 4º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, 3ª Secção, P. 2227/07.5TJLSB, no qual, o aqui apelante, referindo ter efectuado o depósito bancário atrás referido, requer a extinção do procedimento.
Porém, não tendo sido junta certidão desse requerimento, desconhece-se na verdade se o apelante chegou a dar entrada ao mesmo em tribunal por referência ao dito “P 227/07.5TJLSB”, e na positiva, se obteve alguma resposta daquele 4º Juízo 3ª Secção.

Uma coisa é segura, e é dela que temos de partir: o apelado/senhorio não chegou a ter conhecimento do depósito em causa, senão  com a oposição à execução.

Ora, sempre que o depósito seja feito sem estar pendente qualquer acção de despejo, ou processo executivo – e portanto, nos termos expostos, tenha ficado à ordem do tribunal da situação do prédio – o arrendatário «deve» comunicar ao senhorio o depósito da renda, cfr art 19º/1  do NRAU.
 Não tem que o fazer, naturalmente, quando o depósito seja feito na pendência de processo judicial, pois aí a junção do duplicado ou duplicados das guias do depósito «à contestação ou figura processual a ela equivalente, produz os efeitos da comunicação» – art 19º/ 2
Ora, como resulta do acima já expendido, a notificação judicial avulsa, porque «não permite qualquer oposição», nem tem sequer qualquer espécie de sequência processual, não poderia inserir-se nesta «figura processual equivalente à contestação».
O apelante deveria ter dado conhecimento ao apelado de que procedera ao referido depósito, e, porque a lei não impõe qualquer forma para o fazer, poderia tê-lo feito através de qualquer meio ao seu alcance, em que sobressai, como é hábito nestas circunstâncias, a carta registada com aviso de recepção acompanhada da cópia do respectivo duplicado.

E estamos finalmente chegados ao cerne da questão em recurso.
Tendo o senhorio aqui apelado aguardado os três meses após a notificação judicial avulsa do apelante, durante os quais não teve conhecimento de que o mesmo fizera cessar a mora com o pagamento e o depósito da indemnização devida, e não tendo este desocupado o imóvel, intentou a presente execução para entrega de cosia certa ao abrigo da (1ª parte)  da al e) do nº 1 do art 15º do NRAU.
Na qual o executado se defendeu na oposição alegando que tinha posto fim à mora nos termos já referidos.
 
Está pois em questão, como atrás se referiu, e agora se refere com maior precisão, saber quais as consequências da falta de comunicação ao senhorio do depósito da renda, em face do disposto no art 19º/1 do NRAU, ou/e, de um modo mais geral, saber qual o alcance da possibilidade que o art 1048º /2 CC confere ao executado para, até ao termo do prazo da oposição à execução, fazer caducar o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda com o depósito, ou a consignação em depósito das somas devidas e a indemnização referida no nº1 do art 1041º.  

Como é sabido no âmbito do RAU, o art 24º dispunha expressamente que «a notificação, ao senhorio, do depósito da renda é facultativa».
O disposto no então nº 1 do art 1042º CC - «se o locatário depositar as rendas ou alugueres em atraso, bem como a indemnização fixada no nº 1 do artigo anterior, quando devida, e requerer dentro de cinco dias a notificação judicial do depósito ao locador, presume-se que lhe ofereceu o pagamento respectivo, pondo fim à mora, e que este o recusou» - permitia concluir que a notificação (judicial) ao senhorio lhe dava a ampla vantagem de implicar a presunção da inversão da mora.

Hoje o  nº 1 do art 19º NRAU refere que «o arrendatário deve comunicar ao senhorio o depósito da renda».

Mas a questão atrás colocada e que importa resolver no recurso – se a falta de comunicação ao senhorio do depósito efectuado impede a cessação da mora – parece ter  actualmente no NRAU uma resposta directa e independente do conteúdo que se possa dar ao verbo “dever” utilizado no referido nº 1 do art 19º NRAU.
Com efeito, diz-se no actual art 1042º CC, que tem, justamente, como epígrafe “cessação da mora”: «O locatário põe fim à mora oferecendo ao locador o pagamento das rendas ou alugueres em atraso, bem como a indemnização fixada no nº1 do artigo anterior».
A oferta do pagamento ao senhorio das importâncias devidas é um dos requisitos para o arrendatário pôr fim à mora, como resulta sem qualquer margem para dúvidas do art 1042º/1, pois que, não há «oferta» sem comunicação …
E é «Perante a recusa do locador em receber as correspondentes importâncias, (que) pode o locatário recorrer à consignação em deposito», como refere o nº 2 desse art 1042º,  a que o mesmo procederá nos termos do art 17º/1 NRAU [9].

Assim, a utilização no nº 3 do art 1084º da expressão “pôr fim à mora” - «puser fim à mora» -  há-de interpretar-se de acordo com o conteúdo do referido art 1042º e, portanto, concluir-se, que «a resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses – para o que o mesmo haverá que oferecer  ao locador o pagamento das rendas em atraso, bem como a indemnização fixada art 1041º.

Do que se veio de dizer resulta que o apelante, pese embora tenha procedido  ao depósito, na Caixa Geral de Depósitos, da quantia de € 813,46, correspondente à renda do mês de Agosto de 2007, vencida em 01.07.2007, e à indemnização pela mora do pagamento das rendas dos meses de Dezembro de 2006 a Agosto de 2007, não pôs fim à mora porque não comunicou ao senhorio a existência desse depósito.
 

Assim, no caso dos autos, visto que o arrendatário, no prazo de três meses subsequente à comunicação pelo senhorio da cessação do arrendamento, não fez cessar a mora, “oferecendo ao senhorio as importâncias devidas”, o contrato de arrendamento extinguiu-se por resolução.
 
Refere Gravato Morais [10] que  « (…) decorre de uma interpretação a contrario sensu do art 1084º/3 CC que a resolução do contrato … (produz efeitos) se o arrendatário (não) puser fim à mora no prazo de três meses»;  ou, «o efeito do decurso do prazo (dos três meses) sem o pagamento dos valores devidos, é o da extinção do contrato por resolução, sem necessidade de qualquer declaração ulterior» [11]

No entanto, a resolução do contrato não torna imediatamente exigível a desocupação do locado e a sua entrega.
Com efeito, nos termos do art 1087º CC, «a desocupação do locado (…) é exigível no final de terceiro mês seguinte à resolução»,  ressalvando-se na parte final do preceito situações em que por decisão judicial possa ter sido fixado outro prazo ou em que convencionalmente possa ter sido acordada outra data.

Para Gravato Morais, não obstante o contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas só se extinguir por resolução no fim do acima referido terceiro mês, o prazo para a exigibilidade da desocupação começa a contar da data da realização da comunicação resolutiva, e não apenas depois de decorrido esse prazo de três meses sem que o locatário tenha posto fim à mora. Será a partir da data da efectuação da comunicação de resolução do contrato que se deverá contar o prazo para a desocupação . Refere concretamente: «Em razão da dupla dilação que já favorece o inquilino, não parece razoável estender-se o prazo por novo período de três meses [12]. »
O mesmo entendimento tem Pinto Furtado[13] que refere: «Também agora a entrada em juízo da execução para entrega de coisa certa, após a comunicação da resolução, não tem de esperar por que decorra o trimestre  e se chegue ao último dia do seu derradeiro mês, mas pode ser feita imediatamente, só se procedendo nesse caso, à efectiva desocupação após o instante definido no novo art 1087º CC se porventura, o processo executivo miraculosamente findar antes disso»

Uma vez interposta pelo senhorio a execução para entrega de coisa certa nos termos do art 15º/1 al e)  NRAU, resulta – pelo menos, literalmente, do art 1048º/1 CC -  que o arrendatário, na qualidade de oponente, pode fazer caducar o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda se «até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa, ou para a oposição à execução destinadas a fazer valer esse direito, pague, deposite, ou consigne em deposito as somas devidas e a indemnização referida no nº1 do art 1041º».  

Não é, no entanto, pacífica na doutrina, a aplicabilidade deste conteúdo a todas as situações de oposição à execução.

 Cunha de Sá e Leonor Coutinho[14] entendem que o locatário não poderá lançar mão do expediente que lhe é facultado pelos arts 1048º/1 e 1048º/3 CC, embora, na verdade, não forneçam razões para tal restrição.
Ao contrário [15] Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge, entendem que se mostra possível tal via, «em razão do locatário se aperceber somente da gravidade da situação quando é confrontado com a acção judicial (aqui executiva) e ainda em virtude de o senhorio ser muito tolerante, na maior parte dos casos em relação ao atraso do inquilino» [16] .
Já Gravato Morais entende que «em sede de oposição à execução, ao inquilino não é possível socorrer-se do regime favorável que desperdiçou anteriormente. Queremos com isso afirmar que até ao termo do prazo que tem para contestar não pode, pagando as rendas em atraso, e a indemnização correspondente, fazer caducar o direito de resolução. Embora literalmente a lei o admita, no art 1048º/1 NRAU, ao arrendatário não é legitimo beneficiar duas vezes da mesma prerrogativa, até porque a finalidade da lei vigente é de agilizar e tornar célere este mecanismo. Seria uma incoerência legal absolutamente inadmissível se tal fosse viável» .[17]
Como o informa Gravato Morais, tem igual opinião David Magalhães que afirma que «constituiria uma duplicação de benefícios poder pôr termo ao direito de resolução nos termos do art 1048º/3 e consagrar essa hipótese de novo no âmbito da acção executiva para entrega de imóvel arrendado». E acrescenta que «toda a lógica subjacente à consagração da resolução extrajudicial sairia prejudicada: tendo o legislador estabelecido nessa sede um mecanismo próprio para obstar à resolução… faria pouco sentido que depois do contrato estar extinto…se permitisse a sua ressurreição».
Afirma ainda Gravato Morais [18] que «o senhorio veria todo o percurso seguido e gravaso do seu ponto de vista, tantos são os ónus e delongas, esbater-se. O arrendatário, por seu turno, veria premiado o incumprimento duradouro a que se vetou, para obter a vantagem a final»; e, de tal modo lhe parece repugnar a aceitação da possibilidade em análise, que conclui que «tal possibilidade atribuída ao arrendatário sempre constituiria abuso do direito de fazer caducar o direito de resolução na modalidade de venire contra factum proprium».
E quanto ao espaço de aplicabilidade do art 1048º/1 CC especificamente em sede de oposição à execução, refere que «há que o encontrar – caso exista - num outro lugar» [19].

Não obstante a existência de vozes tão autorizadas no sentido de vedar ao inquilino na situação referida a possibilidade de se servir do mecanismo constante do referido art 1048º/3, não vê este tribunal que essa possibilidade lhe possa ser coarctada.
Desde sempre existiu essa forma de fazer caducar o direito de resolução por falta de pagamento de rendas. Motivo por que, se os mecanismos de defesa do arrendatário que se coloque em mora quanto ao pagamento destas, se configuram no NRAU como muitos e repetidos, dificultando a cessação do contrato e implicando  para o senhorio – que vai tendo de viver sem o pagamento pontual das rendas -  a insegurança  de não saber nunca “se é desta vez” que consegue a resolução do contrato, o defeito estará mais no excesso de “períodos de graça de três meses[20] do que neste derradeiro meio de o inquilino fazer sobreviver a relação locatícia. 
Onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir.
Ora, nem do apontado nº 3 do art 1048º/3 resultam restrições quanto à aplicabilidade do seu conteúdo, nem se vê que estas resultem do regime estabelecido no NRAU.
Por isso, e em última análise, concorda-se  com o Ac RL de 31/3/2011 [21] quando nele se diz que «apesar do art 1084º CC no seu nº 3 conter uma condição de ineficácia da resolução (que o arrendatário ponha fim à mora no prazo de três meses) esta oportunidade ou possibilidade para o arrendatário não se esgota com o decurso do assinalado prazo de três meses. È que o art 1048º CC concede-lhe, expressamente, uma segunda oportunidade de fazer caducar o direito à resolução do contrato, consistente em efectuar o depósito ou pagamento até ao termo do prazo para oposição à execução». E conclui-se, como o faz o referido acórdão: «E, assim não se curando nem nos competindo saber das razões que levaram o legislador a consentir esta segunda oportunidade de pôr fim à mora, entende-se que o arrendatário pode, ainda fazer cessar a mora, no âmbito de execução para entrega de coisa certa, até ao termo para deduzir oposição».

Se pode o mais - pagar, depositar, ou consignar em depósito as somas devidas e a indemnização referida no nº1 do art 1041º até ao termo da oposição à execução para fazer caducar o direito à resolução do contrato - poderá o menos, aqui correspondente à invocação nessa oposição, do depósito das rendas e da indemnização devida feito meses antes, como o fez o aqui apelante.

Pelo que a apelação deverá proceder, entendendo-se que caducou o direito à resolução do contrato e que por isso a execução não deverá prosseguir.

Não, porém, sem a consequência do executado dever ser condenado nas custas da execução, porque a ela deu manifestamente causa.


V- Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e, entendendo-se ter caducado o direito à resolução do contrato de arrendamento, determinar a extinção da execução.

 Custas da apelação pelo apelado.
Custas na 1ª instância pelo apelante.     

                                                          
Lisboa, 14 de Julho de 2011
                                              
Maria Teresa Albuquerque                                          
Isabel Canadas                                              
José Maria Sousa Pinto
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1- Lembre-se que esse prazo de oito dias deve contar-se nos termos conjugados dos arts 279º/b) e e) e 296º CC.
[2]-  Só há mora relevante a partir do dia 9, se o dia 8 for útil
[3]-  O senhorio só pode fazer actuar um dos mecanismos previstos: ou exige a indemnização legal, mantendo o contrato de arrendamento, ou resolve o contrato de arrendamento – Gravato Morais, “Falta de Pagamento da Renda no Arrendamento Urbano”, 2010, p 54
[4]-  «O direito à recepção pelo locador das novas rendas não importa a perda de qualquer das pretensões que lhe assistem no tocante às quantias ainda em atraso, ou seja, a resolução ou a indemnização – art 1041/4 CC, NRAU» – Gravato Morais, obra citada, p57
[5] - Com esta disposição o legislador retira qualquer liberdade de apreciação valorativa ao intérprete, como disso dá noticia Gravato Morais, obra citada, p 118, que indica a fs  119 abundante jurisprudência nesse sentido. Consagra-se como que uma presunção inilidível de inexigibilidade na manutenção do arrendamento - Ac RL 28/5/09 (Neto Neves) Trata-se de um caso de inexigibilidade fixada ex lege.
Note-se ainda, que a doutrina se tem mostrado uniforme quanto ao entendimento de que basta «uma única renda em atraso, desde que por prazo superior a três meses» . Gravato Morais , obra citada, 120; Pinto Furtado, “Manual de Arrendamento Urbano”, 4ª ed, p 1019. Prazo que a doutrina tem tido «como excessivamente lato» – Gravato Morais - o que este autor procura justificar, sem ficar convencido, com a seguinte consideração – «Como o processo actual pretende ser mais célere, dar-se-ia agora ao arrendatário uma “almofada temporal” mais ampla para proceder ao pagamento», mas acrescenta, «é pouco justificável esta explicação, atendendo ao sistema vigente».-
De acordo com o que refere Gravato Morais, obra citada, p 122 - Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge  afirmam que a falta de pagamento da renda  em caso de mora inferior a três meses pode fundamentar a resolução do contrato  mas deverá operar por via judicial, tendo de ser decretada em acção de despejo.
[6] - Mostra-se discutido na doutrina a aplicabilidade da acção de despejo para o fundamento da falta de pagamento atempado de rendas. Menezes Leitão, “Arrendamento Urbano, 3ª ed, 2007, p 164, refere que «nos casos em que a lei admite a cessação do contrato por comunicação ao arrendatário e permite ao senhorio obter título executivo por essa via, a acção de despejo não é aplicável, não podendo o senhorio a ela recorrer»; no mesmo sentido opina Olinda Garcia, “A acção executiva para entrega de imóvel arrendado, 27. Gravato Morais dá noticia de que a tese da admissibilidade da acção de despejo como plena alternativa à utilização da via extrajudicial tem clara adesão na jurisprudência, indicando  vários acórdãos nesse sentido, p 159. Também ele defende a admissibilidade da acção judicial e a todo o tempo, concluindo, aliás, que a «acção de despejo pode (…) ser mais eficaz, mais célere e menos onerosa que o recurso à via extrajudicial» - 165 
[7] - Assim pode o arrendatário, quando lhe é possível por fim à mora, inverter a escolha do senhorio pela resolução do contrato, impondo-lhe a sua própria escolha pela via indemnizatória. Há que ter em consideração, no entanto, a limitação que resulta do nº 2 do art 1048º, de em «fase judicial só pode fazer uso da faculdade referida no número  anterior uma única vez , com referencia a cada contrato».
[8] - «O direito de resolução do senhorio, por comunicação extrajudicial, apenas pode ser exercido se esgotado na integra o prazo de três meses depois da mora (…) Só a partir dessa data se constitui tal pretensão resolutiva. Até lá não se encontra constituído o direito» - Gravato Morais, obra citada, 127.
Em sentido contrário, Pinto Furtado, obra citada, p 1029, nestes termos: «Também agora a entrada em juízo da execução para entrega de coisa certa, após a comunicação da resolução, não tem de esperar por que decorra o trimestre e se chegue ao último dia do seu derradeiro mês, mas pode ser feita imediatamente , só se procedendo nesse caso, à efectiva desocupação após o instante definido no novo art 1087º CC se porventura, o processo executivo miraculosamente findar antes disso»
[9] - Neste sentido Gravato Morais, obra citada, p 130, que a propósito dos pressupostos da faculdade de o arrendatário pôr “fim à mora” refere : «O pagamento das importâncias devidas pelo arrendatário pressupõe o oferecimento dessas quantias ao senhorio ( cfr art 1042º/1 CC NRAU e art 20º/1 NRAU) podendo ser ulteriormente efectuada a consignação em deposito, à luz do art 17ª/1 NRAU»
[10] Obra citada , p 130
[11]- Obra citada p 134
[12]- Obra citada, p 133, 138 , 147
[13] - “Manual de Arrendamento Urbano”, 1029
[14] -“Arrendamento 2006-  Novo Regime do Arrendamento Urbano”, 2ª ed, 2006, 26
[15] - Segundo o informa Gravato Morais, obra citada, p 149
[16]- “Arrendamento Urbano, 3ª ed 2009, 232
[17] - Obra citada, 149 e ss
[18] - Obra citada 150
[19] - Faz notar a este respeito que David Magalhães, “A resolução do contrato de arrendamento urbano”, p 215,  defende que «a possibilidade de pagar as rendas em atraso e a indemnização até ao termo do prazo para a oposição à execução se reporta à baseada em titulo executivo de natureza judicial, constituído pela sentença proferida em sede de acção de despejo na qual o arrendatário não tenha usado a faculdade conferida pelo art 1048º/1»
[20]- A expressão é de Pinto Furtado, obra citada, p 1019
[21]- Que tem como relator Ascensão Lopes e se mostra acessível em www dgsi pt