Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6165/14.7YYLSB-B.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: NRAU
FIADOR
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -A formação de titulo executivo contra a fiadora nos termos do disposto no artº 14-A do NRAU tem como requisito legal que o senhorio proceda, quanto a ela, à comunicação nos mesmos termos que a lei exige para o senhorio, isto é, com observância do disposto no artº 9º e 10º do mesmo diploma.
-Sendo devolvida a primeira comunicação, se a segunda carta é remetida para domicílio diverso e não constante do contrato não pode considerar-se regularmente cumprido este requisito.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Nos presentes autos foi proferido o seguinte despacho:

«O exequente intentou a presente execução comum (pagamento de quantia certa) contra,  as executadas, P. Lda. e M., nos termos do disposto no artigo 14.º-A, do NRAU, com vista à cobrança coerciva correspondente a rendas vencidas e não pagas, acrescida de “5.670,00” a título do custo incorrido pela exequente com a pintura dos tectos e das paredes do imóvel e do afagamento e envernizamento do seu chão”.
Juntou cópia do contrato de arrendamento e cópias das notificações mediante envio de cartas registadas com A/R efectuadas aos ora executados, sendo negativa quanto à fiadora.
Apreciando.
Nos termos do art.º 10º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva. E podem servir de base à execução os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva (art.º 703.º, n.º1, alínea d), do Cód. Proc. Civil).
No caso em apreço, estamos perante um título executivo complexo ou composto, visto que é integrado por dois elementos: o contrato de arrendamento e a comunicação ao arrendatário. Não se suscitam dúvidas quanto aos referidos elementos.
É pressuposto essencial que a notificação tenha sido efectivamente realizada.
Assim, não obstante ter sido efectuada quanto à executada P..., Unipessoal, Lda., a mesma não foi efectivada quanto à executada M... (…)
(…)verifica-se que dos autos, o fiador não foi notificado do incumprimento por parte do arrendatário, nem consequentemente da interpelação para o cumprimento, pressuposto para que o mesmo seja demandado na qualidade de executado-no mesmo sentido (…)
Decisão.
Pelo exposto, atento o estatuído nos artigos 703º, n.º 1 al. d) e 726º, n.º 2, al. a) do CPCivil, porque a exequente não se mostra munida de título executivo, indefiro liminarmente o requerimento inicial quanto à executada M...».
(…)

Deste despacho apelou a exequente lavrando as conclusões ao adiante:
O artigo 14.º-A do NRAU permite que o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, seja título executivo;
2.-Tal comunicação segue as regras dos n.ºs 3 e 4 do artigo 10.º do NRAU, de acordo com os quais se a carta for devolvida por ter sido recusada ou não levantada, é necessário o envio de nova carta registada com aviso de receção, decorridos 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira, considerando-se a comunicação feita no 10.º dia posterior ao envio da segunda carta se ela for novamente devolvida;
3-...
4.-A Executada P Lda. incumpriu com o contrato de arrendamento que havia celebrado com a Recorrente, no qual a Recorrida se constituiu como fiadora;
5.-Por esse motivo e para que estivesse, igualmente, munida de título executivo contra a Recorrida nos termos do artigo 14.º-A do NRAU, a Recorrente remeteu para esta comunicação nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 10.º do NRAU, estando assim formado, em relação àquela, o respetivo título executivo;
6.-O douto Tribunal a quo andou mal ao não ter tido em consideração o disposto na norma do n.º 4 do artigo 10.º do NRAU e que deveria, no entendimento da Recorrente, ter sido aplicado no presente caso, de acordo com a qual se a nova comunicação voltar a ser devolvida, esta considera-se, ainda assim, recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
Requereu a revogação da decisão apelada com  o consequente prosseguimento dos autos contra a fiadora.

Objeto do processo.
A única  questão  colocada no recurso, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil,  é a de saber se a apelante cumpriu a comunicação à fiadora nos termos prescritos nos artº 9º e 10º do NRAU tendo assim  título executivo conforme artigo 14.º-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, com as alterações da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, quanto à mesma.

Conhecendo:

Fundamentação de facto:

Interessa  ao mérito do recurso que:
Foi dado execução como titulo executivo o contrato de arrendamento celebrado entre recorrente e outra, nos termos de fls 28 e 29 que aqui se dão por reproduzidas.
No mesmo contrato figura como fiadora e principal pagadora, com renuncia expressa ao benefício da excussão prévia  M. residente em  Sintra.
Os documentos  nº 7 e 8 juntos à execução e que, constam de fls 38 e 39 deste apenso, são constituídos pela devolução da correspondência com ar remetida à fiadora para a morada indicada no contrato, a saber «rua … Sintra» sendo o aviso datado de 24.04.2014 e a devolução de 7-05-2014.
c-Os documentos  nº 9 e 10 juntos à execução, que constam de fls 42 e 43 deste apenso, são constituídos pela devolução da correspondência com ar remetida à fiadora para a rua …Cascais sendo a devolução datada de  06-06-2014.

Fundamentação de direito:

O artigo 14.º-A do NRAU  sob a epígrafe “título para pagamento de rendas, encargos ou despesas” dispõe:

“O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.

Não vem à lide a discussão sobre a extensão do título ao fiador, uma vez que essa questão foi resolvida na primeira instância, com a concordância do exequente, sendo o recurso restrito à efectivação da comunicação.

Temos para nós, que em face da definição legal deste título executivo,  para a sua formação  deve exigir-se, por maioria de razão, o contrato de arrendamento onde o fiador intervenha e o documento comprovativo da comunicação ao fiador das rendas em dívida, nos precisos termos em que essa comunicação deve ser feita ao arrendatário.

A esta posição também parece aderir a exequente já que a vem invocar.

Sucede que, como consta dos documentos juntos a exequente remeteu a segunda comunicação à fiadora para um domicílio diverso do que consta no contrato e daquele para onde foi remetida a primeira carta registada com ar.

Em tal caso não pode considerar-se como efectivamente cumprido o formalismo legal.

Na verdade,
A matéria da modalidade e formalidade da comunicação entre as partes no contrato de arrendamento encontra-se regulada de modo exaustivo e cuidadoso nos artigos 9.º e 10.º do NRAU.

Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, o artigo 9.º que rege sobre a “forma de comunicação” estabelece o seguinte:
1-Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção.
2-As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.

3- Por sua vez o artigo 10.º, preocupado com as vicissitudes que podem impedir o sucesso da comunicação ou os litígios a propósito da sua concretização, estabelece o seguinte:

1-A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a)-A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais;
b)-O aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.

2-O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a)-…
b)-Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respectivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c)-do n.º 7 do artigo anterior.

3-Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de recepção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4-Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
(…)
Da singela aplicação do regime legal, se percebe que para que a comunicação se considere efectuada deve ser remetida nos prazos e forma legal para o domicílio do fiador, neste caso o único constante do contrato.

Por conseguinte, tendo sido enviada apenas uma carta dirigida à fiadora para a morada do contrato  e tendo esta sido devolvida, no caso da fiadora, por não ter sido reclamada e não  tendo sido a segunda carta remetida para a mesma morada  a senhoria não procedeu, em relação à mesma, às comunicações exigíveis, por equiparação à posição da arrendatária, para se formar o título executivo do artigo 14.º-A do NRAU.

Isto, porque, não pode deixar de se entender que esta segunda comunicação deve ser remetida para a morada da fiadora que consta do contrato.

Segue deliberação:
Com fundamento, no exposto, improcede a apelação, mantendo-se o despacho recorrido
Custas pela apelante.


Lisboa, 23 de Fevereiro de 2017


Isoleta Almeida Costa
Octávia Viegas
Rui Ponte Gomes
Decisão Texto Integral: