Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3501/06.3TFLSB.L1-5
Relator: SIMÕES DE CARVALHO
Descritores: MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS
CONTRA-ORDENAÇÃO
FACTOS RELEVANTES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Iº Não obstante o princípio nemo tenetur – seja na sua vertente de direito ao silêncio do arguido, seja na sua dimensão de “privilégio” do arguido contra uma auto-incriminação – não estar expressa e directamente plasmado no texto constitucional, a doutrina e a jurisprudência portuguesas são unânimes não só quanto à vigência daquele princípio no direito processual penal português, como quanto à sua natureza constitucional;
IIº As garantias próprias do processo penal têm vindo a ser paulativamente adquiridas pelo processo contra-ordenacional e pelo direito sancionatório em geral, o que é comprovado pelo art.32, nº10, da Constituição da República Portuguesa;
IIIº Determinando o art.41, nº1, do RGCO, a aplicação subsidiária das normas do processo penal ao processo contra-ordenacional e sendo este estruturado em moldes idênticos ao processo crime, não existem razões para excluir, a vigência do direito ao silêncio e à não incriminação, do processo contra-ordenacional;
IVº A partir do momento que adquirem notícia do ilícito contra-ordenacional, as autoridades administrativas, devem despir as vestes de Administração, substituindo-as pelas de Autoridade Administrativa com poderes sancionatórios, sendo também esse o momento a partir do qual vigoram as garantias processuais dos visados nos processos contra-ordenacionais;
Vº No caso dos processos contra-ordenacionais investigados, instruídos e decididos pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, os interesses constitucionalmente protegidos, a saber: a incumbência do Estado promover o funcionamento eficiente dos mercados e a estruturação legal do sistema financeiro de modo a garantir a formação, captação e a segurança das poupanças, estão no mesmo plano constitucional que o direito à não incriminação, com o qual conflituam no caso concreto;
VIº Tendo a CMVM pedido elementos e informações “no exercício da supervisão” e tendo usado os mesmos para instruir o processo contra-ordenacional, recorreu a “meios enganosos” para instruir, investigar e decidir o processo, traduzindo-se a supressão do direito à não incriminação da arguida numa violação do princípio da proporcionalidade, na sua vertente de necessidade, na medida em que aquela autoridade administrativa optou pelo meio de prova mais lesivo para os direitos fundamentais da arguida, sem curar de ponderar por outros meios de obtenção de prova;
VIIº São “factos relevantes”, para os efeitos do art.248, do Código dos Valores Mobiliários, os factos ocorridos na esfera de actividade da sociedade emitente que não sejam do conhecimento público e que, devido à sua incidência sobre a situação patrimonial ou financeira ou sobre o andamento normal dos seus negócios, sejam susceptíveis de influir de maneira relevante no preço das acções;
VIIIº Não tendo sido considerado provado que a deliberação do Conselho de Administração que aprovou determinado negócio tenha tido incidência sobre a situação patrimonial ou financeira da empresa, mas sim que foi a “conclusão dos acordos” que teve essa incidência, é no momento em que estes ocorreram, e não no momento daquela deliberação, que se constitui o dever de informação;
IXº Existindo discrepância entre a informação prestada pela arguida e a informação prestada por órgão da comunicação social, aquela não pratica qualquer contra-ordenação, pois para a existência de responsabilidade é imprescindível que as notícias, na parte relevante, correspondam à informação comunicada ou divulgada pela própria arguida;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

No Processo n.º 3501/06.3TFLSB da 2ª Secção do 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, verifica-se que E…, S.A. impugnou judicialmente a decisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários que lhe aplicou a coima única de € 550.000,00, pela prática, respectivamente, de uma contra-ordenação, nos termos dos Art.ºs 394º, n.º 1, alínea h) e 388º, n.º 1, alínea a) do Código dos Valores Mobiliários, pela violação, a título doloso, do dever de divulgação imediata de facto relevante consagrado no Art.º 248°, n.º l do mesmo Código, de uma contra-ordenação, nos termos dos Art.ºs 400°, n.° l, alínea a), 388,°, n.° 2, alínea a), 388º, n,° l, alínea c) e 402º, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários e. 17°, n.° 4 do Regime Geral das Contra-Ordenações, pela violação, a título negligente, do dever de segredo sobre facto relevante até à sua divulgação no sistema de difusão de informação da CMVM; consagrado no Art. 6°, n.º 2 do Regulamento da CMVM n° 4/2004 e de uma contra-ordenação, nos termos dos Art.ºs 389°, n.º l e 388º, n.° l, alínea a) ambos do Código dos Valores Mobiliários.

Por sentença, de 22-04-2010 (cfr. fls. 1319 a 1363), no que agora interessa, foi decidido:

«Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando o recurso procedente e, consequentemente, revogando a decisão da CMVM, decido:
a) Absolver a arguida E…, S.A. da prática da contra-ordenação nos termos do art.os 389.º, n.º 1 e art.º 388.º, n.º 1 al. a), ambos do Código dos Valores Mobiliários, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 66/2004, de 24 de Março (tal como os demais artigos a seguir referidos), por violação dolosa do dever de veracidade da informação divulgada ao público, consagrado no art.º 7.º, n.º 1 do CVM, pela qual havia sido condenada pela autoridade administrativa;
b) Absolver a arguida E…, S.A. da prática da contra-ordenação nos termos dos art.os 400.º, n.º 1, al. a), 388.º, n.º 2, al. a), 388.º, n.º 1, al. c), e 402.º, n.º 1 do CVM e art.º 17.º, n.º 4 do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), pela violação, a título negligente, do dever de segredo sobre facto relevante até à sua divulgação no sistema de difusão de informação da CMVM, consagrado no art.º 6.º, n.º 2 do Regulamento da CMVM n.º 4/2004, pela qual havia sido condenada pela autoridade administrativa;
c) Absolver a arguida E…, S.A. da prática da contra-ordenação nos termos dos art.os 394.º, n.º 1, al. h), e 338.º, n.º 1, al. a) do Código dos Valores Mobiliários, pela violação, a título doloso, do dever de divulgação imediata de facto relevante consagrado no art.º 248.º, n.º 1 do CVM, pela qual havia sido condenada pela autoridade administrativa.
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Sem custas.
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Proceda às legais notificações e comunicações.
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Lida, vai esta sentença ser depositada.»

Inconformados com esta decisão, o Mº Pº e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários dela interpuseram recurso …
……………

Na sequência do que vieram a ser admitidos os presentes recursos (cfr. fls. 1576).

Remetidos os autos a esta Relação, nesta instância a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (cfr. fls. 1584), no sentido da procedência dos recursos.

Apesar de ter sido dado cumprimento ao disposto no n°2 do Art.º 417° do C.P.Penal, a recorrente Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e a arguida nada disseram.

Exarado o despacho preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento em conferência, nos termos do Art.º 419º do C.P.Penal.

Cumpre, agora, apreciar e decidir:

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……………………..
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II – Fundamentação
De Facto
FACTOS PROVADOS
Da Decisão da Autoridade Administrativa
1. A arguida é uma entidade emitente;
2. À data dos factos, a arguida tinha acções admitidas à negociação no mercado de cotações oficiais da Eurolist by Euronext Lisbon;
3. No dia 29 de Julho de 2004, entre as 09h30m e as 10h30m, o conselho de administração da arguida deliberou:
- Aprovar o reforço para 95,7% da posição accionista da arguida na H ……, mediante a aquisição de acções representativas de 56,2% do capital social daquela sociedade;
- Delegar em quaisquer dois administradores membros da Comissão Executiva os poderes necessários para, em representação da arguida, procederem a negociação dos termos finais dos contratos de aquisição e à respectiva assinatura.
4. A execução dos referidos acordos levou a que a arguida aumentasse a sua posição accionista de 39,5% para 95,7 % do capital social daquela empresa;
5. O preço global a pagar pela arguida por esta transacção era de € 1.195.000.000;
6. A aquisição referida seria financiada através do aumento do seu capital social de € 3.000.000.000 para € 3.656.537.715, sendo o aumento no montante de € 656.537.715, reservado aos accionistas da arguida, realizado mediante a emissão de 656.537.715 novas acções ordinárias, escriturais e nominativas, com o valor nominal de € 1,00 cada, oferecidas à subscrição ao preço de € 1,84 cada, o que proporcionou um encaixe financeiro de € 1.200.000.000;
7. A arguida assegurou que um conjunto de instituições financeiras terá assumido o compromisso de subscrever todas as acções que eventualmente não sejam subscritas pelos seus accionistas;
8. O modo de financiamento da referida aquisição foi decidido pela Assembleia de Accionistas da arguida, realizada no dia 7 de Outubro de 2004, sob proposta do órgão de administração;
9. A aquisição da participação social acima referida implicou o pagamento às entidades alienantes de um montante global de € 1.194.502.993, bem como alterações no balanço consolidado da arguida na medida em que o seu activo aumenta, bem como um reforço dos seus capitais próprios, por via do aumento de capital social de aproximadamente 22%;
10. Face ao total do activo consolidado a 30 de Junho de 2004, o investimento feito com a aquisição da participação social referida representou cerca de 6,36% do mesmo, constituindo assim um esforço financeiro relevante para o Grupo Arguida;
11. A aquisição implicou igualmente alterações significativas ao nível do relato por segmentos do Grupo Arguida, na medida em que as participações do Grupo E... no mercado espanhol, que antes desta aquisição representavam 11,93% do volume de negócios, 7,89% do activo corrente e 9,89% dos capitais próprios, ceteris paribus, tendem a aumentar;
12. Às 16h15m a arguida enviou à CMVM, por correio electrónico, um comunicado de factos relevantes, segundo o qual “A E... concluiu hoje um conjunto de acordos com a Energie Baden-Württemberg AG (EnBW), a Caja de Ahorros de Astúrias (Cajastur) e Caja de Seguros Reunidos, Compañia de Seguros e Reaseguros, S.A. (Cáser), tendentes à aquisição de uma participação adicional de 56,2% no capital social da H…, cuja execução levou a que a E... aumentasse a sua posição accionista de 39,5% para 95,7% do capital social daquela empresa.”;
13. Tal comunicado foi divulgado através do sistema de difusão de informação da CMVM no dia 29 de Julho de 2004, às 16h18m;
14. A análise da negociação na sessão de bolsa da Euronext de dia 29 de Julho de 2004 revela que se registou uma descida acentuada do preço das acções, tendo atingido o mínimo da sessão, € 2,31, às 14h23m, e o máximo da sessão às 13h19m;
15. A sessão encerrou com uma oscilação negativa de 1,27% face à sessão anterior, tendo sido o valor do fecho € 2,34;
16. 46,8% do volume transaccionado durante a sessão de 29 de Julho de 2004 decorreu no período de uma hora após a divulgação da notícia pela primeira vez pela Bloomberg, às 13h31m, e 71% durante o período entre essa divulgação na Bloomberg e a divulgação no sistema de difusão de informação da CMVM;
17. O efeito desta informação influenciou durante algum tempo o volume de transacções, o que sucedeu no dia 29 de Julho de 2004 até ao final da sessão (atingindo o maior volume de transacções de 2004) e no dia 30 de Julho uma vez que 67,5% do volume transaccionado foi realizado até às 12:00 horas;
18. Assim, a quantidade média negociada após as 13h21m é muito superior à realizada na primeira parte da sessão da bolsa – cerca de mais 344,85%;
19. A transacção anormal de quantidades para os dias 29 e 30 de Julho de 2004 é explicada em grande parte pela realização de grandes negócios concentrados em pequenos períodos de tempo. No período de uma hora após a divulgação do facto pela primeira vez na Bloomberg, 61,8% das quantidades transaccionadas são da responsabilidade de grandes negócios. Após a divulgação do facto na Bloomberg e antes de este ter sido divulgado no sistema de difusão de informação da CMVM realizaram-se 81,7% dos grandes negócios deste dia;
20. O maior volume de acções transaccionado durante o ano de 2004 verificou-se no dia 29 de Julho de 2004: 40.020.579 acções;
21. Durante a manhã do dia 29 de Julho de 2004 a rendibilidade da E... não se afastou significativamente do esperado, tendo um comportamento consistente com o comportamento nos dias anteriores. Durante a tarde deste dia as acções da arguida exibiram um comportamento mais volátil, destacando-se, em termos de rendibilidades residuais negativas significativas do ponto de vista estatístico as que ocorreram às 14:00h, às 16h30m e também na abertura do dia 30 de Julho de 2004;
22. A notícia divulgada pela Bloomberg às 13h47m, a notícia divulgada pela Reuters às 14h21m e a divulgação do facto através do sistema de difusão de informação da CMVM às 16h18m, todas do dia 29 de Julho de 2004, influenciaram a rendibilidade anormal das acções E..., contribuindo para que ela fosse negativa;
23. O valor estimado para as perdas dos investidores oscila entre um mínimo de € 728.311 e um máximo de € 1.240.413;
24. A divulgação através das agências noticiosas Bloomberg e Reuters antes da divulgação através do Sistema de Difusão de Informação da CMVM, gerou uma diferenciação entre os investidores que actuavam no mercado, pois privilegiou quem tinha acesso à informação privada em detrimento de quem não tinha, mais concretamente privilegiou os grandes investidores (isto é, os grandes lotes) face aos pequenos investidores;
25. O “Diário Económico” de dia 8 de Junho de 2004 noticiou que “O Governo prepara-se para reduzir a sua posição na E... através de um aumento de capital por incorporação das posições accionistas que a empresa ainda não detém na H… . (...) Tendo em conta o acordo da opção de venda da EnBW, os 60% que a E... ainda não detém na operadora espanhola, estão avaliados em perto de 1,2 mil milhões de euros, valor que servirá de referência para o aumento de capital.”;
26. O “Jornal de Negócios” de dia 9 de Junho de 2004 noticiou o seguinte: «A E... considera a H… um activo estratégico e vê com todo o interesse a sua integração, mas defende que ela faz sentido a partir do funcionamento em pleno do mercado ibérico de electricidade (…), ou seja, só em 2005 ou mesmo 2006 (...). No entanto, a decisão não depende da E..., mas sim dos accionistas que poderão ou não vender. Ainda assim, a empresa portuguesa tem de estar preparada para analisar a compra da participação dos accionistas da …., em particular da EnBW, quando e no caso da empresa alemã manifestar essa intenção, o que, até agora não aconteceu.”;
27. À data, 09-06-2004, P… era o responsável da E... para as relações com os investidores;
28. Em Setembro de 2003, a EnBW manifestou à E... o seu eventual interesse em desinvestir da H..., em termos e condições que teriam de ser discutidos em momento oportuno;
29. No dia 8 de Março de 2004 ocorreu um encontro entre o Eng. J…, o Dr. R.., em representação da E..., e o Prof. Dr. U… e o Dr. P…, em representação da EnBW, do qual resultou um valor indicativo para a participação da EnBW.
Da Impugnação Judicial
30. No dia 29 de Julho de 2004 foram celebrados entre a E..., a EnBW, a Cajastur e a Cáser vários acordos, destacando-se os seguintes:
- “Share Purchase Agreement”, entre a E... e a EnBW;
- “Contrato de Canje de Valores y Compraventa de Acciones”, entre E..., Cajastur e Cáser;
- “Addendum to the Shareholders Agreement dated 4th December, 2001”, entre E..., EnBW, Cajastur e Cáser;
- “Acuerdo de Accionistas”, entre E..., Cajastur e Cáser; para além do
- “Underwritting Agreement”, entre a E... e um conjunto de instituições financeiras.
31. A execução dos referidos contratos, após a verificação de um conjunto de condições suspensivas a que a eficácia dos mesmos havia ficado subordinada, permitiu à arguida assumir, em Dezembro de 2004, o controlo da H…, no que à data representou o maior investimento privado de sempre de uma sociedade portuguesa no estrangeiro;
32. A E... nunca concebeu a possibilidade de adquirir isoladamente a participação social de qualquer dos demais accionistas de referência da H…, já que, face à situação societária desta e ao complexo acordo parassocial existente entre todos os seus accionistas, essa aquisição estava contratualmente vedada até 1 de Janeiro de 2005 e o investimento necessário não se traduziria num correspondente e proporcional aumento do poder de intervenção na empresa;
33. Nos termos do acordo parassocial então vigente, a E..., a EnBW, a Cajastur e a Cáser acordaram reciprocamente em não comprar ou vender acções da H... até ao dia 1 de Janeiro de 2005, de modo que uma eventual operação implicaria necessariamente o acordo entre todas as partes envolvidas no sentido de revogar aquele contrato;
34. Para a E... era importante negociar uma alteração profunda ao acordo parassocial no sentido de o acomodar à nova situação accionista em que a arguida se tornaria largamente maioritária, sob pena de o enorme investimento realizado não se traduzir num controlo efectivo da sociedade a adquirir;
35. Esta operação teria de passar sempre por um acordo com os restantes accionistas e por uma complexa operação de financiamento que, do ponto de vista da arguida, não poderia pôr em causa a solidez do seu balanço, nem prejudicar a notação de risco (rating) então atribuída pelas agências internacionais;
36. Um financiamento deste montante, para ser compatível com os objectivos de solidez financeira pretendidos, teria de passar por um aumento de capital com o compromisso da subscrição firme por parte de um conjunto de instituições financeiras, o que, dada a situação jurídica da arguida, configurava um processo de reprivatização que, por sua vez, teria de passar necessariamente pela aprovação de um Decreto-Lei pelo Governo e por um conjunto de trâmites e procedimentos não dependentes da E...;
37. O facto divulgado pelas agências Bloomberg (às 13h31m e 13h47m, de 29-07-2004) e Reuters (às 14h21m, 14h23m e 14h26m do mesmo dia) foi a conclusão do negócio entre E..., EnBW, Cajastur, Cáser e Bancos Financiadores que permitiria à E... passar a controlar 95,7% do capital social da H...;
38. Um dos contratos absolutamente decisivos para que a operação se concretizasse, o único entre todas as partes envolvidas, o “Addendum to the Shareholders Agreement dated 4th December, 2001”, não foi aprovado na reunião do Conselho de Administração em causa, precisamente porque a respectiva negociação só foi finalizada posteriormente entre todas as partes, na manhã e no princípio da tarde do dia 29 de Julho de 2004;
39. Nesse sentido, no dia 28 de Julho de 2004, às 20h10m, as partes ainda trocavam e-mails com propostas de redacção para o “Addendum to the Shareholders Agreement dated 4th December, 2001” que, aliás, não vieram a ser consagradas;
40. Este contrato era essencial na medida em que por força do “Shareholders Agreement dated 4th December, 2001” celebrado entre E..., EnBW, Cajastur e Cáser, as partes não podiam realizar a transacção projectada, desde logo, porque se tinham obrigado a não comprar ou vender acções da H... até 1 de Janeiro de 2005, bem como a não aumentar a sua participação acima dos 49%;
41. Assim, o “Addendum to the Shareholders Agreement dated 4th December, 2001” permitiu, com o acordo de todos, proceder à revogação do anterior acordo parassocial e a regular a situação transitória que se iria criar entre a celebração dos contratos e a efectiva transmissão das acções;
42. Só durante a manhã e princípio da tarde do dia 29 de Julho, primeiro momento ao longo de todo o período de negociações em que as partes estiveram todas reunidas numa mesma sala, é que esse contrato decisivo foi negociado com sucesso;
43. Um dos contratos cuja minuta tinha sido previamente aprovada na reunião do Conselho de Administração veio mesmo a sofrer alterações que tiveram até de ser manuscritas no documento que veio a ser efectivamente assinado por volta das 16:00 horas, plasmando o acordo final entre as partes;
44. Na cláusula 14.1.2.2. do “Contrato de Canje de Valores y Compraventa de Acciones” entre E..., Cajastur e Cáser, teve de ser eliminada uma das consequências que estava prevista para o incumprimento da Cáser;
45. Durante o período prolongado de complexas negociações que decorreu até ao dia 29 de Julho de 2004, a Cáser não interveio directamente nas conversações entre as partes, sendo comercialmente representada pela Cajastur, com quem tem um relacionamento muito próximo;
46. A Cáser só surgiu por si própria no processo negocial precisamente no dia 29 de Julho de 2004, a primeira vez em que todas as partes envolvidas estiveram reunidas numa mesma sala;
47. Durante as negociações finais, o representante da Cáser levantou dificuldades de última hora relacionadas com a futura situação societária na H..., dificuldades que tiveram de ser ultrapassadas durante o princípio da tarde do dia 29 de Julho, mediante negociação entre todas as partes envolvidas, especialmente entre a Cajastur e a Cáser;
48. Só por volta das 16:00 horas é que a Cáser acabou por dar o seu acordo final ao teor das minutas contratuais em negociação, iniciando-se imediatamente o processo de recolha de assinaturas dos contratos e os mecanismos tendentes à comunicação do facto relevante à CMVM;
49. A arguida enviou o comunicado de facto relevante para a CMVM às 16h15m, imediatamente após ter concluído com sucesso a negociação dos vários acordos em causa, e só às 16h45m, no âmbito da conferência de imprensa convocada para a apresentação dos resultados semestrais, divulgou o facto relevante ao público em geral;
50. Durante o dia 29 de Julho de 2004 a arguida foi mantendo a CMVM permanentemente informada acerca das vicissitudes do processo negocial e do procedimento por si seguido;
51. Logo a seguir à reunião do Conselho de Administração da E..., representantes desta reuniram-se com representantes da CMVM dando conta da circunstância de o acordo com a EnBW, Cajastur e Cáser e demais partes envolvidas estar próximo, embora ainda não completamente seguro;
52. Logo nessa reunião, que teve lugar por volta das 13:00horas, a arguida disponibilizou o próprio projecto de facto relevante aos responsáveis da CMVM que seria divulgado imediatamente assim que o acordo final estivesse confirmado, antes de qualquer outra divulgação pública por parte da E..., o que na altura não suscitou qualquer reacção negativa por parte da CMVM e foi cumprido por parte da arguida;
53. A operação em causa foi conduzida exclusivamente pelo Gabinete de Análise de Negócios (GAN), um pequeno departamento especializado neste tipo de operações, cujos membros são profissionais habituados a uma cultura de confidencialidade, normalmente oriundos da banca de investimento;
54. O GAN é completamente autónomo da restante estrutura da E... do ponto de vista da circulação da informação, pelo que outros colaboradores da empresa não têm acesso à informação gerida por este;
55. Existia uma lista constantemente actualizada com as pessoas com acesso à informação em causa;
56. Usavam-se nomes de código para identificar a operação em causa e para designar as partes envolvidas, sendo que os ficheiros informáticos estavam protegidos contra acessos não autorizados;
57. No “Shareholders Agreement dated 4th December, 2001”, o acordo parassocial relativo à H... vigente entre a E..., EnBW, Cajastur e Cáser até à concretização da operação em causa e que, portanto, vinculava as partes no período em que as negociações se desenrolaram, continha uma cláusula de confidencialidade, a 19.ª, que abrangia todas as partes envolvidas em qualquer transacção que tivesse por objecto acções da H....
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FACTOS NÃO PROVADOS
i.) Até 29 de Julho de 2004 não eram publicamente conhecidas as intenções de a arguida adquirir 56,2% do capital social da H..., tendo mesmo tal facto sido expressamente negado pela arguida no dia 9 de Junho de 2004, em notícia publicada no “Jornal de Negócios”, bem como perante a CMVM, na sequência de esclarecimentos por esta solicitados;
ii.) Na reunião de 29-07-2004 tida entre representantes da E... e da CMVM, aqueles transmitiram a estes a deliberação tomada nessa manhã pelo Conselho de Administração da sociedade arguida;
iii.) Nesse momento (reunião de 29-07-2004), a CMVM tomou conhecimento de que o Conselho de Administração da E... havia tomado a referida deliberação e nem por isso referiu qualquer necessidade de proceder à divulgação imediata ao público;
iv.) No dia 09-06-2004 o Jornal de Negócios tenha noticiado “as declarações de P..., o director das relações com o mercado da arguida”
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Para formar a sua convicção sobre os factos provados e não provados este Tribunal valorou de forma crítica, conjugada e global toda a prova validamente produzida, segundo as regras da experiência e à luz do princípio da livre apreciação.
Todavia, antes de fixar tais factos houve necessidade de expurgar as circunstâncias e afirmações de facto que surgem repetidas nos diversos articulados ou que contêm em si juízos ou apreciações de natureza valorativa ou conclusiva, ou sem interesse directo na apreciação da causa.
Assim, o facto 8. da Decisão Administrativa (doravante DA) passou para a presente sentença com a mesma numeração, mas sem as repetições, nem a consideração sobre factos anteriormente referidos, ou seja, dizer que “o facto em causa ocorre na esfera jurídica de actividade da arguida” não é enunciar um facto, mas sim apreciá-lo (ou apreciar um conjunto de factos) do ponto de vista jurídico.
Os “factos” 10., 11. e 12. da DA são também considerações feitas sobre os factos mencionados em pontos anteriores da mesma peça processual.
O facto 13. da DA foi conjugado com o facto 14. da mesma decisão, resultando no facto provado n.º 9.
Os factos 17. e 18. da DA (sustentados pelos prints de fls. 17 a 25) mantiveram-se na presente decisão, mas para complementar o facto alegado na Impugnação Judicial sob o art.º 26.º, aditando-lhe as horas das notícias da Bloomberg e da Reuters. Tal opção prende-se com a circunstância de a autoridade administrativa ter utilizado a expressão ambígua “facto em questão”, quando em causa no presente processo está precisamente a questão de saber qual é o facto em questão (passe a repetição).
O facto 21. da DA corresponde ao facto 14. da presente sentença, mas expurgado da conclusão que continha.
Os “factos” 23. e 24. da DA são também puramente conclusivos.
Os pontos 36., 37. e 38. da DA são apresentados como meios de prova (aliás, prova já declarada nula), porém, os dois primeiros referem, embora indirectamente, factos que se mantiveram na presente sentença, dada a relevância que assumem face a uma das possíveis soluções jurídicas a dar ao caso, bem como a circunstância de terem ficado provados através de outros elementos probatórios.
Os pontos 39., 40. e 41. da DA correspondem a claras conclusões tiradas pela Autoridade Administrativa, pelo que foram retirados do elenco dos factos provados e não provados.
Entrando agora na enunciação e no exame crítico das provas que serviram para formar a nossa convicção, vamos enumerar de seguida os factos, por referência ao número que lhe foi atribuído nesta sentença e a respectiva prova documental.
Os pontos 1. e 2. ficaram provados pela análise da cópia do Boletim de Cotações, a fls. 53.
O ponto 3. decorre da leitura da Acta n.º 14/2004 respeitante à reunião extraordinária do Conselho de Administração da E..., então designada “E..., S.A.”, que ocorreu no dia 29-07-2004, entre as 09h30m e as 10h30m – fls. 238 a 241.
Os pontos 4. a 7. ficaram provados com base na cópia da comunicação de Facto Relevante feita pela E... à CMVM no dia 29-07-2004 – fls. 28 a 30 –, bem como, no que concerne ao ponto 6., o respectivo anúncio do lançamento da oferta pública de subscrição – fls. 54 e 55.
O ponto 8. ficou provado com base na análise da cópia da Acta n.º 2/2004 da Assembleia-geral realizada no dia 7 de Outubro de 2004 – fls. 76 a 89.
Os pontos 9. e 10. resultaram provados com fundamento no Parecer Técnico da DSIFO de fls. 49 a 52.
Para prova do ponto 11. estribámo-nos na cópia do anexo relativo à actividade do grupo E... por segmentos de negócio, que consta dos autos a fls. 44.
Os factos constantes dos pontos 12. e 13. ficam provados pela análise do próprio comunicado de factos relevantes (fls. 28 a 30), bem como do print com a relação das comunicações de factos relevantes no Sistema de Difusão de Informação da CMVM de fls. 26 e 27 e cópia do e-mail de envio da versão portuguesa do mencionado comunicado (fls. 312).
Já no que tange aos factos constantes dos pontos 14. a 24. foram considerados provados pela análise do Parecer Técnico do DSIFO, fls. 49 a 52 e do Parecer Técnico do Gabinete de Estudos da CMVM, intitulado “Análise do impacto do atraso na divulgação de um facto relevante nos preços e quantidades transaccionadas de acções da E...” que se encontra junto aos autos de fls. 266 a 297.
Os factos 25. e 26. respeitam a excertos de notícias publicadas nos dias 8 e 9 de Junho de 2004 no “Diário Económico” e no “Jornal de Negócios”, respectivamente, cujas cópias estão a fls. 14 e 15, e foram reconhecidos pelas testemunhas que depuseram em audiência, depois de lhes terem sido exibidos.
O facto 27. foi confirmado pelo próprio P…, o qual depôs como testemunha na audiência de julgamento.
Os pontos 28. e 29. contêm factos retirados, como já vimos, dos pontos 36. e 37. da DA, e foram considerados assentes pela prova testemunhal consubstanciada no depoimento isento e sincero de R…, que foi administrador da sociedade arguida entre 2000 e 2006 e teve particular intervenção em muitos dos factos relacionados com o reforço da participação da E... na H....
Aliás, importa realçar que as testemunhas que depuseram em audiência de julgamento fizeram-no, em geral, de forma que consideramos isenta, segura e sincera, de tal modo que podemos reputar de credíveis os seus depoimentos.
É certo que a fidedignidade dos seus depoimentos, por se reportarem a factos que ocorreram entre 2003 e 2004, não pode deixar de estar, por vezes, afectada pelo inexorável efeito que o tempo tem sobre a memória das pessoas, mas sempre que assim foi, as testemunhas deixaram claro que a pouca segurança ou incerteza da resposta se devia ao tempo decorrido, o que tomámos como uma justificação aceitável.
Foi precisamente o que aconteceu no que concerne ao facto de, na reunião tida entre representantes da E... e da CMVM por volta das 13:00 horas do dia 29-07-2004, ter sido transmitida a deliberação tomada pelo Conselho de Administração da sociedade arguida nessa manhã, entre as 09h30m e as 10h30m.
Com efeito, os dois intervenientes dessa reunião que foram inquiridos em audiência (R…, à data administrador da E..., e P…, por banda da CMVM) não se recordam com segurança de essa questão ter sido abordada durante o encontro, no qual o ponto crucial terá sido o de transmitir pessoalmente à CMVM que o negócio estava para ser fechado – o que bem se compreende dada a importância de tal transacção.
Por conseguinte, foi dado como não provado o facto – que havia sido alegado pela arguida – de que na mencionada reunião os representantes da E... tinham transmitido à CMVM que o Conselho de Administração já havia deliberado conforme ponto 3. dos “Factos Provados” e, consequentemente, também não se provou que a reacção daquela autoridade foi a de não ver necessidade de divulgar a deliberação imediatamente.
Em audiência de julgamento foram inquiridas as seguintes testemunhas:
- J…, desde Novembro de 2009 é Subdirector do Departamento Internacional de Política Regulatória da CMVM, onde está desde Outubro de 2002. À data era técnico do Departamento de Supervisão Financeira e de Operações. É jurista de formação.
- M…, é economista e entrou para a CMVM em 1994, sendo que desde 1999 que assume funções de direcção.
- M…. Entre 2003 e 2005 foi gestor de projectos no Gabinete de Análise de Negócios (GAN) da sociedade arguida. A partir de 2005 e até 2009 foi director desse gabinete. Actualmente é administrador da E... – Distribuição. É formado em gestão, sendo que antes de entrar para a sociedade arguida trabalhou em bancos de investimento.
- C… é advogado. Desde 1999 que colabora com a E.... Foi responsável da equipa jurídica espanhola que tratou das negociações em causa.
- R…. A sua formação académica é em Economia. Foi administrador da E... entre 2000 e 2006.
- P… é formado em Gestão de Empresas. Entrou para a E... em 2001, onde foi responsável pelas relações com os investidores até 2005/6. Mantém-se na E... e actualmente está na Direcção de Análise de Negócios, actual designação do GAN.
- P… é advogado. Iniciou funções na CMVM em 1994. A partir de 1998 foi director do Departamento de Emitentes, até 2006. Entre 2006 e 2008 foi director do Departamento de Política Regulatória e Relações Internacionais. Actualmente já não colabora com a CMVM.
As testemunhas J… e M… pronunciaram-se essencialmente sobre os factos que constituem o objecto do processo provenientes da decisão administrativa condenatória. Tais factos ficam provados fundamentalmente por força dos documentos juntos aos autos e a que já nos referimos. Os seus depoimentos serviram, por isso, para enquadrar e interligar os factos, explicando desta forma o raciocínio da autoridade que instruiu e decidiu o presente processo contra-ordenacional.
A testemunha M… devido à função que exercia, teve um forte empenho nesta operação, que acompanhou desde o início até ao fim. Pronunciou-se, por isso, sobre todos os factos, em especial os alegados pela sociedade arguida, tanto no que respeita aos avanços e recuos das negociações, a complexidade que envolvia montar uma operação desta envergadura, bem como os diversos factores que teriam de se conjugar para o negócio ser bem sucedido na perspectiva da E.... Por isso mesmo também se referiu com propriedade sobre as cautelas quanto ao sigilo, as quais, aliás, já lhe advinham da sua experiência na banca de investimento, relatando quais as foram as seguidas no caso vertente, e contribuindo deste modo para a prova dos pontos 54. a 58.
A testemunha C… pronunciou-se com conhecimento directo dos factos, em especial sobre os últimos momentos das prolongadas negociações que conduziram à celebração dos acordos referidos no ponto 30. dos factos provados.
Depôs sobre o acordo parassocial existente entre E..., EnBW, Cajastur e Cáser, bem como sobre os condicionalismos impostos pelo mesmo e que tiveram especial incidência sobre a forma como foram conduzidas as negociações, pois para a E... o negócio só era possível e só interessava caso aquele fosse alterado, como veio a acontecer através do “Addendum to the Shareholders Agreement dated 4th December, 2001”.
A testemunha chegou a Lisboa dois ou três dias antes de 29 de Julho e esteve nas negociações finais, porém sempre sem o representante da Cáser, o qual só chegou no próprio dia 29, por volta ou depois do almoço, e logo levantou dificuldades, sendo que a sua primeira reacção foi a de que não assinava, o que comprometia o negócio, dado o parassocial existente.
Relatou de forma circunstanciada – ou tanto quanto possível, considerando que tais factos têm mais de cinco anos – as intensas negociações do dia 29, em especial depois dos entraves que, inesperadamente, o representante da Cáser havia colocado. Entretanto, os representantes da Cajastur convenceram o representante da Cáser, sendo que só foi possível assinar os acordos por volta das 16:00horas, ou seja, pouco antes da comunicação de facto relevante, a qual foi remetida à CMVM, como está provado documentalmente, às 16h15m.
Relatou ainda um pedido de alteração de última hora, por parte da Cajastur, respeitante a questões laterais, mas que também acabaram por atrasar a assinatura dos acordos.
Assim sendo, para prova dos factos ínsitos nos pontos 42., 43., 45., 46., 47. e 48. – a que também se referiram as testemunhas R… e M… – estribámo-nos essencialmente no depoimento espontâneo, seguro e franco, prestado pela testemunha C….
Esta testemunha referiu-se também aos acordos de confidencialidade e às práticas standard no que concerne ao sigilo, pelo que também contribuiu para a prova dos factos constantes dos pontos 54. a 58.
A testemunha R… foi, por parte da E..., uma figura central neste negócio e, por esse motivo, conhece-o bem em todas as suas vertentes.
Pronunciou-se sobre toda a matéria objecto deste processo e fê-lo, como já dissemos, com isenção.
Para além dos factos a que já nos referimos, o depoimento desta testemunha contribuiu em geral, pelo seu conhecimento directo, para a generalidade dos factos alegados no requerimento de impugnação judicial, enquadrando aqueles que ficam provados documentalmente.
Descreveu o ambiente negocial, os condicionalismos existentes e as perspectivas do que seria o negócio desejado para a E.... Fez o relato das negociações e das suas vicissitudes. Enquadrou a deliberação de 29 de Julho e narrou, tanto quanto a memória lho permitiu (como já referimos), a reunião ocorrida na CMVM nesse mesmo dia, bem como a forma como tomou conhecimento de que estavam a ser publicadas as notícias na Reuters e na Bloomberg. Confirmou a insistência, via P…, que a CMVM a partir daí fez para que saísse um comunicado de facto relevante, e a impossibilidade que, na sua perspectiva, tinha de o fazer, dado o impasse nas negociações já mencionado aquando da apreciação do depoimento da testemunha C….
No que respeita à notícia de 09-06-2004, começou por dizer que tinha falado com P… após a publicação da notícia no “Diário Económico” do dia 08-06-2004 (facto 25.), a qual ocorreu precisamente num momento em que, na perspectiva da E..., pensava que não haveria negócio. Por isso, recorda-se de ter informado P… de que tal notícia não era exacta.
Depois de reler, em audiência, a notícia do “Jornal de Negócios” publicada em 09-06-2004 (facto 26.), reconhece existirem ali inexactidões, mormente no que concerne à expressão “intenção” de a EnBW alienar a sua participação, pois o que existia apenas era a disponibilidade por parte da empresa alemã, já que qualquer das partes envolvidas sabia das limitações impostas pelo parassocial. Por outro lado, a circunstância de já haver um preço indicativo, não pode deixar de ser vista como sendo apenas um dos diversos factores que tinham de ser tidos em conta para a conclusão do negócio.
Também a testemunha P…, citado pelo “Jornal de Negócios”, recorda-se que quando a leu a notícia de 09-06-2004 “não o chocou, pois o espírito estava lá.”
Segundo esta testemunha, a notícia não resume a conversa telefónica tida com a jornalista, pois, por exemplo, foi explicado à mesma que havia um parassocial “muito complicado”, que colocava entraves à realização do negócio, sendo que o “Mibel”, embora não ditasse o momento da operação, constituía o racional estratégico subjacente à vontade da E... vir a ser “dona” da H.... Todavia, esta testemunha não reconhece a autoria de todas as expressões contidas nessa notícia, designadamente, no que concerne ao facto de, até àquele momento, a EnBW ainda não ter manifestado “a intenção” de vender a sua participação na H....
Ou seja, a testemunha P…, não obstante reconhecer que o espírito da mensagem por si transmitida estava contido na notícia, não admite que tenha colocado a entrada em funcionamento do “Mibel” como factor definidor do “timing” (para usar a sua expressão) da operação, nem que tenha utilizado a expressão que surge em discurso indirecto e que traduz a ideia de que a EnBW não tinha manifestado “a intenção” de alienar a sua participação na empresa asturiana.
Para considerar como não provado o facto que constava do ponto 35. dos “factos provados” da Decisão Administrativa, na parte em que se afirma que o Jornal de Negócios “noticiou as declarações de P…”, importa ter presente o seguinte:
Este facto assume relevância para a presente decisão na medida em que poderá, ou não, consubstanciar a violação do dever de qualidade de informação, ínsito no art.º 7.º, n.º 1 do CVM. A informação aí referida deve ter as características de completude, verdade, actualidade, clareza, objectividade e licitude.
Por outro lado, a notícia utiliza um discurso indirecto e resume uma conversa, sendo que a pessoa em causa, P…, não se revê como autor de todas as expressões que lhe são imputadas.
Não se pode, pois, afirmar que, com a certeza que é imposta ao julgador, a notícia corresponde às (exactas) declarações de P...
A circunstância de o responsável pelas relações com os investidores ou a E... não terem feito um desmentido da notícia de 09-06-2004, não nos permite, de forma alguma, concluir que ela corresponde fielmente às declarações daquela concreta pessoa.
É do conhecimento comum que todos os dias são publicadas notícias na imprensa que não reproduzem com exactidão determinadas declarações e, nem por isso, todas essas notícias são alvo de desmentidos ou correcções. A inacção do interessado não tem – nem pode ter num Estado de Direito – como consequência a transformação em verdadeiro e exacto, aquilo que o não era.
Por conseguinte, considerámos como não provado que, no dia 09-06-2004, o Jornal de Negócios “noticiou as declarações de P…”.
Considerámos, ainda, como não provado o facto que consta no ponto i.) desta sentença, ou seja, que “até 29 de Julho de 2004 não eram publicamente conhecidas as intenções de a arguida adquirir 56,2% do capital social da H..., tendo mesmo tal facto sido expressamente negado pela arguida no dia 9 de Junho de 2004, em notícia publicada no “Jornal de Negócios”, bem como perante a CMVM, na sequência de esclarecimentos por esta solicitados” (facto do ponto 9. da DA). Para além de conter um juízo valorativo sobre as intenções da arguida, ou melhor, sobre o conhecimento público das intenções dela, a própria notícia de 08-06-20004 (facto provado 25.) apontava no sentido contrário, ou seja, de que a arguida se preparava para comprar esse activo. Ora, não é o facto de ter sido publicada a notícia no “Jornal de Negócios” no dia seguinte (09-06-2004) que aquelas “intenções” (para usar a expressão da decisão administrativa) deixam de ser públicas. É certo que a E... já tinha desmentido intenções, mesmo através Sistema de Difusão de Informação, mas isso, para além de não retirar o carácter público de anteriores notícias, nesse caso concreto até ocorreu muito antes do dia 29 de Julho de 2004 – veja-se o Comunicado de Facto Relevante de 26 de Junho de 2003, precisamente com o título “A E... desmente intenção de aumentar participação na H... para 80%” (sublinhado nosso), cuja cópia consta de fls. 32. Acresce que, como já vimos, é impossível determinar os exactos termos em que a notícia de 09-06-2004 pode ser imputada à arguida.
Finalmente, no que respeita à prova testemunhal, P…, para além de se ter pronunciado sobre a reunião realizada no dia 29-06-2004 nas instalações da CMVM com os representantes da E..., de forma limitada como vimos, pouco mais adiantou quanto à matéria de facto relevante, tendo corroborado o que já tinha sido dito pelas testemunhas R… e P… sobre a circunstância de a CMVM ter pedido telefonicamente para a E... comunicar imediatamente a “notícia da operação”, após as já aludidas notícias da Bloomberg e da Reuters, bem como sobre a resposta que recebeu cujo teor era o de que a arguida, através do interlocutor P…, dizia que não podia correr o risco de fazer uma declaração prematura, que depois não se viesse a concretizar.
Para prova dos factos alegados pela sociedade arguida tivemos, ainda, em conta a prova documental consubstanciada nos prints das notícias da Bloomberg e da Reuters a fls. 768 a 773; na cópia do “Addendum to the Shareholders Agreement dated 4th December, 2001”, fls. 782 a 788; a cópia do e-mail relativo às negociações ainda em curso na noite de 28-07-2004, fls. 789 e 790; as páginas, com interesse para os presentes autos, do “Contrato de Canje de Valores y Compraventa de Acciones”, fls. 791 a 793; a cópia da “Working Group List” de fls. 794 a 808; o documento relativo à negociação em causa, revelador dos cuidados de confidencialidade – fls. 809 a 813; e o “Shareholders Agreement dated 4th December, 2001”, na parte que releva para a questão da confidencialidade – fls. 814 a 821.
Por último, considerando o disposto na parte final do n.º 4 do art.º 416.º do CVM, enquanto complemento da prova produzida em audiência de julgamento, tivemos também em consideração a prova testemunhal que já havia sido produzida, sob as exigências do princípio do contraditório, no âmbito da fase administrativa deste processo contra-ordenacional, a saber:
- Depoimento de M…– fls. 490 a 495;
- Depoimento de R… – fls. 497 a 509;
- Depoimento de J… – fls. 510 a 520.
Diga-se, apenas, que não se divisam entre os depoimentos prestados pelas testemunhas M… e R… na fase administrativa e em audiência de julgamento discrepâncias de maior, sendo de notar, igualmente, que o depoimento plasmado no auto de fls. 510 a 520, prestado por J… também está em consonância, confortando, os depoimentos prestados pelas restantes testemunhas arroladas pela defesa.
***
….

Vejamos:

Nas conclusões formuladas, que balizam o objecto do recurso -- Art.°s 403º e 412°, n.° l do C.P.Penal --, já que “o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação” (Acórdão do S.T.J. de 13-3-91, Proc. 41.694/3ª, citado em anotação ao Art.° 412° no “Cód. Proc. Penal Anotado”, de Maia Gonçalves; entre muitos outros também, cfr. Ac. do S.T.J. de 22-05-95, a págs. 127 do B.M.J. 445°; aliás, “se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que suscitou na motivação, como vem entendendo o STJ, o tribunal superior só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no Art.° 684.º, n.º 3 do CPC. Com efeito, nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso.” - in “Cód Proc. Penal Anotado”, II vol., pág. 555, de Simas Santos, Leal-Henriques e Borges de Pinho), os recorrentes suscitam, unicamente, as seguintes questões de direito, até porque o conhecimento deste Tribunal se encontra limitado a essa matéria, na medida em que somente funciona como tribunal de revista (cfr. Art.º 75º, n.º l do Decreto-Lei n.° 433/82 de 27 de Outubro):
A – Mº Pº benfica
1 - Devia a arguida ter sido condenada pela prática da contra-ordenação de violação do dever de divulgação de facto relevante;
2 - Devia a arguida ter sido condenada pela prática da contra-ordenação de violação do dever de veracidade da informação divulgada ao público:
3 - Não devia ter sido declarada a nulidade de provas recolhidas pela CMVM em fase prévia do processo de contra-ordenação e resultante das cartas da arguida datadas de 23-08-2004 e de 04-04-2005;
4 - Eventual ocorrência de erro notório na apreciação da prova;
5 - Pretensa verificação de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
B – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
1 - Não devia ter sido declarada a nulidade de provas integradas nos autos e resultante das cartas da arguida datadas de 23-08-2004 e de 04-04-2005, uma vez que tal entendimento se revela susceptível de constituir inconstitucionalidade, na interpretação e aplicação, dos Art.ºs 358º, alínea e), 359°, n.º 3, 360º, n.º 1, alíneas e) e f), 361°, n.º 2, alínea a) e 407° do C.V.M., 41°, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações, 61º, n.º 3, alínea d) e 126°, n.ºs 1 e 2, alínea a) do C.P.Penal, por violação dos Art.ºs 81°, alínea f) e 101° da C.R.P;
2 - Devia a arguida ter sido condenada pela prática da contra-ordenação muito grave por violação do dever de divulgação imediata de facto relevante p. e p. pelos Art.ºs 248º, n.º 1, 394º, n.º 1, alínea h) e 388º, n.º 1, alínea a) do C.V.M., sob pena de ocorrência de inconstitucionalidade, na interpretação e aplicação, do Art.º 248º, n.º 1 do sobredito Código, por violação dos Art.ºs 81°, alínea f) e 101° da C.R.P;
3 - Suposta verificação de erro notório na apreciação da prova;
4 - Devia a arguida ter sido condenada pela prática da contra-ordenação muito grave pela prestação de informação sem qualidade p. e p. nos Art.ºs 7°, n.º 1, 389°, n.º 1 e 388º, n.º 1, alínea a) do C.V.M., sob pena de ocorrência de inconstitucionalidade, na interpretação e aplicação, desses mesmos preceitos, por violação dos Art.ºs 81°, alínea f) e 101° da C.R.P..

Por sua vez, impõe-se, de imediato, salientar que o conhecimento das supra indicadas questões há-de ser feito pela seguinte ordem:
- Em primeiro lugar, aquilo que se suscita nos n.ºs 3 do ponto A e no n.º 1 do ponto B;
- Em segundo lugar, o que se reporta ao n.º 5 do ponto A;
- Em terceiro lugar, o concernente ao n.º 4 do ponto A e ao n.º 3 do ponto B;
- Em quarto lugar, aquilo que se prende com o n.º 1 do ponto A e no n.º 2 do ponto B;
- Em quinto lugar, o que se encontra vertido no n.º 2 do ponto A e no n.º 4 do ponto B.

Primeiramente, impõe-se, desde logo, dizer que, ao contrário do sustentado por ambos os recorrentes, nem a decisão em causa, nem sequer a doutrina em que se sustenta, concebem o direito à não auto-­incriminação, ou qualquer outro direito ou princípio fundamental, como absoluto.
Na verdade, uma noção de direitos fundamentais de alcance absoluto parece ser inconcebível nos nossos dias, quer no plano da ciência jurídica, quer mesmo no plano da vida.
Pelo que, de acordo com a posição sustentada pela arguida, afigura-se-nos, também, que os princípios (direitos) fundamentais constituem imperativos de optimização, que não admitem verdadeiras excepções mas, antes, quando conflituantes, apenas restrições ou compressões.
Ora, o direito à não auto-incriminação é um direito que integra a nossa constituição material.
A verdadeira questão está em descortinar quais os seus corolários, qual o seu alcance e quais os seus limites, sobretudo no confronto com outros direitos ou princípios de índole constitucional, o que aparentemente sucede in casu.
Nesta conformidade, não pode deixar de se notar que se o Mº Pº reconhece o carácter constitucional e jusfundamental do direito à não auto-incriminação, já a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários parece hesitar em considerar o direito à não auto-incriminação como verdadeiro direito fundamental, insistindo amiúde que o mesmo não está inscrito na Constituição da República.
Todavia, não obstante o princípio nemo tenetur – seja na sua vertente de direito ao silêncio do arguido, seja na sua dimensão de “privilégio” do arguido contra uma auto-incriminação – não estar expressa e directamente plasmado no texto constitucional, a doutrina e a jurisprudência portuguesas são unânimes não só quanto à vigência daquele princípio no direito processual penal português, como quanto à sua natureza constitucional (cfr. Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, Podres de Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova in Supervisão, Direito ao Silêncio e Legalidade da Prova, Edição de 2009, Pág. 39).
Destarte, torna-se imperioso apurar a amplitude dos direitos processuais fundamentais, nomeadamente no âmbito contra-ordenacional.
Inexistem dúvidas de que as garantias próprias do processo penal têm vindo a ser paulatinamente adquiridas pelo processo contra-ordenacional e pelo direito sancionatório em geral.
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, acerca da norma consagrada no Art.° 32°, n.° 10 da C.R.P., “trata-se de uma simples irradiação para esse domínio sancionatório de requisitos constitutivos do Estado de direito democrático” (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Edição de 2007, Pág. 526).
Num Estado de Direito democrático os cidadãos e as pessoas colectivas devem poder contar com processos sancionatórios céleres e eficazes mas justos e pautados pela equidade. E devem, também, poder contar com uma actuação leal das autoridades judiciárias e administrativas.
Tanto uma interpretação de acordo com o espírito do legislador, constituinte e ordinário, como uma interpretação actualista da CRP, permitem asseverar a bondade da afirmação dos supra mencionados Professores sobre a norma do Art.º 32°, n.º 10 da Lei Fundamental.
Aliás, importa consignar que o S.T.J. tem avançado, de forma inequívoca, no sentido de aproximar o processo contra-­ordenacional do processo penal, designadamente no que toca às garantias dos arguidos.
E dizemos isto porque, no Assento 1/2003, publicado no D. R., I-A Série de 25-01-2003, se entendeu que "Quando, em cumprimento do artigo 50.º do regime geral das contra-­ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afectado de nulidade (...)".
Este aresto acolhe definitivamente uma interpretação ampla da sobredita norma constitucional, sublinhando a necessidade de o arguido ser confrontado com todos os elementos que lhe são imputados e que o acusador pretende que sirvam a sua condenação.
Verifica-se, pois, que, perante a redacção algo ambígua - mas com uma razão de ser histórica - do Art.º 32°, n.º 10 da C.R.P., o Assento 1/2003 tomou uma opção clara no sentido de considerar que as garantias do processo penal se deverão estender ao processo contra-ordenacional.
É que, na verdade, a utilização das expressões "direitos de audiência e de defesa" resulta da génese do direito contra-­ordenacional e das influências quer do direito administrativo onde é próprio falar-se em "direito de audiência", quer do direito processual penal, onde é próprio falar-se em "direitos de defesa".
A razão de ser da predita opção encontra-se, outrossim, na sentença recorrida.
De facto, há muito que se vem verificando ser insustentável manter a concepção do direito contra-ordenacional como um direito axiologicamente neutro - ou cuja ilicitude resulta apenas da norma - e que, como se refere na decisão ora em causa, "agravaram-se as sanções aplicáveis neste ramo de direito, através de um alargamento do leque das sanções acessórias e de um aumento considerável dos montantes das coimas (…)".
Importa, portanto, determinar em que medida poderá o direito à não auto-incrirninação valer em processo contra-ordenacional e, ainda, com que extensão e limites.
Desconsiderando aqui a realidade da supervisão e se nos ativermos apenas aos fins e efeitos do processo contra-ordenacional, por um lado, e ao regime do Regime Geral das Contra-Ordenações, por outro, notamos que inexistem razões para excluir, à partida, o direito à não auto­-incriminação (e, bem assim, os direitos ao silêncio e à presunção da inocência dos arguidos) do catálogo de garantias dos arguidos em processo contra-ordenacional.
Se o artigo 41°, n.º 1 do supra mencionado Regime manda aplicar subsidiariamente as normas do processo penal ao processo contra-ordenacional e se uma análise, mesmo que perfunctória, demonstra que aquele diploma legal não regula a questão, não se nos afigura existir motivo para excluir a vigência do direito ao silêncio e do direito à não auto­-incriminação deste domínio.
Até porque não se vislumbra qualquer impedimento à concessão aos arguidos em processo contra-ordenacional daqueles direitos surgidos primeiramente no foro da jurisdição penal.
De todo em todo, como acertadamente se sublinha na decisão em crise, tanto o legislador, como a prática da generalidade das autoridades administrativas demonstra isso mesmo, estruturando, no dia-a-dia o processo contra-ordenacional em moldes idênticos ao processo-crime: Notícia do Ilícito; Instrução e Investigação das Autoridades Administrativas e Notificação do Auto de Notícia/Acusação para exercício do direito de defesa.
Desta forma, até à decisão final, o arguido, pese embora possa exercer o seu direito de defesa ao abrigo do Art.º 50° do Regime Geral das Contra-Ordenações, não é obrigado a emitir qualquer declaração ou a participar por qualquer meio na fase administrativa do processo contra-­ordenacional.
É certo que as autoridades administrativas podem adquirir a notícia do ilícito ao abrigo dos seus poderes de fiscalização ou por qualquer outro meio legalmente admissível, podendo utilizar os elementos colhidos no exercício das suas atribuições não sancionatórias para instruir os processos contra-ordenacionais, sendo isso que sucede na prática.
O momento chave, o momento a partir do qual as Autoridades Administrativas deverão despir as vestes de Administração, substituindo-as pelas vestes de Autoridade Administrativa com poderes sancionatórios, será o momento em que adquirem a notícia do ilícito contra-ordenacional.
Sendo também esse o momento a partir do qual vigoram as garantias processuais dos visados nos processos contra-ordenacionais que as Autoridades Administrativas desencadeiem em obediência ao princípio da legalidade (cfr. Art.º 43° do Regime Geral das Contra-Ordenações).
Ora, considerando o que se referiu sobre a necessidade de compatibilizar os diversos direitos, princípios e interesses constitucionalmente protegidos, caberá verificar se, no caso dos processos contra-­ordenacionais investigados, instruídos e decididos pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, existem razões que determinem a supressão ou a mera restrição do direito à não auto-incriminação, sempre em obediência ao princípio da proporcionalidade (cfr. Art.° 18°, n.° 2, da C.R.P.).
E, nesta perspectiva, impõe-se partir do princípio de que os interesses constitucionalmente protegidos a que o Mº Pº e a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários se reportam, nas respectivas motivações, a saber: a incumbência do Estado promover o funcionamento eficiente dos mercados (Art.º 81º, alínea f) da C.R.P.) e a estruturação legal do sistema financeiro de modo a garantir a formação, captação e a segurança das poupanças (Art.º 101° da C.R.P.), estão no mesmo plano constitucional com o direito à não auto-incriminação com o qual conflituam neste caso concreto.
Segundo a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, as normas dos Art.ºs 361º, n.º 2, 359°, n.º 3 e 360°, n.º 1, alínea f) do Código dos Valores Mobiliários, obrigavam a arguida a fornecer-lhe todos os elementos que esta lhe solicitasse, sendo certo que, em seu entender, essas normas respeitam o princípio da proporcionalidade, pois são concretizações dos interesses constitucionalmente protegidos a que supra aludimos.
No entanto, somos da opinião que a questão não pode ser colocada nesses termos.
É que as normas em causa não estão embutidas de uma proporcionalidade prévia e autorizada constitucionalmente, uma vez que o plano em que o litígio deverá ser dirimido será o plano exegético.
Isto é, a interpretação dessas normas, segundo a qual a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários possui os poderes que lhe são literalmente atribuídos, e os supervisionados os correspondentes deveres de colaboração, mesmo quando actue como autoridade instrutora de um processo contra-ordenacional, deverá ser avaliada à luz do conflito dos interesses em jogo e segundo as máximas da proporcionalidade.
Sendo certo que, de facto, em toda a argumentação expendida pelos recorrentes, não se encontra qualquer argumento que esclareça a conclusão de que os poderes consagrados nas supra mencionadas normas deverão prevalecer no domínio dos processos contra-­ordenacionais a cargo da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários sob pena de se desvirtuarem os interesses constitucionais que visam concretizar.
E nem sequer se fale em supervisão sancionatória, pois que supervisão e poderes sancionatórios são âmbitos distintos que, como bem se refere na sentença recorrida, deverão ser claramente demarcados e que no Código dos Valores Mobiliários estão sistematicamente regulados em capítulos distintos.
Até porque não se logra vislumbrar que o presente caso, maxime o da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários e dos seus poderes, seja especialmente diferente dos demais em que a Administração Ordenadora (Reguladora e Supervisora) possui simultaneamente poderes sancionatórios.
Ainda para mais, não se alcança que o sacrifício do direito à não auto-incriminação seja a medida ou a solução necessária e adequada a concretizar os interesses prosseguidos pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários e porque não pode esta deixar de actuar como a generalidade das demais autoridades administrativas: exercendo os seus poderes ordenadores e supervisores de acordo com o que a lei lhe atribui e exercendo o poder sancionatório com os limites impostos pelos princípios essenciais de um Estado de direito democrático.
Assim, para concretizar os interesses prosseguidos pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários em harmonia com os direitos dos visados em processos sancionatórios, haverá que procurar a solução que implique uma menor restrição dessas garantias, assegurando-lhes uma adequada protecção mediante a concretização do princípio da proporcionalidade na sua vertente ou máxima de necessidade.
De todo o modo, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, para o cabal prosseguimento das suas atribuições, não necessita de utilizar "meios enganosos" para instruir, investigar e decidir processos contra-­ordenacionais, pois não só possui todos os poderes associados à supervisão e previstos, entre outros, nos supra referidos artigos, como dispõe de todos os poderes previstos no Regime Geral das Contra-Ordenações.
Recorde-se que, de acordo com o disposto no Art.º 41°, n.º 2 de tal Regime, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos das entidades competentes para o processo penal, podendo realizar as diligências probatórias que não lhe estiverem subtraídas por lei e, mesmo, podendo confiar a investigação às autoridades policiais, nos termos e para os efeitos do disposto no subsequente Art.º 54°.
Por conseguinte, torna-se imperioso extrapolar que a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários dispunha de outros meios de obtenção de prova ­- incluindo o poder de apreensão de documentos e objectos - que lhe permitiam exercer cabalmente os seus poderes sancionatórios, sem necessidade de recorrer à subtilidade de, apesar de conhecer previamente a suspeita da prática de um ilícito criminal, continuar a agir como se tal não ocorresse e como se actuasse no domínio estrito da supervisão.
Deste modo, mais nada nos resta senão concluir que a supressão do direito à não auto-­incriminação da E..., S.A. por parte da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários violou o princípio da proporcionalidade (cfr. Art.º 18°, n.º 2 da C.R.P.), na sua vertente de necessidade, já que aquela autoridade administrativa optou pelo meio de prova mais lesivo para os direitos fundamentais da arguida, sem curar de ponderar e optar por outros meios de obtenção de prova.
Aliás, a verdade irrefutável desta afirmação advém do facto de, a final, o próprio tribunal a quo ter dado como provados os factos que a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários pretendia provar, com a utilização dos documentos de fls. 37 a 40 e 306 a 310, sem necessidade de ter de recorrer aos mesmos.
Outrossim, afigura-se-nos que o que a mesma poderia e deveria ter feito, como aliás sucede com o Mº Pº e com a maioria das autoridades administrativas, era ter iniciado um processo contra-­ordenacional assim que teve notícia dos ilícitos que imputa à arguida e proceder à instrução e investigação do processos.
Então, caso considerasse necessária a obtenção de elementos probatórios na posse da arguida, das duas, uma: ou comunicava à E..., S.A. que tinha aberto processo contra-ordenacional contra a mesma, solicitando-lhe os referidos documentos mas dando-lhe conta de que poderia recusar a sua colaboração, ou recorria a quaisquer outros meios de obtenção de prova legalmente previstos (cfr. Augusto Silva Dias e Vânia Costa Ramos, O Direito à Não Auto-Inculpação (Nemo tenetur se ipsum accusare) no Processo Penal e Contra-Ordenacional Português, Edição de 2009, Pág.77 e Nota 135).
Contudo, não foi este o procedimento adoptado pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários.
Por sua vez, no que se prende com as consequências da violação ilegítima do direito à não auto-­incriminação, do direito ao silêncio e do direito à presunção de inocência, inexistem dúvidas de que bem andou o TPIC ao considerar que a solicitação daqueles documentos se tratou de um meio enganoso de obtenção de prova, nos termos e para os efeitos do disposto no Art.º 126°, n.ºs 1 e 2, alínea a) do C.P.Penal.
Na verdade, se não se tratasse de um meio enganoso, se a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários não pretendesse iludir os responsáveis da E..., S.A., nada a teria impedido de anunciar o fim a que se destinavam.
Somos, portanto, também do entendimento que a predita Comissão poderia iniciar os processos contra-ordenacionais no momento em que tem notícia dos ilícitos contra-ordenacionais e poderia exigir aos suspeitos os documentos que entendesse, dando-lhes, todavia, conhecimento da existência desses processos, mas obrigando-os a colaborar e a, ainda assim, fornecer esses documentos.
Daí que mais nada nos reste senão concluir que a decisão recorrida não merece, nesta parte, qualquer reparo, até porque as consequências dos vícios apontados foram correctamente encontradas pelo Tribunal a quo.
Por conseguinte, em nosso entender, carece de razão, a pretendida inconstitucionalidade, na interpretação e aplicação que se fez dos Art.ºs 358º, alínea e), 359°, n.º 3, 360º, n.º 1, alíneas e) e f), 361°, n.º 2, alínea a) e 407° do Código dos Valores Mobiliários, 41º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações, 61º, n.º 3, alínea d), 126°, n.ºs 1 e 2, alínea a) do C.P.Penal, referenciada aos Art.ºs 32°, n.ºs 2, 8 e 10, 81º, alínea f) e 101º da C.R.P.

Em segundo lugar, torna-se forçoso, desde logo, salientar que a contradição insanável mencionada no Art.º 410º, n.º 2, alínea b) do C.P.Penal só acontece quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que a fundamentação constante do texto da decisão recorrida justifica uma decisão oposta ou quando existe colisão entre os fundamentos invocados.
Neste âmbito, verifica-se que a decisão recorrida espelha uma fundamentação escorreita e lógica que justifica plenamente a decisão tomada.
Desde logo, pelo correcto e exaustivo exame crítico da prova produzida em audiência que foi feito na sentença sub judice, sem que se consiga vislumbrar qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão.
É que se revela perfeitamente possível, e natural, que uma pessoa se possa reconhecer no "espírito" de uma notícia, sem, no entanto, reconhecer a autoria de todas as expressões que lhe são atribuídas.
Assim, não se nos afigura existir evidente incongruência entre dar por aceite que houve declarações prestadas pelo porta-voz da E..., S.A. ao Jornal de Negócios e o dar como provado que esse mesmo jornal não noticiou essas declarações, uma vez que não reproduziu os seus exactos termos.
Desta forma, à revelia do pretendido pelo Mº Pº, inexiste, pois, o supra aludido vício.

Em terceiro lugar, torna-se, desde logo, legítimo sustentar que o vício consagrado no Art.º 410°, n.º 2, alínea c) do C.P.Penal, nas condições em que se encontra legalmente previsto, é, em função da sua natureza ou por definição, intrínseco da decisão recorrida e, como tal, não deve obter raízes no exterior da mesma
Portanto, só existe erro notório na apreciação da prova quando o mesmo é tão evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta
A discordância com a decisão do tribunal recorrido no que respeita à forma como este teria apreciado a prova produzida em audiência de julgamento não constitui o vício de erro notório na apreciação da prova.
Subsequentemente, na verdade, "... o erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410°, n.º 2, al. c), do CPP, como se vem reafirmando constantemente, não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente e só existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal. ..." (cfr. Acórdão do S.T.J. de 24-03-1999, Proc. n.º 176/99 – 3.ª Secção).
Mais, "o erro notório na apreciação da prova, nas condições em que se encontra legalmente previsto e balizado, é, de natureza ou por definição, intrínseco da decisão recorrida, e não deve obter raízes no exterior da mesma." (cfr. Acórdão do S.T.J. de 11-06-1992, BMJ 418-478).
E "... existe erro notório na apreciação da prova quando esse erro é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta.
... Serão, portanto, casos de erro notório na apreciação da prova aquele em que um acórdão recorrido menciona que o arguido estava às 10 horas de um dia em Coimbra e às 10 horas e 30 minutos desse mesmo dia em Lisboa e aquele em que se diga que o arguido deu um tiro procurando atingir o coração da vítima, que efectivamente atingiu e esfacelou, mas que não houve da sua parte intenção de matar." (cfr. Maia Gonçalves, C.P.P. Anotado, 1992, pág. 568).
Cabe salientar que "a discordância com a decisão do tribunal recorrido no que respeita à forma como este teria apreciado a prova produzida em audiência de julgamento, não constitui o vício do erro notório na apreciação da prova" (cfr. Acórdão do S.TJ. de 11-07-1991, Proc. 41953 - ponto I do sumário, in Base de Dados respectiva).
Também tal vício não se mostra revelado face ao teor da decisão recorrida e, do mesmo modo, quanto à existência do mesmo, não assiste razão aos recorrentes ao apontá-lo, como o fazem nas conclusões transcritas.
Na realidade, afigura-se-nos que estes "ficcionam" a existência de erro notório na apreciação da prova, porque aferem essa existência pela matéria alegada nas motivações dos recursos, sem correspondência, aliás, nos factos apurados e consoante o foram.
Com efeito, o Tribunal a quo ouviu os depoimentos de R... e de P..., e concluiu, de forma devidamente alicerçada, que "não se pode, pois, afirmar que, com a certeza que é imposta ao julgador, a notícia corresponde às (exactas) declarações de P...”.
O fundamento da decisão foi, muito claramente, a apreciação que o Mm.º Juiz do TPIC fez da prova testemunhal.
Nestas circunstâncias, o invocado erro nunca resultaria do texto da decisão recorrida, mas sim da apreciação da prova.
Até porque os recursos procuram atacar um vício de julgamento – a conclusão a que o Tribunal recorrido chegou quanto à autoria das notícias publicadas no Jornal de Negócios – e não um vício da sentença, que inexiste.
A Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários fundamenta o seu recurso no seguinte raciocínio: se P... falou com a jornalista que escreveu a notícia e reconheceu que o espírito da mensagem por si transmitida estava contido na notícia que veio a ser publicada no Jornal de Negócios, o Tribunal a quo teria de ter considerado, sob pena de erro notório na apreciação da prova, que a notícia do Jornal de Negócios divulgou a informação prestada pela arguida (cfr. ponto 392.).
Sendo que, de igual modo, o Mº Pº utiliza também este argumento, embora com diferente enquadramento, tal como se deixou já exarado supra.
Contudo, nenhum deles tem qualquer razão, já que, em nossa opinião, nada impede que uma pessoa se possa rever no "espírito" de uma notícia e, no entanto, não reconhecer a autoria de todas as expressões que lhe são atribuídas.
Ora, in casu, P..., conforme se exarou na sentença recorrida, reconheceu-se no espírito da mensagem transmitida, mas não admitiu "que tenha colocado a entrada em funcionamento do “Mibel” como factor definidor do “timing” (para usar a sua expressão) da operação, nem que tenha utilizado a expressão que surge em discurso indirecto e que traduz a ideia de que a EnBW não tinha manifestado a “intenção” de alienar a sua participação na empresa asturiana”.
Aliás, o próprio Mº Pº, no seu Recurso, reconhece a existência de "imprecisões” na reprodução feita pelo Jornal de Negócios das declarações prestadas por P... e que este órgão de comunicação social pode "não ter feito uma reprodução fiel” das declarações destes. Surpreendentemente, porém, afirma que o ''problema não é se as palavras citadas foram as exactas” e que "o detalhe milimétrico das declarações atribuídas a P... é irrelevante" (cfr. Ponto 2.5 das respectivas Alegações).
Ora, ao contrário do que sustenta o Mº Pº, estando em causa a alegada falsidade de informação prestada pela arguida, revela-se fundamental saber se as palavras citadas foram as exactas e qual o detalhe das declarações atribuídas a P….
É que só assim se saberá se a E..., S.A., através de P..., prestou a informação que é reputada de falsa.
De todo em todo, afigura-se-nos que a arguida não pode ser responsabilizada por incorrecções (as "imprecisões” de que fala o Mº Pº) cometidas pelo Jornal de Negócios.
E, de igual modo, não pode ser responsabilizada por uma reprodução infiel das declarações de P....
Não é pelo simples facto de o Jornal de Negócios referir como fonte da notícia P... que se conclui necessariamente que essa notícia corresponde a informação divulgada pela arguida.
Torna-se necessário demonstrar que existe uma correspondência entre a informação prestada por P... ao órgão de comunicação social e a informação publicada por este.
Sublinhe-se que a notícia do Jornal de Negócios, apesar de citar P..., está em discurso indirecto.
Deste modo, nem sequer o próprio jornal imputa a P... as concretas expressões alegadamente falsas.
Não foram, pois, os recorrentes capazes de produzir qualquer prova de que a notícia publicada no Jornal de Negócios, na parte em causa, corresponde a declarações de P....
Mais se constata que a acusação se limitou a incluir nos autos cópia da notícia de jornal.
Aliás, nem sequer se procurou saber, na fase administrativa ou na fase judicial, junto da jornalista que assina a peça, se se trata efectivamente de declarações de P....
Nestes termos, a arguida só pode ser responsabilizada pela específica informação que é por si divulgada.
Ora, não estando adquirido que o Jornal de Negócios noticiou as - exactas - declarações de P..., o conteúdo da notícia em causa não pode ser imputado à E..., S.A..
Nesta conformidade, mais nada nos resta senão acrescentar que, da ponderação global de todos os elementos probatórios considerados, não se vislumbra a ocorrência de qualquer erro notório na respectiva apreciação.
Pelo contrário, em face do expendido, toma-se patente que os factos provados só podem conduzir necessária e logicamente à conclusão de que a arguida E..., S.A. não praticou as contra-ordenações de violação do dever de divulgação de facto relevante e de violação do dever de veracidade da informação divulgada ao público em causa nestes autos.
Deste modo, constatando-se inexistir este, quer o precedente, bem como o outro vício previsto no Art.º 410º, n.º 2 do C.P.Penal, é de concluir não haver lugar ao reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do Art.º 426°, n.º 1 do mesmo Código.

Em quarto lugar, inexistem dúvidas de que o Art.º 248° do Código dos Valores Mobiliários impõe às sociedades emitentes de acções admitidas a negociação um dever de informação imediata ao público sobre "factos relevantes”.
Nos termos legais, são factos relevantes os factos ocorridos na esfera de actividade da sociedade emitente que não sejam do conhecimento público e que, devido à sua incidência sobre a situação patrimonial ou financeira ou sobre o andamento normal dos seus negócios, sejam susceptíveis de influir de maneira relevante no preço das acções.
A constituição do dever de comunicação imediata pressupõe a ocorrência de um facto na esfera da actividade da sociedade emitente que: a) não seja do conhecimento do público; b) tenha incidência sobre a situação patrimonial e financeira ou sobre o andamento geral dos negócios do emitente e c) devido a essa incidência, seja susceptível de influir de modo relevante no preço das acções.
A questão fundamental dos presentes autos está precisamente em saber, no contexto da operação de aquisição da H... por parte da arguida, qual é, no dia 29-07-2004, o facto relevante sujeito ao dever de comunicação imediata.
Os Recorrentes entendem que o facto relevante sujeito ao dever de comunicação imediata seria a deliberação do Conselho de Administração da arguida, tomada entre as 9h30m e as 10h30m, que aprovou, do ponto de vista da E..., S.A., o reforço na H... (cfr. Facto Provado 3.).
Para a arguida, diferentemente, o facto relevante é o acordo entre as partes relativamente a esse reforço na H..., o qual foi obtido por volta das 16h00 (cfr. Facto Provado 48.).
Na tese da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, exposta na decisão condenatória, a Arguida violou o dever de comunicação imediata de facto relevante por não ter divulgado, às 10h30m de 29-07-2004, que havia aprovado a referida deliberação social.
Para a E…, S.A., ao invés, o referido dever foi escrupulosamente cumprido pois divulgou ao mercado, às 16h15m do dia 29-07-2004, que havia concluído um conjunto de acordos relativos ao reforço na H..., imediatamente após ter concluído as negociações relativas a esses vários acordos (Factos Provados 12. e 49.), sendo que, por conseguinte, o facto relevante apenas se constituiu por volta das 16h00 do mesmo dia, com a obtenção do acordo entre as partes.
Primo, há que verificar a factualidade dada por provada pelo Tribunal a quo relativamente à deliberação do Conselho de Administração da E..., S.A..
Com efeito, os recursos do Mº Pº e da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários ignoram os factos provados pelo sobredito Tribunal.
Aliás, verifica-se que a última alega como se o mesmo tivesse considerado provados os factos por si alegados na decisão administrativa (cfr. Pontos 108., 111., 286., 305. e 307.).
Porém, não estão provados factos que permitam sustentar a verificação dos pressupostos do Art.º 248° do Código dos Valores Mobiliários em relação à deliberação do Conselho de Administração da arguida.
Na decisão condenatória, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários não alegou sequer que a deliberação do Conselho de Administração da arguida tivesse incidência na sua situação financeira e patrimonial.
Pelo contrário, a mesma considerou provado que "a conclusão de acordos celebrados com vista à aquisição de uma participação significativa numa sociedade com a preponderância que a H... tem no mercado eléctrico ibérico, tem incidência sobre a situação patrimonial e financeira da Arguida, tanto em abstracto como em concreto” (cfr. Ponto 10.).
E, nesta conformidade, não pode deixar de se reparar que, na sua própria decisão condenatória, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários diz que é a "conclusão dos acordos” que tem incidência sobre a situação patrimonial ou financeira da arguida.
Não dá por provado que a deliberação do Conselho de Administração tenha incidência sobre a situação patrimonial ou financeira da mesma.
Também em consequência do que se acabou de dizer, a sentença recorrida não deu por provado que a deliberação do Conselho de Administração da arguida tivesse incidência na sua situação patrimonial ou financeira.
Trata-se de um facto constitutivo da pretensa responsabilidade contra-ordenacional da Arguida que, como tal, teria necessariamente de constar do elenco dos factos provados.
Os Factos Provados 4. a 11. não se referem à deliberação do Conselho de Administração da E..., S.A., reportam-se, sim, à conclusão dos acordos.
Desta forma, uma vez que se trata de um requisito imposto pelo Art.º 248° do Código dos Valores Mobiliários, a conduta da arguida, face aos factos dados por provados, é, em qualquer caso, atípica.
Por outro lado, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários também não deu por provado, na decisão condenatória, que a deliberação do Conselho de Administração da E..., S.A. fosse susceptível de influenciar o preço das acções.
Sendo que nela se lê, no ponto 21., que "o facto em causa, pela incidência sobre a situação patrimonial e financeira da Arguida que se descreveu, não só é susceptível de influir de forma relevante na cotação das Acções; corno influiu efectivamente nessa cotação... ".
O “facto'' a que a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários alude é, inequivocamente, a conclusão dos acordos e não a deliberação do Conselho de Administração.
É o que resulta expressamente dos pontos 10. ("conclusão de acordos”), 11. (“contratos particularmente significativos”), 12. ("aumento de capital”), 13. ("aquisição de uma participação social de 56,2% da H...”), 14. ("aquisição da participação social supra descrita”) e 16. ("aquisição").
E também o que decorre da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários procurar demonstrar a veracidade do facto por si alegado recorrendo ao impacto que a divulgação de notícias na Bloomberg e na Reuters teve na cotação das acções.
A verdade é que a Bloomberg e a Reuters nunca se referiram à deliberação do Conselho de Administração da arguida. Divulgaram, sim, a conclusão dos acordos, o que, nesse momento, era falso.
Dito de outro modo, na decisão condenatória, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários deu por provado que a conclusão dos acordos relativos à aquisição da H... era susceptível de influenciar, e influenciou, o preço das acções de maneira relevante.
Mas não deu por assente que a deliberação do Conselho de Administração, que a supra mencionada Comissão considera ser o facto relevante, tivesse influenciado o preço das acções ou fosse susceptível de o influenciar.
Por seu lado, o Tribunal a quo também não julgou provado que a deliberação do Conselho de Administração da E..., S.A. fosse susceptível de influenciar, ou tivesse influenciado, o preço das acções da arguida.
O que, de todo em todo, resulta, claramente, do seguinte segmento da decisão recorrida: "...tendo em conta a matéria de facto assente, podemos dizer que o facto que acabou por influir (embora a lei exigisse apenas a susceptibilidade de influir) no preço das acções da E... entre as 13h31m (momento da primeira notícia) e as 16h18m (momento da divulgação do facto relevante através do SDI), foi a conclusão do negócio entre a E..., EnBW, Cajastur e Cáser com vista ao reforço da posição accionista da arguida na H..., pois foi esse o facto divulgado pelas agências noticiosas, mesmo antes de ele se ter concretizado, como também ficou provado”.
Em face do exposto, tendo em conta os factos provados, os quais são os únicos que podem ser considerados, verifica-se, de igual modo, que a deliberação do Conselho de Administração da arguida não era susceptível de influir de modo relevante no preço das acções.
Pelo que, também por esta via, não está verificado tal requisito imposto pelo Art.º 248° do Código dos Valores Mobiliários.
Derradeiramente, exige ainda este normativo que a susceptibilidade de influência no preço das acções seja devida à incidência do facto sobre a situação patrimonial ou financeira do emitente.
Por conseguinte, torna-se necessária a ocorrência de um nexo de causalidade entre esses dois elementos.
Ora, no que diz respeito ao facto que os Recorrentes consideram estar sujeito ao dever de comunicação imediata - a deliberação do Conselho de Administração - esta relação de causalidade não está nem alegada nem provada, nem na decisão administrativa, nem na sentença recorrida.
E era absolutamente necessário que o estivesse, pois trata-se de um elemento constitutivo da infracção imputada à arguida.
De todo o modo, não é legalmente possível escolher um facto - a deliberação do Conselho de Administração - para o efeito de definir o momento em que o dever se constitui e outro facto - a conclusão dos acordos - para o efeito de apreciar a verificação dos demais requisitos do Art.º 248° do Código dos Valores Mobiliários.
A Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários não pode artificiosamente ficcionar segmentos de um facto complexo e depois aferir a verificação dos vários pressupostos do tipo contra-ordenacional ora em relação ao facto que isolou, ora em relação a outros factos posteriores que se inserem no mesmo processo negocial.
O que a tolerar-se constituiria uma violação grosseira do princípio da legalidade.
Por seu turno, constata-se ser fundamental atentar nos factos provados relativamente à conclusão dos acordos, os quais mostram, sem margem para dúvida, que era este o facto relevante.
Com efeito, ficou assente que o negócio de aquisição da H... era uma transacção quadripartida.
Para além das questões relativas ao financiamento, era absolutamente necessário obter o acordo simultâneo da EnBW, da Cajastur e da Cáser.
Na verdade, a arguida nunca concebeu a possibilidade de adquirir isoladamente a participação social de qualquer dos accionistas da H... e nem sequer podia fazer uma tal aquisição sem o acordo dos demais accionistas (cfr. Factos Provados 32. a 35.).
Acontece que um dos contratos absolutamente decisivos para que a operação se concretizasse - "o Addendum to the Shareholders Agreement dated 4th December, 2001” -, o único entre todas as partes envolvidas, foi negociado com sucesso apenas durante a manhã e princípio da tarde do dia 29-07-2004, primeiro momento em que as partes estiveram todas reunidas numa mesma sala (cfr. Factos Provados 38. a 42.).
Acresce que uma das partes, a Cáser, levantou dificuldades de última hora relacionadas com a futura situação societária da H..., dificuldades essas que só foram ultrapassadas durante o princípio da tarde do dia 29-07-2004 mediante negociação entre todas as partes envolvidas (cfr. Factos Provados 45. a 47.).
A Cáser só deu o seu acordo final ao teor das minutas contratuais em negociação por volta das 16h00, iniciando-se imediatamente o processo de recolha de assinaturas dos contratos e os mecanismos tendentes à comunicação de facto relevante à Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (cfr. Facto Provado 48.).
Ficou ainda provado que a arguida enviou o comunicado de facto relevante para a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários às 16hl5m, imediatamente após ter concluído com sucesso a negociação dos vários acordos em causa, e só às 16h45m, no âmbito da conferência de imprensa convocada para a apresentação dos resultados semestrais, divulgou o facto relevante ao público em geral (cfr. Facto Provado 49.).
Nesta perspectiva, importa atentar-se que, no caso dos autos, diferentemente do que por vezes sucede, o acordo entre as partes, em sentido empresarial e segundo critérios de gestão, só foi efectivamente obtido por volta das 16h00 do dia 29-07-2004.
Em tal dia não houve uma mera formalização de um acordo previamente alcançado.
É que, conforme se alcança dos factos provados, no momento da deliberação não havia acordo e as negociações prolongaram-se durante toda a manhã e princípio da tarde implicando alterações nas minutas contratuais apreciadas no Conselho de Administração.
Inexistem dúvidas de que o acordo entre as partes tendente ao reforço da posição da arguida na H... consubstancia, na acepção do Art.º 248° do Código dos Valores Mobiliários, um facto relevante.
Mas, perante o predito enquadramento factual, verifica-se ser igualmente claro que a arguida cumpriu estritamente o dever de divulgação imediata desse facto no site da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários e que apenas divulgou ao público em geral cerca de 45 minutos depois.
Outrossim, impõe-se salientar que a deliberação do Conselho de Administração da arguida que está em causa não tem efectivamente incidência sobre a sua situação patrimonial ou financeira e, por isso, não estava sujeita ao dever de comunicação imediata.
E para que se constitua o dever de comunicação imediata, torna-se necessário que o facto em causa reúna todas as características exigidas pela sobredita norma.
Sendo certo que essas características têm de se verificar em relacão a esse mesmo facto e não a outro.
O elemento do tipo "incidência sobre a situação patrimonial ou financeira" do emitente era, precisamente, a pedra de toque do regime anterior.
Permitia delimitar e circunscrever o conceito de facto relevante.
Este requisito exige uma relação directa - de causa - entre o facto e a situação patrimonial e financeira do emitente.
Essa relação não tem de ser imediata, efectiva ou certa. O que a Lei determina é que o facto cause, ou possa causar, ainda que diferidamente, um impacto na situação patrimonial ou financeira do emitente. O impacto efectivo pode ocorrer mais tarde, mas é necessário que seja uma consequência directa do facto. Pode até dar-se o caso de, por qualquer razão, esse impacto não acontecer efectivamente, desde que o facto tenha aptidão para causar directamente uma alteração na situação patrimonial ou financeira do emitente.
Assim entendido, o requisito tem um sentido conforme à letra da lei e à teleologia do preceito.
Não colhem, pois, as objecções da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, desenvolvidas nas suas alegações, as quais se baseiam num pressuposto incorrecto relativamente à tese defendida pela arguida e exposta na sentença recorrida.
É que a mesma não sustenta que a incidência sobre a situação patrimonial ou financeira do emitente teria de ser real ou actual - a sentença sob recurso tão pouco.
O Art.º 248° do Código dos Valores Mobiliários preserva integralmente as suas características de tipo de perigo ou aptidão. A infracção basta-se com a susceptibilidade de influência no preço das acções. O requisito "incidência sobre a situação patrimonial ou financeira do emitente" dirige-se a outro aspecto: visa recortar o conceito de facto relevante no pressuposto precisamente de que nem todos os factos price sensitive são factos relevantes. De outro modo, o requisito imposto pela lei seria vazio.
Exemplificando com o caso dos autos: o acordo entre as partes tendente à aquisição da H... tem incidência sobre a situação patrimonial e financeira da arguida. Apesar de o impacto na situação financeira e patrimonial da arguida não ser imediato, na medida em que os acordos entre as partes ficaram sujeitos a uma série de condições suspensivas, há uma relação de causalidade evidente, ainda que potencial: os acordos têm aptidão, por si, para provocar os efeitos descritos nos Factos Provados 4. a 11., os quais decorrem do mero cumprimento dos acordos.
De modo diferente, a deliberação do Conselho de Administração, por si só, não tem sequer aptidão para causar os efeitos descritos nos Factos Provados 4. a 11., decorrentes do cumprimento dos acordos. A deliberação do Conselho de Administração, enquanto tal, não causa qualquer impacto na situação financeira ou patrimonial da Arguida, mesmo que meramente potencial ou diferido no tempo.
Os efeitos descritos nos Factos Provados 4. a 11. não são consequência da deliberação do Conselho de Administração.
Percebe-se facilmente porquê: a deliberação do Conselho de Administração é um acto meramente unilateral e sem autonomia quanto à produção de efeitos. Neste caso, a incidência na situação patrimonial ou financeira depende do acordo das contrapartes. A deliberação é meramente habilitadora e condicional. Limita-se a expressar a vontade de um dos contratantes e a conferir poderes representativos aos seus administradores numa fase em que, como ficou provado, não havia ainda acordo das contrapartes.
Há uma diferença óbvia de natureza entre a deliberação do Conselho de Administração e o consenso sobre os acordos.
A deliberação é unilateral e não produz, nem pode produzir, os efeitos correspondentes aos acordos. A deliberação, sem mais, não é vinculativa.
Pelo seu lado, os acordos são plurilaterais e produzirão - causarão - os efeitos em apreço, ainda que possam ser necessários outros actos. A partir dos acordos, as partes estão vinculadas. Daí que os acordos tenham incidência - potencial - na situação patrimonial e financeira da E..., S.A.. Por isso, ao contrário da deliberação, é um facto sujeito ao dever de comunicação imediata - o que foi escrupulosamente cumprido.
Não é pelo simples facto de um evento ter ocorrido logo após o outro que eles têm uma relação de causa e efeito. Correlação não implica causa. A deliberação do Conselho de Administração correlaciona-se, evidentemente, com a celebração dos acordos e com os efeitos destes.
A deliberação é um pressuposto da celebração dos acordos mas não é causa destes nem, menos ainda, dos seus efeitos.
Do que se acaba de expor, não quer dizer que deliberações do Conselho de Administração não possam, em alguns casos, constituir factos relevantes. Tipicamente estarão sujeitas ao dever de comunicação imediata quando se referem a actos unilaterais em que o impacto na situação financeira e patrimonial do emitente depende apenas do próprio: por exemplo, casos de aumento ou redução do capital social ou de cisão, entre outros.
De todo em todo, o que interessa saber é se, nas circunstâncias do caso concreto, a deliberação do Conselho de Administração da arguida é facto relevante.
E, pelas razões já expostas, a resposta não pode deixar de ser negativa, sendo, inequivocamente, despicienda qualquer discussão sobre se os diversos factos que constituíam as etapas da negociação podiam ser factos relevantes nos termos e para os efeitos do Art.º 248°, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários, na redacção em vigor à data dos factos, conforme a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários erroneamente pretende.
Esta afirma, ainda, que a interpretação do sobredito normativo feita pelo Tribunal a quo no sentido de considerar que a deliberação do Conselho de Administração da E..., S.A. não constitui um facto relevante se baseou exclusivamente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 52/2006 de 15 de Março e que desconsidera a letra e a teleologia desse mesmo preceito.
Ora, o Tribunal a quo considerou que a deliberação do Conselho de Administração da arguida não consubstancia um facto relevante na medida em que não tem incidência na sua situação patrimonial ou financeira.
As meras negociações ou etapas da negociação não constituíam factos relevantes na medida em que não tivessem incidência na situação patrimonial ou financeira do emitente.
O supra aludido Tribunal recorre ao Decreto-­Lei n.º 52/2006 de 15 de Março para auxiliar no apuramento do sentido deste requisito, que, com a aprovação deste diploma, deixou de constar do Art.º 248° do Código dos Valores Mobiliários.
Somos, também, da opinião que o raciocínio do Mm.º Juiz do TPIC é claríssimo, quando escreve, na decisão recorrida, que: “Resta então apurar se a deliberação tomada pelo CA da arguida teve incidência sobre a situação patrimonial ou financeira ou sobre o andamento normal dos seus negócios.
Em face da lei vigente à data, as meras negociações ou os diversos factos que constituíam as etapas da negociação não poderiam ser factos relevantes para este efeito de comunicação imediata.
Só posteriormente, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 52/2006, de 15 de Março, é que o regime foi alterado, designadamente com a nova redacção do art.° 248.º e o aditamento do art.° 248.°-A.
Apesar desse regime posterior não poder ser aplicável por força do disposto nos art.ºs 2.° e 3.° do RGCO, ele servirá como elemento de interpretação do regime pretérito, ou seja, aquele como que teremos de trabalhar.
O Tribunal a quo não diz, evidentemente, que os factos que constituíam as etapas da negociação não podiam ser factos relevantes por causa do preâmbulo do predito Decreto-Lei n.º 52/2006. Decidiu foi que esses factos não são factos relevantes na medida em que não tenham incidência na situação financeira ou patrimonial da arguida.
O Decreto-Lei n.° 52/2006 de 15 de Março é, de facto, um instrumento muito útil de interpretação do regime anterior, em vigor à data dos factos.
Lê-se no preâmbulo o seguinte: “No que diz respeito aos deveres de informação a cargo dos emitentes (…) este enquadramento implica uma alteração no regime anteriormente previsto para os factos relevantes, uma vez que os emitentes terão, doravante, nos termos da nova redacção do artigo 248.º do Código dos Valores Mobiliários, de passar a divulgar imediatamente os factos que possam ser enquadrados na definição de informação privilegiada e não apenas aqueles que preenchem as condições anteriormente previstas no referido artigo 248.°. Em sintonia com as exigências da directiva, no âmbito dos factos a divulgar, inclui-se já a existência de negociações, desde que, caso fossem divulgadas, tais negociações sejam idóneas a influenciar de maneira sensível a formação dos preços dos valores mobiliários com que se relacionam”.
A intencionalidade legislativa é patente: pretende-se alargar o conceito de facto relevante de modo a passar a abranger, doravante, a simples existência de negociações, que assim poderão passar a ter de ser imediatamente divulgadas ao público. Na medida em que o novo regime pretende alterar o regime anteriormente vigente, torna-se, apesar de não ser directamente aplicável ao caso dos autos, um elemento muito valioso para a interpretação do regime antigo, contribuindo para esclarecer o seu sentido.
Nos termos do novo Art.º 248° do Código dos Valores Mobiliários, na parte relevante, os emitentes devem divulgar imediatamente toda a informação que tenha um carácter preciso, que não tenha sido tornada pública, e que, se lhe fosse dada publicidade, seria idónea para influenciar de maneira sensível o preço desses valores mobiliários.
O aspecto mais decisivo para o caso sub judice é a supressão do requisito que constava do Art.º 248° no sentido de exigir que a susceptibilidade de influência do facto relevante sobre o preço das acções fosse causada pela sua incidência sobre a situação patrimonial ou financeira do emitente. Esta alteração demonstra como este requisito - a relação de causalidade entre incidência do facto sobre a situação patrimonial ou financeira do emitente e a susceptibilidade para influir de modo relevante no preço das acções - é verdadeiramente essencial no regime anterior.
A partir da entrada em vigor do supra referido Decreto-Lei n.º 52/2006, o Código dos Valores Mobiliários substituiu o conceito de facto relevante pelo conceito de informação privilegiada.
A deliberação do Conselho de Administração da E..., S.A. poderia eventualmente constituir informação privilegiada. Mas não é um facto relevante.
A interpretação que o Tribunal a quo faz do Art.º 248° do Código dos Valores Mobiliários tem pleno, claro e expresso apoio na letra da lei: o preceito refere expressamente, como um dos elementos do tipo, "a incidência sobre a situação patrimonial ou financeira” do emitente. Acrescente-se que em lado algum da sentença se restringe o conceito de facto relevante a acordos ou contratos finais ou exclui actos unilaterais.
Por outro lado, o Direito Comunitário em vigor à data, nomeadamente a Directiva n.º 2001/34/CE citada pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, reforça o acerto da sentença recorrida, na medida em que também aí se exige que o facto relevante tenha incidência sobre a situação patrimonial ou financeira do emitente.
A interpretação da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários nenhum apoio tem na letra da lei. Esvazia por completo um dos elementos do tipo como se nenhum significado tivesse.
Para a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários é como se a susceptibilidade de influência no preço das acções fosse o mesmo que incidência na situação patrimonial e financeira: qualquer facto price sensitive seria facto relevante.
Afigura-se-nos, porém, que tal interpretação não tem a menor correspondência com a letra da lei e é incompatível com o Art.º 9°, n.º 3 do Código Civil.
Sendo certo que a invocação do elemento teleológico na interpretação do Art.º 248° do Código dos Valores Mobiliários, nos termos em que é feita pela mesma, também não colhe.
O Mº Pº e a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários referem-se a um alegado princípio de “full disclosure”.
Todavia, é seguro que esse princípio não existia à data dos factos, uma vez que não tinha na letra da lei a menor correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.
Uma entidade emitente não estava obrigada a divulgar toda e qualquer informação.
Manifestamente, tendo em conta a sobredita norma, nem toda a informação susceptível de influenciar o preço das acções tinha de ser divulgada ao mercado. Apenas tinha de ser divulgada a informação que tivesse incidência na situação financeira ou patrimonial do emitente.
A função - a teleologia - deste requisito era precisamente a de limitar a informação sujeita ao dever de divulgação imediata.
Os deveres de comunicação ao mercado têm de ser concatenados com os direitos e interesses legítimos dos emitentes: há que proceder a uma tarefa de concordância prática entre os vários bens jurídicos em jogo por forma a encontrar uma solução equilibrada.
Isso é particularmente importante no contexto de factos de formação complexa ao longo do tempo. Não faz qualquer sentido que os emitentes tenham de divulgar ao mercado todos os factos parcelares integrados num facto de formação complexa.
Este tipo de processos negociais desenvolve-se com rupturas e descontinuidades, com avanços e recuos. Em cada processo negocial existem dezenas e dezenas de factos com as características apontadas pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários. Seria impensável que todos eles estivessem sujeitos ao dever de comunicação imediata. Seguramente não se ponderam as consequências deste entendimento.
Mais constituiria um absurdo exigir que as sociedades emitentes divulgassem ao mercado as deliberações do seu Conselho de Administração que antecedem a conclusão do acordo, principalmente nos casos, como o presente, em que a deliberação ocorre imediatamente antes da conclusão do acordo.
Aliás, no caso dos autos, carece de sentido que a arguida tivesse de divulgar ao mercado, às 10h30m, a deliberação do Conselho de Administração, e às 16h00, a conclusão dos acordos.
Por sua vez, em texto que, à data, era disponibilizado aos emitentes, "o facto a informar deve ser definitivo. Na verdade, o emitente não tem de comunicar a existência de etapas preliminares da sua formação – designadamente as negociações que decorram tendo em vista a conclusão de determinado acordo ou as fases de um processo interno de decisão, enquanto permanecer o sigilo entre as partes intervenientes no respectivo processo” – cfr. Entendimentos da CMVM relativos ao dever legal de informação sobre factos relevantes pelos emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação em bolsa, Julho de 2000, pág. 7.
Verifica-se, pois, que é a própria Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários que exclui do dever de comunicação imediata "as fases de um processo interno de decisão". Ora, a deliberação do Conselho de Administração é precisamente uma fase no processo interno de tomada de decisão da arguida. O que deve ser informado não é o processo de formação da decisão, mas sim o facto que resulta desse processo de gestação: a conclusão dos acordos.
Num Estado de direito democrático, a arguida tem o direito de confiar no entendimento, publicamente assumido e divulgado, pela autoridade administrativa que tem o poder de aplicar essas normas, e de conformar a sua conduta em função desse entendimento.
Recorde-se que ficou provado que “…por volta das 13:00horas, a arguida disponibilizou o próprio projecto de facto relevante aos responsáveis da CMVM que seria divulgado imediatamente assim que o acordo final estivesse confirmado, antes de qualquer outra divulgação pública por parte da E..., o que na altura não suscitou qualquer reacção negativa por parte da CMVM e foi cumprido por parte da arguida" (cfr. Facto Provado 52.).
No seu Recurso, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários reconhece que "Resulta pois claro que estes Entendimentos, anuindo com a não divulgação de factos integrados em processos mais vastos, compostos de vários factos, ordenados à consecução de um facto final, pressupunham, para essa anuência, a estrita manutenção da confidencialidade do processo em curso” (cfr. ponto 237.).
Porém, uma vez que, a partir das 13h30m de 29-07-2004, se quebrou a confidencialidade do processo, diz tal Comissão que "a arguida não poderá pretender que proceda estratégia de pugnar pela licitude da sua conduta ao abrigo de um segmento dos Entendimentos da CMVM, quando não cumpriu os pressupostos do mesmo" (cfr. ponto 242.).
Isto é, para a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, a arguida poderia licitamente não divulgar a deliberação do seu Conselho de Administração se e enquanto se mantivesse o segredo. Não haveria, portanto, contra-ordenação, às 10h30m de 29-07-2004. No entanto, caso, mais tarde, exista ruptura do segredo, a responsabilidade contra-ordenacional renasceria retroactivamente.
Ora, a responsabilidade contra-ordenacional não pode ficar sujeita a condição. Tratar-se-ia de responsabilidade objectiva, pelo risco. Haveria responsabilidade se e só se houvesse fuga de informação, mesmo que, como no caso, nenhuma responsabilidade a arguida tenha nessa fuga de informação.
A qualificação de um facto como relevante sujeito ao dever de comunicação imediata não depende da existência de fugas de informação.
E dizemos isto porque a fuga de informação não é, nem pode ser, elemento do tipo contra-ordenacional.
As notícias publicadas na Bloomberg e na Reuters sobre o negócio são rigorosamente irrelevantes para este efeito. A verificação dos pressupostos típicos em relação à deliberação do Conselho de Administração tem de ser feita abstraindo das fugas de informação entretanto ocorridas.
E, conforme a própria Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários reconhece, era lícito à arguida não divulgar a deliberação do Conselho de Administração.
A ruptura do segredo não transforma o que não era um facto relevante num facto relevante. Quando muito, a existência de notícias em violação do segredo poderia eventualmente constituir, em si mesmo, um facto relevante que impusesse um dever autónomo de comunicação ao mercado - de confirmação, desmentido ou clarificação.
No caso concreto, perante as notícias divulgadas na Bloomberg e na Reuters, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários poderia eventualmente ter exigido a publicação de um facto relevante, mas não o fez. E não é por isso que a arguida vem acusada.
Face ao enquadramento factual dos autos, a existir alguma infracção, resultaria da ruptura do segredo, não da deliberação do Conselho de Administração.
Recorde-se que as fugas de informação não foram da responsabilidade da arguida.
É que, conforme se lê na sentença sob recurso, "…não estão provados quaisquer factos que possam consubstanciar a violação de um dever de cuidado por parte da arguida. Antes pelo contrário, provaram-se os factos dos pontos 53. a 57. que demonstram o cuidado e diligência empregue pela arguida na preservação do segredo que, neste caso, era claramente também um interesse seu”.
Além do mais, a assimetria informativa nada tem que ver com a deliberação do Conselho de Administração.
Até porque quando foi tomada a deliberação do Conselho de Administração da E..., S.A., momento em que os recorrentes entendem ter sido violado o dever, não existia qualquer assimetria informativa. Nenhum investidor sabia que a deliberação do Conselho de Administração havia sido tomada. Todos os investidores estavam em pé de igualdade.
A assimetria informativa gera-se apenas com as notícias publicadas na Bloomberg e na Reuters, cerca de 3 horas depois da reunião do Conselho de Administração, as quais, no entanto, não são da responsabilidade da arguida.
Em qualquer caso, mesmo essa assimetria não se refere à deliberação do Conselho de Administração da arguida. Nem Bloomberg nem Reuters se referiram a esta deliberação. A deliberação do Conselho de Administração é, ainda hoje, fora o presente processo, reservada. Nunca foi divulgada ao mercado. O que estas agências noticiosas divulgaram foi que os acordos estavam já fechados e tal não era verdade.
Também por estas razões se vê que a deliberação do Conselho de Administração da E..., S.A. não estava sujeita ao dever de comunicação imediata.
In fine, torna-se imperioso referir que o caso decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 17-01-2009, no processo 3945/06.0TFLSB, é profundamente diferente da situação dos autos.
Nele ficou provado que a ParaRede apresentou, a 03-08-2004, uma proposta de compra da Whatevernet, a qual foi aceite no dia 11-08-2004. Este facto relevante terá ficado em segredo até 15-12-2004, mais de quatro meses depois.
Segundo o Tribunal da Relação, em 16 de Dezembro ocorreu apenas a formalização do acordo que já havia sido alcançado. Acresce que a ruptura do segredo partiu voluntariamente da própria ParaRede, que divulgou um facto relevante aos meios de comunicação social antes de o divulgar no site da CMVM.
As diferenças para o caso destes autos são substanciais, já que, na situação vertente, o acordo ocorreu apenas por volta das 16h00 do dia 29-07-2004. No momento da deliberação do Conselho de Administração da E..., S.A. não havia ainda acordo entre as várias partes.
Por outro lado, a ruptura do segredo ocorreu aqui por facto de terceiro, a que a arguida é totalmente alheia.
Face a estas discrepâncias essenciais no enquadramento factual, também não vislumbramos que o exarado nesse Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa se revele susceptível de aplicação in casu.
Assim, importa referir que, em nossa opinião, falece fundamento à pretendida inconstitucionalidade, na interpretação e aplicação que se fez do Art.º 248º, n.º 1, e muito menos dos Art.ºs 394º, n.º 1, alínea h) e 388º, n.º 1, alínea a), todos do Código dos Valores Mobiliários, referenciada aos Art.ºs 81º, alínea f) e 101º da C.R.P.

Finalmente, torna-se forçoso referir estar em causa uma notícia publicada no Jornal de Negócios de dia 9 de Junho de 2004 na qual se diz, na parte relevante, que: «A E... considera a H... um activo estratégico e vê com todo o interesse a sua integração, mas defende que ela faz sentido a partir do funcionamento em pleno do mercado ibérico de electricidade (Mibel), ou seja, só em 2005 ou mesmo 2006 (...). No entanto, a decisão não depende da E..., mas sim dos accionistas que poderão ou não vender. Ainda assim, a empresa portuguesa tem de estar preparada para analisar a compra da participação dos accionistas da …, em particular da EnBW, quando e no caso da empresa alemã manifestar essa intenção, o que, até agora não aconteceu, diz P....»
Ora, na tese da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, secundada pelo Mº Pº, esta notícia consubstanciaria a prática, pela arguida, da contra-ordenação p. e p. pelo Art.º 389°, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários: “comunicação ou divulgação, por qualquer entidade e através de qualquer meio, de informação relativa a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros que não seja completa, verdadeira, actual, objectiva e lícita”.
Estaria em causa informação falsa prestada pela E..., S.A.: ao contrário do que afirma o Jornal de Negócios, a EnBW já teria, a 09-06-2004, manifestado a intenção de vender a sua participação social na HC.
Porém, também em nosso entender, a notícia publicada em tal Jornal não é imputável à arguida.
É que para que pudesse existir responsabilidade contra-ordenacional da mesma seria necessário, como pressuposto preliminar, que os factos noticiados no Jornal de Negócios tivessem sido divulgados pela E..., ainda que através de um seu trabalhador, no caso P....
Por conseguinte, impõe-se saber, em primeiro lugar, se a notícia do Jornal de Negócios, na parte relevante, relata informação transmitida pela arguida, nomeadamente através de P....
E dizemos isto porque a E..., S.A. não pode, evidentemente, incorrer em responsabilidade contra-ordenacional pelo conteúdo de quaisquer notícias na comunicação social.
Existindo discrepância entre a informação prestada pela arguida e a informação publicada pelo Órgão de comunicação social, aquela não pratica qualquer contra-ordenação.
Para que exista responsabilidade, é imprescindível que as notícias, na parte relevante, correspondam à informação comunicada ou divulgada pela própria arguida.
Nesse sentido, a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários alegou, na decisão condenatória, que o Jornal de Negócios noticiou - reproduziu - as declarações de P... e que, portanto, estariam em causa declarações da própria Arguida (cfr. pontos 35. e 39. dos Factos Provados da supra mencionada decisão condenatória).
Contudo, o Tribunal a quo, após ponderar a prova produzida em audiência de julgamento, julgou como não provados estes factos – não considerou estes factos.
Sendo que, em particular, considerou não provado que: “No dia 09-06-2004 o Jornal de Negócios tenha noticiado “as declarações de P..., o director das relações com o mercado da arguida”.
Não se provando que o Jornal de Negócios noticiou as - exactas - declarações de P..., o conteúdo da notícia em causa não pode ser imputado à arguida.
Assim, inexiste qualquer facto provado que permita estabelecer a autoria da arguida relativamente à contra-ordenação que lhe havia sido imputada.
Já que, por si só, a notícia publicada no Jornal de Negócios não consubstancia a comunicação ou divulgação, pela E..., S.A., de informação relativa a valores mobiliários.
A arguida não publicou qualquer desmentido pois, com base nos factos conhecidos à data, e conforme explicaram as testemunhas em julgamento, julgava-se que o negócio de aquisição da H... não se iria concretizar.
De todo em todo, a notícia do Jornal de Negócios tem de ser apreciada no momento em que foi publicada, designadamente tendo em conta a factualidade que era conhecida nessa altura.
Nesta perspectiva, importa salientar que, na véspera, dia 08-06-2004, o Diário Económico havia publicado uma notícia que dava o negócio como certo (cfr. Facto Provado 25.).
Tal notícia era falsa, o que foi inequivocamente explicado pelas testemunhas em julgamento.
Conforme consta na decisão recorrida, a testemunha R… "No que respeita à notícia de 09-06-2004, começou por dizer que tinha falado com P... após a publicação da notícia no “Diário Económico” do dia 08-06-2004 (facto 25.), a qual ocorreu precisamente num momento em que, na perspectiva da E..., pensava que não haveria negócio. Por isso, recorda-se de ter informado P... de que tal notícia não era exacta”.
Ora, tendo em conta que, à data, a Arguida tinha a convicção de que o negócio não se iria concretizar, não faria nenhum sentido fazer um desmentido da notícia publicada no Jornal de Negócios, cujo sentido geral era precisamente o de desmentir a notícia do Diário Económico da véspera no sentido de que o negócio estava já fechado.
Recorde-se que a alegada falsidade se circunscreve à afirmação de que a EnBW ainda não havia manifestado a intenção de vender a sua participação social na H....
Mas ainda que se admita que tal afirmação era falsa, não havia qualquer razão, num cenário factual em que a arguida julga que não iria adquirir a H..., para esta desmentir a notícia do Jornal de Negócios - que, por si, já desmentia a notícia do Diário Económico - e informar o mercado de que existiram negociações mantidas com a EnBW, especialmente quando do mesmo passo teria de informar que não havia acordo, nem se julgava possível chegar a acordo.
Num cenário, que era o real, em que se tem a convicção de que o negócio não se iria realizar, a informação de que a EnBW teria antes manifestado a intenção de vender a sua participação na H... era irrelevante.
Conforme salienta a arguida praticamente todas as semanas surgem em órgãos de comunicação social notícias sobre a mesma e, na grande maioria dos casos, essas notícias contêm imprecisões ou incorrecções.
Sendo que, por vezes, a E..., S.A. esclarece ou desmente notícias divulgadas na comunicação social. Mas não o faz, nem lhe é exigível que o faça, sempre que se verifiquem imprecisões ou incorrecções.
No caso concreto, o espírito da notícia divulgada no Jornal de Negócios era verdadeiro. As incorrecções detectadas eram de importância menor e não causavam, como não causaram, qualquer prejuízo aos investidores.
Daí que não se verificava, portanto, qualquer razão para fazer um desmentido.
Contudo, torna-se imperioso referir que não está em causa se a arguida devia ou não ter publicado um desmentido, dado que não é por isso que vem acusada.
O que é relevante é saber se a arguida divulgou a informação que vem reputada de falsa.
E isso, em face do que se logrou apurar in casu, de forma alguma aconteceu.
Por sua vez, quanto à relevância da inexistência de um desmentido, impõe-se salientar o seguinte excerto da sentença recorrida: "A inacção do interessado não tem – nem pode ter num Estado de Direito – como consequência a transformação em verdadeiro e exacto, aquilo que o não era”.
Outrossim, segundo o Jornal de Negócios, publicado a 09-06-2004, "…a empresa portuguesa tem de estar preparada para analisar a compra da participação dos accionistas da …, em particular da EnBW, quando e no caso da empresa alemã manifestar essa intenção, o que, até agora não aconteceu…”.
Resultou, ainda, assente, após julgamento, que, "Em Setembro de 2003, a EnBW manifestou à E... o seu eventual interesse em desinvestir da H..., em termos e condições que teriam de ser discutidos em momento oportuno” e “No dia 8 de Março de 2004 ocorreu um encontro entre o Eng. J…, o Dr. R..., em representação da E..., e o Prof. Dr. U… e o Dr. P.., em representação da EnBW, do qual resultou um valor indicativo para a participação da EnBW” (cfr. Factos Provados 28. e 29.).
A circunstância de existirem conversações entre a E..., S.A. e a EnBW relativamente a uma possível venda da participação desta última na H... não implica que necessariamente exista uma intenção de vender.
O mesmo se podendo dizer quanto ao facto de existir um valor indicativo para a participação da EnBW na H....
Por conseguinte, não estando provado que, em 09-06-2004, a EnBW tivesse a intenção de vender a sua participação social na H..., inexiste falsidade na notícia divulgada pelo Jornal de Negócios.
É assaz frequente, e resulta da experiência comum, que em operações com esta complexidade, as partes iniciem conversações no sentido de perceberem se existem condições para se chegar a um acordo. Mas não é necessário que exista à partida - e na maioria dos casos não há - uma intenção de vender ou comprar. Basta que exista disponibilidade para encarar o negócio - a qual, evidentemente, existia. A intenção de vender ou comprar surge a final, resultando, na maioria das vezes, das condições que forem oferecidas.
Tudo isto foi explicado, com clarividência, pelas testemunhas que depuseram em audiência de julgamento.
Aliás, no caso dos autos, por força do acordo parassocial então existente, a EnBW não podia sequer vender a sua participação na H... antes de 01-01-2005 e, de igual modo, a arguida não podia comprar qualquer participação adicional na H... antes da mesma data (cfr. Facto Provado 33.).
Por esta razão, a EnBW não podia sequer manifestar a intenção de vender a sua participação. Estava-lhe vedado por contrato. Quando muito, podia estar disponível para conversar - como efectivamente estava.
É que a EnBW e a E... , S.A. não podiam chegar a acordo sem o acordo da Cajastur e da Cáser (cfr. Factos Provados 32.).
Em 09-06-2004, data da notícia do Jornal de Negócios, tudo indicava que não seria possível chegar a acordo com a Cajastur e a Cáser. Assim, a EnBW e a arguida não podiam fazer qualquer transacção. Não podiam manifestar intenções de venda ou de compra.
A falsidade imputada pelos Recorrentes pressupõe que a "intenção de venda" a que o Jornal de Negócios se refere seria incompatível com a existência de conversações entre as partes.
Para os mesmos, "intenção de venda” significa apenas uma mera e abstracta disponibilidade para vender, mediante um inexistente, eventual e incerto acordo dos respectivos termos e condições.
A notícia do Jornal de Negócios, porém, não nega que existissem conversações.
E a interpretação das Recorrentes não pode ser aceite, já que a menção a uma inexistência de uma "intenção de venda” deve ser compreendida por referência a uma intenção unilateral, firme e segura, de querer vender, situação que não se verificava, nem podia verificar, naquele momento.
O sentido geral da notícia publicada no Jornal de Negócios é, ademais, verdadeiro.
A notícia surge na sequência da já referida notícia publicada na véspera no Diário Económico, na qual se noticiava que o Governo se preparava para reduzir a sua participação social na E..., S.A., na sequência de um aumento de capital a realizar para financiar a aquisição da H..., nomeadamente a participação da EnBW.
Ora, sucede que, nessa data, tal notícia era falsa, no sentido em que, como já se deixou expendido, não havia qualquer acordo entre as várias partes envolvidas,
Pelo que, deste modo, em face de uma notícia que não era exacta, impunha-se à arguida, para evitar especulações, a divulgação de um desmentido, de modo a clarificar a situação de facto existente e a repor a veracidade na informação existente no mercado.
É segundo este horizonte de contextualização que as declarações prestadas por P... devem ser compreendidas, pois é assim que são apreendidas por um investidor médio, querendo, portanto, significar a negação da existência de qualquer acordo com a EnBW naquela data.
Em qualquer caso, realce-se, de um lado, o modo como as declarações expressamente referem e salvaguardam, o interesse da E... , S.A. na integração da H... e, de outro, a referência à disponibilidade da Arguida para analisar a compra das participações dos restantes accionistas daquela empresa no momento oportuno.
Ainda para mais, a circunstância de se dizer que a integração da H... faz sentido a partir do funcionamento em pleno do MIBEL não significa, evidentemente, que o MIBEL condicionasse a data de aquisição da mesma.
O MIBEL era uma das razões que justificavam o interesse da Arguida na H... mas não determinava o "timing" da aquisição - o qual dependia, sim, da vontade das partes.
Assim, não podemos deixar de concordar que o significado das declarações em apreço, tal como estas são compreendidas por um investidor normal, é o de, por um lado, reafirmar interesse num eventual reforço na H... e, por outro, desmentir as notícias do Diário Económico, da véspera, no sentido de que já existiria um acordo, ou que este já estaria iminente.
Por outro lado, ainda que a notícia do Jornal de Negócios pudesse ser imputada à arguida e ainda que pudesse ser considerada falsa, a verdade é que, como acertadamente entendeu o Tribunal a quo, a conduta da mesma seria atípica.
De acordo com o Art.º 389° do Código dos Valores Mobiliários, “constitui contra-ordenação muito grave a comunicação ou divulgação por qualquer entidade e por qualquer meio, de informação relativa a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros que não seja completa, verdadeira, clara, objectiva e lícita”.
Ora, esta norma não tem aplicação in casu.
Independentemente de tudo o mais, a notícia do Jornal de Negócios não contém qualquer informação relativa a valores mobiliários ou instrumentos financeiros. A notícia do Jornal de Negócios refere-se a um processo negocial relativo à H.... Nada é dito sobre características, qualidades ou atributos de valores mobiliários ou instrumentos financeiros.
Ao contrário do que sustenta a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, a predita disposição legal não se basta com uma simples conexão indirecta ou reflexa entre a informação e valores mobiliários. O preceito exige, muito claramente, que a informação seja relativa a valores mobiliários.
O sentido literal não revela qualquer ambiguidade, já que a informação tem de se referir a valores mobiliários. E, na situação concreta, a informação divulgada no Jornal de Negócios não é relativa nem se refere a valores mobiliários.
Nestes termos, inexistem dúvidas de que não se encontra preenchido o tipo objectivo da norma sancionatória em causa.
Pese embora aquilo que é invocado pelo Mº Pº e pela Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, o Art.º 7° do Código dos Valores Mobiliários não constitui uma norma sancionatória.
Tal preceito impõe deveres de qualidade da informação quanto a vários temas: "valores mobiliários”, "ofertas públicas”, "mercados de valores mobiliários”, "actividades de intermediação" e "emitentes”.
O Art.º 389° do Código dos Valores Mobiliários, porém, apenas pune como contra-ordenação a violação dos deveres de qualidade da informação relativamente a "valores mobiliários”, não sancionando como contra-­ordenação a violação dos deveres de qualidade da informação relativamente a "ofertas públicas”, "mercados de valores mobiliários”, "actividades de intermediação" e "emitentes”.
Desta forma, nem toda a violação do primeiro normativo corresponde a uma violação do segundo.
Apesar dos problemas, nomeadamente de constitucionalidade, que as denominadas "normas sancionatórias em branco" suscitam, aceita-se que possam existir remissões materiais dinâmicas entre a norma que impõe o dever e a norma que impõe a sanção.
É possível prever numa norma sancionatória que a violação de uma certa e determinada norma deveral consubstancia responsabilidade contra-ordenacional.
Mas não é isso que está aqui em causa, uma vez que o Art.º 389° do Código dos Valores Mobiliários não tipifica como contra-ordenação a violação do Art.º 7° desse mesmo Código.
Sendo que, nesta perspectiva, este não se pode considerar um "pré-tipo" contra-ordenacional.
De qualquer forma, sob pena de inconstitucionalidade, as conexões ou remissões internas entre as normas deverais e as normas sancionatórias têm de ser expressas e claras.
É uma decorrência directa do princípio da legalidade, na sua vertente da tipicidade, imposto pela Constituição da República Portuguesa.
Neste contexto, não obstante a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários afirmar, na respectiva motivação, que "o tipo infraccional fica, assim, essencialmente «a cargo» da norma de conduta, apenas tendo de ser complementado por norma(s) que estabeleçam que a sua violação constitui contra-ordenação e ditem os termos da punição”, não é a mesma capaz de reconhecer a evidência, maxime a circunstância de que o sobredito Art.º 389° não estabelece que a violação do precedente Art.º 7° constitui contra-ordenação.
No caso concreto, a informação divulgada pelo Jornal de Negócios seria, na linguagem do Art.º 7° do Código dos Valores Mobiliários, relativa à sociedade emitente, isto é, a um processo negocial em que a arguida estava envolvida.
Todavia, a divulgação de informação relativa à sociedade emitente não é punível pelo Art.º 389° do supra mencionado Código.
Mais se torna forçoso salientar que a nova redacção deste normativo, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2006 de 15 de Março, é particularmente esclarecedora quanto ao sentido juridicamente relevante da versão anterior.
Com efeito, o supra mencionado Art.º 389°, n.º 1 dispõe agora que “constitui contra-ordenação muito grave a comunicação ou divulgação, por qualquer pessoa ou entidade e através de qualquer meio, de informação que não seja completa, verdadeira, clara, objectiva e lícita”.
Resulta, deste modo, que, na nova versão, esta disposição legal não está já limitada aos casos em que a informação diga respeito a valores mobiliários, aplicando-se a toda a divulgação de informação efectuada por emitentes, independentemente do objecto sobre o qual incide, cobrindo, assim, todas as situações previstas pelo Art.º 7° do Código dos Valores Mobiliários.
Esta alteração legislativa revela à saciedade como a situação legal anterior era diversa, ou seja, o anterior Art.º 389° sancionava exclusivamente os casos em que a informação era relativa a valores mobiliários, estando os casos de informação relativa a emitentes, como sucede in casu, excluídos da esfera de aplicação de tal preceito.
Aliás, nesta conformidade, a norma extraída do Art.º 389° do Código dos Valores Mobiliários, interpretada segundo a qual constituiria contra­ordenação muito grave a comunicação ou divulgação, por qualquer entidade e através de qualquer meio, de informação relativa à sociedade emitente que não seja verdadeira, seria inconstitucional, por violação dos Art.ºs 1º, 2°, 29° e 32° da C.R.P., conforme bem sustenta a arguida.
Outrossim, de acordo com o Art.º 400°, alínea a) do supra mencionado Código, a violação de deveres nele previstos não referidos nos artigos anteriores (que contêm os vários tipos contra-ordenacionais) constitui contra-ordenação menos grave.
É, portanto, uma norma sancionatória residual que pretende punir como contra­-ordenação toda e qualquer violação de qualquer norma consagrada no Código dos Valores Mobiliários que imponha um dever.
A primeira vez que esta norma vem invocada é no recurso da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, sendo que, como bem nota a sentença recorrida, esta não imputou à arguida, na decisão administrativa, a sua violação.
Pelo que, nesta conformidade, também se nos afigura que a arguida não pode ser condenada pela prática de uma contra-ordenação que não lhe foi imputada pela entidade administrativa competente.
Acresce que o Art.º 400°, alínea a) do Código dos Valores Mobiliários não pode ser aplicado ao caso dos autos.
E dizemos isto porque se trata de uma norma sancionatória em branco que não estabelece, conforme é exigido constitucionalmente, os elementos constitutivos da infracção.
Deste modo, não prescreve a mesma, com os requisitos de certeza, objectividade e determinação que são exigidos pelo princípio da legalidade, qual a conduta proibida e punida por lei.
Assim, a norma extraída do sobredito artigo, interpretada segundo a qual constituiria contra-ordenação menos grave qualquer violação do Art.º 7° do Código dos Valores Mobiliários ou, em particular, a comunicação ou divulgação, por qualquer entidade e através de qualquer meio, de informação relativa à sociedade emitente não verdadeira, seria inconstitucional, também por violação dos Art.ºs 1º, 2°, 29° e 32° da C.R.P.
Por outro lado, torna-se forçoso salientar que, em nosso entendimento, carece de fundamento a pretendida inconstitucionalidade, na interpretação e aplicação que se fez dos Art.ºs 7º, n.º 1, 389º, n.º 1 e 400º do Código dos Valores Mobiliários, reportada aos Art.ºs 81º, alínea f) e 101º da C.R.P.

Flui, pois, de tudo o que acaba de se expender que a problemática respeitante ao não preenchimento do tipo subjectivo e da culpa se encontra prejudicada.

In fine, torna-se forçoso referir, ainda, que inexiste violação de qualquer disposição legal e, muito menos, dos preceitos que nas respectivas motivações foram mencionados.

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Pelo exposto, acordam os juízes em negar provimento aos recursos interpostos pelo Mº Pº e pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, confirmando, na sua plenitude, a decisão recorrida.

Custas pela recorrente Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2011

José Simões de Carvalho
Maria Margarida Bacelar