Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8893/08.7TBCSC-D.L1-7
Relator: CARLA CÂMARA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
ALIMENTOS A FILHO MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Não é devido pagamento de taxa de justiça com a apresentação de contestação em providência tutelar cível de fixação de alimentos a filho maior, a que alude os artigos 3º, d), do RGPTC e 989º do CPC, por força da aplicação a tal providência do regime previsto para os menores.

(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no artigo 663º,nº7,do CPC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Catarina... deduziu providência tutelar cível de fixação de alimentos a filhos maiores contra César... peticionado a condenação do requerido no pagamento de quantias devidas a título de pensão de alimentos, de despesas relativas à frequência da Universidade, de despesas relativas a livros escolares, fotocópias e demais elementos de trabalho e de estudo, de despesas extras, do valor referente à obtenção da carta de condução, bem como o valor referente ao orçamento para colocação de aparelho dentário para correcção de maxilar, acrescido do valor das consultas mensais de manutenção.

Foi deduzida contestação pelo requerido, a 07-02-2017, a fls 46 e segs, em que deduziu incidente de intervenção provocada da mãe da requerente.

Por despacho de 17-04-2017, a fls 61, foi determinada a notificação da requerente para se pronunciar quanto a tal pedido de intervenção, nos termos preceituados pelo artigo 318º, nº 2, do CPC.
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Por despacho de 05-05-2017, a fls 61 verso, foi determinado o cumprimento do disposto no artigo 570º, nº 3, do CPC.
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Consta dos autos uma notificação, elaborada em 02-06-2017, onde consta:
«(…) fica notificado, na qualidade de Mandatário do requerido César... para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça devida acrescida de multa nos termos legais e juntar aos autos o respectivo documento comprovativo.
Pagamento da taxa de justiça
O pagamento da taxa de justiça em falta e da multa deverá ser efectuado, nos termos do nº 1 do artigo 21º da portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril, por Guia DUC que se anexa.
Pagamento da multa
O prazo de pagamento, bem como o montante, locais e o modo de pagamento a multa constam da mesma.»
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Por despacho de 10-07-2017, a fls 62 verso, foi proferido o seguinte despacho:
«Determina-se o desentranhamento da contestação – nº 6 do artigo 569º do Código de Processo Civil. (…)»
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Não se conformando com esta decisão, dela apelou o requerido, formulando as seguintes conclusões:
A.– Vem o presente recurso interposto pelo Requerido César..., ora Recorrente, do despacho proferido pelo Tribunal a quo a fls., nos termos do qual foi ordenado o desentranhamento do articulado – contestação –, face ao alegado decurso do prazo para pagamento da taxa de justiça inicial.
B.– No passado dia 7 de Fevereiro de 2017, o Requerido, ora Apelante, apresentou a sua contestação, não tendo procedido à autoliquidação da taxa de justiça inicial, por estar dispensado do seu pagamento prévio – sendo indiferente para o efeito ter protestado juntar comprovativo do pedido de apoio judiciário.
C.– Sucede que o ora Recorrente nunca juntou o comprovativo do pedido de apoio judiciário protestado juntar, pelo que o Tribunal entendeu notificar o Requerido, por notificação elaborada no dia 2 de Junho de 2017, para pagar a taxa de justiça inicial, acrescida de multa, num total de 408,00€ (quatrocentos e oito euros).
D.– Não tendo o Requerido pago a taxa de justiça, o Tribunal a quo veio, por despacho concluso no passado dia 6 de Julho e disponibilizado no Citius no passado dia 27 de Julho de 2017, ordenar o desentranhamento da Contestação apresentada.
E.– Salvo melhor entendimento, o Requerido, ora Recorrente, está em crer que o mesmo apenas se pode ter tratado de um mero lapso, porquanto nos presente autos, as partes estão dispensadas do prévio pagamento da taxa de justiça, de acordo com o Regulamento das Custas Processuais (doravante, abreviadamente designado por RCP)
F.– Com efeito, os presentes autos reportam-se a um processo de alimentos a filhos maiores ou emancipados, com fundamento legal no disposto nos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil (doravante designado apenas por CC), com tramitação processual prevista pelo artigo 989.º do CPC.
G.– Preceitua o referido artigo 989.º do CPC que “Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.” (sublinhado nosso).
H.– Quer isto dizer, portanto, que este processo de alimentos a filhos maiores será tramitado e tratado como um processo tutelar cível de alimentos a criança menor, nomeadamente, através do disposto nos artigos 45.º e seguintes do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (doravante designado apenas por RGPTC).
I.– Este entendimento decorre da lei e é, aliás, pacífico na doutrina e jurisprudência (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23 de Março de 2017, processo n.º 2257-17.9T8LSB.L1-6, disponível em www.dgsi.pt).
J.– Quer isto dizer que, também em termos de custas processuais, este processo obedecerá às mesmas regras dos processos tutelares cíveis de alimentos a menores.
K.– E faz sentido que assim seja, uma vez que esta acção versa sobre alimentos a filhos maiores, cujo direito a alimentos lhes é concedido numa extensão legal da protecção que já tinham enquanto menores.
L.– É aí que esta acção de alimentos a filho maior interposta ao abrigo do disposto nos artigos 1880.º e 1905.º do CC difere de uma acção normal de alimentos interposta ao abrigo das regras gerais de direito a alimentos previstas nos artigos 2003.º e seguintes do CC.
M.– Tendo a Requerente optado por fazer uso da acção correspondente à protecção legal prevista nos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, uma vez que pretendeu beneficiar da mesma extensão de alimentos que é concedida aos menores.
N.– Note-se que o artigo 2003.º, n.º 2 do CC, diz que “Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”.
O.– O que implica que a extensão dos alimentos a uma pessoa menor é mais abrangente do que a uma pessoa maior. E é por essa razão que o legislador optou por incluir no Código Civil o disposto nos artigos 1880.º e 1905.º, por forma a não limitar os filhos que atingissem a maioridade e ainda estivessem a estudar (com aproveitamento) a beneficiarem apenas dos alimentos previstos nos artigos 2003.º e seguinte do CC, pois tal regime não força o obrigado a alimentos a sustentar também a educação e instrução do alimentado quando este é maior de idade.
P.– São dois processos diferentes, que têm, por conseguinte, tramitação diferente.
Q.– Ora, em termos de custas processuais para processos de jurisdição de menores, prevêem os artigos 14.º-A, alínea g) e 15.º, n.º 1, alínea f) do RCP, respectivamente, (i) a dispensa das partes do pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça e (ii) a dispensa das partes do pagamento prévio da taxa de justiça.
R.– Mais preceitua o n.º 2 do mesmo artigo 15.º: “As partes dispensadas do pagamento da taxa de justiça, independentemente da condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias.” (sublinhado e realce nossos)
S.– Como bem se vê a obrigação de liquidar a taxa de justiça é deferida para momento processual ulterior.
T.– Razão pela qual o montante da taxa de justiça de cujo pagamento a parte foi previamente dispensada não deve ser reclamado nesta fase processual mas, tão só e apenas, a final (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Fevereiro de 2016, processo n.º 5500/09.4TDLSB-A.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt:).
U.– Face ao exposto, resulta evidente que o Tribunal recorrido reclamou prévia e erradamente o pagamento da taxa de justiça ao Requerido, pois não ocorreu qualquer omissão do pagamento dessa taxa pelo Requerido.
V.– Repare-se que, se dúvidas houvesse acerca da aplicação das mesmas regras de custas dos processos de jurisdição de menores aos processos previstos no artigo 989.º do CPC, o próprio Tribunal de primeira instância, em 2 de Junho de 2017, emitiu uma guia para pagamento no valor de 408,00€ (quatrocentos e oito euros), correspondente ao valor da primeira prestação da taxa de justiça no montante de 306,00€ (trezentos e seis euros) e ao de uma multa pelo atraso no pagamento da referida taxa no valor 102,00€ (cento e dois euros).
W.– Ora, uma vez que o montante total devido a título de taxa de justiça inicial é de 612,00€ (seiscentos e doze euros), a guia emitida – ressalvando a multa – corresponde a metade desse valor – 306,00€.
X.– Quer isto dizer que na determinação taxa de justiça o Tribunal recorrido teve em consideração o disposto no artigo 14.º - A, alínea g) do RCP, dispensando o Requerido da segunda prestação da taxa de justiça.
Y.– Pois bem, se o Tribunal a quo, deu cumprimento ao disposto no referido artigo 14.º- A do RCP, de igual forma, se impunha que tivesse em consideração e, bem assim, aplicasse o estipulado no artigo 15.º, n.º 1, alínea f) do mesmo diploma que, como acima se expôs, dispensa as partes do pagamento prévio da taxa de justiça.
Z.– Em resultado da não aplicação desta regra o Apelante viu o seu acesso ao direito e aos tribunais restringido.
AA.– Resulta, assim, evidente que a decisão constante do despacho sub judice traduz uma incompleta e incorrecta aplicação da lei.
BB.– Razão pela qual, salvo devido respeito por melhor opinião, o desentranhamento nunca deveria ter sido ordenado.
CC.– Face a tudo o supra exposto, resulta evidente que a prolação do despacho de desentranhamento vai contra o disposto no artigo 15.º, n.º 1, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais e, bem assim, contra o princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, pois impede sem fundamento legal a correcta defesa do Requerido em juízo.
DD.– Pelo que se requer a revogação da decisão recorrida e a consequente admissão da Contestação apresentada pelo Requerido.
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Não se mostram juntas contra-alegações.
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QUESTÕES A DECIDIR:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, a questão submetida a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, é a de aferir se é devida taxa de justiça pela apresentação da contestação em providência tutelar cível para a fixação de alimentos a filho maior.
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OS ELEMENTOS PROCESSUAIS RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO SÃO OS QUE CONSTAM DO RELATÓRIO QUE ANTECEDE.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Os presentes autos constituem uma providência tutelar cível de fixação de alimentos a filho maior, a qual encontra previsão no artigo 3º alínea d) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro, que dispõe, no seu artigo 3.º quanto às providências tutelares cíveis, que:  «Para efeitos do RGPTC, constituem providências tutelares cíveis: (…) d) A fixação dos alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e a execução por alimentos;».

Estabelece o artigo 1880º do CC quanto a «Despesas com os filhos maiores ou emancipados» que: «Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.»

Por seu turno, e sobre alimentos a filhos maiores, dispõe ainda o artigo 1905.º do CC quanto a «Alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento» que: «2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.»

No que se refere ao procedimento para a fixação de tal prestação de alimentos a filhos maiores, integrado nas providências tutelares cíveis, refere o Código de Processo Civil, na regulação das «Providências relativas aos filhos e aos cônjuges», no seu artigo 989º que «1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores».

Assim, a providência tutelar cível em apreço regula-se pelo Regime Geral do Processo Tutelar Cível acima referido, aplicando-se o regime previsto para os menores (designadamente a previsão dos actos processuais a praticar a que aludem os artigos 45º e segs daquele regime, quando prevê processo relativo a «Alimentos devidos a criança.».

É este o ponto de partida para aferir da questão a decidir nestes autos e, assim, se é devida taxa de justiça pela apresentação de contestação, ao abrigo do artigo 47º do RGPTC ( « 1 - Se a conferência não se puder realizar ou nela não se chegar a acordo, é imediatamente ordenada a notificação do requerido para contestar, devendo, na contestação, ser oferecidos os meios de prova.  2 - Apresentada a contestação ou findo o prazo para a apresentação desta, o juiz manda proceder às diligências necessárias e à elaboração do relatório sobre os meios do requerido e as necessidades da criança.  3 - Apresentada contestação, há lugar a audiência de discussão e julgamento.  4 - Não tendo havido contestação, o juiz decide.» )

O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, estabelece o regime das custas, as quais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.

A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa, de acordo com o Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do Regulamento das Custas Processuais (artigo 6º RCP).

Quanto à oportunidade de pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual, rege o artigo 14.º que «1 - O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo: a) Nas entregas eletrónicas, ser comprovado por verificação eletrónica, nos termos da portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Civil; b) Nas entregas em suporte de papel, o interessado proceder à entrega do documento comprovativo do pagamento.»

Assim, com a prática do acto – apresentação de petição, contestação – deve ser apresentado comprovativo de pagamento da taxa de justiça, sob pena das cominações a que aludem as normas processuais civis de recusa da petição inicial pela secretaria (artigo 558º, f) do CPC), tratando-se de petição, ou de notificação para pagamento com multa e, na falta de pagamento, desentranhamento da contestação ( artigo 570º, nºs 3 a 6 do CPC).
Esta a regra geral para os processos cíveis.

Ocorre que as providências tutelares cíveis, designadamente a destinada à fixação de alimentos a filho maior, regem-se pelo Regime Geral do Processo Tutelar cível e, em concreto, nos termos preceituados pelo artigo 989º do CPC, pelo regime previsto para menores.

Ora, estão dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça as partes nos processos de jurisdição de menores, incluindo naqueles em que sejam fixados alimentos.

Nestes casos, em vez de pagar a taxa de justiça inicialmente, a parte é notificada para pagar a taxa de justiça no prazo de dez dias apenas quando é proferida a sentença que decide a causa principal.

Vejamos.    
   
Nos termos do artigo 15.º do Regulamento das Custas Processuais «1- Ficam dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça: (…) f) As partes nos processos de jurisdição de menores. 2 - As partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que susceptível de recurso, para efectuar o seu pagamento no prazo de 10 dias.»

Assim, ocorrendo dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça, tal pagamento apenas é devido com a notificação da decisão final.

Nestes processos é devido um único pagamento da taxa de justiça, que é efectuado depois da decisão final.

De facto, estabelece o Artigo 14.º-A do Regulamento das Custas Processuais que «Não há lugar ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça nos seguintes casos: (…) g) Processos de jurisdição de menores;  h) Processos de jurisdição voluntária, em matéria de direito da família;», pelo que é devido um único pagamento da taxa de justiça, a efectuar a final.

Pelo exposto, não sendo devida taxa de justiça com a apresentação da contestação, tem que proceder a apelação.
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DECISÃO.
Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, em consequência do que se revoga o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que admita a contestação apresentada e dela conheça.
Sem custas.

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Lisboa, 20.02.2018                                                                                                      



(Carla Câmara)
(Higina Castelo)
(José António Capacete)