Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
33943/06.8YYLSB-C.L1-8
Relator: SILVA SANTOS
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CITAÇÃO PRÉVIA
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
HIPOTECA
PENHORA
NULIDADE DA DECISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: § Havendo lugar à citação prévia do executado, o recebimento da oposição só suspende o processo de execução quando o opoente preste caução ou quando, tendo o opoente impugnado a assinatura do documento particular e apresentado documento que constitua princípio de prova, o juiz, ouvido o exequente, entenda que se justifica a suspensão
§ A existência de hipoteca em bem que venha (ou não) a ser penhorado não dispensa a verificação de prestação de caução para efeito de suspensão da execução.
§ Do mesmo modo, não basta a garantia da penhora para que a execução deixe de prosseguir. Bem ou mal, a lei exige outra garantia especial que é a caução. Pelo mesmo motivo, esta nem sequer é dispensável quando o crédito exequendo esteja coberto por garantia real.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:    ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – SECÇÃO CÍVEL:

I.
O Banco ……, SA instaurou, no tribunal judicial de Lisboa, uma execução para pagamento de quantia certa (€4.499.105,24) contra ……..-C, Lda, A ……. e M ……….,

O título executivo é uma livrança no valor de €4.498.065,24 à qual foram apostas as seguintes menções: "2001-01-23" como data de emissão; "2006-05-31" como data de vencimento; e  "Lisboa", como local de emissão.

Na livrança referida figura como tomador Banco ……… e como subscritora ……….. - C, Lda, tendo como avalistas os demais executados.

A livrança dos autos foi dada como garantia para uma operação de financiamento da exequente à ……… - C, Lda, no montante de 2.000.000 de contos, operação que ficou titulada por escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, datada de 30 de Janeiro de 2001, lavrada pelo  Cartório Notarial a fls. 44 e seguintes do livro 184-F, cuja cópia se mostra a fls.7 a 23, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

II.
A executada “……..-C, Lda” deduziu oposição à execução com vários fundamentos, tendo referido que,

“A opoente não deduz o incidente de prestação de caução, por a dívida em litígio estar amplamente garantida por hipoteca, limitando-se a requerer o reconhecimento desse facto para servir de base à declaração da suspensão da execução até decisão da presente oposição”.

III.
O banco exequente veio opor-se à pretensão da requerente alegando que a hipoteca não é assimilável à caução.
Mais alegou que o negócio aquisitivo do terreno encontra-se a ser posto judicialmente em crise, pelo que o mesmo não constitui garantia idónea.

IV.
O tribunal julgou improcedente a pretensão de ………..-C Lda por inidoneidade da caução oferecida.

V.
É desta decisão que a executada ………-C, Lda agora impugna por via de recurso pretendendo a sua revogação, porquanto:

1. Não pode em processo civil ser proferido despacho que tenha a ver com a matéria que não foi submetida pelas partes a juízo, sob pena de violação das disposições conjugadas dos art.°s 137°, 3° n.° 1, 660° n.° 2, 661° n.° 1 e 668° n.° 1 alínea d) do CPC.
2. Não tendo sido pedida a prestação de caução, não pode o Tribunal pronunciar-se sobre a inidoneidade (ou idoneidade) da caução.
3. Tendo-se pronunciado sobre a suspensão da execução como tratando-se de um indeferimento de prestação de caução por inidoneidade da caução oferecida, o Tribunal incorreu em omissão de pronúncia, já que não decidiu a questão que lhe tinha sido submetida, antes decidiu de outra questão que lhe não foi submetida.
4. Nos autos em que esteja em causa a execução da livrança, nada impede que a mesma esteja garantida pela via da hipoteca.
5. Esta hipoteca tem a natureza de caução.
6. A constituição de caução pode ser feita por escritura pública.
7. Existindo caução constituída por escritura pública, não pode o Tribunal vir declarar a inidoneidade da mesma, sob pena de estar a alterar uma cláusula de uma escritura pública pré-existente.
8. Ao fazê-lo, sem que tenha sido posta em crise a própria escritura pública, o Tribunal profere decisão ultra vel petitum, o que viola a lei.
9. A suspensão de execução prevista no arte 818° n.° 1 do CPC visa apenas a situação especificamente nele prevista, outras podendo existir, que por não serem objecto de previsão genérica e abstracta, devem ser apreciadas pelo Tribunal, com recurso aos critérios da analogia e dos princípios gerais do direito, sob pena de a assim se não entender, ficar violado o disposto no art.°s 9° e 10° do Código Civil.
10. Feito o pedido de suspensão de execução, tendo como pressuposto o reconhecimento de uma caução titulada por garantia hipotecária pré-existente, não tem o Tribunal fundamento legal para pôr em causa o valor do bem hipotecado, se as partes previamente não colocaram tal valor em crise, muito mais quando o mesmo foi consignado no título constitutivo da caução, in caso, por escritura pública.
11. Não pode a sentença recorrida pronunciar-se sobre um pedido de prestação de caução, que claramente não foi deduzido.
12. Ao fazê-lo praticou acto nulo, violando o art.° 201 n.° 1 do CPC.
13. A previsão genérica e abstracta do art.° 818° n.° 1 do CPC não esgota todas as situações do mundo real que possam carecer de decisão judicial a nível de suspensão de execução.
14. Tal previsão abarca apenas uma situação, pelo que não está precludida a possibilidade de o Tribunal se pronunciar sobre outras situações que embora análogas, não foram objecto de previsão pelo legislador.
15, Neste sentido, o art.° 818° n,° 1 do CPC não pode ser entendido como uma previsão genérica e abstracta taxativa.
16.0 art.° 818° n.° 1 do CPC prevê apenas e exclusivamente a situação da impugnação da assinatura do devedor, e nesta situação de impugnação da assinatura o legislador consigna a possibilidade da suspensão da execução.
17. Noutras situações que não sejam de impugnação de assinatura, o legislador nada previu, pelo que assiste ao Tribunal o direito e o dever de se pronunciar pela suspensão da execução, que tenha por base outra situação que não a da impugnação da assinatura do devedor.
18. Não pode o Tribunal interpretar a lei por tal forma que o leve a generalizar uma situação prevista num caso específico, sob pena de estar a transformar a excepção em regra, com manifesta violação da lei,
19. Os casos omissos, não objecto de previsão genérica e abstracta, cabem no âmbito da apreciação dos Tribunais, que o devem fazer com recurso a critérios de discricionariedade, razoabilidade, analogia e integração no espírito da lei, sob pena de porem em crise a unidade do sistema jurídico vigente, expressamente acolhido no art.° 9° do Código Civil, que fica violado, se assim não for entendido.
Termos em que,  deve a sentença recorrida ser revogada na parte em que indeferiu a suspensão da execução, ordenando-se nova apreciação da matéria pelo Tribunal recorrido, ou, proferindo-se desde já Acórdão que decrete a pretendida suspensão.

Não consta que tenham sido apresentadas contra alegações.

VI.
É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões contidas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resulta aliás do disposto nos artigos 684. 3 e 690.1 do CPC.

As conclusões das alegações são despropositadamente extensas, complexas, confundindo-se com as próprias alegações.

No entanto, é possível fixar o objecto do recurso:

§ Tendo-se pronunciado sobre a suspensão da execução como tratando-se de um indeferimento de prestação de caução por inidoneidade da caução oferecida, o Tribunal incorreu em omissão de pronúncia, já que não decidiu a questão que lhe tinha sido submetida, antes decidiu de outra questão que lhe não foi submetida?
§ Existe fundamento para a suspensão da execução?

VII.
A matéria de facto relevante para conhecimento do recurso é a que supra se sumariou.

VIII.
Nos termos do nº2 do art. 660º do Código de Processo Civil o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e só delas, a menos que a lei, oficiosamente, lhe imponha o conhecimento de outras.

"Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação" não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (art. 511-1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 664) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas. 

Por outro lado, a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do mesmo artigo 668º, que é a nulidade mais frequentemente invocada nos tribunais pela confusão que constantemente se faz entre questões a decidir e argumentos produzidos na defesa das teses em presença "está directamente relacionada com o comando do art. 660º, nº 2 servindo de cominação ao seu desrespeito".

Há excesso de pronúncia quando o juiz se pronuncia sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se o âmbito da solução do conflito nos limites por elas pedido. O excesso de pronúncia gerador de nulidade prevista na al. d), 2ª parte, do art. 668º do CPC, refere-se aos pontos essenciais de facto e de direito que constituem o centro do litígio, seja no que respeita ao pedido como às excepções; não respeita às razões de facto ou de direito afirmadas na decisão.

Essas questões centram-se nos pontos fáctico-jurídicos que estruturam as posições das partes na causa, designadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções.

Assim, os fundamentos de facto e de direito utilizados devem ser harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, corolário do princípio de que o acórdão deve ser fundamentado de facto e de direito, certo que esse requisito se não verifica caso ocorra contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão nos quais assenta.

Todavia, o erro de interpretação dos factos e ou do direito ou na aplicação deste constitui erro de julgamento, e não o vício de nulidade decorrente de contradição entre os fundamentos e a decisão a que alude a alínea c) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.

É que o vício de nulidade a que se reporta o aludido normativo só ocorre quando os fundamentos de facto e ou de direito invocados no acórdão conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório.

Ora, na decisão em apreço, constatamos:

1.       existe fundamentação de facto com as respectivas premissas factuais;
2.       existe fundamentação de direito. Realmente, aí se consignam as normas jurídicas pertinentes (na perspectiva do julgador) para a solução jurídica do caso;
3.       ocorreu interpretação dos próprios factos com colação e e interpretação daqueles assentes e daqueles que se deve tornar conhecimento:
4.       mostra-se subsumida a realidade factual às pertinentes normas jurídicas;
5.       evidencia-se uma decisão;
6.       tal decisão (na perspectiva do julgador) é enquadrada nos pressupostos anteriores.

Assim sendo, não existe qualquer fundamento de nulidade nas perspectivas que, jurisprudencial e doutrinariamente, anteriormente referimos.

Agora, é claro, que se pode opinar no sentido de que a decisão é parca na fundamentação de facto ou de direito.
Que eventualmente é deficiente na fundamentação jurídica.
Que não conheceu de todas as questões que na perspectiva do recorrente/autor não foram tidas em consideração.
De resto, que afinal, a decisão deveria ser outra e não aquela que retrata.

Porém, tais situações, são diferentes das invocadas nulidades. Pode acontecer erro de julgamento, de facto ou de direito, mas não necessariamente nulidade.
E o erro de julgamento não pode ser motivo para pedido de nulidade, mas sim, de alteração ou revogação da decisão.

Termos em que, por todo o exposto, se conclui pela inexistência de qualquer acto nulo.
IX.
E quanto à suspensão da execução?

Liminarmente entendemos não existir o mínimo fundamento para tal pretensão.

É certo que a executada não deduziu formalmente o pedido de prestação de caução.

Mas também não é menos certo que pretende através de requerimento singelo formulado nesse sentido obter o mesmo efeito que potencialmente obteria através daquele incidente.

Estamos no domínio de execução para pagamento de quantia certa.

 “Sabendo-se que o fim da acção executiva é o de conseguir para o credor a mesma prestação, o mesmo benefício que lhe traria o cumprimento voluntário da obrigação por parte do devedor, e como esta não pode ser compelido por aquele a realizar os actos necessários à satisfação do vínculo obrigacional, torna-se necessário, quando o devedor não cumpre, que a obrigação se torne efectiva, pelo valor que representa no seu património Para concretizar este objectivo, procede-se à penhora de bens que se tornem necessários, para que o credor veja realizado o seu direito, ou pela adjudicação dos referidos bens ou pelo preço resultante da venda a que ficam sujeitos. A penhora como peça fundamental do processo executivo, apresenta-se, assim, como uma apreensão de bens, um desapossamento de bens do devedor, um acto que retira da disponibilidade material do devedor e substrai relativamente à sua disponibilidade jurídica bens do seu património” [1].

Na verdade, conforme estabelece o artº 813º nº 1 do C.P.Civil, o executado pode opor-se à execução no prazo de 20 dias a contar da citação, seja esta efectuada antes ou depois da penhora.
E havendo citação prévia à realização da penhora, o recebimento da oposição não interfere no andamento da execução, o qual só se suspende quando o executado preste caução, cfr. artº 818º nº 1 do C.P.Civil.

Por conseguinte, a oposição à execução por regra não suspende a execução, e, anteriormente à reforma operada pelo DL 38/2003 de 8-3, e desde o Código de 1939, só a suspendia quando o oponente (embargante) o requeresse e prestasse caução, apenas diferençando os meios de a prestar, mais rigorosa na sentença do que nas execuções com base noutro título executivo.

Havendo lugar à citação prévia do executado, o recebimento da oposição só suspende o processo de execução quando o opoente preste caução ou quando, tendo o opoente impugnado a assinatura do documento particular e apresentado documento que constitua princípio de prova, o juiz, ouvido o exequente, entenda que se justifica a suspensão (artigo 818.º - efeito do recebimento da oposição).

Recorde-se que a execução em causa é para pagamento de quantia certa.

Não tem qualquer característica de hipotecária (cfr. art. 835 do CPC).

E a circunstância de existir hipoteca para garantir um crédito não pode fundamentar a existência de caução para efeito de suspensão da execução.

Aliás, não basta a garantia da penhora para que a execução deixe de prosseguir.

Bem ou mal, a lei exige outra garantia especial que é a caução. Pelo mesmo motivo, esta nem sequer é dispensável quando o crédito exequendo esteja coberto por garantia real. [2]

Por conseguinte, o único fundamento processual para obstar ao prosseguimento da execução, pretendo-se suspendê-la, é através do processo de prestação de caução.

Aliás, compreende-se que assim seja.

A alegação de anterior existência de hipoteca sobre bem ao qual foi conferido privilégio de garantia releva para efeitos de direito substantivo e só, subsidiariamente, será apreciado em termos processuais.

A existência de hipoteca em bem que venha (ou não) a ser penhorado não dispensa a verificação de prestação de caução para efeito de suspensão da execução.

Assim sendo, improcedem todas as conclusões das alegações de recurso, o que conduz à sua improcedência.


X.
Nestes termos, pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão impugnada.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2010

Silva Santos
Bruto da Costa
Catarina Arêlo Manso
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[1]  Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, pág.167[2]  Cfr. neste mesmo e preciso sentido Lopes Cardoso, in manual da Acção Executiva, 3ª edição, pág. 304