Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3658/09.1TBSXL.L1-1
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: INDEFERIMENTO LIMINAR
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
INVENTÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Estando já a recorrente divorciada, não faz sentido requerer a separação de bens mas sim a partilha dos bens.
II - Por isso, é manifestamente improcedente a sua pretensão de obter a separação de bens nos termos do art. 1406º do CPC pois a aplicação deste normativo, ao ter como pressuposto a manutenção da sociedade conjugal, supõe a não sujeição da partilha às normas do direito substantivo que dispõem sobre os efeitos patrimoniais do divórcio.
III - Não estamos perante erro na forma de processo, pois a recorrente declaradamente não pretende que se proceda à partilha de bens na sequência do divórcio, isto é, não pretende que se proceda a inventário nos termos do art. 1404º do CPC antes pretende obter a separação de bens como se afinal, não tivessem já cessado as relações patrimoniais entre si e o requerido.
III - Mas ainda que se entendesse haver erro na forma de processo e que deveriam os autos prosseguir como inventário em consequência de divórcio nos termos do art. 1404º do CPC, não seria o tribunal a quo materialmente competente para a sua tramitação atento o que dispõe o art. 81º al c) da LOTJ (Lei 3/99 de 13 de Janeiro), o que sempre importaria o indeferimento liminar do requerimento inicial.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
A requereu, em 29 de Junho de 2009, no Tribunal de Família e Menores e de Comarca do , a instauração de inventário para separação de bens ao abrigo do disposto no artigo 1406º do Código de Processo Civil, contra B.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese:
- requerente e requerido encontram-se divorciados por sentença transitada em julgado em 8 de Março de 1999, proferida nos autos de Proc. nº .../98 que correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca do ;
- o dissolvido casal tem bens comuns por partilhar;
- a requerente tem direito a ser compensada pelo pagamento, por si efectuado, com bens próprios, de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges;
- em 5 de Junho de 2009 foi a requerente citada nos termos dos art. 220º e 239º do CPPT no âmbito de processos de execução fiscal a correr termos na secção de Processo Executivo de ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., para no prazo de 30 dias a contar da citação requerer a separação judicial de bens, sob pena de, não a requerendo, a execução prosseguir sobre os bens penhorados.
Terminou requerendo que se proceda a inventário para separação de bens, nomeando-se cabeça de casal o requerido, tomando-se-lhe declarações nessa qualidade.
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Distribuído o processo ao 1º Juízo de competência especializada cível, foi proferido despacho que declarou o tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer da acção por se ter entendido que a competência cabe ao Tribunal de Família e Menores e em consequência indeferiu liminarmente o requerimento inicial.
Inconformada, apelou a requerente tendo concluído a sua alegação nestes termos:
1. O tribunal "a quo" indeferiu liminarmente o requerimento inicial de inventário para separação de bens, interposto ao abrigo do disposto no artigo 1406.° do CPC, com fundamento em incompetência do tribunal de competência especializada cível, em razão da matéria, para conhecer a acção em apreço.
2. Fundamentando tal decisão no facto de ter sido decretado o divórcio entre a requerente e o requerido, pelo que de acordo com o disposto no art. 81.°, c) da LOTJ compete aos Tribunais de família preparar e julgar, entre outros, os inventários requeridos na sequência de divórcio.
3. A requerente, na petição de inventário, alega, para além do facto de se encontrar divorciada do requerido, também que em 05-06-2009 foi citada, nos termos dos artigos 220.° e 239.° do CPPT, no âmbito dos processos de execução fiscal n.°s ...0 e apensos e ...1 e apensos, a correr termos na secção de Processos Executivos de ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., para no prazo de 30 dias a contar da citação requerer a separação judicial de bens, sob pena de, não a requerendo, a execução prosseguir sobre os bens penhorados.
4. E ainda que tomou conhecimento nessa data de ter sido penhorado bem imóvel que constitui bem comum do casal, impondo-se, assim, proceder ao presente inventário.
5. A competência do tribunal em razão da matéria, tal como ocorre com os demais pressupostos processuais, é determinada em face da relação jurídica processual tal como a A. a configura na petição inicial e mais propriamente, em face da pretensão nesta deduzida.
6. Dispondo o artigo 1404.°, n.° 1 do CPC que "Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer o inventário para partilha de bens (...)" e o artigo 81º, al. c) da LOTJ que compete aos tribunais de família preparar e julgar, entre outras acções, os inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, bem como os procedimentos cautelares com aqueles relacionados, não resta dúvida que competente para os inventários intentados na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, bem como para os procedimentos cautelares com as mesmas relacionados, é o Tribunal de família.
7. Porém, na situação aqui em apreço, o processo de inventário para separação de bens do dissolvido casal impôs-se, não pelo facto de a requerente e o requerido se encontrarem divorciados, mas por via de uma penhora que incidiu sobre bens comuns, e pelo facto de ter sido citada no âmbito dos processos de execução fiscal e para os efeitos indicados no ponto 3. destas conclusões, sendo que o bem penhorado faz parte da sua meação conjugal.
8. Ao contrário do que decidiu a Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo", é, no entender da requerente, competente para conhecer o presente inventário o Tribunal de competência especializada cível, existente na comarca do .
9. É que, na base do presente inventário está, não o divórcio entre a requerente e o requerido, mas uma penhora efectuada em processo executivo no qual apenas o requerido é executado e que incide sobre um bem que é também da requerente.
10. Não se enquadrando o presente inventário na situação prevista na alínea c) do artigo 81.° da LOTJ, mas na norma do artigo 94.° da LOTJ.
11. Por outro lado, dispõe o artigo 1406.°, n.° 1 do CPC, ao abrigo do qual a requerente solicitou inventário para separação de bens, que: "Requerendo-se a separação de bens nos termos do artigo 825.°, ou tendo de proceder-se a separação por virtude de falência de um dos cônjuges, aplicar-se-á o disposto no artigo 1404.°, com as seguintes alterações (...)"
12. Por seu turno, dispõe o artigo 825.°, n.° 1 do CPC que "Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo que dispõe para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência da acção em que a separação já tenha sido requerida.".
13. E dispõe o n.° 7 que "Apensado o requerimento em que se pede a separação, ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha (...)".
14. Assim, se o presente inventário tivesse sido requerido na sequência de penhora efectuada em acção executiva em curso nos tribunais comuns, não restaria qualquer dúvida que o inventário para separação de bens, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 1406, n.° 1 e 825.°, correria por apenso à acção executiva em causa, sendo para ele materialmente competente o tribunal competente para a acção executiva, de acordo com o disposto no artigo 96.°, n.° 1 do CPC.
15. Na presente situação, o inventário para separação de bens impôs-se em virtude de penhora efectuada em sede de execução fiscal.
16. Nos termos do disposto no artigo 220.° do CPPT "Na execução para cobrança de coima fiscal ou com fundamento em responsabilidade de um dos cônjuges podem ser imediatamente penhorados bens comuns, devendo neste caso citar-se o outro cônjuge para requerer a separação judicial de bens, prosseguindo a execução sobre os bens penhorados se a separação não for requerida no prazo de 30 dias ou se se suspender a instância por inércia ou negligência do requerente em promover os seus termos processuais."
17. 0 inventário para separação de bens a que alude o artigo 220.° do CPPT, emergindo embora de uma execução fiscal, não constitui nenhum dos incidentes típicos da execução fiscal previsto no artigo 166.° do CPPT, nem constitui qualquer incidente não tipificado respeitante ao andamento do processo fiscal.
18. Constitui antes uma questão respeitante à relação jurídica privada dos ex-­cônjuges, questão que é prejudicial no que tange ao prosseguimento da questão fiscal, tanto que a execução fiscal só prossegue caso a questão atinente à separação dos bens não seja suscitada, dentro do prazo legalmente previsto para o efeito ou, sendo suscitada, haja suspensão da instância decorrente da inércia ou negligência do requerente em prosseguir os seus termos processuais.
19. Não constituindo incidente típico ou atípico do processo de execução fiscal, não pode o inventário para separação de bens seguir os seus trâmites por apenso ao processo de execução fiscal.
29. Não cabendo no âmbito da competência dos Tribunais administrativos e fiscais, a separação judicial de bens deve ser requerida no tribunal comum e o meio competente, à semelhança do que acontece com o procedimento previsto no artigo 825.° do CPC, é o processo de inventário, com as especialidades do art° 1406.° do CPC.
21. 0 inventário para separação de bens constitui uma questão da esfera jurídica privada dos ex-cônjuges, que não pode correr por apenso à execução fiscal por não ser a jurisdição administrativa e fiscal a competente para dela conhecer, e constitui uma questão prejudicial relativamente à execução fiscal e dela decorrente, pelo que fica afastada a competência do Tribunal de família para dela conhecer, uma vez que a sua competência se cinge aos inventários requeridos na sequência de acções de separação judicial de pessoas e bens e divórcio e são regidos pelo disposto no artigo 1404.° do CPC.
22. Sendo materialmente competente para apreciar o inventário instaurado nos termos do disposto no artigo 1406.° do CPC, com as especificidades aí constantes, o Tribunal de competência especializada cível.
23. Ao decidir pela incompetência material do Tribunal de competência especializada cível para conhecer do presente inventário, violou a douta decisão do tribunal "a quo" o disposto nos artigos 94.° e 81.°, al. c), ambos da LOTJ aprovada pela Lei n.° 3/99, de 13.01.
24. Bem como violou, considerando a verificação de excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, determinando assim o indeferimento liminar da petição de inventário, os artigos 494.°, n.° 1, al. a), 493.°, n.° 2 e 234.°-A, todos do CPC.
25. 0 tribunal "a quo" fez ainda uma incorrecta interpretação dos artigos 220.° do CPPT e dos artigos 825.°, n.°s 1 e 7, 1406.°, n.° 1 do CPC, pois, fazendo uma correcta interpretação de tais normativos legais teria considerado competente o tribunal de competência especializada cível para conhecer o presente inventário, por aplicação da norma do artigo 94.° da LOTJ.
Termos em que deve ser atendida a presente apelação, julgando-se a mesma procedente e, em consequência, ser revogada a douta decisão proferida e substituída por outra que considere o Tribunal de competência especializada cível o competente para conhecer o inventário para separação de bens aqui em causa.
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O requerido foi citado nos termos do art. 234º - A do CPC, não tendo contra-alegado.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões da decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 684º nº 3 e 685º A nº 1 do CPC), sem prejuízo das questões que o Tribunal deva conhecer oficiosamente, pelo que no caso dos autos as questões a decidir são:
- se o 1º juízo de competência especializada cível do Tribunal de Família e Menores da comarca do é competente para os termos do presente inventário
- se pode ser instaurado processo para separação de bens nos termos do art. 1406º do CPC no caso de o casamento estar já dissolvido por divórcio
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III – Fundamentação
A) Além da dinâmica processual descrita no relatório são de considerar os seguintes factos:
- Encontra-se averbado ao assento de casamento nº ... da Conservatória do Registo Civil de ... referente a B e a A: «Dissolvido por divórcio decretado por sentença de 24 de Fevereiro de 1995, transitada em 08 de Março de 1999, proferida pelo Tribunal Judicial do – 2º Juízo.»
- No âmbito dos processos executivos identificados na alegação da recorrente foi penhorada uma fracção autónoma de um prédio urbano destinado a habitação tendo os respectivos autos de penhora a data de 30/04/2009.
- No documento de fls. 7 consta:
«(…)
Fica V. Exa notificada que, no âmbito do(s) processo(s) Executivo(s) acima identificado(s), procedeu-se ao registo de penhora, a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, sobre o prédio urbano identificado no(s) auto(s) de penhora que se junta(m).
Mais fica V. Exa citado(a) na qualidade de cônjuge do executado, relativamente aos Processos de Execução Fiscal supra identificados, nos termos e para os efeitos do Artigo 239º nº 1 do CPPT, para no prazo de 30 dias a contar desta citação, requerer a separação judicial de bens, prosseguindo a execução sobre os bens penhorados se esta não for requerida dentro do referido prazo ou se suspender a instância por inércia ou negligência do requerente em promover os seus termos processuais».
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B) O Direito
Nos termos do disposto no art. 81º al c) da LOTJ (Lei 3/99 de 13 de Janeiro) compete aos tribunais de família preparar e julgar os inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio.
Não estão contemplados nesta norma os inventários para separação de bens nos casos especiais referidos no art. 1406º do CPC, pelo que relativamente a estes os tribunais de família não são competentes.
No caso concreto, sustenta a recorrente na sua alegação que requereu o inventário para separação de bens ao abrigo do art. 1406º do CPC porque foi citada nos termos dos art. 220º e 239º do CPPT no âmbito de processos de execução fiscal e não pelo facto de estar divorciada do requerido.
Prevê o art. 220º do CPPT: «Na execução para cobrança de coima fiscal ou com fundamento em responsabilidade de um dos cônjuges podem ser imediatamente penhorados bens comuns devendo neste caso citar-se o outro cônjuge para requerer a separação judicial de bens, prosseguindo a execução sobre os bens penhorados se a separação não for requerida no prazo de 30 dias ou se se suspender a instância por inércia ou negligência do requerente em promover os seus termos processuais.».
Estando em causa a instauração de inventário para separação de bens dos cônjuges na sequência de citação nos termos do art. 220º do CPPT, é a jurisdição comum e não os tribunais administrativos e fiscais que tem competência para os termos desse processo, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 27/11/2008 (Proc. 018/08 – in www.dgsi.pt) e que se passa a citar:
«A..., identificada nos autos, após ter sido citada, nos termos e para os efeitos previstos no art. 825° do CPC, num processo de execução fiscal que, por reversão, corria contra o seu marido, requereu no Tribunal Judicial da Maia o respectivo inventário para separação de meações.
(…)
O problema em apreço consiste em saber qual a jurisdição competente – se a comum, se a administrativa e fiscal – para conhecer do inventário para separação de meações induzida por penhora realizada numa execução tributária. Ora, este Tribunal de Conflitos, no aresto de 12/10/2006 que foi proferido no processo nº 23/05, já teve a oportunidade de dirimir esse preciso assunto. Tal conflito pusera-se entre o Tribunal Judicial da comarca da Lousã e o TAF de Coimbra, tendo aquele acórdão enunciado o seguinte discurso fundamentador:
«Um dos critérios de repartição do poder jurisdicional no plano interno é, como se sabe, o do objecto do litígio. A instituição de diversas espécies de tribunais e a definição da respectiva competência em razão da matéria ou objecto da causa, ou seja, da natureza da relação substancial pleiteada obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes, desde logo, uma maior garantia de acerto ou perfeição da decisão (Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil” (1976), 94-II-a), Antunes Varela e outros, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., 207 (n° 66) e 222). O art. 49°, n° 1°, al. d), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pela Lei n° 13/2002, de 19/2, comete, nomeadamente, aos tribunais tributários a competência para conhecer dos incidentes e das oposições. Segue-se, deste modo, regra clássica, segundo a qual accessorium sequitur principali. Na definição de Mortara, subscrita por Alberto dos Reis, “Comentário”, III, 563 (v. também 564), transcrita em Ac. STJ de 24/1/89, BMJ 383/521, o incidente é uma forma processual secundária que apresenta o carácter de episódio ou acidente em relação ao processo da acção (no caso, executiva fiscal) (v. também, ARC de 18/12/84, CJ, IX, 5°, 99-III e 100, 2ª col.; desenvolvidamente, Parecer da PGR n° 53/62, de 25/10/62, no BMJ 120/181 ss; e, mais recentemente, Ac. STJ de 16/4/98, BMJ 476/305-I). Inumeráveis as questões que podem surgir no decurso das causas e de que a discussão se reveste de carácter incidental, a grande maioria constitui objecto de incidentes inominados ou atípicos; outras são assunto de incidentes perfeitamente definidos e assim intitulados - incidentes nominados, típicos (Transcreveu-se enunciado de Lopes Cardoso, “Manual dos Incidentes da Instância”, 2ª ed. (1965), 10. V. também Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, 4.ª ed. (2006), 10 a 12).
Posto que têm por objecto questão que não é a questão fundamental da causa, visando, antes, questões secundárias ou acessórias, enxertadas na questão principal, os incidentes constituem ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide – ou, na expressão dos tribunais referidos, ocorrências extraordinárias que perturbam o movimento normal do processo. Destinada a separação de meações pretendida a salvaguardar o património dum dos cônjuges da responsabilização por dívida do outro, opera-se em processo especial, de inventário, autónomo e com tramitação específica. E conquanto, é certo, apenas eventual, e determinante da suspensão da execução, mas prevista que, na realidade, se encontra na própria regulamentação do processo executivo, bem, afinal, não se vê como considerar a dedução do pedido de separação das meações como ocorrência extraordinária, estranha ou anormal.
Por outro lado, determinada a competência material pela vocação específica das diversas espécies de tribunais, bem, de facto, não se vê também como incluir na própria dos tribunais tributários a de proceder a inventário para separação de meações.». Reiteramos aqui essa transcrita jurisprudência. Com efeito, o inventário para separação de meações constitui um processo «a se», e não um incidente processual da execução em que se tenha procedido à penhora de bens comuns do casal do executado. Nesta conformidade, e nos termos do art. 66° do CPC, é à jurisdição comum - e, no confronto particular agora em presença, ao Tribunal Judicial da comarca da Maia - que cabe a competência material para conhecer do processo a que os autos se referem. Nestes termos, acordam em resolver este conflito negativo de competência declarando que incumbe ao Tribunal Judicial da comarca da Maia a competência material para conhecer do processo para separação de meações.».
Assente que o inventário para separação de bens nos termos do art. 1406º do CPC deve ser requerido na jurisdição comum vejamos agora, no caso concreto qual o tribunal competente.
No entender da recorrente a competência cabe ao juízo de competência especializada cível e não ao Tribunal de Família e Menores porque requereu o inventário ao abrigo do art. 1406º nº 1 do CPC.
Estabelece este normativo:
«1 – Requerendo-se a separação de bens nos termos do artigo 825º, ou tendo de proceder-se a separação por virtude da falência de um dos cônjuges, aplicar-se-á o disposto no artigo 1404º, com as seguintes alterações:».
Por seu turno, o nº 1 do art. 825º prevê:
«1 – Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo de que dispõe para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida.».
Tendo sido, como foi, requerida a separação de bens conforme previsto no art. 1406º do CPC o tribunal materialmente competente para o inventário é o 1º Juízo de competência especializada cível e não o Tribunal de Família e Menores da Comarca do , como resulta da conjugação dos 81º al c) e art. 94º da LOTJ.
Mas os art. 825º e 1406º do CPC bem como os art. 220º e 239º do CPPT referem os cônjuges.
O processo para a separação de bens previsto no art. 1406º do CPC é um processo para separação de bens em casos especiais, tendo como pressuposto a vigência da sociedade conjugal e inexistir separação de bens.
Com efeito, o art. 1406º do CPC contempla dois casos especiais de separação de bens: o de pendência de execução contra um dos cônjuges e o da falência de um dos cônjuges.
O art. 1404º do CPC tem por finalidade a partilha dos bens em consequência de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio ou declarado nulo ou anulado o casamento e ainda no caso de simples separação judicial de bens prevista no art. 1767º do Código Civil.
No caso concreto o casamento entre a recorrente e o requerido está já dissolvido por divórcio.
Com interesse para o caso dos autos dada a manifesta semelhança das questões suscitadas, refere-se no Ac da Relação de Évora de 12/6/2008 (Proc. 3010/07-3 – in wwww.dgsi.pt), e citado, até, pela recorrente:
«(…) in casu, os cônjuges encontram-se já divorciados por sentença de 23/11/2006, transitada em julgado, tendo a citação para efeitos do art. 220º do CPPT sido ordenada em 24/05/2007.
Devia, pois, ter sido dado conhecimento àquela execução fiscal, da situação de divórcio que já vigorava entre os cônjuges.
Assim, sendo, não pode a requerente propor e fazer seguir, como pretende, inventário “para separação da meação da requerente por via da partilha de bens em casos especiais” nos termos do art. 825º e 1406º do CPC, mas antes o inventário a que se refere o art. 1404º do CPC, isto é, na sequência do divórcio já decretado.».
Voltando ao caso dos autos, ainda que a recorrente só tenha requerido a instauração do inventário por ter sido citada no âmbito das referidas execuções fiscais, o certo é que as relações patrimoniais entre si e o requerido já cessaram há muito e a partilha dos bens comuns está sujeita ao disposto nos art. 1688º, 1789º e 1790º do Código Civil que prescrevem:
Art. 1688º:
«As relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento, (…)»
Art. 1789º (na redacção anterior à Lei 61/2008 de 31/10):
«1. Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.
2. Se a falta de coabitação entre os cônjuges estiver provada no processo qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio se retrotraiam à data, que a sentença fixará, em que a coabitação tenha cessado por culpa exclusiva ou predominante do outro.
3. Os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença»
Art. 1790º (na redacção anterior à Lei 61/2008 de 31/10):
«O cônjuge declarado único ou principal culpado não pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.».
Assim, estando já a recorrente divorciada, não faz sentido requerer a separação de bens mas sim a partilha dos bens.
Por isso, é manifestamente improcedente a sua pretensão de obter a separação de bens nos termos do art. 1406º do CPC pois a aplicação deste normativo, ao ter como pressuposto a manutenção da sociedade conjugal, supõe a não sujeição da partilha às normas do direito substantivo que dispõem sobre os efeitos patrimoniais do divórcio.
De harmonia com o art. 234º A nº 1 do CPC pode ser indeferida liminarmente a petição quando o pedido seja manifestamente improcedente.
Assim, embora com fundamento diferente, deve manter-se o indeferimento liminar do requerimento inicial.
Cumpre dizer ainda o seguinte.
Não estamos perante erro na forma de processo, pois a recorrente declaradamente não pretende que se proceda à partilha de bens na sequência do divórcio, isto é, não pretende que se proceda a inventário nos termos do art. 1404º do CPC antes pretende obter a separação de bens como se afinal, não tivessem já cessado as relações patrimoniais entre si e o requerido.
Mas ainda que se entendesse haver erro na forma de processo e que deveriam os autos prosseguir como inventário em consequência de divórcio nos termos do art. 1404º do CPC, não seria o tribunal a quo materialmente competente para a sua tramitação atento o que dispõe o art. 81º al c) da LOTJ (Lei 3/99 de 13 de Janeiro), o que sempre importaria o indeferimento liminar do requerimento inicial.
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IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se confirmar a decisão recorrida de indeferimento liminar do requerimento inicial embora com fundamentos diferentes.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2010

Anabela Calafate
Antas de Barros
Folque de Magalhães