Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5483/2008-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
VEÍCULO
DEFICIENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Tal como refere a recorrida, o normativo em análise (artº9º nº1 do DL nº559 de 16-12 e o repristinado Despacho nº 5392/99, de 16 de Março - publicado no DR, 2.ª série, de 16.03.1999 - com referência ao ponto 1 do Anexo n.º 3, do mesmo despacho) prevê um perigo abstracto e não concreto.
II - A simples existência de autocolantes ou objectos não regulamentares constitui a denominada deficiência do Tipo 1 que, por não ser grave não leva ao “chumbo” da viatura, desde que, imediatamente, corrigida.
III - Também não nos parece curial distinguir, para esse efeito, entre pára - brisas e qualquer outra componente.
IV - Pensamos sim, que o denominador comum, é qualquer objecto ou autocolante aposto no veículo susceptível de interferir com a visibilidade do condutor pois, estas normas, têm como escopo uma condução prudente e como sabemos tal só pode acontecer se a visibilidade for plena, seja em relação à frente do veículo, seja relativamente à sua rectaguarda.
AH
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
R, identificado nos autos, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra:
Centro de Inspecções, Lda., também completamente identificada nos autos.
Pedindo que: - A Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia total de €1746,49 sendo €1346,49 a título de danos patrimoniais e €2.200,00 a título de danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para o efeito, que:
- O Autor apresentou o seu veículo nas instalações da Ré para ser reinspeccionado, tendo o mesmo sido, sucessivamente, reprovado por reincidir na mesma deficiência.
- Contudo, os autocolantes em causa que motivaram a reprovação não prejudicam a visibilidade para o exterior de veículo, por parte do seu condutor.
- A atitude da Ré causou ao Autor danos materiais e morais que pretende que sejam ressarcidos.

Na contestação apresentada, a Ré impugnou a matéria factual vertida pelo Autor, invocando, no essencial, que:
- O Centro de Inspecção agiu de acordo com a legislação em vigor e que o Autor foi informado que o veículo teria de ser sempre reprovado, caso fosse apresentado à inspecção sem que tivesse retirado do vidro os autocolantes não regulamentares que lá estavam colados.
Terminou pedindo a improcedência da acção.

Realizou-se a Audiência de Julgamento, com observância do legal formalismo, tendo o Tribunal decidido a matéria de facto, conforme consta de fls.121 a 129, que não mereceu qualquer reclamação.

E, de seguida, foi proferida a seguinte sentença – parte decisória -:
“-…-
DECISÃO
- Face ao exposto e, ao abrigo das normas legais citadas, julgo a presente acção improcedente por não provada e, em consequência, absolvo a Ré do pedido formulado pelo Autor.
Custas a cargo do Autor.
-…-”

Desta sentença veio o Autor recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1 - Tendo sido considerado como não provado que: “O Autor estima em €1250,00 os honorários que terá de pagar aos mandatários para fazer valer o seu direito”.
2 - Tendo sido considerado provado, por via do constante na alínea u) da matéria provada, que foram já pagos, pelo A aos seus mandatários, a quantia de €565,00.
3- O A alegou que, estimava a quantia a pagar em €1250,00, porque só no final da lide estaria em condições de aferir em concreto os factos integradores do direito, pagamento dos honorários, que só se poderiam avaliar à posteriori com o apuramento do número de horas dispendidas pelos mandatários, logo nunca antes do encerramento da discussão em instância.
4 - Assim, resulta a necessidade de proceder à junção aos autos do documento (recibo) comprovativo do pagamento dos restantes €685,00 - artigo 706° do CPC em virtude do julgamento proferido na 1ª instância -.
5 - Julgamento que não poderia ser outro, pois o Mº Juiz a quo não detinha o documento capaz de produzir o efeito pretendido pelo A.
6 - Assim admitida a junção do documento, e porque a alteração da resposta cabe dentro dos poderes desse Tribunal (artigo 712º n°1 alínea c), pode e deve acontecer, salvo o devido respeito.
7 - Desta forma, em conformidade com o estipulado nos artigos 524º, 706° e 712° nº 1 alínea c) todos do CPC, deve proceder-se à alteração da decisão sobre a matéria de facto, no sentido de dar como provado que.
“O A estima em €1.250,00 os honorários que lerá de pagar aos mandatários para fadar valer o seu direito”.
8 - As inspecções periódicas visam confirmar, com regularidade, a manutenção das boas condições de funcionamento e de segurança de todo o equipamento e das condições de segurança dos veículos automóveis de acordo com as suas características originais homologadas ou as resultantes de transformação autorizada nos termos do artigo 115º do CE.
9 - Dispõe o nº3 da Portaria 517-A/96 de 27 de Dezembro, que os veículos, sistemas, componentes ou acessórios objecto de uma aprovação de modelo deverão estar em conformidade com o modelo aprovado. Considerando-se não existir essa conformidade com o modelo aprovado se forem encontradas discrepâncias em relação ao certificado de aprovação, elementos técnicos ou relatórios de ensaio constantes do processo de aprovação ou protótipos (ou amostras) apresentadas à aprovação (artigo 4° da Portaria. 517-A/96 de 27 de Dezembro).
10 - De acordo com a circular ITVA n°10 /2002 de 28 de Fevereiro, os vidros dos veículos automóveis são objecto de homologação, como componentes, devendo obedecer a certas especificações técnicas e qualidades ópticas., nomeadamente no que respeita a cor e transparência.
11 - No que concerne aos veículos ligeiros de passageiros, como é o veículo do A., é ponto de controlo obrigatório numa inspecção periódica a visibilidade. A visibilidade engloba o campo de visão, o estado dos vidros, os espelhos, retrovisores, o limpa-vidros e os lava vidros (vide Anexo II do ponto 3 do DL n°554/99 de 16 /12).
12 - Em conformidade com o ponto 1 do Anexo n°3 do citado Despacho n°5392/99, a existência de autocolantes não regulamentares no pára-brisas ou em qualquer outro componente que interfira com a visibilidade é classificada como deficiência do tipo 1.
13 - É considerada Deficiência Tipo 1: “aquela que não afecta gravemente as condições de funcionamento do veículo nem directamente as suas condições de segurança, não implicando por isso, nova apresentação do veículo a inspecção para verificação da reparação efectuada” (artigo 9º nº1 do DL n°554/99 de 16 de Dezembro).
14 - Os veículos são reprovados sempre que se verifiquem mais de cinco deficiências do tipo 1; uma ou mais deficiências dos tipos 2 ou 3 e/ou não seja efectuada a correcção da deficiência ou deficiências anteriormente anotadas – cfr. respectivamente alíneas a), b) e e) do artigo 12º do DL nº554/99 de 166 de Dezembro -.
15 - Da matéria de facto considerada provada, resulta que, em 16/10/2002, o veículo do Autor/Recorrente foi reprovado pela Ré, constando do documento junto a fls. 12 duas deficiências do tipo 1. e uma do tipo 2.. Resulta, também que, nos dias 28/1012002, 11/11/2002, 25111/2002, 09/12/2002, 23/1212002, 0610112003, 26/01/2003, 03/02/2003, 17102/2003, 28/02/2003 e 1310312003 o A /Recorrente apresentou o seu veículo nas instalações da Ré/Recorrida para ser reinspecdonado, tendo o mesmo sido sucessivamente reprovado por reincidir na deficiência constante do documento junto a fls. 16 dos autos.
16 - Em conformidade com o preceituado no ponto 7 do citado Despacho n°5392/99: “A reincidência de uma eloquência não corrigida, obriga os inspectores a classificá-la na nova inspecção como deficiência do tipo 2 ou 3, com prazo máximo de 15 duas para reinspecção, nos termos do nº16 do Regulamento anexo à Portaria nº117 A / 96 de 15 de Abril”, o que aconteceu.
17 - No caso em apreço, resultando da inspecção obrigatória do veiculo do A./Recorrente, em 16 de Outubro de 2002, não deveria ter sido anotada pela Ré/Recorrida a aludida deficiência do tipo 1, com o código “310 - objectos ou autocolantes não regulamentares no pára-brisas ou em qualquer outro componente que interfira com a visibilidade (a) trás”.
18 - Do ponto de vista linguístico, há um sintagma nominal “objectos ou autocolantes não regulamentares” modificado por um sintagma preposicional complexo, que engloba uma coordenação, marcada peia conjunção disjuntiva “ou” de dois sintagmas preposicionais: “no pára-brisas” e “em qualquer outro componente que interfira com a visibilidade” e a frase relativa encaixada neste último sintagma preposicional “que interfira com a visibilidade” modifica o antecedente nominal “componente”.
19 - O pronome relativo desempenha, neste contexto, a função sintáctica de sujeito e, como é sabido na gramática do português é obrigatória a concordância do verbo com o sujeito, em número e pessoa. Ora, estando na 3ª pessoa do singular (interfira) o pronome relativo só pode ter como antecedente um nome no singular e o candidato preferencial é sempre o nome que está mais próximo, no discurso antecedente.
20 - O pronome relativo retoma o antecedente “componente” restringindo a sua referência, ou seja, a restrição operada pela relativa aplica-se a “componente” e não a “objectos ou autocolantes não regulamentares”.
21 - Pelo que, estando os autocolantes não regulamentares no vidro traseiro do veiculo, a análise e interpretação da aludida frase/deficiência deverá limitar-se a “( ...) componente que interfira com a visibilidade”.
22 - Não pode, sob pena de violação do artigo 9º do Código Civil, efectuar-se uma interpretação literal restritiva ao significado do verbo interferir pois tal levar-nos-ia a:
a) Componente que impeça visibilidade;
b) Componente que entorpeça a visibilidade;
c) Componente que estorve a visibilidade;
d) Componente que intercepte com a visibilidade.
23 - Uma interpretação de acordo com o artigo 9º do Código Civil, com recurso aos elementos gramatical ou literal, mas também aos elementos lógicos, entre outros, a unidade do sistema jurídico e a justificação social da lei, eliminando aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência nas palavras da lei, levamos pela seguinte via:
- O vidro traseiro, os vidros laterais, os espelhos retrovisores, o óculo, entre outros, são componentes das viaturas automóveis sim, mas componentes que facilitam e permitem a visibilidade do condutor;
- Não poderão estar apostos objectos ou autocolantes não regulamentares (excepto os que estão regulamentarmente colocados, nomeadamente, os relativos a seguro, inspecção e impostos) em qualquer outro componente do veículo automóvel, concretamente em local (desse mesmo componente) que interfira (intercepte, prejudique, estorve) impeça cite) o campo de visibilidade do condutor.
- Na base da relação entre o sentido linguístico e o pensar do legislador está a preocupação de ficar sempre devidamente salvaguardado o campo de visão do condutor, de forma não serem impedidas ou dificultadas as manobras de condução (veja-se também a alínea 1) da (b) das notas complementares ao Anexo 3 do Despacho n°5392/99).
- In casu, os autocolantes em apreço:
1- O do canto superior esquerdo do vidro traseiro, já existente no veículo no momento da sua aquisição, e alusivo à marca da viatura e;
2 - O do canto inferior direito, com os dizeres “bebé a bordo”.
Não contendem com a visibilidade do condutor, seja qual for a manobra a realizar, o que resulta provado pelas respostas dadas à matéria de facto constante das afincas R) S) e T) (Matéria Provada).
24 - Pelo que, jamais deveria ter sido anotada a deficiência do tipo 1, com o código “310 - objectos ou autocolantes não regulamentares no pára-brisas ou em qualquer outro componente que interfira com a visibilidade (a) trás”, que motivou as posteriores reprovações, por via da reincidência.
25 - A conduta da R, atentos os factos provados, foi causal do dano provocado ao A.
26 - A R., actuou de forma dolosa senão com negligência grosseira, AB - A. R dedica exclusivamente à inspecção periódica de viaturas automóveis.
27 - Em face da anotação pela R/Recorrida da deficiência do tipo 1, com o código “310 - objectos ou autocolantes não regulamentares no pára-brisas ou em qualquer outra componente que interfira com a visibilidade (a) trás” o A/Recorrente, de imediato, apresentou reclamação escrita - vide 1) da Matéria Provada -, invocando que, os autocolantes em causa estavam colocados em local de componente da viatura que em nada interferia com o seu campo de visão e, consequentemente, com as suas manobras de condução..
28 - Facto que apesar de constatado e constatável pela R, através dos seus funcionários no normal desempenho das suas funções, não conduziu à rectificação do documento comprovativo da Inspecção Técnica Periódica VA 1251416 junto com a PI sob o nº3, a fls.12 dos autos, limitando-se estes, a informar o A/Recorrente que não poderia ter qualquer autocolante não regulamentar colado no vidro de trás do seu veículo.
29 - Tal procedimento motivou inúmeras reclamações do A/ Recorrente, e deslocações ao Centro de Inspecções, sempre com o objectivo de comprovar que a aposição dos autocolantes no canto superior esquerdo e no canto inferior direito do vidro traseiro do seu veiculo em nada prejudicavam a visibilidade.
30 - A R querendo e conhecendo o facto ilícito ou, à cautela, não respeitando de forma grosseira os deveres legais de cuidado a que estava obrigada e era capam aplicou abusivamente a deficiência constante do ponto 1 do Anexo n°3 do citado Despacho nº 5392/99 de 16/01/99.
31 - Por via da sua conduta (culposa ou negligente) e na sequência das reincidência decorrentes da manutenção da aludida deficiência (que nunca deveria. ter sido inicialmente anotada) causou directamente ao A./ Recorrente prejuízos traduzidos nos danos patrimoniais no valor total de €1.318,09 e €1250,00 de honorários pagos e ainda €68,09 (taxa de reinspecção).
32 - Existe, pois, nexo causal entre o comportamento culposo (ou mera culpa) da R/ Recorrida e os danos provocados ao A/Recorrente, pelo que estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar consagrados no artigo 483° do CC.
Conclui no sentido da procedência do recurso e consequente condenação da R. nos termos peticionados.


Contra - alegou a recorrida/R., formulando as seguintes CONCLUSÕES:
- O presente recurso tem por base uma interpretação errada que o Recorrente pretende dar ao ponto 1 do Anexo 3 do Despacho nº5392/99 (2a Série), 16103.
- A referida disposição legal prevê que se o veículo possuir um ou mais autocolantes não regulamentares no pára-brisas fora da área de varrimento das escovas, ou se possuir
autocolantes não regulamentares em qualquer outro componente que interfira com a visibilidade lhe seja assinalada, em inspecção periódica, uma deficiência de Tipo 1;
- Isto independentemente do autocolante interferir ou não com a visibilidade efectiva do condutor;
- Ao contrário de outras observações feitas em sede de inspecção periódica, que implicam uma avaliação subjectiva por parte do inspector e um certo poder discricionário quanto à sua classificação como deficiência ou não, no que aos autocolantes diz respeito, a lei é muito clara classificando corno deficiência qualquer autocolante não regulamentar que esteja colado em qualquer componente que interfira com a visibilidade, independentemente dele, na prática, provocar ou não ao condutor alterações da visibilidade.
- Aliás nem outra poderia ser a solução dada pelo legislador, uma vez que, a avaliação sobre se o autocolante retirava ou não visibilidade ao condutor, iria depender de uma série de outros factores subjectivos.
- Como as características físicas do condutor que podia nem sempre ser o mesmo (mais alto, mais baixo).
- O facto do veículo ter ou não outros componentes (espelhos retrovisores maiores ou menores, espelhos laterais etc.) e de o condutor os saber utilizar, etc.
- O Recorrente foi informado de que não poderia ter qualquer autocolante não regulamentar colado no vidro de trás do veículo;
- Assim que o Recorrente retirou os autocolantes do vidro, o veículo foi aprovado sem qualquer registo de deficiências.
Conclui pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

Foram colhidos os necessários vistos.

APRECIANDO E DECIDINDO
Thema decidendum:
- Em função das conclusões do recurso temos que:
O A. e recorrente impugna a factualidade apurada e discorda da qualificação feita pelo Tribunal recorrido no sentido de, classificar a existência de autocolantes no vidro de trás do seu veículo em causa, como deficiência de tipo 1 a obrigar correcção, sob pena de reprovação na inspecção periódica a que todos os veículos de têm de sujeitar.

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Apuraram-se os seguintes FACTOS:
A) O Autor contraiu casamento católico, sem convenção antenupcial, com N, no dia 6 de Outubro de 1990;
B) O veículo automóvel da marca Renault, modelo 19 (B53 W05), categoria ligeiro, tipo de passageiros, do ano de 1996, com a matrícula, encontra-se registado a favor da mulher do Autor;
C) Em 16 de Outubro de 2002, o Autor recorreu aos serviços da Ré para que esta procedesse à inspecção técnica periódica obrigatória do veículo identificado em B);
D) No vidro traseiro do referido veículo encontram-se apostos dois autocolantes;
E) No canto superior esquerdo, um autocolante rectangular com aproximadamente 9 cm por 3 cm, com publicidade à marca Renault;
F) No canto inferior direito, um autocolante com a forma de um triângulo equilátero de aproximadamente 8 cm de lado, com a indicação bebé a bordo;
G) O veículo foi reprovado pela Ré, em 16.10.2002, constando do documento junto a fls. 12 as seguintes deficiências: “310 - Objectos ou autocolantes não regulamentares no pára - brisas ou em qualquer outro componente que interfira com a visibilidade (a) trás; 470 - Luzes de chapa da matrícula, não funcionamento de uma luz trás direito; 525 - Pneus no mesmo eixo, mais que um tipo de pneu”;
H) A Ré designou, como data limite para a próxima inspecção, o dia 15 de Novembro de 2002, com a menção escrita de que o veículo podia circular até à reinspecção, sem passageiros, nem carga;
I) Inconformado com a deficiência referida em G) “310”, em 16.10.2002, o Autor apresentou junto da Ré uma reclamação escrita;
J) No dia 28 de Outubro de 2002, o Autor apresentou o veículo nas instalações da ré para ser reinspecionado;
K) Tendo o mesmo sido reprovado por reincidir na seguinte deficiência constante do documento junto a fls. 16: “310 - Objectos ou autocolantes não regulamentares no pára - brisas ou em qualquer outro componente que interfira com a visibilidade (a) trás (Reincidência)”;
L) Como data limite da próxima inspecção, designou a Ré o dia 12 de Novembro de 2002, com a menção escrita de que o veículo devia ser apresentado nas instalações da ré até à data limite indicada para verificação da reparação efectuada e que a ausência de aprovação para além desse prazo podia implicar a apreensão do livrete;
M) Inconformado com a aludida deficiência, em 28.10.2002, o Autor apresentou nova reclamação escrita à Ré;
N) Nos dias 11 de Novembro de 2002, 25 de Novembro de 2002, 9 de Dezembro de 2002, 23 de Dezembro de 2002, 6 de Janeiro de 2003, 26 de Janeiro de 2003, 3 de Fevereiro de 2003, 17 de Fevereiro de 2003, 28 de Fevereiro de 2003 e 13 de Março de 2003, o Autor apresentou o veículo nas instalações da Ré para ser reinspeccionado;
O) Tendo o mesmo sido sucessivamente reprovado por reincidir na deficiência referida em K);
P) Nos dias 11 de Novembro de 2002, 25 de Novembro de 2002, 9 de Dezembro de 2002, 23 de Dezembro de 2002, 26 de Janeiro de 2003, 3 de Fevereiro de 2003, 17 de Fevereiro de 2003, 28 de Fevereiro de 2003 e 13 de Março de 2003, o Autor reclamou, por escrito, junto da Ré;
Q) Os autocolantes em causa não prejudicam a visibilidade para o exterior do veículo por parte do seu condutor;
R) Não prejudicam igualmente a visibilidade do exterior para o interior do veículo;
S) A manobra de marcha atrás e a verificação através do espelho interior do veículo dos outros veículos à rectaguarda não resulta menos segura ou prejudicada pela colocação dos referidos autocolantes;
T) Nas sucessivas reinspecções referidas em N), pagou o Autor à Ré a quantia total de 68,09 euros;
U) A fls. 43 consta uma cópia de dois recibos emitidos em nome do Autor, relativos ao pagamento de honorários, sendo um datado de 23.12.2004 e no montante de 200 euros, e o outro datado de 07.02.2005 e no montante de 365,00 euros;
V) O Autor trabalha na sociedade comercial denominada “N, S.A.”, nas instalações sitas em Carnaxide, desde 18 de Dezembro de 2000, com a categoria profissional de técnico;
W) O seu horário de trabalho é das 9h00 às 18h00, com o período de almoço compreendido entre as 13h00 e as 14h00;
X) Nos dias e períodos abaixo discriminados, o Autor registou as seguintes ausências no seu local de trabalho:
- 11.11.2002 (entre as 11h00 e as 11h50)
- 25.11.2002 (entre as 9h28 e as 13h00)
- 09.12.2002 (entre as 11h00 e as 12h10)
- 23.12.2002 (entre as 09h30 e as 14h00)
- 06.01.2003 (entre as 9h45 e as 11h50)
- 20.01.2003 (entre as 10h45 e as 11h30)
- 03.02.2003 (entre as 9h45 e as 11h10)
- 17.02.2003 (entre as 9h30 e as 11h00)
- 28.02.2003 (entre as 10h00 e as 11h20)
- 13.03.2003 (entre as 9h45 e as 12h45)
Y) O Autor foi informado de que não poderia ter qualquer autocolante não regulamentar colado no vidro de trás do seu veículo;
Z) Assim que o Autor retirou os ditos autocolantes do vidro, o veículo foi aprovado pela Ré em 13.03.2003, sem qualquer registo de deficiências;
AA) A Ré encontra-se aberta ao público no seguinte horário: de segunda a Sexta-Feira das 08h00 às 19h00 e aos sábados das 08h00 às 13h00;

Com relevo para a decisão final, não resultaram provados os seguintes factos:
1) Para se deslocar às instalações da Ré, em Carnaxide, nos dias supra referidos em N), o Autor percorreu a distância total diária de 15 km;
2) Para fazer valer judicialmente os seus direitos, os honorários devidos aos mandatários do Autor estimam-se em 1.250,00 euros;
3) Por via da conduta da Ré, o autor viu-se obrigado a compensar os períodos de ausência supra referidos, para além do seu horário normal de trabalho e no próprio dia, sem receber qualquer remuneração suplementar;
4) Privando-o da companhia da família e das horas de descanso pós - laboral.
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O DIREITO
- Da questão de facto:
Quanto à modificação da factualidade apurada – artº712º do CPC - no que respeita aos honorários alegadamente despendidos com o patrocínio do seu Ilustre advogado, não assiste razão ao recorrente.
Desde logo, como o próprio A. admite, aquando das respostas aos quesitos tal prova era impossível pois “só se poderiam avaliar à posteriori com o apuramento do número de horas dispendidas pelos mandatários, logo nunca antes do encerramento da discussão em instância.”
Acrescentamos nós que, pela mesma aludida razão (supra expressa) continua a não ser possível quantificar tais honorários.

Por outro lado, entendemos que, esses honorários resultam de contrato – mandato judicial – estabelecido entre o A. e os Ilustres advogados a que se reporta a procuração de fls.45 e não da causa de pedir subjacente à presente acção.

Pelo exposto, não se atende à pretensão do A. para se valorar o documento, junto já depois da realização da Audiência de Discussão e Julgamento – artº706º do CPC -, comprovativo do pagamento da quantia de €685,00 também a título de honorários.

- Da questão de Direito:
Como referimos aquando da delimitação do litígio, o objecto deste recurso (nesta vertente do direito) circunscreve-se a saber, se a existência de autocolantes no vidro de trás do veículo em causa pode, ou não, ser classificada como deficiência de tipo 1 a obrigar correcção, sob pena de reprovação na inspecção periódica a que todos os veículos têm, legalmente, de se sujeitar.
E só, se concluirmos pela positiva, se terá de equacionar a responsabilização da R. pelos prejuízos alegados pelo recorrente e decorrentes das sistemáticas reprovações do seu veículo Renault nas inspecções a que foi sujeito.
Quanto ao quadro legal aplicável ao caso, ele está devidamente delineado na sentença recorrida, do modo que se segue:

“-…-
No que respeita às inspecções dos veículos rege o DL n.º 554/99, de 16.12, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 96/96/CE, do Conselho de 20 de Dezembro de 1996, alterada pela Directiva n.º 1999/52/CE, da Comissão de 26 de Maio de 1999 e tem como objecto as inspecções técnicas periódicas para atribuição de matrícula e extraordinárias de automóveis ligeiros, pesados e reboques, previstas no artigo 116.º, n.º 1, alíneas b) e d) e n.º 2, do Código da Estrada (artigo 1.º do citado diploma).

Por outro lado, dispõe o artigo 2.º do referido Decreto-Lei que, as inspecções periódicas visam confirmar, com regularidade, a manutenção das boas condições de funcionamento e de segurança de todo o equipamento e das condições de segurança dos veículos supra identificados.

De acordo com o disposto no artigo 9.º, n.º 1, do DL n.º 554/99, de 16.12, a deficiência do tipo 1 não afecta gravemente as condições de funcionamento do veículo nem directamente as suas condições de segurança, não implicando, por isso, nova apresentação do veículo a inspecção para verificação da reparação efectuada, enquanto que a deficiência do tipo 2 afecta gravemente as condições de funcionamento do veículo ou directamente as suas condições de segurança, ou põe em dúvida a sua identificação.

Acrescenta o artigo 12.º, do mesmo diploma que, os veículos são reprovados sempre que: se verifiquem mais de cinco deficiências do tipo 1 - alínea a); se verifiquem uma ou mais deficiências dos tipos 2 ou 3 – alínea b); não seja efectuada a correcção da deficiência ou deficiências anteriormente anotadas – alínea c).

In casu, resulta da matéria de facto considerada provada que, em 16.10.2002, o veículo do Autor foi reprovado pela Ré, constando do documento junto a fls. 12 duas deficiências do tipo 1 e uma deficiência do tipo 2.

Pelo que, atento o disposto no citado preceito do artigo 12.º, o veículo do Autor foi reprovado porque possuía uma deficiência do tipo 2, uma vez que, a anotação de duas deficiências do tipo 1 não configura motivo de reprovação.

Resulta, ainda, da factualidade assente que, nos dias 28 de Outubro de 2002, 11 de Novembro de 2002, 25 de Novembro de 2002, 9 de Dezembro de 2002, 23 de Dezembro de 2002, 6 de Janeiro de 2003, 26 de Janeiro de 2003, 3 de Fevereiro de 2003, 17 de Fevereiro de 2003, 28 de Fevereiro de 2003 e 13 de Março de 2003, o Autor apresentou o veículo nas instalações da Ré para ser reinspeccionado, tendo o mesmo sido, sucessivamente, reprovado por reincidir na deficiência constante do documento junto a fls. 16.

Estabelece o n.º 2, do artigo 9.º, do DL n.º 554/99, de 16.12 que, os quadros relativos à classificação das deficiências graduadas em tipo 1, 2 e 3, são fixados por portaria do Ministro da Administração Interna. A referida Portaria ainda não foi aprovada e, assim sendo, mantêm-se em vigor o Despacho n.º 5392/99, de 16 de Março (publicado no DR, 2.ª série, de 16.03.1999), o qual classifica as deficiências observadas nas inspecções de veículos.

Nos termos do ponto 7 do referido Despacho n.º 5392/99: “A reincidência de uma deficiência não corrigida, obriga os inspectores a classificá-la na nova inspecção como deficiência do tipo 2 ou 3, com prazo máximo de 15 dias para reinspecção, nos termos do n.º 16 do Regulamento anexo à Portaria n.º 117-A/96, de 15 de Abril.”.

Por outro lado, de acordo com o ponto 1 do Anexo n.º 3, do citado Despacho n.º 5392/99, “a existência de objectos ou autocolantes não regulamentares no pára - brisas ou em qualquer outro componente que interfira com a visibilidade é classificada como deficiência do tipo 1.”
-…-”

Quid juris?
O motivo da discórdia reside na interpretação do repristinado (por ausência da necessária Portaria a elaborar pelo Ministério da Administração Interna na sequência da publicação do DL 554/99, de 16-12) Despacho nº 5392/99, de 16 de Março (publicado no DR, 2.ª série, de 16.03.1999) com referência ao ponto 1 do Anexo n.º 3, do mesmo despacho, do seguinte teor:
- A existência de objectos ou autocolantes não regulamentares no pára - brisas ou em qualquer outro componente que interfira com a visibilidade é classificada como deficiência do Tipo 1 (sendo que, a reincidência de uma deficiência não corrigida, obriga os inspectores a classificá-la na nova inspecção como deficiência do tipo 2 ou 3, passível de imediata reprovação do veículo).

Constitui deficiência Tipo 1:
- Aquela que não afecta gravemente as condições de funcionamento do veículo nem directamente as suas condições de segurança, não implicando por isso, nova apresentação do veículo a inspecção para verificação da reparação efectuada (artigo 9º nº1 do DL n°554/99 de 16 de Dezembro).

Entende a A. e recorrente que, não deveria ter sido anotada pela Ré e recorrida a deficiência do Tipo 1, com o código 310: objectos ou autocolantes não regulamentares no pára-brisas ou em qualquer outro componente que interfira com a visibilidade (a) trás.

Isto porque, estando os autocolantes não regulamentares no vidro traseiro do veiculo, não integra o conceito de “( ...) componente que interfira com a visibilidade”.

Salvo o devido respeito e melhor opinião, não concordamos com a interpretação de base meramente gramatical feita pela recorrente.

Tal como refere a recorrida, o normativo em análise prevê um perigo abstracto e não concreto.

A simples existência de autocolantes ou objectos não regulamentares constitui a aludida deficiência do Tipo 1 que, por não ser grave não leva ao “chumbo” da viatura, desde que, imediatamente, corrigida.

Também não nos parece curial distinguir, para esse efeito, entre pára - brisas e qualquer outra componente.

Pensamos sim, que o denominador comum, é qualquer objecto ou autocolante aposto no veículo susceptível de interferir com a visibilidade do condutor.

Estas normas, têm como escopo uma condução prudente e como sabemos tal só pode acontecer se a visibilidade for plena, seja em relação à frente do veículo, seja relativamente à sua rectaguarda.

Pelo que fica dito, não podemos deixar de corroborar a conclusão retirada na sentença recorrida:
“Demonstrou-se, igualmente, que o Autor foi informado de que não poderia ter qualquer autocolante não regulamentar colado no vidro de trás do seu veículo. Pelo que, quando o veículo do Autor foi apresentado nas instalações da Ré para ser reinspecionado, reincidindo na referida deficiência, a qual não tinha sido corrigida, os inspectores classificaram-na como deficiência do tipo 2, o que motivou a sua reprovação, em conformidade com o ponto 7, do Despacho n.º 5392/99, de 16 de Março, conjugado com artigo 12.º, n.º 1, alíneas b) e c) do DL n.º 554/99, de 16 de Dezembro.”

Face a esta conclusão e à consequente licitude da conduta da R. não é possível imputar a esta os prejuízos sofridos pela A. e recorrente derivados nas sucessivas reprovações do seu veículo Renault nas inspecções a que foi submetido, pela existência de autocolantes no vidro traseiro (no canto superior esquerdo, um autocolante rectangular com aproximadamente 9 cm por 3 cm, com publicidade à marca do carro e no canto inferior direito, um autocolante com a forma de um triângulo equilátero de aproximadamente 8 cm de lado, com a indicação bebé a bordo)

DECISÃO
- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar improcedente o recurso e mantêm o decidido pelo Tribunal a quo.
Custas pela apelante.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2008
Afonso Henrique Cabral Ferreira (relator)
Rui Torres Vouga
Maria do Rosário Barbosa