Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA PRAZERES PAIS | ||
Descritores: | EXPROPRIAÇÃO LITIGIOSA DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/22/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I.– O facto nuclear constitutivo da relação ou situação jurídica de expropriação é a declaração da utilidade pública. O efeito da declaração de utilidade pública é, tecnicamente, o de sujeição à expropriação, ficando os bens onerados em termos reais, sendo o titular impotente para evitar a atuação potestativa por parte dos órgãos públicos. II.– Inexistindo a declaração de utilidade pública, não é possível o processo de expropriação ao abrigo do artigo 42.°, n." 2, alíneas b) ou c), do Código das Expropriações, nem, por maioria de razão, dar lugar à avocação do processo de expropriação nos termos do disposto no artigo 51.°, nº 2, do Código de Expropriações, por, em bom rigor, não ter sido iniciado qualquer expropriação litigiosa. SUMÁRIO: (da responsabilidade do relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa. Relatório: Os presentes autos tiveram início com o requerimento apresentado por A…, em 09.05.2011, onde, invocando o estatuído no artigo 51.°, n. ° 2, do Código das Expropriações, requereu a notificação da Região Autónoma da Madeira para remeter a juízo o processo de expropriação atinente ao prédio rústico, ao sítio do …., concelho de …., inscrito na matriz predial sob o artigo 99, da secção R, e antes sob parte do artigo 10, secção R, de que se alegou titular. ************ O que se apura Não foi emitida qualquer Declaração de Utilidade Pública referente às parcelas ocupadas para a construção da estrada já concluída e denominada de "ligação entre o Maçapez, Jangalinha e Via Expresso do Porto da Cruz". A propriedade sobre o prédio rústico, ao sítio do …., concelho de …, inscrito na matriz predial sob o artigo 99, da secção R, e antes sob parte do artigo 10, secção R, encontra-se registado a favor do Apelante. A fls 373 foi proferido este despacho: “Notifique a Requerida do teor sob a Rfª ora citada ,bem como para, na sequência do mesmo requerimento ,negociar com o Requerente o terreno em causa ,no âmbito do direito privado, nos precisos termos e com os mesmos critérios com que aquela (ora Requerida) negociou o terreno pertença dos vizinhos do ora Requerente ,Ou para ,em alternativa emitir declaração de expropriação por utilidade pública com efeitos retrotraídos à data da ocupação ( ano 2005) do terreno do ora Requerente.” ************ A final, foi proferida esta decisão: “Face ao exposto, importa concluir que não estão preenchidos os pressupostos para a avocação do processo de expropriação pelo que se indefere a mesma…” ************ É esta decisão que o requerente impugna, formulando estas conclusões: 1.– O valor da causa de 2.000,00€ é só aparente, na medida em que os valores reais que têm sido discutidos, de forma fundamentada e resultam das regras do processo, são da ordem dos 7.390,00€ (árbitros nomeados pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa) e 33.058,00€ (pedido apresentado, de forma devidamente fundamentada e sustentada pelo A./recorrente). 2.– E a douta sentença recorrida violou despacho transitado em julgado, cuja finalidade era de dotar o processo do documento que lhe faltava – Declaração de Expropriação por Utilidade Pública (despacho de fls. 373, de 14 de Dezembro de 2016, Ref. 4322779), circunstancia que permite a admissão do presente recurso, independentemente do valor da causa (art.º 629º, nº 2 do C.P.C.). 3.– E estão em causa direitos fundamentais, no caso, o direito de propriedade (art.º 62º da C.R.P), que impõe, às entidades públicas, o cumprimento da tramitação legal da expropriação, com inerente justa indemnização, proibindo o confisco e o princípio da igualdade, nos termos do qual todos os cidadãos têm a mesma dignidade e são iguais perante a lei (art.º 13º C.R.P.). 4.– Nunca pensou o A./recorrente que a Entidade recorrida não estivesse a desencadear os procedimentos próprios da expropriação por utilidade pública, pelo que, com a maior boa fé, pediu a avocação do processo de expropriação no estado em que se encontrasse. 5.– Foi com surpresa que o recorrente e o Tribunal constataram o contrário, ou seja, que a recorrida não desencadeara o respectivo procedimento expropriativo, a que estava legalmente obrigada, violando o citado art.º 62º da C.R.P.. 6.– Os atropelos foram enormes, dado que a recorrida ocupou o terreno, no verão de 2005 e, ainda hoje, passados 12 anos, continua (2017), a não querer pagar, ao recorrente, a indemnização que lhe é devida, pela expropriação e pelo terreno abusivamente ocupado. 7.– A douta sentença recorrida (em vez de dar cumprimento ao douto e transitado despacho de fls. 373, de 14 de Dezembro de 2016, Ref. 4322779), de modo a dotar o processo da declaração de expropriação que lhe faltava e a proceder à justa composição do litígio, decidiu uma questão ultrapassada e, com essa decisão fez regredir o processo e violou caso julgado e absolveu a recorrida da instância, por inadequada forma de processo, que o Meritíssimo Juíz anterior havia aceite, na medida em que lavrou o douto despacho transitado, nos termos referidos. 8.– Alias, a sentença recorrida tem, ao fim e ao cabo, a gravíssima consequência de praticamente ratificar o grave atropelo da R., considerando que actuou bem, sem desencadear um processo de expropriação e a ocupar, ilegalmente, e durante 12 anos, propriedade alheia, sentença que se traduz simultaneamente num benefício do infractor e numa denegação de justiça. ************ Arguida a nulidade ,por violação do caso julgado , o Sr. Juiz proferiu despacho sobre a mesma. ************ Cumpre decidir A declaração de utilidade pública da expropriação consiste no “…acto legislativo ou administrativo pelo qual se reconhece serem determinados bens necessários à realização de um fim de utilidade pública mais importante que o destino a que estão afectados.”[1] Com esta declaração não se opera ,desde logo , a transferência da propriedade do bem expropriado ,mas como como ensina Oliveira Ascensão[2], o efeito da declaração de utilidade pública é, tecnicamente, o de sujeição à expropriação, ficando os bens onerados em termos reais, sendo o titular impotente para evitar a atuação potestativa por parte dos órgãos públicos. No mesmo sentido apontando Marcello Caetano, quando refere que “por efeito da declaração de utilidade pública da expropriação de determinado imóvel o proprietário fica vinculado ao dever de o transferir, mediante indemnização, para a entidade a favor de quem a declaração foi feita; e, portanto, cessou para ele o direito de livre disposição que é característico da propriedade.”.[3] Percebemos, então, que o facto nuclear constitutivo da relação ou situação jurídica de expropriação é a declaração da utilidade pública. No caso em apreço não existe tal declaração de utilidade pública. Por isso, não podemos deixar de concordar, integralmente , com o explanado na decisão: “….Consequentemente, não pode a expropriação deixar de assentar numa prévia declaração de utilidade pública, que especifique o fim concreto da expropriação e individualize os bens a ela sujeitos. A declaração de utilidade pública não pode, pois, ser considerada um simples pressuposto processual do procedimento expropriativo, uma simples formalidade preliminar da expropriação ou acto preparatório desta, antes constitui o facto constitutivo da relação jurídica de expropriação, integrante da causa de pedir do processo expropriativo. Trata-se, aliás, de verdadeiro acto administrativo impugnável contenciosamente, podendo o expropriado requerer o controlo judicial da própria legalidade da Declaração de Utilidade Pública, intentando no foro administrativo acção para impugnação do acto que declarou a utilidade pública da expropriação». Daí que “….O que não pode é originar um processo de expropriação ao abrigo do artigo 42.°, n." 2, alíneas b) ou c), do Código das Expropriações, nem, por maioria de razão, dar lugar à avocação do processo de expropriação nos termos do disposto no artigo 51.°, nº 2, do Código de Expropriações, por, em bom rigor, não ter sido iniciado qualquer expropriação litigiosa….”(sublinhado nosso) Improcedem, pois, as conclusões. ************ Entende o apelante que o despacho impugnado viola o caso julgado do despacho de fls 373 e, acima transcrito. O despacho em causa não tem qualquer autoridade de caso julgado em relação à decisão analisada ,porquanto reconhece a inexistência da declaração de utilidade pública e a necessidade de que esta seja emitida .Tudo isto para evitar um impasse, caso as negociações , no âmbito do direito privado , não surtam efeito; esse é o objectivo último deste despacho. O que significa que o teor deste despacho apenas tem em comum com o, agora, impugnado, a referência à declaração de utilidade pública e a menção à sua necessidade, caso as negociações, no âmbito do direito privado, não tenham êxito. E mais nada do que isso!! Termos em que à luz dos artº/s 580, 581 CPC não existe qualquer violação do caso julgado. ************ Síntese: o facto nuclear constitutivo da relação ou situação jurídica de expropriação é a declaração da utilidade pública. O efeito da declaração de utilidade pública é, tecnicamente, o de sujeição à expropriação, ficando os bens onerados em termos reais, sendo o titular impotente para evitar a atuação potestativa por parte dos órgãos públicos. Inexistindo a declaração de utilidade pública, não é possível o processo de expropriação ao abrigo do artigo 42.°, n." 2, alíneas b) ou c), do Código das Expropriações, nem, por maioria de razão, dar lugar à avocação do processo de expropriação nos termos do disposto no artigo 51.°, nº 2, do Código de Expropriações, por, em bom rigor, não ter sido iniciado qualquer expropriação litigiosa. ************ Pelo exposto, acordam em negar provimento à apelação e confirmam a decisão impugnada. Custas pelo apelante. ************ Lisboa, 22/03/2018 Teresa Prazeres Pais Isoleta de Almeida Costa Carla Mendes [1]Cf Marcelo Caetano In “Manual de Direito Administrativo”, 9ª Ed., Tomo II, Coimbra Editora, Lda., 1972, pág. 1000. [2]Cf “Estudos Sobre Expropriações e Nacionalizações”, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989 págs. 38. [3]In op. cit., pág. 1003. |