Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17036/2007-8
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS
VALOR DA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/19/2007
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- O processo judicial de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo é considerado de jurisdição voluntária (artigo 100.º  da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro) sendo subsidiariamente aplicável, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recursos, as normas relativas ao processo civil de declaração sob a forma sumária (artigo 126º da Lei n.º 147/99).
II- Não contendo o requerimento inicial apresentado pelo Ministério Público a indicação os valor da causa como se impunha face ao disposto no artigo 467.º/1, alínea f) do Código de Processo Civil, impunha-se ao tribunal convidar o requerente a indicar o valor com a cominação de a instância se extinguir nos termos do disposto no artigo 314.º/3 do Código de Processo Civil.
III- Apresentado o convite, o Tribunal, perante o silêncio do Ministério Público. não podia deixar de julgar extinta a instância, observando o que a lei prescreve.

(SC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Recurso próprio, recebido com efeito devido, nada obsta ao seu conhecimento.

*
Profere-se decisão nos termos do disposto no artigo 705º do Código de Processo Civil:

I. Relatório
1. O Mº Pº requereu a abertura de processo judicial de promoção e protecção a favor da menor […], instruindo o requerimento inicial com o processo da CPCJ de […].

2. Recebidos os autos, foi proferido despacho a ordenar a notificação do requerente para indicar o valor da acção, com a cominação prevista no artigo 314º, nº3, 1ª parte, do Código de Processo Civil.

3. Notificado deste despacho, o MºPº nada disse.

4. Perante este silêncio, foi proferido despacho a julgar extinta a instância, ao abrigo do disposto no artigo 314º, nº3 do Código de Processo Civil.

5. Inconformado com este despacho, o Ministério Público interpôs recurso de agravo, que foi recebido com o regime de subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo formulado as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. O Processo Judicial de Promoção e Protecção não é uma acção cível.

2ª. O PPP tem normas próprias e só lhe são aplicáveis, subsidiariamente as normas do processo civil, na fase de debate judicial e de recursos, mas “com as devidas adaptações”.

3ª. Os interesses em jogo no âmbito da LPCJP não são compatíveis com os critérios gerais fixados para as acções cíveis.

4ª. A lei não determina a contabilização dos interesses do menor, no âmbito da promoção dos seus direitos e da sua protecção.

5ª. A atribuição de valor ao requerimento de abertura do processo judicial de Promoção e Protecção não tem qualquer utilidade, por estarem definidos e reguladas as regras de competência do tribunal, bem como a instância de recurso, quer a forma do processo, quer a ausência de tributação das custas e demais encargos legais com o processo.

Conclui, com base na violação dos art.1º, 3º, 4º a), c), 6º, 11º, 72º, 73º nº 1 b), 100º, 102º nº 1 e 2, 106º, 107º e 126º da LPCJP, pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que determine a imediata prolação do despacho a que alude o art. 106º nº 2 da LPCJP.

6. Foi proferido despacho de sustentação.

II.  Delimitação do objecto do recurso

Como resulta do disposto nos artºs. 684º, nº 3, e 690º, nºs. 1 e 2, ambos do Cód. Proc. Civil, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação, e só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente.

Assim, da leitura das conclusões das alegações de recurso formuladas pela Digna Recorrente resulta como única questão a de saber se a instância pode ser extinta por falta de indicação do valor da causa em processo da natureza destes autos.

III. Fundamentação

1. Das ocorrências a ter em consideração.
1.1. O Mº Pº requereu a abertura de processo judicial de promoção e protecção a favor da menor […], instruindo o requerimento inicial com o processo da CPCJ de […].
1.2. Na petição inicial, o MºPº não indicou o valor da causa.
1.3. Notificado para indicar o valor da causa, com a cominação do nº3 do artigo 314º do Código de Processo Civil, o requerente nada disse.
1.4. Por despacho, ora recorrido, veio a instância a ser julgada extinta, por falta de indicação do valor da causa.

2. Apreciação mérito do agravo  
Preceitua o artigo 100º da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo) que:
“ O processo judicial de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo … é considerado de jurisdição voluntária”.

Nos termos do disposto no nº1 do artigo 105º da LPCJP, a iniciativa processual cabe ao Ministério Público.

O processo de promoção e protecção é constituído pelas fases de instrução, debate judicial, decisão e execução da medida (nº 1 do artigo 106º da LPCJP).

Por sua vez, prescreve o artigo 126º da citada Lei que: “ao processo de promoção e protecção são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recursos, as normas relativas ao processo civil de declaração sob a forma sumária.”

Ora, destas disposições legais, resulta que ao processo judicial de promoção e protecção são aplicáveis:

a) como processo de jurisdição voluntária: as disposições gerais e comuns (referentes aos processos de jurisdição voluntária) constantes dos artigos 1409º a 1411º do Código de Processo Civil;
as disposições dos artigos 302º a 304º do Código de  Processo Civil (cfr. nº 1 do artigo 1409º);
 e as normas gerais e comuns do processo declarativo (comum) ordinário (nº 1 do artº. 463º do Cód. Proc. Civil).

b) nas fases de debate judicial e de recurso, são aplicáveis, subsidiariamente, as disposições reguladoras do processo declarativo sob a forma sumária, com as necessárias adaptações.


O Mº Pº tem a iniciativa processual, nos termos do disposto no nº1 do artigo 105º da LPCJP, apresentando um “requerimento inicial” (como resulta do nº2 do artigo 106º da mesma Lei).

Em termos de conteúdo, conforme resulta do disposto no artigo 467º, nº 1, alínea e), supletivamente aplicável por força do disposto no nº 1 do artº. 463º, ambos do Cód. Proc. Civil, o requerimento inicial deve conter a declaração do valor processual da causa.

E prevendo a falta de indicação do valor da causa, no nº3 do artigo 314º do Código de Processo Civil, deve efectuar-se o convite à indicação do valor sob a cominação de a instância se extinguir.

No caso presente:

O requerimento inicial apresentado pelo Ministério Público não contém a indicação do valor da causa, apesar de se apresentar com todos os restantes requisitos previstos no artigo 467º do Código de Processo Civil, devidamente adaptados – cfr. fls.3 a 8.

Na falta de tal indicação do valor da causa, foi proferido despacho a convidar o requerente a indicar o valor, com a cominação de a instância se extinguir, nos termos do disposto no nº3 do artigo 314º do Código de Processo Civil.

Perante o silêncio do Mº Pº a instância veio a ser julgada extinta.

Como se refere no Ac. desta Relação no processo nº101023/06-2, que seguimos de perto:

“Pretexta, todavia, a Digna Recorrente, para além de extenso circunstancialismo envolvente desenvolvido no corpo da alegação recursória - que, no caso, importa sublinhar não desempenha a normal função, uma vez que nem é explicativo da opção tomada (recorrer, em vez de lançar mão do benefício de apresentação de novo requerimento inicial contendo a declaração do valor), nem é útil à compreensão da estratégia processual adoptada (dado que a urgência, enfaticamente invocada, sempre seria eficazmente salvaguardada se outra tivesse sido a opção, em termos de estratégia processual, da Digna Recorrente)”.

Nas suas alegações, o recorrente refere que não são aplicáveis ao caso presente as disposições legais invocadas no despacho sob recurso, não haver necessidade de indicação do valor no requerimento inicial (nem para a determinação da competência do tribunal, nem da forma do processo, nem para efeitos de recurso ou tributários) e não saber o critério a utilizar para indicar o valor.

Ora, do que atrás se referiu, as normas invocadas no despacho sob recurso tem fundamento, porquanto, tratando-se de processo de jurisdição voluntária, como é expressamente definido na lei, são de aplicação supletiva as normas relativas ao processo civil de declaração, sob a forma comum ordinária.

E só nas fases de debate judicial e de recursos, são aplicáveis, subsidiariamente, as normas relativas ao processo civil de declaração, sob a forma comum sumária.

Por outro lado, e no que respeita à necessidade de indicação do valor: “sendo certo que se, no caso vertente, podemos considerar que não se mostram verificadas as finalidades que mormente subjazem à atribuição do valor processual, de harmonia com o nº 2 do artº. 305º do Cód. Proc. Civil (nem se quer as referentes ao valor tributário), subsistem, todavia, e de pleno, as razões de certeza jurídica e de regular continuidade do processo justificativas do formalismo processual imposto pelo artº. 467º do Cód. Proc. Civil (relativamente a este acto processual de parte). Cabia, assim, à Digna Recorrente, tendo presente o formalismo imposto pela lei para a prática do acto em causa, dar-lhe inteira observância” (Ac. da Relação de Lisboa, atrás citado).

Relativamente à dificuldade de indicação do valor, o Código de Processo Civil contém os critérios para todas as situações, e para o caso dos autos também, e designadamente para aqueles casos em que a relação jurídica fundamental não tem valor pecuniário, visando realizar um interesse de natureza estritamente imaterial.

Ora, devendo o requerente indicar o valor da causa, e não o fazendo, mesmo depois de convidado para esse fim e com a cominação legal, não poderia ter sido outro o despacho que não fosse julgar extinta a instância.

Desta forma, o recurso não pode proceder.

IV. Decisão
Posto o que precede, decide-se negar provimento ao agravo, e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
 
Sem custas, por delas estar isenta o Recorrente.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2007

(A. P. Lima Gonçalves)