Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
88/10.6TMFUN.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: ACÇÃO DE DIVÓRCIO
DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES
NULIDADE DE SENTENÇA
OPOSIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E DECISÃO
RUPTURA DEFINITIVA DO CASAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA
Sumário: I – Se da análise da sentença recorrida resulta que o Tribunal de 1ª instância considerou que os factos provados eram insuficientes para integrar a previsão da alínea d) do art. 1781 do CC (daí a improcedência da acção), enquanto a apelante defende que a matéria dada como provada traduz a existência de uma ruptura definitiva, devendo conduzir a um resultado oposto ao expresso na sentença, não estamos perante a nulidade da sentença por oposição entre a decisão e os fundamentos, mas perante a invocação de um erro de julgamento.
II – Para efeitos do preenchimento da previsão da alínea d) do art. 1781 do CC, da matéria de facto provada deverá resultar retratada uma determinada situação objectiva em que os factos, pela sua gravidade ou reiteração, mostrem a ruptura definitiva do casamento, não bastando que os factos traduzam um mero acto de vontade de um dos cônjuges, visto o divórcio “a-pedido” por razões subjectivas, não haver sido acolhido nas novas disposições da lei sobre o divórcio.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                                                       *
            I – “A” intentou a presente acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges contra “B”.
            Alegou a A., em resumo:
A A. contraiu casamento com o R. em 29-9-2001, havendo desse casamento nascido duas filhas.
Os desentendimentos entre ambos tornaram-se constantes e intensos, designadamente por problemas financeiros, desgastando-se física e emocionalmente a relação e encontrando-se a vida em comum irremediavelmente comprometida.
Por parte da A. existe o firme propósito de não restabelecer a convivência conjugal.
 Existindo ruptura definitiva do casamento, há fundamento para o divórcio, nos termos da alínea d) do art. 1781 do CC.
Pediu a A. que se decretasse o divórcio entre a A. e o R..
Após frustrada tentativa de conciliação o R. contestou, defendendo inexistir ruptura entre o casal e concluindo pela improcedência da acção.
O processo prosseguiu vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.
Da sentença apelou a A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1. A sentença recorrida é nula, pois viola o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPC.
2. Os fundamentos da decisão estão em oposição com a decisão.
3. O Tribunal “a quo” considera provado que a Recorrente tem o firme propósito de não restabelecer a convivência conjugal, sendo suficiente para integrar a citada al. d) do artigo 1781º do CC.
4. Mas, declara que é assim manifesto que a presente acção terá que proceder, sem necessidade de mais considerações.
5. Ora, desta forma, os fundamentos da decisão apontados pelo Tribunal recorrido apontam para uma decisão em sentido oposto, assim, a decisão proferida é nula, o que se invoca.
6. Conforme consta da sentença recorrida resultou provado que o Senhor Juiz considerou o facto de a Recorrente ter o firme propósito de não restabelecer a convivência conjugal, por se trata de mero acto de vontade de um dos cônjuges, ser suficiente para integrar a citada al. d) do artigo 1781º do CC.
7. A propósito, o Senhor Juiz que proferiu a decisão recorrida escreveu na sentença: “é assim manifesto que a presente acção terá que proceder, sem necessidades de mais considerações”.
8. Ora, devido a supra apreciação de facto e de direito da sentença recorrida, a qual implicaria decisão diversa da proferida a Recorrente nos termos do artigo 669º do CPC, requereu esclarecimento da sentença ao Exmo. Senhor Juiz, em sequência do requerido abriu conclusão rectificando os lapsos materiais da sentença, despacho este que fez ficar parte integrante da sentença.
9. Dispõe o art.º 666.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ser lícito ao Juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e esclarecer dúvidas existentes nas sentenças ou despachos (por referência ao n.º 3 do mesmo normativo).
10. É, por conseguinte, a divergência entre o que foi escrito e aquilo que se queria ter escrito, mas que decorre do que demais consta em termos do respectivo contexto, que consubstancia o erro material.
11. Por simples despacho foi rectificado os erros materiais apresentados na sentença, onde constava “suficiente” pretendeu-se escrever “insuficiente” e onde constava “procedente” pretendeu-se escrever “improceder”, justificando assim a decisão do Tribunal “a quo”.
12. Ocorre que a fundamentação da decisão invocada ainda assim conduz não ao resultado expresso na decisão, isto é, a improcedência da acção e absolvição do réu do pedido, mas a um resultado oposto, devendo o divórcio ser decretado.
13. É aqui que reside a grande contradição e discordância da Recorrente em relação à douta sentença.
14. Da fundamentação da decisão do Venerando Tribunal “a quo” consta o seguinte: Segundo a al. d) do artº. 1781º do CC constitui fundamento de divórcio sem consentimento do outro cônjuge “quaisquer outros factos que, independente da culpa
dos conjugues, mostrem a ruptura definitiva do casamento”.
Segundo Amadeu Colaço, in “Novo Regime do Divórcio”, Almedina, p. 71 – 72 a citada al. d) tem os seguintes elementos:
h) Tem que ser revelada por um ou mais factos;
i) Estes factos terão que ser outros, que não os constantes das demais alíneas do referido artigo;
j) Tais factos terão que ser reveladores da ruptura do casamento;
k) Esta ruptura terá de mostrar-se definitiva (e não mera ruptura esporádica ou temporária);
l) Esta situação terá de consistir numa situação objectiva, passível de ser constatada, não resultando de um simples e mero acto de vontade de um dos cônjuges;
m) Não depende de eventual culpa de qualquer dos cônjuges;
n) Não depende da verificação de qualquer prazo.
15. A matéria dada como provada, consta que a Recorrente tem o firme propósito de não restabelecer a convivência conjugal, demonstrando que a vontade da Recorrente, não passa de um mero capricho ou vontade momentânea, provando ser uma ruptura definitiva.
16. Assim, tendo a Recorrente feito prova de um dos quatro fundamentos acima mencionados, estando reunidos os pressupostos para o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges este deveria prosseguir.
17. Está em causa a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 artº 668º Código de Processo Civil, que dispõe que "é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão".
18. Em suma, só ocorrerá nulidade da sentença, por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam não ao resultado expresso na decisão mas a um resultado oposto, ou seja, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta à que, logicamente, deveria ter extraído.
19. Com efeito, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, se na fundamentação da sentença, o Senhor Juiz seguiu determinada linha de raciocínio, apontando para procedência da acção, e, em vez de a dar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.
20. Ora, a julgar de forma diferente, isto é, ao julgar procedente o pedido do Réu e improcedente aqueles pedidos formulados pela Autora, ora Recorrente, a sentença proferida enferma da nulidade prevista na al. c) do nº. 1 do artº. 668º do CPC, verificando-se, assim, oposição entre os fundamentos e a decisão, o que é causa de nulidade da sentença, nulidade que se argui para todos os efeitos legais.
21. O Novo Regime da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro de 2008, veio introduzir alterações fundamentais ao regime do divórcio.
22. O actual regime eliminou da ordem jurídica o divórcio – sanção, deixando cair a culpa conjugal como causa basilar da dissolução do casamento, tendo sido alterados, aditados e revogados diversos artigos do Código Civil, passando então a haver as seguintes formas de divórcio: o Divórcio por mútuo consentimento e Divórcio sem consentimento de um dos cônjuges de acordo com o artigo 1773º do Código Civil.
23. De acordo com o disposto no artigo 1781º do CC, são fundamentos do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge:
a) A separação de facto por um ano consecutivo;
b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;
c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;
d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento;
24. No que concerne da complexidade, especificamente, a alínea d) que, recordamos, reza assim: quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento!
25. A “ruptura definitiva do casamento” é, segundo o Projecto de Lei que veio a determinar a alteração legislativa de 2008, uma “cláusula geral que atribui relevo a outros factos que mostram claramente a ruptura manifesta do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo (…) Com efeito, e decorrendo do princípio da liberdade, ninguém deve permanecer casado contra a sua vontade ou se considerar que houve quebra do laço afectivo. O cônjuge tratado de forma desigual, injusta ou que atenta contra a sua dignidade deve poder terminar a relação conjugal mesmo sem a vontade do outro.” (cfr. exposição de motivos do Projecto de Lei n.º 509/X).
26. Não bastará uma qualquer ruptura do casamento, esta terá necessariamente que ser uma ruptura definitiva. Para a sua apreciação, não basta um mero capricho ou vontade momentânea de um dos cônjuges em se divorciar do outro – será sempre necessário alegar e provar factos, objectivos e passíveis de constatação, que demonstrem a existência de uma situação de falência/fracasso definitivo do casamento.
27. Em suma, desde a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro (1 de Dezembro de 2008), o cônjuge que pretenda divorciar-se do outro, sem obter o consentimento deste, deixou de ter de alegar e demonstrar a violação por parte deste de algum ou de vários deveres conjugais.
28. Para além das causas objectivas anteriormente previstas, como a separação de facto por determinado período ou a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, é agora necessário demonstrar a ruptura definitiva do casamento.
29. A ruptura definitiva do casamento consiste em factos objectivos, passíveis de constatação pelo tribunal, da impossibilidade definitiva de manter o projecto de vida  conjugal, independentemente da sua duração ou de culpa de um (ou dos dois) cônjuges.
30. A nova Lei do Divórcio vem responder ao novo paradigma do casamento: se duas pessoas se casam porque ambas se amam, o facto de uma deixar de amar legitima-a a divorciar-se, sendo socialmente inaceitável que alguém fique contra vontade preso ao peso do casamento, contra sua vontade!
31. Da matéria dada como provada, consta que a Recorrente tem o firme propósito de não restabelecer a convivência conjugal, resultado de uma situação de falência/fracasso definitivo do casamento devido a discussão constante geradora de angústia e quebra de afectividade.
32. Considerando a matéria dada como provada, tendo demonstrado que a vontade da Recorrente, não passa de um mero capricho ou vontade momentânea, provando ser uma ruptura definitiva.
33. Assim, com a redacção introduzida pela Lei 61/2008, a esta causa objectiva de divórcio podemos subsumir “quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento”. Como decorre da própria exposição de motivos, o legislador fez deste fundamento uma cláusula geral onde podem caber todos os outros factos que indiquem a falência do casamento, como por exemplos: a violência doméstica, a violação dos deveres conjugais, a discussão constante geradora de angústia e quebra de afectividade.
34. Logo, tendo a Recorrente feito prova de um dos quatro fundamentos acima mencionados, estando reunidos os pressupostos para o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges este deveria prosseguir.
35. A sentença recorrida violou por erro de interpretação e não aplicação aos factos dados como provados, as normas constantes dos artigos 1781º, al. d) do Código Civil.
36. Deve decretar-se o divórcio, de harmonia com o disposto no artigo 1781º, alínea d) do CC, uma vez que estão reunidos os requisitos para tal efeito.
37. Ao não dar procedência à acção nos termos expostos, violou o Tribunal  “a quo” o disposto no artigo 1781º, al. d) do CC e o disposto nos artigos e 668º nº1, alínea c) do CPC.
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II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A A. e o R. contraíram casamento católico a 29-09-2001, na Igreja Paroquial da freguesia de … e concelho de …, sem convenção antenupcial.
2. Deste casamento nasceram duas filhas:
-“C”, nascida a 3-01-2002;
-“D”, nascida a 23-09-2003.
3. A A. tem o firme propósito de não restabelecer a convivência conjugal.
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III – Como resulta do art. 684, nº 3, do CPC são as conclusões da alegação do recurso que definem o objecto do mesmo. Deste modo, face às conclusões das alegações apresentadas pela A., as questões que essencialmente se colocam são as seguintes: se a sentença é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão; se resultaram provados factos suficientes para que se julgue verificado o fundamento de divórcio expresso na alínea d) do art. 1781 do CC.
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IV – 1 - Escreveu-se no texto original da sentença (fls. 57-58):
«…no caso em apreço, apenas resultou provado que a A. tem o firme propósito de não restabelecer a convivência conjugal, o que face ao acima referido, porque se trata de mero acto de vontade de um dos cônjuges, é suficiente para integrar a citada al. d) do artigo 1781º do CC.
É assim manifesto que a presente acção terá que proceder, sem necessidade de mais considerações.
III)
DECISÃO:
Com fundamento no atrás exposto, julgo improcedente por não provada a presente acção, e, em consequência, absolvo o R. do pedido».
Notificada a sentença em 3-3-2011, em 4-3-2011 veio a A. «requerer o esclarecimento da sentença de 18 de Fevereiro de 2011, nos termos da al. a) do nº 1 do artº. 669º do CPC e a rectificação da sentença», aduzindo afigurar-se a existência de «manifesto lapso do juiz em decidir de forma diversa do que fundamenta a sua decisão» e concluindo requerer «o necessário esclarecimento do teor da decisão e sendo caso ordenar a rectificação desta, por simples despacho, uma vez que certamente se deveu a lapso manifesto».
Foi, então, proferido despacho do seguinte teor:
«Fls. 63: tem razão a reclamante quando diz que na sentença proferida nos presentes autos.
Na verdade onde se escreveu "suficiente", pretendeu-se escrever "insuficiente" e onde se escreveu "proceder" pretendeu escrever-se "improceder" (cfr. autor e obra citados na sentença).
Por se tratarem de lapsos materiais, aqui ficam as necessárias rectificações, e subsequentes esclarecimentos.
x
Este despacho fica a fazer parte integrante da sentença de fls. 56-58».
Em 31-3-2011 foi interposto recurso da sentença no mesmo se invocando a nulidade da sentença a que alude o nº 1-c) do art. 668 do CPC.
Vejamos.
O nº 1-a) do art. 669 do CPC reporta-se ao «esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos, sendo que o nº 3 do mesmo artigo prescreve que cabendo recurso da decisão o requerimento de esclarecimento é feito na alegação.
Todavia, invocando embora a alínea a) do nº 1 do art. 669, a A. solicitou a «rectificação da decisão» atendendo ao «lapso manifesto», nesse mesmo contexto se situando o Tribunal de 1ª instância quando, dizendo tratar-se de «lapsos materiais», procedeu às necessárias «rectificações».
Ora, como é sabido, atento o disposto no art. 667 do CPC, se a sentença contiver inexactidões devidas a lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz – nos termos perspectivados pela parte e pelo Tribunal de 1ª instância foi o que aconteceu no caso que nos ocupa.
Apesar da aludida rectificação sustenta a apelante que a sentença é nula sofrendo do vício apontado na alínea c) do nº 1 do art. 668 do CPC.
Decorre do nº 1-c) do art. 668 do CPC que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
«Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta; quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade...» ([1]).
Ora, realizada que foi a aludida rectificação (contra a qual propriamente e em si mesma a apelante não se insurge) entende a apelante que «a fundamentação da decisão invocada ainda assim conduz não ao resultado expresso na decisão, isto é, a improcedência da acção e absolvição do réu do pedido, mas a um resultado oposto, devendo o divórcio ser decretado», defendendo que a matéria dada como provada traduz a existência de uma ruptura definitiva.
Da análise da sentença recorrida (rectificada a mesma) resulta, antes, que o Tribunal de 1ª instância considerou que os factos provados eram insuficientes para integrar a previsão da alínea d) do art. 1781 do CC, daí a improcedência da acção.
Ora, neste contexto, não se vislumbra contradição entre os fundamentos e a decisão proferida em 1ª instância, conduzindo aqueles a esta sem qualquer atropelo à lógica, não havendo qualquer oposição a apontar.
A apelante poderá não concordar com a interpretação da lei que foi efectuada na sentença recorrida, nem com a aplicação que desta foi feita aos factos julgados provados, mas tal não se reconduziria à mencionada nulidade, mas ao erro de julgamento.
Conclui-se, pois, que não se verifica a invocada nulidade da sentença.
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IV – 2 – A divergência da apelante relativamente à sentença recorrida situa-se, antes, na delimitação e definição do âmbito da alínea d) do art. 1781 do CC no confronto com os factos julgados provados.
Trata-se de um texto legal novo e que contém uma cláusula geral, daí se justificando uma aproximação algo cautelosa ao mesmo.
Subordinado ao título de “Ruptura do Casamento”, dispõe o art. 1781 do CC que são fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges: a) a separação de facto por um ano consecutivo; b) a alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum; c) a ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano; d) quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.
Deste modo, a nova lei adoptou claramente a ideia do divórcio-ruptura ao afirmar o princípio de que a dissolução do casamento pode sempre fundar-se na ruptura definitiva do casamento e de que esta ruptura pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos.
Cristina Araújo Dias ([2]) diz-nos que fundamentalmente «a principal alteração legislativa reside na eliminação das causas subjectivas do divórcio, mantendo-se a apreciação do juiz do caso concreto para preencher os conceitos indeterminados referidos na lei, nomeadamente para a determinação do que seja a “ruptura definitiva do casamento”. De facto, podem aqui caber todos os factos que demonstrem tal ruptura, ou seja, será necessário formar o mesmo juízo que o tribunal fazia do comprometimento da vida em comum para efeitos do art. 1779º agora revogado».
Guilherme de Oliveira ([3]), numa relevante contribuição - dada a sua intervenção na delineação da lei que introduziu as alterações - para o esclarecimento do que deverá comportar-se na alínea d) do art. 1781 do CC, refere que «o conhecimento da experiência dos sistemas estrangeiros que têm praticado esta via de dissolução mais amplamente do que o nosso país sugere que a utilização da alínea d) do novo art. 1781º não deve permitir a relevância de factos banais e esporádicos» e que «devem ser factos objectivos capazes de convencer o tribunal de que os laços matrimoniais se romperam e se romperam definitivamente». Adiantando que a redacção da alínea d) poderia ser a seguinte: «d) Quaisquer outros factos que, pela sua gravidade ou reiteração, mostrem a ruptura definitiva do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges» e explicando haver «uma razão importante, de natureza sistemática, que sugere a necessidade de uma aplicação exigente da alínea d)» que é a de ela dever «ser feita no seu contexto, isto é, em harmonia com as alíneas anteriores». «Uma atitude mais condescendente em relação às exigências de prova que a lei definiu para as três primeiras alíneas poderia dar a sugestão de que a alínea d), afinal, poderia servir como um caminho para o divórcio simplesmente a-pedido de um dos cônjuges, por razões subjectivas, ou, pelo menos, ficar a meio caminho entre um divórcio-ruptura, por causas objectivas, e um divórcio a-pedido», acrescendo que a história das iniciativas legislativas em torno do divórcio, nos últimos anos, mostra que «o Parlamento não quis acolher um regime de divórcio a-pedido; pretendeu apenas reforçar o sistema de divórcio-ruptura, que se baseia em índices objectivos da falência irreversível do matrimónio».
Salientando, a propósito, Amadeu Colaço ([4]) que o cônjuge que pretenda interpor uma acção com o fundamento expresso na alínea d) do art. 1781 «terá de alegar e provar a existência de uma situação objectiva e passível de constatação, que revele uma situação de ruptura definitiva do casamento (a sua falência ou fracasso)».
Aquele autor enuncia como elementos caracterizadores da “ruptura definitiva do casamento”, no âmbito desta alínea: 1 – tem de ser revelada por um ou mais factos; 2 – esses factos terão de ser outros que não os constantes das demais alíneas do referido artigo; 3 – tais factos terão de ser reveladores da ruptura do casamento; 4 – essa ruptura terá de mostrar-se definitiva (e não uma ruptura esporádica ou temporária); 5 – esta situação terá de consistir numa situação objectiva, passível de ser constatada, não resultando de um mero acto de vontade de um dos cônjuges; 6 – não depende da eventual culpa de qualquer dos cônjuges; não depende da verificação de qualquer prazo.
Do que acabámos de expor surge-nos como relevante para o caso que nos ocupa a necessidade de nos autos, através da matéria de facto provada, dever resultar retratada uma determinada situação objectiva em que os factos, pela sua gravidade ou reiteração, mostrem a ruptura definitiva do casamento, não bastando para o efeito que os factos traduzam um mero acto de vontade de um dos cônjuges, visto o divórcio “a-pedido” por razões subjectivas, não haver sido acolhido.
Ora, neste processo provou-se, tão-só, que a  A. tem o firme propósito de não restabelecer a convivência conjugal. Tal mostra-nos, apenas, qual a vontade, qual a intenção actual da A., não se reconduzindo a um índice objectivo suficiente para a demonstração da falência irreversível do casamento, nos termos acima apontados; não foram demonstrados factos objectivos graves ou reiterados que revelem aquela falência, mas um dado subjectivo – o firme propósito da A..
Aliás a insuficiência de tal facto – o firme propósito actual da A. de não restabelecer a convivência conjugal – revela-se no confronto com a necessidade de um ano consecutivo de efectiva separação de facto previsto na alínea a) do mesmo artigo.
Pelo que terá de se concluir, como em 1ª instância, pela improcedência da acção.
                                                           *
V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
                                                           *
Lisboa, 23 de Novembro de 2011

Maria José Mouro
Teresa Albuquerque
Sousa Pinto
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[1]  Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, «Código de Processo Civil Anotado», II vol., pag. 670.
[2]  Em «Uma Análise do Novo Regime Jurídico do Divórcio», 2ª edição, pag. 41.
[3]  «A Nova Lei do Divórcio», pags. 13-15.
[4] Em «Novo Regime do Divórcio», pags. 70-72.