Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
685/21.4JGLSB.L1-5
Relator: MARIA JOSÉ MACHADO
Descritores: METADADOS
INCONSTITUCIONALIDADE
ALCANCE DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
PORNOGRAFIA DE MENORES
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: –O conjunto de metadados elencado no artigo 4.º da Lei n.º32/2008, de 17/07 abrange dados de diferente natureza, categorizados na jurisprudência constitucional como dados de base e dados de tráfego. Porém, todos eles respeitam a comunicações realizadas, mantendo-se armazenados durante o período de um ano que se inicia, exatamente, na data da conclusão da comunicação (artigo 6.º) e, ainda, a dados de localização.

–A informação fornecida pela operadora respeitante à identificação do nome e morada do cliente utilizador de um determinado IP, correspondente ao nome e morada do arguido, traduz uma informação de dados de base sem qualquer conexão a comunicações realizadas, resultante da relação contratual estabelecida entre a operadora e o particular, a que a autoridade judiciária pode ter acesso, designadamente através do artigo 14.º da Lei n.º 109/2009, de 15/9 (Lei do Cibercrime»), não estando tais dados abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19/04/2022.

–As fortíssimas exigências de prevenção geral quanto ao crime de pornografia de menores e todo o tipo de abusos sexuais a menores, que tem como vítimas crianças cada vez mais jovens e forte reprovação social, que clama por medidas eficazes de combate a este tipo de criminalidade, num quadro em que a conduta do agente não é um acto ocasional e se desenvolve no seio de comunidades de pedófilos, que são simultaneamente fornecedores e receptores de material pornográfico pedófilo, impõem a não suspensão da pena.


(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


1.–No processo comum colectivo, supra identificado, foi proferido acórdão, a 21 de Novembro de 2022, mediante o qual foi decidido: (transcrição do dispositivo)
«Condenar OFF pela prática, em autoria material, na forma consumada, nos termos do disposto no art. 26.° do Código Penal, de 1 (um) crime de pornografia de menores p. e p. pelo art. 176.°, n.° 1, as. c) e d), agravado nos termos do disposto no art. 177.°. n.°s 6, 7 e 8, ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.
Não suspender a execução desta pena de prisão.
Condenar OFF, em conformidade com o disposto no art. 69.°-C, n.° 2, do Código Penal, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, colhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 6 (seis) anos.
Condenar OFF, em conformidade com o disposto no art. 69.°-B, n.° 2, do Código Penal, na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 6 (seis) anos.
Absolver OFF da prática de dois crimes de pornografia de menores p. e p. pelo art. 176.°, n.° 2, com referência às als. c) e d; do respectivo n.° 1, agravados nos termos do disposto no art. 177.°, n.°s 6, 7 8, ambos do Código Penal, por que foi acusado.
Absolver OFF da prática de um crime de pornografia de menores p. e p. pelo art. 176.°, n.°s 5, 7 e 8, do Código Penal, em concurso efectivo, por que foi acusado.
Declarar perdidos a favor do Estado os objectos/instrumentos apreendidos nestes autos.
Condenar o arguido no pagamento de 4 (quatro) UC de taxa de justiça e demais custas.»

2.–Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da sua motivação de recurso as seguintes conclusões: (transcrição)
1.–Omissão de pronúncia quanto à aplicabilidade “in casu” do conteúdo do Acórdão do T.C. 268/2022. Violação grosseira do art.° 127.° do CPP e art.° 205.° n.° 2 da Constituição da República. A decisão do Tribunal Constitucional no seu acórdão 268/2022 que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral de várias disposições da Lei 32/2008 de 17 de Julho (nomeadamente os seus art.° 4,° 6.° e 9.°), relativa a conservação e transmissão de dados as autoridades para fins de investigação criminal, imporia, “prima faciae” que no apuramento da matéria de facto não pudesse ser considerada toda a prova resultante da inspeção pericial levada a cabo pelos inspectores da Policia Judiciaria ao computador do arguido.
2.–Como imporia a nulidade da prova que radicou na informação fornecida pela Operadora Vodafone sobre a localização do IP do suspeito, o que possibilitou a emissão de Mandados de Busca para casa do recorrente.
3.–Contrariamente ao expendido no recorrido acórdão, a prova pericial só pôde ter lugar, porque a PJ solicitou a informação as operadoras (no caso a Vodafone) para que esta mesma operadora, valendo-se dos dados armazenados informasse a Polícia Judiciaria da localização exacta da residência do arguido, a que correspondia determinado IP que havia sido alvo de intercepção/vigilância dessa mesma Polícia.
4.–Nesta conformidade, a instância, violou, por erro de interpretação: o disposto, a tal propósito, no referenciado Acórdão do Tribunal Constitucional. o disposto no art.° 127.° do CPP (por ainda assim se considerar como valida, prova proibida, porque consistente nos alegados metadados).o disposto no art.° 204.° e 205.° n.° 2 da Constituição da República (os Tribunais não podem aplicar normas declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral)
5.–Tendo feito ainda utilização de prova proibida (os metadados), incorrendo na categoria de prova nula a que alude o disposto no art.° 126.°n.° 2 alínea a) “in fine” do CPP (Prova proibida obtida por meio enganoso) e 126.° n.° 3 do CPP (prova obtida com intromissão da vida privada, no domicílio e nas telecomunicações).
Sem conceder,
6.–Do excesso de pronúncia. Nulidade do art.° 379.° n.° 1 alínea c) do CPP
No item 56.° da MF refere-se que “o arguido não mostrou arrependimento”.
No acórdão mostra-se omissa a razão de ciência desta afirmação que apenas por lapso pode ter sido escrita. Não tendo o arguido prestado declarações, o Tribunal não poderia saber se este se encontrava ou não arrependido, não podendo, ou não devendo interpretar o silêncio num sentido processualmente prejudicial para o condenado, - quando o conteúdo do Relatório Social apontava precisamente noutro sentido, o da existência de arrependimento e juízo critico - usando-o como um dos argumentos (quiçá o principal) para a não formulação de um juízo de prognose favorável, logo, para a condenação em pena de prisão efectiva.
7.–Pelo que “hoc et nunc” ao conhecer do que não podia, foi cometida a nulidade de excesso de pronúncia.
8.–Impugnação da matéria de facto - Violação do art.° 127.° e 355.° do CPP
Aponta-se no item 56.° dos factos provados: O arguido não manifestou arrependimento”. e que “relativamente aos factos supra descritos, tem fraco juízo critico”.
9.–Não tendo o arguido prestado declarações e não tendo nenhuma testemunha ouvida sido inquirida sobre esta matéria, deveria o douto Tribunal ter-se socorrido (como o fez em relação a outros itens da matéria de facto provada: itens 42.° a 54.°), ao conteúdo do Relatório Social, que refere: Relativamente ao presente processo o arguido adopta uma postura autocritica com verbalização de juízos de autocensura - a pág. 5
10.–Portanto, a conclusão vertida no art.° 56.° da Matéria de Facto provada mostra-se errada. Não apenas transparece o arrependimento do arguido, no citado Relatório Social, associado a sentimentos de vergonha, como não se mostra verdadeiro que o arguido apresentasse fraco juízo critico.
11.–Mais adiante diz-se no apontado Relatório Social que Em abstracto reconhece a censurabilidade de factos similares aos que deram origem ao presente processoe ainda que: “Relativamente ao presente processo o arguido adopta uma postura autocritica com verbalização de juízos de autocensura - a pág. 5
12.–De resto, em sede conclusiva IV - Conclusão -igualmente a pág. 5 o mesmo Relatório refere, em seu segundo parágrafo que o arguido revela capacidade de autoavaliação critica facto que foi desconsiderado no douto acórdão.
13.–Da confusão no douto acórdão, entre o direito ao silêncio e a ausência de arrependimento. Se o arguido não quiser falar (ou porque não sabe o que dizer, ou porque sabe o que fez e tem vergonha do seu agir ilícito, ou por uma outra qualquer razão ditada pela sua consciência), não poderá -ou não deverá - por causa dessa opção ser prejudicado. Nem desse silencio se pode ou deve inferir qualquer consequência negativa para o arguido.
14.–O não poder - ou não dever - ser prejudicado, pressupõe que o Tribunal que o julga não pode tentar “adivinhar” qual a real e íntima intenção do arguido em preferir não usar da palavra na audiência.
15.–Partir desse errado pressuposto (de que o Tribunal tem o poder de adivinhar ou concluir, na sentença, que o arguido não falou porque não se encontra arrependido), revela-se um claro sinal de excesso de pronúncia, alem de violação do princípio da equidade e do princípio da imediação.
16.–No seu CODIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADO, ALMEDINA 2016 - 2.ª Edição Revista, pelos Conselheiros António Henriques Gaspar, Santos Cabral. Eduardo Maia e Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires Henriques da Graça, a propósito do direito ao silêncio e em anotação ao art.° 61.° n.° 1 alínea d) a pág 185/186 escreve o insigne Conselheiro Henriques Gaspar.
17.–6.-Não responder a perguntas feitas sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que sobre eles prestar - alínea d) traduz consagração do “direito ao silêncio ” do arguido sobre a matéria da imputação ou da acusação, a norma consagra o direito do arguido a não prestar declarações contra o seu próprio interesse, traduzido na fórmula nemo contra se prodere tenetur.
18.–E continua: “o conteúdo útil do direito ao silêncio impõe, porém, alguma precisão de sentido” O TRIBUNAL NÃO PODE, CERTO, EXTRAIR CONSEQUENCIAS NEGATIVAS PARA O ACUSADO DO EXERCICIO POR ESTE DO DIREITO AO SILENCIO. (A PAG. 186).
19.–Usando esse direito, não verbalizou o arguido de facto arrependimento, mas o Tribunal não deve interpretar esse silêncio como uma prova de não existência de arrependimento, dado o arrependimento ser um facto interior do agente e da sua consciência.
20.–Ao considerar a existência de não arrependimento, quando a questão não foi ventilada, o douto acórdão iniludivelmente “extrai uma consequência negativa para o acusado” desse mesmo silêncio, o que sempre lhe estaria vedado, por constituir excesso de pronúncia, violação do disposto no art.° 127.° e 355.° do CPP (o Relatório Social nunca alude a não arrependimento, antes pelo contrário).
21.–Da natureza da pena aplicada - Violação do art.° 50.° a 53.° do CP.O douto acórdão sufraga a tese de que, não estando o arguido arrependido e dada a gravidade do crime, a pena terá de ser efectiva.
22.–Pese a ausência de antecedentes criminais e tudo o mais de relevante - e em seu abono, diga-se - constante do Relatório Social.
23.–Pese o facto de anteriormente se haver já entendido que concerteza a pena seria suspensa ao arguido. Que por isso foi libertado.
24.–O arguido não violentou ou abusou fisicamente de algum menor o que todos sabemos nunca aconteceu. O arguido também não filmou ou gravou qualquer dessas imagens que a PJ encontrou no seu LAPTOP. Sendo duvidoso que as tivesse partilhado, dado o depoimento evasivo, a tal propósito, dos inspectores da PJ.
25.–No mais, quer o seu comportamento anterior, quer o facto de ser residente há 20 anos em Portugal sem nunca lhe ter sido apontado qualquer problema, quer ainda o facto de o OPC da área da sua residência chamado a pronunciar-se não reportar aos autos qualquer outra infracção, quer a sua situação familiar (casado com filha maior) e a sua situação profissional, (trabalha,. ele e a sua esposa como sempre trabalharam) tudo resultante da matéria de facto provada, que imporiam outra decisão, que comportasse a formulação de um juízo de prognose favorável, a implicar, como corolário lógico, uma pena necessariamente suspensa na sua execução.
26.–As indicações no Relatório Social de que:Apesar de apresentar um discurso pouco elaborado e contido, revela capacidade de autoavaliação critica (ibid. a pág. 5 em sede de IV - Conclusão). E que :
27.–Como fatores de protecção avaliamos ainda a existência de apoio familiar, centrado sobretudo na esposa e na filha e o actual enquadramento profissional que, segundo o próprio, lhe garante sustentabilidade económica(ibid. a pag. 5 - sede: IV - Conclusão).Em caso de condenação e face aos indicadores de inserção social identificados, parece-nos existirem condições para a execução de uma medida na comunidade.(ibid. a pag.5).
28.–“O investimento afectivo de OFF no relacionamento conjugal com a actual esposa decorre da interiorização do valor da família que refere ter aprendido no decurso do seu processo educativo ” (Relatório Social, a pag. 3).
29.–“.Em termos profissionais, OFF refere ter mantido actividade profissional laboral regular, com interiorização do valor do trabalho(ibidem, a pag.4).
30.–E depois de se referir que o arguido sempre trabalhou, desde que há 20 anos se encontra em Portugal, aponta-se que Após a sua restituição a liberdade voltou a procurar ocupação laboral, encontrando-se actualmente a desenvolver actividade numa empresa de recolha de resíduos sólidos, sendo bem referenciado pelo responsável da equipa de trabalho (ibidem, a pag.4). “Actualmente o arguido e a esposa vivenciam uma situação económica controlada, na medida em que ambos trabalham” (ibid. pág. 4).
31.–“O arguido apresenta um discurso autocritico com capacidade de auto avaliação”“Revela sentimentos de vergonha social e consequente evitamento de convívio e exposição pessoal” (ibid. pág. 4). “No contacto efectuado com o OPC da sua área de residência não foi informado o seu envolvimento em outras ocorrências ou incidentes”.(ibid. a pág.. 4).
32.–Relativamente ao presente processo, o arguido adopta uma postura autocritica, com verbalização de juízos de autocensura. Em abstracto reconhece a censurabilidade de factos similares aos que deram origem ao presente processo”.
33.–Com estes considerandos e a aplicação de pena de prisão efectiva, o douto e recorrido acórdão violou, por erro de interpretação, o disposto no art.° 50.° do Código Penal, ao desconsiderar a situação pessoal, profissional e social do arguido, ao não considerar o arrependimento, ao não considerar factores relevantes constantes do Relatório Social, que incidem sobre a personalidade do recorrente (que afinal tem juízo critico, que tem vergonha, que tem auto censura,) e por outro lado ao discretear sobre um elevadíssimo risco de reincidência” que falta comprovar ou ao decidir liminarmente pela prisão efectiva, não conseguindo justificar juridicamente porque razão uma pena suspensa na sua execução não surtiria efeito no caso “subjuditio” sendo que o recorrente se encontra a viver há 20 anos em Portugal, onde se encontra inserido social, familiar e profissionalmente, sem qualquer problema anterior e sem qualquer condenação averbada no seu Certificado do Registo Criminal.
34.–Por todas essas razões se entende ter havido clara violação do disposto nos art.° 50.° a 53.° do Código Penal, na medida em que toda a matéria considerada provada (com excepção daquela que o foi, mas não deveria ter sido - como a não existência de arrependimento ou a posse de “fraco” juízo critico), imporia um juízo de prognose favorável quanto ao eventual futuro comportamento do arguido na evitação de outro agir ilícito típico.
35.–A suspensão da pena de prisão acompanhada por regime de prova nos termos do art.° 53.° do CP seria a decisão mais congruente no caso dos autos.

3.- O Ministério Público respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência, tendo terminado a sua resposta com as seguintes conclusões: (transcrição)
1-Conforme decorre da página 25 de douto acórdão não foi atendido às informações de metadados armazenados, mas ao modo de funcionamento da própria rede de partilha P2P com a reiterada utilização de descarga e partilha de ficheiros” conjugada com a informação prestada pela Vodafone a fls. 27 quanto à morada da faturação e pela morada foi possível aos Inspetores da Polícia Judiciária identificar o ora arguido.
2-Ora, não tendo havido qualquer recurso a informações de metadados, nenhum vício ou violação ocorre no douto acórdão proferido, razão pela qual deve o mesmo ser mantido.
3-Com efeito, o Tribunal ponderou a possibilidade de suspensão da execução da pena e decidiu pela sua não aplicação fundamentando pelas elevadas necessidades de prevenção geral atendendo “ à degradação da criança/menor que os mesmos têm implicada, pela vulgarização dessa degradação, pelo incentivo à praticados crimes de abuso sexual (...) estimulo ao tráfico e exploração de crianças”, a ilicitude mediana a elevada, a completa insensibilidade manifestada relativamente às vítimas crianças, que figuram como meros objetos para satisfazer os seus desejos, o qual não manifestou qualquer juízo crítico para aquela prática que compromete o normal e saudável desenvolvimento das crianças em causa e donde se pudesse depreender que no futuro não voltaria a praticar factos semelhantes.
4-Pelo que se entende, com base nestes fundamentos, que este arguido deve cumprir pena efetiva de prisão, com vista a demovê-lo do cometimento de futuros crimes e satisfazer, de igual forma as exigências de prevenção geral.
5-Como é costume se afirmar, o silêncio do arguido não o pode prejudicar, mas não o pode beneficiar, na medida em que do silêncio nada resulta e não se pode presumir do silêncio absolutamente nada e muito menos o arrependimento.
6-Por outro lado, remetendo-se o arguido ao silêncio não poderia o Tribunal socorrer-se das suas declarações prestadas noutra sede, nomeadamente do que se extrai do relatório social, na medida em que a prova é produzida em julgamento e o relatório social apenas releva para efeitos do apuramento da situação sócio-económica do arguido e não para a demostração dos factos.
4.-Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso dizendo acompanhar a argumentação da resposta do Ministério Público junto da 1ª instância e ainda que:
«Acontece que, a prova com base na qual o recorrente foi condenado não foi obtida pelo recurso aos dados dinâmicos transmitidos e armazenados pela Vodafone, como bem se conclui no acórdão recorrido, cujos fundamentos se nos afiguram corretos.
Aliás, a Vodafone apenas forneceu a identificação do nome do utilizador e morada do IP. Este IP era estático e estava ativo na data da busca à residência do recorrente e da apreensão dos computadores, não se colocando a questão do prazo a que alude o art. 6.° da Lei n.° 32/2008, de 17 de julho.
Foram os elementos probatórios referidos no acórdão recorrido que levaram à condenação do arguido e não os dados pela Vodafone remetidos. Estes dados da identificação do utilizador do IP e sua residência não têm a virtualidade de inquinar a demais prova produzida.
A pena de prisão efectiva imposta ao recorrente mostra-se correta e adequada não padece de excesso, sendo até benevolente perante toda a factualidade criminosa provada e as superiores exigências de prevenção geral e especial inerentes a este tipo de hedionda criminalidade.»
5.-Notificado, nos termos do artigo 417.º, n.º2 do Código de Processo Penal (doravante designado C.P.P.), o recorrente não apresentou resposta àquele parecer.
6.-Após vistos legais, foram os autos à conferência para o recurso aí ser julgado, cumprindo agora decidir.

II–Fundamentação

1.-Das questões a apreciar:
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação nas quais sintetiza as razões do pedido (art.º 412º, nº1 do C.P.P.).
Nas conclusões formuladas pelo recorrente, que condensam as razões da sua impugnação, o recorrente suscita as seguintes questões:
- a omissão de pronúncia quanto à aplicabilidade no caso dos autos do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022;
- a nulidade da prova por ter sido valorada prova proibida- os metadados;
- a nulidade de excesso de pronúncia do artigo 379.º, n.º1, alínea c) do C.P.P.;
- a impugnação da matéria de facto e a violação dos artigos 127.º e 355.º do C.P.P.;
- a suspensão da execução da pena de prisão.

2.–Elementos relevantes

2.1.-O tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos (transcrição):

«1.–Factos Provados

1.º-Desde 30 de Novembro de 2020 até 30 de Setembro de 2021, o arguido OFF, na sua residência, sita na Rua …., através do IP …., procedeu ao download, visualização e partilha de ficheiros, em formato vídeo e de imagem, nos quais era possível visualizar crianças menores de 14 anos e jovens entre os 14 e 16 anos de idade despidos e a manterem contactos de natureza sexual - cópula, coito oral e anal - entre si e com indivíduos maiores de idade, em poses eróticas ou exibição lasciva dos órgãos genitais.
2.º-O arguido procedeu da forma descrita no ponto 1° através da utilização do programa de partilha peer to peer eMule (versão DreaMule), com a pasta configurada para descarga e partilha “:\off”, para acesso e disponibilização de ficheiros de pornografia de menores, cuja estrutura de funcionamento disponibiliza a partilha de ficheiros mediante divulgação dos respectivos nomes e links de partilha, o que era do conhecimento do arguido.
3.º- No dia 30 de Setembro de 2021, o arguido tinha na sua posse, na sua residência, sita na morada indicada no ponto 1.°, e apenas utilizado por si, um computador de secretária, de cor preta, com a caixa da marca "NOX”, modelo "Coolbay SX”, com o leitor de disco óptico marca “LG”, contendo o suporte digital EP.3.....7.2..1_S001 (SSD - Solid State Drive, marca KINGSTON, modelo SA4..S3....G, com o número de série 5....B7....CFC2B), com o sistema operativo SO WINDOWS 10 HOME N (2009), instalado/actualizado em 31 de Agosto de 2021 e com data do último encerramento correcto do sistema operativo em 22 de Setembro de 2021.
4.º-O referido sistema operativo possuía quatro contas de utilizadores, sendo que apenas a identificada como “pc”, utilizada apenas pelo arguido, com o número de identificador de segurança (SID) “S-1-5-21-9.......2- 1........6-2........5-1001”, estava activa, tendo realizado 14 acessos, sendo o último em 30 de Setembro de 2021.
5.º-O arguido, através do utilizador “pc” com o número de identificador de segurança (SID) “S-1-5-21-9.......2-1........6-2........5-1001, acedeu e visualizou, com recurso às aplicações "tigerplayer" e “BSplayer", utilizadas para reprodução de ficheiros multimédias, conteúdos de abuso sexual de menores, nos quais era possível visualizar crianças menores de 14 anos e jovens entre os 14 e 16 anos de idade despidos e a manterem contactos de natureza sexual - cópula, coito oral e anal - entre si e com indivíduos maiores de idade, em poses eróticas ou exibição lasciva dos órgãos genitais.
6.º-Para além de outros ficheiros, o arguido acedeu e visualizou, com recurso às aplicações "tigerplayer" e “BSplayer", os ficheiros com as designações "PTHC 2021 Periscope blonde mastrurbates girl 7yo..mkv" e "Webcam - 12yo JP girl nude show playing with baldie (Babegirls 0350).mkv", ficheiros esses que não se encontram manipulados e representam crianças reais, com idades inferiores a 14 anos.
7.º-O arguido, através do utilizador “pc”, acedeu e visualizou, através do explorador do "Windows", 6211 (seis mil duzentos e onze) ficheiros de imagem com conteúdo de abuso sexual de menores, onde se visualizam menores em actos sexuais - sexo oral, anal ou cópula -, em poses eróticas ou exibição lasciva dos órgãos genitais, com idades inferiores a 14 anos e com idades compreendidas entre os 14 e 16 anos de idade, cujos registos de acesso se encontravam localizados no caminho Users/pc/AppData/Local/Microsoft/Windows/Explorer/” para o armazenamento, criado pelo sistema operativo, de miniaturas das imagens acedidas pelo arguido.
8.º-No computador apreendido ao arguido, referido no ponto 3.°, e apenas utilizado por si, encontravam-se instalados no sistema operativo os programas de partilha P2P (ponto-a-ponto) “BitComet” e “eMule”, este com a pasta configurada para descarga e partilha “:\off”, para partilha de ficheiros com conteúdo de abuso sexual de menores, o que era do conhecimento do arguido.
9.º-O arguido, através da aplicação “eMule”, descarregou, visualizou e consequentemente disponibilizou para partilha, na pasta de partilha “:\off, o que era do seu conhecimento, 3025 (três mil e vinte cinco) ficheiros.
10.º-Dos 3025 (três mil e vinte cinco) ficheiros descarregados, visualizados e disponibilizados para partilha pelo arguido através do programa eMule, referidos no ponto 9.°, 1091 (mil e noventa e um) tinham conteúdo de abuso sexual de menores, num total de cerca de 118GB, nos quais era possível visualizar crianças menores de 14 anos e jovens entre os 14 e 16 anos despidos e a manterem contactos de natureza sexual - cópula, coito oral e anal - entre si e com indivíduos maiores de idade, em poses eróticas ou exibição lasciva dos órgãos genitais, e continham termos usualmente utilizados em ficheiros com conteúdos de abuso sexual de menores, como por exemplo "Pthc", "OPVA" e “Pedo”, o que era do conhecimento do arguido.
11.º-Estes ficheiros não se encontravam manipulados e representam crianças e jovens reais.
12.º-Dos 1091 (mil e noventa e um) ficheiros referidos no ponto 10.°, que se encontravam disponíveis para partilha, na pasta de partilha “:\off\ nos quais era possível visualizar crianças menores de 14 anos e jovens entre os 14 e 16 anos de idade despidos e a manterem contactos de natureza sexual (cópula, coito oral e anal) entre si e com indivíduos maiores de idade, em poses eróticas ou exibição lasciva dos órgãos genitais, o arguido procedeu à partilha de 506 (quinhentos e seis) ficheiros, em formato vídeo e de imagem, dos quais 115 (cento e quinze) foram partilhados dezenas de vezes, num total de cerca de 1,2GB.
13.º- Especificamente, foram efectuados 2091 (dois mil e noventa e um) pedidos por parte de terceiros para descarregar os conteúdos da pasta de partilha “:\off (com o conteúdo referido no ponto 12.°), dos quais 384 (trezentos e oitenta e quatro) foram aceites.
14.º-O arguido, no período compreendido entre 30 de Novembro de 2020 e 30 de Setembro de 2021, através do IP 89.115.146.71, descarregou, visualizou e partilhou os seguintes ficheiros com conteúdos de pornografia de menores, em formato vídeo e de imagem, nos quais era possível visualizar crianças menores de 14 anos e jovens entre os 14 e 16 anos de idade despidos e a manterem contactos de natureza sexual - cópula, coito oral e anal - entre si e com indivíduos maiores de idade, em poses eróticas ou exibição lasciva dos órgãos genitais:
a.- (Phant) Latina ducha 12 anos 3.30min GG PTHC 2020.mp4/ no dia 28 de Junho de 2021, pelas 15:57:02 (GMT);
b.- Pth-Vicky2 - Babyj Anal Upgrade Moskow Schoogirl3 Raygold Russian 7yo Preteen Vicky (41.30Mins).wmv, no dia 5 de Abril de 2021, pelas 09:18:15 (GMT);
c.- (PHANT)--pedogirl - hermana de 14 se la mama a su hermanito de 5 para la webcam, wmv, no dia 30 de Novembro de 2020, pelas 22:53:01 (GMT);
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e.- OPVA PTHC 2021 Periscope try not to jerk lookinq these dolls of your dreams Vol 4 EPIC.mp4, ficheiro partilhado 35 vezes;
f.- OPVA PTHC 2021 Periscope LiveOMG compilation mix vol 26 Thanks God for Intemet.mp4, ficheiro partilhado 30 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
g.- OPVA PTHC 2021 Periscope sisters have fun..mp4, ficheiro partilhado 18 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
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l.- Periscope LiveOMG 2021 (1182-2).mp4, ficheiro partilhado 6 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
m.- Periscope LiveOMG 2021 (971).mp4, ficheiro partilhado 6 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
n.- OPVA PTHC 2021 Periscope LiveOMG compilation mix vol 27 Thanks God for Internet.mp4, ficheiro partilhado 5 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
o.- Periscope Liveomq AcA A?AA£.A?A\A°A A\A'AViA\A'A'/4 (20211 (605)A\A AJA\A?AaA"Ay«A? 01.mp4, ficheiro partilhado 4 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
p.- Periscope LiveOMG 2021 (1143).mp4, ficheiro partilhado 4 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
q.- Periscope LiveOMG 2021 (669).mp4, ficheiro partilhado 4 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
r.- Roxy - Periscope Broadcast 2021-01-21 22 58.mp4, ficheiro partilhado 4 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
s.- Periscope LiveOMG 2021 (890).mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
t.- Periscope LiveOMG 2021 (1000-3) Kat 19y Liz 15y sisters - Kat showers Liz shows.mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
u.- Periscope LiveOMG 2021 (1000-8) Kat 19y Liz 15y sisters - Liz Kat show, mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
v.- OPVA PTHC 2021 Periscope classmates. lOyo. mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
w.- Periscope LiveOMG 2021 (1122-3).mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
x.- Periscope LiveOMG 2021 (1083).mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
y.- OPVA PTHC 2020 Periscope LiveOMG compilation mix vol 5 Thanks God for Internet.mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
z.-OPVA PTHC 2020 Periscope LiveOMG masturbate toothbrush so HOT part 2.mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
aa.- Webcam - lOYo PI Girl Showing & Chatting (Liveomq 2020) 400.mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
bb.- Webcam -llyo RU girl showing & inserting messy recording (LiveOMG 2021) 653.mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
cc.- Periscope LiveOMG 2021 (776).mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
dd.- Opva Pthc 2021 Periscope Liveomq Compilation Mix Vol 23 Thanks God For Internet. mp4, ficheiro partilhado 3 vezes;
ee.- OPVA PTHC 2020 Periscope LiveOMG compilation mix vol 19 Thanks God for Internet. mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
ff.- Periscope LiveOMG 2021 (1000-4) Kat 19y Liz 15y sisters - Kat vids Liz shower.mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
gg.- OPVA PTHC 2020 Periscope LiveOMG bro & little sis kiss touch OMGu! until the stupid moderator decides to ban them.mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
hh.- Periscope LiveOMG 2021 (609).mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
ii.- Periscope LiveOMG 2021 (1034).mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
jj.- Periscope LiveOMG 2021 (952-l).mp4, ficheiro partilhado 3 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
kk.- Periscope LiveOMG 2021 (950).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
ll.- Periscope LiveOMG 2021 (927).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
mm.- Periscope LiveOMG 2021 (922-l).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
nn.- Periscope LiveOMG 2021 (846).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
oo.- Periscope LiveOMG 2021 (940).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
pp.- OPVA PTHC 2020 Periscope LiveOMG compilation mix vol 17 Thanks God for Internet.mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
qq.- Webcam - 12yo qirl wet playinq & insertinq (LiveOMG 2021) 648.mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
rr.- Periscope Liveomq 2021 (642).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
ss.- OPVA PTHC 2021 Periscope LiveOMG compilation mix vol 25 Thanks God for Internet.mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
tt.- Periscope LiveOMG 2021 (975-2).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
uu.- Periscope LiveOMG 2021 (1184).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
vv.- Periscope LiveOMG 2021 (868).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
ww.- Periscope LiveOMG 2021 (998).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
xx.- Periscope LiveOMG 2020 (599).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
yy.- Periscope LiveOMG 2021 (1000-1) Kat 19y Liz 15y sisters - Kat show.mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
zz.- Webcam - lOyo RU qirl & 6yo sister nude show (LiveOMG 2020) 409.mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
aaa.- Periscope LiveOMG 2021 (679).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
bbb.- Periscope LiveOMG 2021 (628-2).mp4, ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
ccc.- Periscope LiveOMG 2021 (1045).mp4/ ficheiro partilhado 2 vezes, a última no dia 27 de Setembro de 2021;
ddd.- Periscope LiveOMG 2021 (861-2).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
eee.- OPVA PTHC 2020 Periscope LiveOMG masturbate to orgasm HOTHOT.mp4, ficheiro partilhado 1 vez;
fff.- Periscope LiveOMG 2021 (771).mp, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
ggg.- Webcam - 12yo RU girl showing & playing (LiveOMG 2021) 648.mp4;
hhh.- Periscope LiveOMG 2021 (1014).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
iii.-OPVA PTHC 2020 Periscope LiveOMG best clit mast ever.mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
jjj.-Periscope LiveOMG 2021 (677).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
kkk.- OPVA PTHC 2021 Periscope LiveOMG compilation mix vol 28 Thanks God for Internet.mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
111.- Periscope LiveOMG 2021 (1178).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
mmm.- Periscope LiveOMG 2021 (718).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
nnn.- Webcam - Vichatter 2016 one of the BEST and EPIC russian jailbait in the world! TOP OMG i lo.avi, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
ooo.- Periscope LiveOMG 2021 (775).mp4, ficheiro partilhado 1 vez;
ppp.- Webcaxn Pt - 5Yo Cutie Chats Dances Topless (Stickam Vichatter Blogtv Mail) 2013.avi, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
qqq.- Periscope LiveOMG 2021 (973).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
rrr.- OPVA PTHC 2021 Periscope try not to jerk lookinq these dolls of your dreams Vol l(l).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
sss.- Periscope LiveOMG 2021 (848).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
ttt.- Periscope LiveOMG 2021 (1000-9) Kat 19y Liz 15y sisters - Kat drink pee.mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
uuu.- OPVA PTHC 2021 Periscope LiveOMG compilation mix vol 22 Thanks God for Internet.mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
vvv.- Periscope LiveOMG 2021 (894).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
www.- Periscope LiveOMG 2021 (1069).mp4, ficheiro partilhado 1 vez;
xxx.-OPVA PTHC 2020 Periscope LiveOMG show her HOT pussy.mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
yyy.- Periscope LiveOMG 2021 (817-2).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
zzz.- Opva Pthc 2020 Periscope Liveomg Compilation Mix Vol 7 Thanks God For Net.mp4;
aaaa.- Periscope LiveOMG 2021 (699).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
bbbb.- Periscope LiveOMG 2021 (827).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
cccc.- Periscope LiveOMG 2020 (406).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
dddd.- Periscope LiveOMG 2021 (661).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
eeee.- OPVA PTHC 2021 Webcam Periscope Mix girls effusions kiss touching soft lesbian stuff OH YEAH.mp4;
ffff.- OPVA PTHC 2020 Periscope LiveOMG 7yo turn ON the bitch mode HOLY DAMN!!!!mpeg2video.mpg;
gggg.- Periscope LiveOMG 2021 (1046).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
hhhh.- OPVA PTHC 2021 Periscope LiveOMG compilation mix vol 27 Thanks God for Internet.mp4. ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
iiii.- Periscope LiveOMG 2021 (871).mp4; Periscope LiveOMG 2021 (1129).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
jjjj.- Periscope LiveOMG 2020 (558).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
kkkk.- Periscope LiveOMG 2021 (835).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
1111.- Periscope LiveOMG 2021 (858).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
mmmm.-Periscope LiveOMG 2021 (1140).mp4, ficheiro partilhado 1 vez;
nnnn.- Periscope LiveOMG 2021 (964-1).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
oooo.- Periscope LiveOMG 2021 (735-l).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
pppp.- Periscope LiveOMG 2021 (983).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
qqqq.- Periscope LiveOMG 2021 (760).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia TI de Setembro de 2021;
rrrr.-OPVA PTHC 2020 LiveOMG Periscope two similar blondies show their body HMM. good girls...mp4;
ssss.- Periscope LiveOMG 2021 (977).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
tttt.- Periscope LiveOMG 2021 (870).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
uuuu.- Periscope LiveOMG 2021 (942).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
vvvv.-Webcam Omegle PTHC OPVA 2015 Sister Brother lick suck + dog GREAT!!! xvid.avi; Periscope LiveOMG 2021 (905) pee piss shit.mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
wwww.-Webcam-llyo IND muslim girl quick show wet baldie (LiveOMG 2021)1066.mp4; Periscope LiveOMG 2021 (700).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
xxxx.-Periscope LiveOMG 2021 (674).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
yyyy.- Periscope LiveOMG 2021 (849-2).mp4, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
zzzz.-Webcam - lOyo RU in jeans showing in her room (LiveOMG 2021) 647.mp4, partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
aaaaa.-OPVA PTHC 2021 Periscope woow.avi, ficheiro partilhado 1 vez, no dia 27 de Setembro de 2021;
bbbbb.-OPVA PTHC 2020 Periscope LiveOMG masturbate toothbrush so HOT part l.mp4, ficheiro partilhado 1 vez.
15.º–No ficheiro OPVA PTHC 2021 Periscope 12y 13y russian kissing girls cousins LOVELY TOP!!!!!!!!!.mp4, supra referido, que foi partilhado 10 vezes pelo arguido, visualizam-se duas menores do sexo feminino, com idades inferiores a 14 anos, a exibirem os órgãos sexuais e a beijarem-se.
16.º–No ficheiro OPVA PTHC 2021 Periscope LiveOMG compilation mix vol 26 Thanks God for Internet. mp4, supra referido, que foi partilhado 30 vezes pelo arguido, visualizam-se menores do sexo feminino, com idade inferior a 14 anos, a exibirem os órgãos sexuais e a introduzir os dedos na vagina.
17.º–No ficheiro OPVA PTHC 2021 Periscope LiveOMG compilation mix vol 27 Thanks God for Internet.mp4. ficheiro, supra referido, que foi partilhado 1 vez pelo arguido, visualizam-se menores do sexo feminino, com idade inferior a 14 anos, a exibirem os órgãos sexuais e a introduzir objetos na vagina.
18.º–No ficheiro OPVA PTHC 2021 Periscope sisters have fun..mp4, supra referido, partilhado 18 vezes pelo arguido, visualizam-se menores do sexo feminino, com idades inferiores a 14 anos, a exibirem os órgãos sexuais e a introduzir os dedos na vagina.
19.°–No ficheiro OPVA PTHC 2021 Periscope try not to jerk lookinq these dolls of your dreams Vol 4 EPIC.mp4, supra referido, partilhado 35 vezes pelo arguido, visualiza-se uma menor do sexo feminino, com idade inferior a 14 anos, a exibir os órgãos sexuais.
20.°–No ficheiro OPVA PTHC 2021 Periscope try not to jerk looking these dolls of your dreams Vol 3 EPIC.mp, supra referido, partilhado 78 vezes pelo arguido, visualiza-se uma menor do sexo feminino, com idade inferior a 14 anos, a exibir os órgãos sexuais.
21.°–No ficheiro OPVA PTHC 2021 Webcam LiveOMG two 15yo Lesbian show EVER SEEN!!!! OMFG!!!.mp4, supra referido, partilhado 7 vezes pelo arguido, visualizam-se duas menores do sexo feminino, a exibirem os órgãos sexuais e a praticarem sexo oral.
22.°–No ficheiro Periscope LiveOMG 2021 (1143).mp4, supra referido, partilhado 4 vezes pelo arguido, visualiza-se uma menor do sexo feminino, com idade inferior a 14 anos, a exibir os órgãos sexuais.
23.º–No ficheiro PeriscopeLiveOMG 2021 (1182-2).mp4 supra referido, partilhado 6 vezes pelo arguido, visualiza-se uma menor do sexo feminino, com idade inferior a 14 anos, a exibir os órgãos sexuais.
24.º–No ficheiro Periscope Live OMG2021 (655).mp4, supra referido, partilhado 8 vezes pelo arguido, visualiza-se uma menor do sexo feminino, com idade inferior a 14 anos, a exibir os órgãos sexuais.
25.º–No ficheiro Periscope LiveOMG 2021 (669).mp4, supra referido, partilhado 4 vezes pelo arguido, visualiza-se uma menor do sexo feminino, com idade inferior a 14 anos, a exibir os órgãos sexuais e a introduzir objetos no ânus.
26.º–No ficheiro Periscope LiveOMG 2021 (971).mp4, supra referido, partilhado 6 vezes pelo arguido, visualiza-se uma menor do sexo feminino, com idade inferior a 14 anos, a exibir os órgãos sexuais.
27.º–Dos 1091 (mil e noventa e um) ficheiros, referidos nos pontos 10.° e 12.°, que o arguido tinha na sua posse para proceder à partilha com terceiros, na pasta de partilha “:\off”, nos termos supra referidos, 1028 (mil e vinte e oito) diziam respeito a ficheiros vídeo, com conteúdo de abuso ou exploração sexual de menores, o que era do seu conhecimento.
28.º–Dos ficheiros de vídeo referidos no ponto 27.°, que se encontravam na posse efectiva do arguido, para partilha com terceiros, e que o arguido visualizou, 294 (duzentos e noventa e quatro) ficheiros dizem respeito a acto sexual com penetração, 523 (quinhentos e vinte e três) ficheiros dizem respeito a acto sexual sem penetração e 211 (duzentos e onze) ficheiros dizem respeito a exposição de menores, nomeadamente dos seus órgãos sexuais, o que era do conhecimento do arguido.
29.º–Desses 1028 (mil e vinte e oito) ficheiros de vídeo, referidos no ponto 27.°, que se encontravam na posse efectiva do arguido, para partilha com terceiros, em 973 (novecentos e setenta e três) visualizavam-se menores com idades inferiores a 14 anos em actos sexuais de relevo e exibição dos órgãos sexuais.
30.º–O arguido tinha guardado para partilha, entre outros, os seguintes ficheiros:
a.-"Pthc Center(Opva)(2013)(Webcam) Very Hot Anal llYo Russiananal Gape 2013-0511 En!!! Coded.avi", vídeo em que se visualiza a introdução de objecto nos genitais, por uma rapariga menor de 14 anos;
b.- "BBCaps lOyo Connor again.avi", vídeo em que se visualiza a introdução de objecto no ânus, por um rapaz menor de 14 anos;
c.-"Kimmy_12yo-13yo-Vicky_9yo-10yo-etc-fazem arte_na webcam com seus_paissafada_gostosa_tarada-aluna colegio_escola-menina novinha- bucetinha-cuzinhopeitinho-boquete-anal-amador-caiu_net-celular.avi", compilação de vídeos que envolve a penetração oral de raparigas menores de 14 anos a adultos;
d.-"OPVA PTHC 2020 webcam bbcaps sis & little bro home alone suck kiss fake fuck WOW.mp4", vídeo que consiste na penetração oral por uma rapariga menor de 14 anos a um menor de 14 anos;
e.-"Periscope LiveOMG 2021 (1028).mp4"/ vídeo em que se visualiza a introdução de objecto nos genitais, por uma menor de 14 anos;
f.-"Bbcaps Cream Brothers.mkv", vídeo onde se visualizam actos de masturbação praticados por dois menores de 14 anos;
g.-"Opva Pthc 2020 Periscope Liveomg Compilation Mix Vol 7 Thanks God For Net.mp4", compilação de vídeos onde se visualizam actos de masturbação praticados por raparigas menores de 14 anos;
h.-"Periscope LiveOMG 2021 (1189).mp4", vídeo onde se visualizam actos de masturbação praticados por uma menor de 14 anos;
i.-"Periscope LiveOMG 2021 (603).mp4M, vídeo onde se visualizam actos de masturbação praticados por uma menor de 14 anos; Periscope LiveOMG 2021 (1194).mp4", vídeo onde se visualizam actos de masturbação, com recurso a objectos, praticados por uma menor de 14 anos;
k.-"Periscope LiveOMG 2021 (1029).avi", vídeo onde se visualizam actos de exibição praticados por uma menor de 14 anos;
l.-"Periscope LiveOMG 2021 (671).mp4", vídeo com exposição de teor sexual de uma menor de 14 anos;
m.- "Periscope LiveOMG 2021 (684).mp4", vídeo de exposição de teor sexual de três raparigas, menores de 14 anos;
n.- "Periscope LiveOMG 2021 (987).mp4", vídeo de exposição de teor sexual de uma menor de 14 anos;
o.- "Webcam - lOyo RU girl & 6yo sister nude show (LiveOMG 2020) 409.mp4 ", vídeo com exposição de teor sexual, de duas menores de 14 anos.
31.°–Todos os referidos ficheiros que se encontravam na posse do arguido e os que o mesmo partilhou não se encontravam manipulados e representam crianças e jovens reais, o que era do conhecimento do arguido, tendo este procedido à sua visualização.
32.°–O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com intenção, concretizada, de obter através da internet, nomeadamente através da aplicação eMule, fotogramas e videogramas contendo cenas de pornografia infantil em que participavam crianças com idade inferior a 14 anos e jovens entre os 14 e 16 anos de idade e de deter no seu computador pessoal as referidas imagens e vídeos;
33.°–Assim como quis guardar os ditos ficheiros de imagem e de vídeo para trocá-los, divulgá-los, exibi-los e partilhá-los com indivíduos desconhecidos, nomeadamente através da aplicação eMule, mediante o recebimento de outros ficheiros de idêntica índole, o que logrou, pois que com eles os partilhou, em busca dos que melhor correspondessem aos seus apetites sexuais e sempre com o objectivo de satisfazê-los,
34.º–sabendo que, deste modo, partilhava os ficheiros que ali guardava com diversas pessoas, conduzindo à sua divulgação para um elevado número não apurado de pessoas, o que igualmente quis e conseguiu.
35.°–O arguido sabia que os protagonistas daquelas imagens e vídeos, atentas as características físicas e o grau de desenvolvimento físico dos mesmos, eram crianças com idade inferior a 14 anos de idade e jovens entre os 14 e 16 anos de idade.
36.°–O arguido sabia que os descritos ficheiros em formato vídeo e fotografia que descarregou, guardou, visionou, cedeu e partilhou, nomeadamente através da aplicação eMule, atentas as características físicas e o grau de desenvolvimento físico das crianças, expunham menores com idade inferior a 14 anos e jovens entre os 14 e 16 anos de idade na prática de actos sexuais e em posições eróticas e que, por tal circunstância, estava proibido o seu acesso, bem como a sua aquisição, detenção, exibição, cedência ou partilha.
37.°–Não obstante, quis acedê-los, guardá-los, visualizá-los, cedê-los e divulgá-los, através da utilização de programa peer to peer, para acesso e disponibilização de ficheiros de pornografia de menores, concretamente a aplicação eMule, para sua satisfação libidinosa e, bem assim, dos indivíduos com quem partilhou os aludidos vídeos, o que conseguiu.
38.°–O arguido agiu com o perfeito conhecimento de que, ao adquirir, deter, ceder e partilhar os referidos ficheiros, nos termos supramencionados, estava a induzir a exploração das crianças utilizadas para a realização das fotografias e dos filmes em causa - crianças que, para a satisfação sexual de que o arguido assim tirou partido, sofreram efectivos e severos abusos sexuais -, divulgando tais ficheiros através da Internet, da qual dificilmente deixarão de fazer parte, e sendo vistos por um grande número de pessoas em todo o mundo; não obstante, o arguido quis e manteve tais condutas.
39.°–Com as suas condutas, o arguido colocou em causa o pudor, a liberdade e a autodeterminação sexual dos menores retratados nos aludidos ficheiros de imagem e de vídeo, prejudicando, desse modo, o livre desenvolvimento das suas personalidades.
40.°–O arguido sabia que as descritas condutas eram proibidas e punidas por lei e, tendo capacidade de determinação, agindo livre, consciente e deliberadamente, não se inibiu de as cometer.
41.°–Nada consta do CRC do arguido.
42.°–OFF nasceu em …, em …. Brasil, provindo de um agregado familiar numeroso - composto pelos pais e por nove filhos -, afectivamente coeso, de condição económica modesta; quando tinha sete anos de idade ocorreu o falecimento do seu pai.
43.°–Tem nacionalidade brasileira.
44.°–Entre 30.11.2020 e 30.09.2021 vivia com a esposa, num apartamento arrendado por ambos, na morada supramencionada no ponto 1.°.
45.°–OFF iniciou relacionamento afectivo com a actual esposa quando ambos residiam no Brasil e mantém a união conjugal há 30 anos; ambos descrevem a dinâmica familiar como funcional e gratificante, com vinculação afectiva e entreajuda mútua.
46.°–O casal tem uma filha em comum, nascida cerca de oito anos depois do início da relação, que reside em Lisboa e mantém vida autónoma.
47.°–OFF iniciou a vida sexual activa com cerca de 15/16 anos.
48.º–Entre 30.11.2020 e 30.09.2021 não se verificaram alterações no relacionamento conjugal íntimo, que se interrompeu durante o período da prisão preventiva a que o arguido esteve sujeito à ordem do presente processo - de 01.10.2021 até 21.06.2022 -, e que actualmente se mantém.
49.°–OFF imigrou para Portugal há 20 anos, com a esposa e, seis meses depois, a filha de ambos reuniu-se-lhes, tendo a família fixado residência na zona da Malveira.
50.°–Em Portugal, começou por trabalhar no desmanche de carnes, durante dois anos; posteriormente, trabalhou na restauração e depois, durante cinco anos, no sector dos transportes; antes da prisão preventiva trabalhava como operador de armazém, há cerca de três anos; após ser restituído à liberdade voltou a procurar ocupação laboral, encontrando-se actualmente a trabalhar numa empresa de recolha de resíduos sólidos, sendo bem referenciado pelo responsável da sua equipa de trabalho
51.°–O arguido e a esposa, auferindo individualmente rendimentos mensais correspondentes ao salário mínimo, vivenciam uma situação económica equilibrada.
52.°–As despesas mensais fixas somam cerca de 700,00 € e referem-se ao pagamento da renda de casa, água, electricidade e comunicações.
53.°–OFF não tem uma ocupação de tempos livres estruturada.
54.°–Socialmente, a sua imagem encontra-se esbatida, não sendo referenciado na comunidade onde reside.
55.°–O seu discurso é pouco elaborado e contido.
56.°–O arguido não manifestou arrependimento relativamente aos factos supra descritos a que respeita este processo, quanto aos quais tem fraco juízo crítico.

2.–Factos não provados

Com relevância para a decisão da causa, não se provou que:
a)- dos 3025 referidos no ponto 10.° dos factos provados, 1094 (mil e noventa e quatro) ficheiros tinham o conteúdo ali mencionado;
b)- o descrito no ponto 14.° dos factos provados com referência ao ficheiro “(Phant) Latina ducha 12 anos 3.30min GG PTHC 2020.mp4”, ocorreu no dia 28 de Julho de 2021;
c)- foi no dia 21 de Setembro de 2021 a última vez em que foi partilhado o ficheiro “OPVA PTHC 2021 Periscope LiveOMG compilation mix vol 26 Thanks God for Internet.mp4” referido no ponto 14.°.f. dos factos provados;
d)- foi no dia 27 de Setembro de 2021 a última vez em que foi partilhado o ficheiro “Opva Pthc 2021 Periscope Liveomq Compilation Mix Vol 23 Thanks God For Internet.mp4” referido no ponto 14.°dd. dos factos provados;
e)- foi por 3 vezes partilhado o ficheiro “Periscope LiveOMG 2021 (1000- 1) Kat 19y Liz 15y sisters - Kat show.mp4” referido no ponto 14.yy. dos factos provados;
f)- foi no dia 27 de Setembro de 2021 que foi partilhado o ficheiro “OPVA PTHC 2020 Periscope LiveOMG masturbate to orgasm HOTHOT.mp4” referido no ponto 14.°eee. dos factos provados;
g)- foi no dia 27 de Setembro de 2021 que foi partilhado o ficheiro “Periscope LiveOMG 2021 (775).mp4” referido no ponto 14.°. dos factos provados;
h)- foi no dia 27 de Setembro de 2021 que foi partilhado o ficheiro “Periscope LiveOMG 2021 (1069).mp4” referido no ponto 14.°www. dos factos provados;
i)- foi no dia 27 de Setembro de 2021 que foi partilhado o ficheiro “Periscope LiveOMG 2021 (1140).mp4” referido no ponto 14.º mmmm. dos factos provados;
j)-foi por 3 vezes partilhado, a última das quais no dia 27 de Setembro de 2021, o ficheiro “OPVA PTHC 2020 Periscope LiveOMG masturbate toothbrush so HOT part 1.mp4” referido no ponto 14.°bbbbb. dos factos provados;
k)- dos 1028 ficheiros de vídeo, referidos no ponto 27.° dos factos provados, em 976 (novecentos e setenta e seis) visualizavam-se menores com idades inferiores a 14 anos em actos sexuais de relevo e exibição dos órgãos sexuais;
l)- foi mediante contrapartida económica que o arguido procedeu como descrito nos pontos 33.°, 36.° e 37.° dos factos provados

2.2.– O tribunal recorrido fundamentou a matéria de facto nos seguintes termos: (transcrição)
«A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada vertida nos pontos 1.° a 40.° resultou da análise crítica e conjugada, de acordo com as regras da experiência e da lógica, da seguinte prova produzida:
- dos depoimentos, que, pela sua coerência, pormenor, clareza e pelo nodo desprovido de artifícios como foram prestados, se revelaram isentos e foram convincentes, das testemunhas PG, CF, MS e CB - todos inspectores da Polícia Judiciária, integrando a Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica, com formação específica na matéria em causa -, e JB - especialista em Polícia Científica, exercendo funções na Polícia Judiciária;
- do auto de notícia, que deu origem aos presentes autos, constante de fls. 2 e 3 e do histórico de descargas efectuadas pelo utilizador e endereço IP utilizado, ali referidos, constante de fls. 4 a 16;
- da informação, prestada pela operadora Vodafone, junta a fls. 27, que permitiu verificar que aquele IP, referido nos pontos 1.° e 14.° dos factos provados, tinha como utilizador o ora arguido, com a morada de facturação ali indicada;
- do auto de busca e apreensão junto a fls. 66, constando o mandado de busca e apreensão, com certidão de entrega, de fls. 64, de fls. 70 e 71 o auto de diligência relativo às circunstâncias em que foi dado cumprimento a tal mandado e de fls. 72 a 83 a respectiva reportagem fotográfica, sendo tais autos e reportagem reveladores do plasmado no ponto 3.° dos factos provados, tal como em audiência de julgamento corroborado pelas testemunhas, que intervieram nas diligências em referência;
- da informação da Segurança Social de fls. 104, de onde resulta que o arguido ali tinha registado como data de recebimento da última remuneração o mês de Agosto de 2021 e como morada a indicada no ponto 1.° dos factos provados;
- do relatório de análise constante de fls. 255 a 282, elaborado pela Inspectora da Polícia Judiciária CF;

- do nomeado Apenso A, designadamente:
- do auto de exame informático forense, constante de fls. 2 a 24, exame esse realizado pelos Inspectores da Polícia Judiciária MS e PG, ao computador de secretária, com o leitor de disco óptico a que se refere o ponto 3.° dos factos provados, na morada do arguido, no âmbito da busca aí realizada, a qual decorreu com intervenção de todas as mencionadas testemunhas, tendo sido adoptado o procedimento ali descrito a fls. 4 e 5;
- do relatório de vídeos exemplificativos (fotogramas), constante de fls. 25 a 35;
- do relatório com os ficheiros existentes na pasta “:\off”, constante de fls. 36 a 47;
- do registo dos ficheiros existentes e partilhados através do eMule, constante de fls. 48 a 50;
- do dispositivo digital contendo a informação extraída e o relatório do exame forense, junto a fls. 51.
- do relatório de exame pericial ao conteúdo do computador de secretária (cfr. fls. 228), da SSD (cfr. fls. 229 e 230), do Disco Rígido (cfr. fls. 231) e da PEN (cfr. fls. 234) apreendidos, constante de fls. 222 a 243.

Importa explanar o seguinte:
Como em audiência de julgamento descrito pela testemunha PG, na sequência de uma acção de monitorização na Internet, realizada pela Polícia Judiciária, com foco na descarga de ficheiros já conhecidos internacionalmente como sendo de pornografia de menores, foi detectado que, através do endereço IP referido nos pontos 1° e 14.° dos factos provados, alojado em Portugal, se encontravam disponíveis para serem descarregados e partilhados ficheiros multimédia com conteúdo de abuso sexual de menores, entre os quais os ficheiros a que se refere o auto de notícia que deu origem aos presentes autos, constante de fls. 2 e 3, nomeadamente:
"(Phant) Latina ducha 12 anos 3.30min GG PTHC 2020.mp4"; "Pth-Vicky2 - Babyj Anal Upgrade Moskow Schoogirl3 Raygold Russian 7yo Preteen Vicky (41.30Mins).wmv";
"(PHANT)—pedogirl - hermana de 14 se la mama a su hermanito de 5 para la webcam, wmv".
Como também explanado pela testemunha PG, a ferramenta utilizada pela Polícia Judiciária para realização de tal monitorização permite, sem descarga de qualquer ficheiro, de uma forma automatizada, recolher informação pública relativa aos ficheiros que nas redes P2P se encontram publicamente disponíveis para serem descarregados.
Foi assim então também, em fontes abertas na Internet, recolhida informação do histórico de descargas efectuadas pelo mesmo utilizador e endereço IP utilizado, constante de fls. 4 a 16.
Pela análise do resultado da referida acção de monitorização e do histórico de descargas (obtidos, por conseguinte, sem recurso a informações de metadados armazenados pelas operadoras de telecomunicações, mas sim através do modo de funcionamento da própria rede de partilha P2P), foi possível constatar que aquele endereço de IP. com reiterada utilização para descarga e partilha de ficheiros com conteúdo de abuso sexual de menores (como revelado pelas respectivas designações, com termos em inglês e espanhol de utilização e conhecimento comuns, mas também em português), era estático (sempre o mesmo, em datas distintas), funcionando assim como a morada do respectivo utilizador (diferentemente do que sucede com endereços de IP dinâmicos).
Nessa sequência, com base na informação prestada pela Vodafone a fls. 27 (apenas na sua parte relevante, que, pelo exposto, não foi a relativa a metadados), apurou-se que o utilizador do mencionado IP era o ora arguido, com a morada de facturação ali indicada.
Assim, para o apuramento da morada de tal utilizador, a Polícia Judiciária não tirou benefício dos metadados armazenados pela Vodafone (independentemente de a esta se ter perguntado mais do que neste caso era preciso, com referências a datas e horas), mas apenas da informação de facturação associada ao cliente utilizador daquele IP (que, como referido, pela análise do histórico já obtido, constante de fls. 4 a 16, se tinha verificado ser estático), ou seja, do respectivo nome e morada física.
Nesse seguimento (por conseguinte, sem recurso a metadados, a meio ou elemento de prova ferido de nulidade, contrariamente ao sustentado pela defesa do arguido em sede de alegações finais), no dia 30.09.2021 foi realizada a busca nessa morada, em que tiveram intervenção todas as mencionadas testemunhas, como pelas mesmas descrito em audiência de julgamento, e foi confirmado o que deu origem ao mencionado auto de notícia, ou seja, a utilização de programa peer to peer (P2P) para acesso e disponibilização de ficheiros de pornografia de menores, concretamente da aplicação eMule, tendo de tal diligência resultado a apreensão dos equipamentos referidos no auto de busca e apreensão de fls. 66.
Esses equipamentos foram então submetidos a um exame preliminar, com recurso a metodologias forenses e de acordo com as práticas internacionalmente recomendadas quanto ao manuseamento da prova electrónica, por forma a garantir a sua integridade.
Verificou-se, concretamente no computador de secretária de cor preta, com a caixa da marca “NOX”, modelo “Coolbay SX”, com o leitor de disco óptico marca “LG”, que tal computador tinha montados 3 discos (SSD, Disco Rígido e PEN); verificou-se, no que tange a programas executados, com update em 29.09.2021, o registado de fls. 13 a 16, sendo as designações dos ficheiros aí constantes elucidativas do respectivo expectável conteúdo (independentemente do domínio do inglês, ou do espanhol, tendo em conta a sistemática referência, com números, a idades, a palavras universalmente utilizadas com única referência sexual e, inclusivamente, a utilização nesse contexto da língua portuguesa, como, por exemplo, "menina com a buceta perfeita”, “A Menina E O Estuprador”, “(Priminha Gostosa)” e “Pedofilia Garota Menina”; como exposto a fls. 16 do auto daquele exame, no disco rígido analisado encontrava-se instalado o sistema operativo referido no ponto 3.° dos factos provados, com chave de autenticação registada para o utilizador com o nome “pc” (realça o tribunal a constatação de que “pc” são as letras iniciais de “pornografia” e “crianças”); no que se refere a programas informáticos de partilhas de ficheiros P2P (cfr. fls. 17), a fls. 18 do mesmo auto visualiza-se a localização da aplicação eMule e das respectivas pastas de registos, a fls. 19 a configuração dessa aplicação onde se verificam as pastas de descarga de conteúdos e as últimas pesquisas efectuadas pelo utilizador no programa eMule, a fls. 20 o conteúdo (parcial) da pasta de destino dos ficheiros completos e as propriedades da pasta “off, a fls. 21 registos de ficheiros partilhados através do eMule e registo (parcial) das últimas descargas de conteúdos (ficheiros incompletos); a fls. 22 do mesmo auto estão juntos, a título de exemplo, os relatórios de partilha de ficheiros em formato digital - constando de fls. 25 a 35 do mesmo Apenso o relatório de fotogramas daqueles extraídos -, os quais, como se verifica na tabela constante de fls. 22, foram inequivocamente partilhados; como exposto a fls. 23 do auto de exame em referência, o programa de partilha P2P eMule gera automaticamente um ficheiro de gestão, com todos os ficheiros descarregados, partilhados, volumes de informação descarregados, volumes de informação partilhados, quantas vezes foi partilhado determinado ficheiro, entre outras informações; esse ficheiro foi alvo de análise, constatando-se que, no total, foram efectuados 2091 pedidos por parte de terceiros para descarregar os conteúdos da pasta de partilha “:\off, dos quais 384 foram aceites; no relatório que se segue a tal auto veêm-se fotogramas de alguns dos ficheiros de pornografia de menores que se encontravam na pasta “:\off” do eMule e que foram, efectivamente, partilhados.
Através do mencionado exame preliminar verificou-se, ainda, que o utilizador “pc” efectuou pesquisas por termos associados a conteúdos de pornografia de menores; por último, foi analisado o ficheiro “preferences.ini”, tendo-se verificado, com relevância, que o programa eMule não se encontrava a iniciar automaticamente com o Sistema Operativo, sendo iniciado através de acção voluntária do utilizador.

Assim, através do mencionado exame preliminar:
- foi detectado o programa de partilha P2P eMule (versão DreaMule), com a pasta configurada para descarga e partilha “:\off”;
- da análise, em sede de triagem, ao equipamento apreendido foi encontrado registo relativo à descarga de 3025 ficheiros através da aplicação eMule;
- na pasta “:\off”, utilizada como pasta de partilha pela aplicação eMule, foram encontrados 1094 ficheiros com denominações compatíveis com conteúdos de abuso sexual de menores, num total de 118GB, conforme listagem constante do Apenso A (Ficheiros existentes na pasta “:\off”);
- visualizados, por amostragem, os ficheiros constantes da pasta “:\off”, verificou-se que, na sua quase totalidade, são relativos a conteúdos de abuso e exploração sexual de menores, envolvendo, em cerca de metade dos ficheiros, menores com idades inferiores a 14 anos, em actos sexuais de relevo e exibição lasciva dos órgãos sexuais; estes vídeos não se encontram manipulados, exibindo crianças reais;
- dos 1094 ficheiros existentes na pasta “:\off” - verificando-se subsequentemente, pela perícia, que eram 1091 os que tinham o mencionado conteúdo -, foi apurado que 115 possuíam registo de terem sido partilhados através do programa eMule, conforme listagem constante do Apenso A (EMULE - Ficheiros existentes e partilhados);
- dos 115 ficheiros com denominações compatíveis com conteúdos de abuso sexual de menores, e efectivamente partilhados, existentes na pasta “:\off”, foi realizada uma extracção de fotogramas de 10 ficheiros, a título exemplificativo, conforme consta do Apenso A;
- em decorrência da verificada análise, constatou-se, sem qualquer dúvida, que estes 10 ficheiros, analisados a título exemplificativo, são inequivocamente relativos a conteúdos de abuso e exploração sexual de menores.
Como revelado pelas testemunhas PG e CF em audiência de julgamento - e em conjugação com o teor da certidão de entrega do mandado de busca e apreensão constante de fls. 64, do despacho que a determinou, constante de fls. 54, do auto de tal diligência, a fls. 66, e do de fls. 70 e 71 -, tendo lido aquele despacho e também em face das imagens então visualizadas por amostragem (todas elas chocantes, para uma pessoa comum), a atitude do arguido não foi de surpresa, de quem está indignado, foi tranquila. 
Conforme se extrai do relatório de exame pericial constante de fls. 222 a 243, foi identificado no computador de secretária a que se refere o ponto 3.° dos factos provados (fotografado a fls. 77, 78, 81 a 83 e 228 do processo principal e de fls. 6 a 8 do Apenso A), contendo o suporte digital de marca KINGSTON também ali referido (fotografado a fls. 229 e 230), o seguinte:
- quanto ao sistema operativo (SO) e utilizadores (cfr. fls. 236):
- SO WINDOWS 10 HOME N (2009), instalado/actualizado em 31.08.2021 e com data do último encerramento correcto em 22.09.2021 (cfr. fls. 16 do Apenso A);
- possuía quatro contas de utilizadores, sendo que apenas a identificada como “pc”, com o número de identificador de segurança (SID) referido no ponto 4.° dos factos provados, estava activa, tendo realizado 14 acessos, sendo o último a 30.09.2021;
- a conta “pc” possuía palavra-passe associada e privilégios de administração.
- quanto à actividade dos utilizadores (cfr. fis. 237 do processo principal e fls. 19 do Apenso A)):
- o utilizador “pc”, com o referido número de identificador de segurança, acedeu e visualizou, com recurso às aplicações referidas no ponto 5.° dos factos provados, utilizadas para reprodução de ficheiros multimédia, conteúdos de abuso sexual de menores, onde se visualizam menores em actos sexuais (sexo oral, anal ou cópula), em poses eróticas ou exibição lasciva dos órgãos genitais, como, por exemplo, os no ponto 6.° dos factos provados referidos "PTHC 2021 Periscope blonde mastrurbates girl 7yo..mkv" e "Webcam - 12yo JP girl nude Show playing withbaldie (Babegirls 0350).mkv", ficheiros esses que não se encontram manipulados e mostram crianças reais;
- ainda resultante da actividade do utilizador “pc” e análise aos ficheiros “thumcache_”*”.db”, base de dados de “thumbnails”, localizada no caminho referido no ponto 7.° dos factos provados, criada pelo sistema operativo para armazenar miniaturas das imagens acedidas pelo utilizador, através do explorador do “Windows”, tornando mais rápido o acesso aos ficheiros em causa, foram localizados os 6211 ficheiros de imagem referidos naquele ponto dos factos provados;
- quanto a aplicações instaladas (cfr. fls. 238 do processo principal e fls. 17 a 19 do Apenso A):
- utilização da aplicação para partilha de ficheiros do tipo P2P com a designação de “Bitcomet”, na qual nada de relevante foi localizado;
- utilização da aplicação para partilha de ficheiros do tipo P2P com a designação de “eMule” - a que se refere o ponto 8.° dos factos provados -, encontrando-se autorizada a aceder à internet, conforme regras da “Firewall".
-quanto à aplicação eMule (cfr. fls. 238):
-data de última execução em “30/09/2021” e, conforme informação constante do ficheiro “Preferences.ini”, estava a disponibilizar a partilha do conteúdo dos caminhos “D:\off” e “D:\windows”, existentes no suporte digital que se vê a fls. 288 (cfr. fls. 238);
- da análise ao ficheiro “Known.met” desta aplicação, o qual contém o registo estatístico e o nome de todos os ficheiros descarregados e consequentemente disponíveis para partilha, verificou-se o seguinte:
- 3025 ficheiros que, na sua maioria, continham termos usualmente utilizados em ficheiros de conteúdos de abuso sexual de menores, como por exemplo "Pthc", "OPVA" e “Pedo”, como referido no ponto 10.° dos factos provados;
- partilha efectiva de 506 dos 3025 ficheiros que se ; encontravam disponíveis para partilha;
- dos 506 partilhados, foram localizados e extraídos 116 ficheiros do tipo vídeo no suporte digital apreendido fotografado a fls. 231;
- estes ficheiros continham conteúdo de abuso sexual de menores, nomeadamente em actos sexuais (sexo oral, anal ou cópula), em poses eróticas ou exibição lasciva dos órgãos genitais;
- estes vídeos não se encontravam manipulados e mostravam crianças reais;
No suporte de armazenamento junto a fls. 243 encontra-se, no caminho \JnformacaoAnalisada\E001\S001\AnáliseP2P\eMule\Match Knowmet vs Disco S002.xlsx, a listagem dos ficheiros encontrados e partilhados pelo arguido.
No caminho \FicheirosExtraídos\E001\S002 consta a listagem dos ficheiros extraídos.
- foram pesquisados os termos usualmente relacionados com abuso sexual de menores, como, por exemplo, “bbcaps”, conforme análise ao ficheiro “StoredSearches.met” da aplicação “eMule”;
- ainda em resultado da análise do conteúdo do ficheiro “Downloads.txt”, também registado pela aplicação “eMule”, constata-se que em 27.09.2021 existem ficheiros parcialmente descarregados ou pendentes para serem descarregados para o caminho “D:\windows” existente no suporte digital (Disco Rígido da marca Seagate) fotografado a fls. 231 dos autos j principais e identificado como disco 1 nas fotografias constantes de fls. 7 e 8 do Apenso A - que, tal como o referido Kingston, funcionava no interior do computador de secretária (cfr. fls. 7 daquele Apenso) -, cujos nomes contêm termos usualmente relacionados com o conteúdo de abuso sexual de menores, como por exemplo "Pthc", "BBCaps" e “Opva”.
- histórico de Internet (cfr. fls. 239);
- foram localizadas diversas pesquisas com recurso a diferentes navegadores na Internet, contendo termos como, por exemplo, “preteen”, relacionados com pornografia de menores.
-ficheiros relevantes (cfr. fls. 239):
-9111 ficheiros recuperados;
-6211 ficheiros, resultante da análise aos ficheiros “thumbcache_” *”.db”, base de dados de “thumbnails”;
Estes ficheiros continham conteúdo de abuso sexual de menores, nomeadamente em actos sexuais (sexo oral, anal ou cópula), em poses eróticas ou exibição lasciva dos órgãos genitais e não se encontravam manipulados, mostravam crianças reais; não foram categorizados porque não estavam na disponibilidade do arguido.

Analisado o referido Disco Rígido da marca Seagate, constatou-se o seguinte (cfr. fls. 239):
- não tinha sistema operativo instalado;
- foram localizados e extraídos 1091 ficheiros do tipo vídeo;
- esses 1091 ficheiros do tipo vídeo foram analisados através de uma ferramenta em uso na Polícia Judiciária, tendo produzido o Relatório de Análise e Investigação de Conteúdos Multimédia conforme consta de fls. 255 a 277;
- desses ficheiros foram encontrados 1031 ficheiros relativos a conteúdos de abuso ou exploração de menores, entre os quais 1028 dizem respeito a ficheiros de vídeo (todos únicos); a maioria dos conteúdos envolve crianças, de ambos os sexos, com predominância do sexo feminino, entre os 7 e os 13 anos (cfr. a tabela constante de fls. 259 e 260);
- a título de exemplo dos ficheiros que foram encontrados estão os referidos no ponto 30.° dos factos provados.
Ora, encontrado instalado no sistema operativo do computador do arguido - e que era do arguido resultou patente também da compreensão que o mesmo, tendo lido o despacho que ordenou a busca e apreensão e em face das imagens logo recolhidas, evidenciou, pelo seu comportamento sem surpresa, verificando-se que também a sua esposa, que permaneceu na cozinha durante a busca, não reagiu à abordagem feita ao arguido, evidenciando, com o seu comportamento, a compreensão de que a abordagem foi dirigida à pessoa correcta -, o eMule é uma aplicação P2P para partilha de ficheiros.
P2P (peer-to-peer ou ponto a ponto) é uma rede de computadores que partilha ficheiros pela Internet. Nestas redes não existe um servidor geral que armazene esses ficheiros, mas sim utilizadores que, ao mesmo tempo que fazem download dos mesmos, os disponibilizam para que outros os procurem nas suas próprias máquinas. Nesta arquitectura de sistema cada computador funciona como servidor e cliente ao mesmo tempo.
O programa P2P (por exemplo, o eMule) procura noutro computador, com o mesmo programa instalado e que tenha o ficheiro desejado pelo utilizador. Se não tiver o ficheiro completo, o que pode ocorrer quando o download não foi finalizado, o programa então passa para outro computador, e assim por diante, até o arquivo ser descarregado completamente, neste caso com recurso a várias fontes.
As transferências ocorrem então entre duas ou mais máquinas, uma que procura o ficheiro e outras que o disponibilizam, criando assim uma noção de comunidade.
Faz parte do protocolo do eMule que para descarregar tem que partilhar ficheiros.

Em suma, importa realçar que:
- no computador que foi apreendido ao arguido verificou-se que tinha instalado no sistema operativo as aplicações “BitComet” e “eMule”, do tipo P2P, para partilha de ficheiros;
- da análise à aplicação “eMule” verificou-se o seguinte: 
-3025 (três mil e vinte cinco) ficheiros descarregados e consequentemente disponíveis para partilha, que, na sua maioria, continham termos usualmente utilizados em ficheiros de conteúdos de abuso sexual de menores, como por exemplo "Pthc", "OPVA" e “Pedo”;
- partilha efectiva de 506 (quinhentos e seis) daqueles 3025;
-estes 506 ficheiros continham conteúdo de abuso sexual de menores, nomeadamente em actos sexuais (sexo oral, anal ou cópula), em poses eróticas ou exibição lasciva dos órgãos genitais;
-estes vídeos não se encontravam manipulados e mostravam crianças reais;
- no que respeita à análise do histórico e pesquisas dos diversos navegadores de Internet presentes no sistema, foram localizadas diversas pesquisas com termos relacionados com pornografia de menores, como, por exemplo, “preteen”;
- no Disco Rígido, marca Seagate:
- foram localizados 1091 (mil e noventa e um) ficheiros do tipo vídeo, que continham conteúdo de abuso sexual de menores, nomeadamente em actos sexuais (sexo oral, anal ou cópula), em poses eróticas ou exibição lasciva dos órgãos genitais - cfr. fls. 239;
-estes vídeos não se encontravam manipulados e mostravam crianças reais - cfr. fls. 239;
-desses ficheiros foram encontrados 1031 ficheiros relativos a conteúdos de abuso ou exploração de menores, entre os quais 1028 dizem respeito a ficheiros de vídeo (todos únicos), que se encontravam na posse efectiva do arguido - cfr. fls. 259;
-desses 1031 ficheiros, 294 dizem respeito a acto sexual com penetração, 523 a acto sexual sem penetração e 211 a exposição de crianças (vide o relatório de análise e investigação constante de fls. 259 a 277;
-a maioria dos conteúdos envolve crianças, de ambos os sexos, com predominância do sexo feminino, entre os 7 e os 13 anos - cfr. fls. 259 e 260, imagens e vídeos representativos de fls. 261 a 279 e o suporte digital daquele relatório a fls. 277.

Em especial no que tange à factualidade plasmada no ponto 14.° dos factos provados vide o relatório constante de fls. 48 a 50 do Apenso A, que, para além do exposto quanto aos referidos naquele ponto, igualmente permite identificar que ocorreu a descarga e partilha pelo arguido dos seguintes ficheiros:
raccolta di incesti 2013 (madre figlio zia zio nipote cgina Pompino inculata spycam webcam mature in faceia violentata stupro) (2).avi, partilhado 2 vezes, a última em 27.09.2021;
webcam fresh.upd.- PTHC 2021 GIRL mango1337 Cute Petite wdv_218 (VIRADO).avi, partilhado 2 vezes, a última em 27.09.2021;
Periscope LiveOMG 2021 (1000-1) Kat 19y Liz 15y sisters - Kat show.mp4, partilhado 2 vezes, a última em 27.09.2021;
Webcam 13Yr Old Green Shorts I Loli Isl Bd Company Lsm Ls Mpg 1Yo Avi Cp Crying FatherFuck Girls New Pthc Vhs.avi, partilhado 2 vezes, a última em 27.09.2021;
(~pthc center~)(opva)(2013)(skype)(webcam) 12yo Julya plays with dad j-HD4.mp4, partilhado 1 vez, em 27.09.2021;
Webcam Pt - 12yo Girl Chair Doggy Ass Pussy Rub (stickam vichatter blogtvmail) 2013.wmv, partilhado 1 vez, em 27.09.2021;
(Pthc) Webcam, 13yo Masturbate For Cam.avi, partilhado 1 vez, em 27.09.2021;
Webcam - Nephael- vídeo 313.avi, partilhado 1 vez;
!!! Pthc Center(Opva)(2013)(Webcam) Very Hot Anal 11Yo Russiananal Gape 2013-05-11 En!!! Coded.avi, partilhado 1 vez, em 27.09.2021;
Webcam - 10yo RU girl showing with 10yo friend (Periscope LiveOMG 2021 (650)1-2-3-4 edit).mp4, partilhado 1 vez.

Como resulta do exposto e é do conhecimento comum e, em especial, dos utilizadores do programa eMule, tal como também expresso em audiência de julgamento pela testemunha PG, inclusivamente com referência à expressão visual, no ecran do computador, do decurso dos descarregamentos e das partilhas realizadas:
-nem todos os pedidos de partilha provenientes de outros utilizadores são aceites, sendo a gestão feita pelo próprio programa, num equilíbrio entre o volume de informação descarregada, disponível para partilha e disponibilidade de rede,
e
-o utilizador pode, de forma manual, definir prioridades de ficheiros que está a descarregar e a partilhar.

Em face da prova produzida nos termos supra e infra expostos é manifesto que o arguido conhecia o referido modo de funcionamento do programa eMule e tinha, por conseguinte, conhecimento tanto dos descarregamentos que fez, como das partilhas realizadas, e destas tanto aquando daqueles, como quando às mesmas procedeu por sua iniciativa imediatamente a tal dirigida (sendo de realçar que o tribunal apenas atendeu os descarregamentos e partilhas efectivamente concretizados, que se demonstraram, e não a outros eventualmente tentados sem sucesso).

Neste âmbito, importa ainda referir que se entende «por acto sexual de relevo, [...] toda a conduta sexual que ofenda bens jurídicos fundamentais ou valores essenciais das pessoas no tocante à sua livre expressão do sexo. Em sede de abuso sexual de crianças, o "relevo" como que está imanente a qualquer actuação libidinosa por mais simples que ela seja ou pareça ser» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.06.2000, CJ, 2000, 2, 226; em idêntico sentido Ac. do STJ de 12.03.1998); ou todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes), que ofenda o sentimento de timidez e de vergonha comum à generalidade das pessoas (Ac. STJ de 24.10.1996, BMJ 460, 605). A referência a “abusos sexuais” contém, por conseguinte, não só significado jurídico, mas desde logo factual.

Importa também realçar que desde logo resultou evidente de toda a análise técnica feita pela Polícia Judiciária que não foram um, nem dois, os ficheiros contendo abusos sexuais de menores que o arguido descarregou, aqueles a que acedeu e aqueles que disponibilizou e partilhou; tais descarregamentos, tais acessos e tais disponibilizações e partilhas não foram um azar de alguém que pretendia descarregar uma coisa e teria descarregado outra - ficheiros contendo pornografia de menores -, de quem viu sem querer ver, de quem nada disso pretendia disponibilizar e partilhar, de quem não tinha cabal conhecimento das características e do modo de funcionamento dos programas/softwares de que fazia uso; não foi uma actuação pontual; foram deliberadas actuações sistemáticas tendentes aos descarregamentos, aos acessos, às disponibilizações e às partilhas de ficheiros contendo pornografia de menores a que se refere a factualidade provada.

O enquadramento das imagens/vídeos contidos nos ficheiros a que se refere a factualidade provada com referência à idade dos menores envolvidos em actos sexuais e exposição ali visíveis foi feito com base na Escala de Tanner, nos termos expostos na análise técnica vertida no Relatório de Análise o Investigação de Conteúdos Multimédia constante de fls. 255 a 277 e em audiência de julgamento explanados pela testemunha CF..

A Escala de Tanner refere-se a critérios objectivos - é uma avaliação da maturação sexual através do desenvolvimento físico de crianças, adolescentes e adultos; define as medidas físicas de desenvolvimento com base nas características sexuais externas primárias e secundárias, tais como o tamanho das mamas, os órgãos genitais, o volume dos testículos e o desenvolvimento de pelos pubianos e axilares; os correspondentes quadros são usados universalmente e permitem uma avaliação objectiva.

Para a “etiquetagem” referente à idade e ao sexo dos menores foram considerados aqueles critérios em face das imagens/vídeos dos menores.
A tal acresce que tendo sido feito o enquadramento das imagens/vídeos com base na Escala de Tanner, as designações dos próprios ficheiros que os continham se revelaram em concordância com a análise feita.
Para além disso, quem com os menores praticou ou quem lhes impôs a prática dos actos ou a exposição que foram captados e exibidos nas imagens/vídeos em causa quis obviamente que estes envolvessem menores com as idades que aparentavam e identificou os correspondentes ficheiros com os elementos respeitantes à idade dos menores e ao tipo de actos ou exposição visíveis/praticados e fê-lo pelo gozo, nomeadamente do foro sexual, que essa realidade proporciona aos adultos que a captam e a pretendem partilhar e assim dela desfrutar e não para facilitar a respectiva perseguição criminal, sendo, também, evidente - resulta do verificado modo de funcionamento do programa eMule e das regras da experiência e da lógica -, que, para além do gozo que a partilha de ficheiros desse tipo entre os interessados lhes proporciona e do benefício que nisso também encontram, nomeadamente em termos de aumento da disponibilidade de acesso a mais ficheiros com conteúdo dessa natureza, a própria partilha proporcionada pelo modo de funcionamento do programa os envolve a todos, funcionando desse modo também como protecção relativamente à perseguição criminal que a todo o custo naturalmente pretendem evitar.
Por conseguinte, o tribunal concluiu, sem qualquer dúvida, que foi rigoroso/correcto o enquadramento das imagens/vídeos contidos nos ficheiros a que se refere a factualidade provada com referência à idade dos menores envolvidos em actos sexuais e exposição ali visíveis nos termos expostos na análise técnica vertida no referido Relatório de Análise e Investigação de Conteúdos Multimédia, enquadramento que pelo próprio arguido evidentemente foi feito ao constatar a correspondência de tais imagens/vídeos com as designações dos ficheiros que, como quis, descarregou e visualizou, enquadramento que, por sua vez, também o tribunal realizou com base na análise das imagens/vídeos em causa, impressivas.

Assim:
- a compatibilidade verificada no exame preliminar resultou, na sequência de toda a prova subsequentemente produzida, em verificação certa, constatada mediante rigorosa análise técnica, sendo os critérios em que esta se baseou objectivos e compreensíveis para qualquer adulto de mediana capacidade de entendimento (tanto pelo que se sente repugnado pelo que nas referidas imagens/vídeos se constata, como pelo que delas desfruta);
- a convicção da investigação vertida naquele exame preliminar resultou, na sequência de toda a prova subsequentemente produzida, em verificação certa: o arguido armazenou e partilhou os referidos ficheiros contendo pornografia de menores, sendo as imagens/vídeos neles contidas correspondentes às respectivas designações, como logo pelo arguido constatado.
Os números de ficheiros mencionados na factualidade provada correspondem aos dos que, nos termos expostos, se verificou terem sido objecto de descarregamento, acesso, armazenamento e/ou disponibilização e partilha pelo arguido, contendo cada um deles, por si só - ou seja, independentemente dos demais e da sua extensão -, imagens/vídeos com abusos sexuais com penetração, abusos sexuais sem penetração ou exposição de menores.
Por tudo o exposto, analisado crítica e conjugadamente, de acordo com as regras da experiência e da lógica, o tribunal concluiu, sem qualquer dúvida, que se verificou toda a factualidade descrita nos pontos 1° a 40.° dos factos provados.
A ausência de antecedentes criminais registados do arguido (ponto 41°) resultou demonstrada pelo teor do respectivo CRC, junto a fls. 390.
Especificamente quanto aos factos provados relativos à situação pessoal do arguido (pontos 42.° a 56.°), o tribunal atendeu ao teor do respectivo relatório social, constante de fls. 380 a 383, apenas na medida em que se revelou credível, em face dos meios de prova que suportaram a elaboração desse documento, analisado, crítica e conjugadamente, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com a restante prova produzida nos termos supra expostos, a que nesta sede o tribunal também atendeu.
Analisada toda a prova produzida, nada conduziu à conclusão da existência de qualquer arrependimento do arguido relativamente às suas condutas criminosas provadas a que se referem os presentes autos, sendo certo que o arrependimento não se traduz em autocomiseração, nem na tristeza e na apreensão que naturalmente sente pela situação em que no âmbito destes autos se encontra, por causa das respectivas condutas, cuja gravidade, na óptica da lei - ou seja reconhecendo-as como crimes, embora não valorizando a perspectiva das vítimas nem a gravidade das consequências para as mesmas sempre foi do seu conhecimento (e justificou as cautelas relas postas; note-se que a conta “pc”, que era a única activa no computador apreendido, possuía palavra-passe associada e privilégios de administração).
Ora, o que ao arguido proporcionou gozo é o que universal e consabidamente é causa da desestruturação da base de formação física e psíquica das crianças e jovens menores sujeitos ao abuso/violência que a pornografia de menores exibe e em si mesma consubstancia, objectificando-os, sabendo-os sem defesa, com radical/irreparável impacto no seu desenvolvimento, comprometendo a formação da afectividade, da personalidade e de valores, modificando profundamente o modo como se encaram a si próprios, o modo como encaram o adulto e o mundo que representa, distorcendo os valores do amor, do carinho, da protecção e da família, gerando rompimento de vínculos e desestruturação familiar, com reflexo na progressão da violência de maneira global e na perda do respeito pelo ser humano e da valorização da vida.
Que a vivência do que se encontra exposto nos ficheiros em causa traumatiza a criança e o jovem menor para toda a vida é o que qualquer pessoa de mediano entendimento sabe desde sempre (a criança sabe-o intuitivamente); o arguido, que mediano entendimento tem, também sempre o soube, mas não se preocupou com isso, porque quis, como quer, saber de si e do que a si, na medida do que se sabe capaz, proporcionou e proporciona gozo.
A pornografia de menores, com a exposição e o abuso sexual de crianças e jovens menores de que se serve, que até há alguns anos eram realidades horríveis, mas de muito menor dimensão, horrorizam hoje também pelas suas extraordinárias frequência e extensão, sendo um dos principais focos da preocupação de quem efectivamente cuida de crianças, algo a que o arguido não se revelou, nesse aspecto, sensível.
Importa, igualmente, realçar que a integração familiar, laboral e social (neste âmbito, sem prejuízo da imagem esbatida referida no ponto 54.° dos factos provados) do arguido não o impediram de praticar factos com a gravidade daqueles que aqui estão em causa, pornografia de menores, parte substancial da qual envolvendo crianças de tenra idade, em situações violentíssimas, fantasiando o arguido a sua relação sexual com as crianças e jovens menores cujo abuso e exposição da mesma natureza encontrou nos referidos ficheiros e encontrando companhia e partilha de interesses junto de todo o tipo de utilizadores de pornografia de menores, “alimentando-se” e ‘alimentando” d/a vastíssima rede de atroz exploração sexual de crianças e jovens menores cujo exponencial crescimento, também e com relevantíssimo impacto, ao nível do ciberespaço, tem encontrado reflexo, particularmente desde a última década, como é consabido.
Por tudo o exposto, tudo analisado, crítica e conjugadamente, de acordo com as regras da experiência e da lógica, incluindo a duração do envolvimento do arguido na prática da factualidade em causa, o tribunal concluiu, sem qualquer dúvida, que o arguido não manifestou arrependimento relativamente aos factos que praticou a que se refere este processo, quanto aos quais tem fraco juízo crítico.
A factualidade não provada assim foi considerada por não ter sido produzida prova apta a demonstrá-la (a vertida nas als. a) e I)) e por ter resultado infirmada (a plasmada nas ais. b) a k)) em face do que consta de fls. 49 e 50 do Apenso A.

3.–Apreciação
3.1.–Da nulidade da decisão por omissão de pronúncia
O recorrente alega que o tribunal não se pronunciou quanto à aplicabilidade, no caso dos autos, do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral dos artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º32/2008, de 17/07.
A omissão de pronúncia prevista na alínea c) do n.º1 do art.º 379.º do Código de processo Penal traduz-se numa violação por parte do tribunal dos seus poderes/deveres de cognição. Esse poder/dever de cognição só respeita às questões que são submetidas pelas partes à apreciação do tribunal e que, por isso, lhe incumbe conhecer, ou de que este deva apreciar oficiosamente, e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelas partes, na defesa das suas posições (Ac. do STJ de 15/12/2005, Proc. 05P2951, acessível em www.dgsi.pt).
Como resulta da motivação de facto, o tribunal recorrido não considerou nas provas que valorou metadados ou elemento de prova ferido de nulidade, como deixou expresso nos seguintes parágrafos, que constam da referida motivação:
«Nessa sequência, com base na informação prestada pela Vodafone a fls. 27 (apenas na sua parte relevante, que, pelo exposto, não foi a relativa a metadados), apurou-se que o utilizador do mencionado IP era o ora arguido, com a morada de facturação ali indicada.
Assim, para o apuramento da morada de tal utilizador, a Polícia Judiciária não tirou benefício dos metadados armazenados pela Vodafone (independentemente de a esta se ter perguntado mais do que neste caso era preciso, com referências a datas e horas), mas apenas da informação de facturação associada ao cliente utilizador daquele IP (que, como referido, pela análise do histórico já obtido, constante de fls. 4 a 16, se tinha verificado ser estático), ou seja, do respectivo nome e morada física.
Nesse seguimento (por conseguinte, sem recurso a metadados, a meio ou elemento de prova ferido de nulidade, contrariamente ao sustentado pela defesa do arguido em sede de alegações finais), no dia 30.09.2021 foi realizada a busca nessa morada, em que tiveram intervenção todas as mencionadas testemunhas, como pelas mesmas descrito em audiência de julgamento, e foi confirmado o que deu origem ao mencionado auto de notícia, ou seja, a utilização de programa peer to peer (P2P) para acesso e disponibilização de ficheiros de pornografia de menores, concretamente da aplicação eMule, tendo de tal diligência resultado a apreensão dos equipamentos referidos no auto de busca e apreensão de fls. 66.»

Concordando-se ou não com as conclusões alcançadas pelo tribunal recorrido quanto à valoração que fez da prova, verifica-se que o tribunal se pronunciou sobre a questão que foi suscitada a esse propósito pelo recorrente nas suas alegações orais, respeitante à alegada nulidade da prova. Ainda que o tribunal não se tenha referido concretamente ao acórdão do Tribunal Constitucional, a verdade é que não tinha de o fazer porque considerou que não estava em causa prova por metadados.

A questão não é, assim, de omissão de pronúncia, mas antes de validade da prova respeitante à informação fornecida pela operadora Vodafone que permitiu a identificação do utilizador do IP referido nos factos provados sob os pontos 1 e 14 e dos dados que vieram a ser apreendidos no computador do arguido.

3.2.–Da nulidade da prova por, alegadamente, ter sido obtida por metadados.
Está em causa, segundo o recorrente, a informação de fls. 27. que foi fornecida pela operadora Vodafone respeitante à identificação do nome e morada do cliente utilizador do IP 89.115.146.71, correspondente ao nome e morada do arguido/recorrente, bem como os dados (ficheiros) que foram apreendidos no computador do arguido e submetidos a análise pericial pela Polícia Judiciária.
Como resulta dos autos, a informação fornecida pela Vodafone foi solicitada pelo Ministério Público na sequência de uma ação de monitorização na internet levada a cabo pela Polícia Judiciária em redes de partilha P2P (peer-to-peer Trata-se de uma arquitetura de redes de computadores onde cada um dos pontos ou nós da rede funciona tanto como cliente quanto como servidor permitindo compartilhamentos de serviços e dados sem a necessidade de um servidor central. Uma rede peer-to-peer (…) pode ser usada para compartilhar músicas, vídeos, imagens, dados, enfim qualquer coisa com formato digital (https://pt.wikipedia.org/wiki/Peer-to-peer)) com foco na descarga de ficheiros já conhecidos internacionalmente como sendo de pornografia de menores, em que se detectou que através do referido IP se encontravam disponíveis para serem descarregados e partilhados determinados ficheiros categorizados como ficheiros de abuso sexual por diferentes forças policiais.
Com base na informação fornecida pela Vodafone quanto ao utilizador do referido IP foi ordenada, pelo Juiz de instrução criminal, a requerimento do Ministério Público, uma busca domiciliária à residência do arguido, arrecadações conexas à mesma , anexos e outros espaços fechados que sejam contíguos ao local, caixas de correio, bem como dependências fechadas, nos termos do disposto nos artigos 174.º, n.ºs 2 e 3, 176.º.º, 177º, n.º e 269.º, n.º1, alínea c) , todos do Código de Processo Penal e autorizada, desde logo, a pesquisa e apreensão de dados informáticos nos equipamentos que se encontrem no domicilio do suspeito ou acessíveis remotamente a partir desse local , ainda que armazenados em eventuais drivers/sistemas virtuais (cloud ou similares) nos termos dos artigos 15.º , n.ºs 1, 2 e 5 e 16.º, nºs 1 e 7 da Lei do Cibercrime.
Foi na sequência dessa busca e pesquisa que vieram a ser localizados e apreendidos os ficheiros encontrados no computador do arguido e por ele descarregados e/ou visualizados, a que se referem os factos provados sob os pontos 5 a 30, que foram posteriormente objecto de analise pericial pela Polícia Judiciária .
O recorrente, ainda que sem qualquer fundamentação, alega que a informação fornecida pela Vodafone e os dados (ficheiros) que foram objecto da perícia efectuada pela Polícia Judiciária são dados armazenados e por isso devem ser considerados metadados para efeitos da declaração de inconstitucionalidade geral obrigatória do acórdão do Tribunal Constitucional n.º268/2022, de 19/04/2022.
Neste acórdão foi decidido:
a)- Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição;
b)- Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.
O artigo 4.º da lei em causa (Lei n.º 32/2008) identifica as categorias de dados a armazenar pelos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações.
Por sua vez o artigo 6.º determina a obrigação da sua conservação, por essas mesmas entidades, dos dados previstos no n.º1 do artigo 4.º, pelo período de um ano, a contar da data da conclusão da comunicação.
Por fim, o artigo 9.º estabelece as condições de transmissão de dados armazenados ao Ministério Público ou à autoridade de polícia criminal competente.
O conjunto de metadados elencado no artigo 4.º da Lei n.º32/2008 abrange dados de diferente natureza, categorizados na jurisprudência constitucional como dados de base e dados de tráfego. Porém, como se considerou no acórdão do STJ de 6/09/2022, no processo n.º 4243/17.0T9PRT-K.S1 (acessível em www.dgsi.pt), “todos os dados elencados no artigo 4.º da Lei n. º 32/2008 respeitam a comunicações realizadas, mantendo-se armazenados durante o período de um ano que se inicia, exatamente, na data da conclusão da comunicação (art. 6.º) e, ainda, a dados de localização”
Para tanto refere-se nesse acórdão:
«Os dados registados e tratados pelos operadores de serviços de comunicações eletrónicas beneficiam, desde logo, da proteção dos instrumentos convencionais e legais destinados à proteção do direito à vida privada, face ao tratamento automatizado dos dados de carácter pessoal (o chamado regime de proteção de dados) – a Convenção para a Proteção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal, do Conselho da Europa, assinada em Estrasburgo, a 28.01.1981, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 23/93, de 09/07 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 21/93, de 09/07; o artigo 8.º da Carta dos Direitos Fundamentais da EU, Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento e do Conselho, de 27 de abril de 2016 e a Lei n.º 58/2019, de 08 de Agosto.
É, em especial, o armazenamento dos dados pessoais tratados, em matéria tão sensível, no que à intimidade da vida privada diz respeito, como é a das comunicações eletrónicas e para um universo que compreende todos os utilizadores dos serviços, durante o prazo de um ano, que constitui objeto da declaração de inconstitucionalidade.
Ou, como se diz no Acórdão 268/2022 do TC, em causa estava: “Uma regulamentação nacional que prevê a conservação generalizada e indiferenciada de dados de tráfego e de dados de localização, com vista a lutar contra a criminalidade grave, excede os limites do estritamente necessário e não pode ser considerada justificada, numa sociedade democrática, como exige o artigo 15.º, n.º 1, da Diretiva 2002/58, lido à luz dos artigos 7.º, 8.º, 11.º e 52.º, n.º 1, da Carta (v., neste sentido, Acórdão de “21 de dezembro de 2016, Tele2, C-203/15 e C-698/15, EU:C:2016:970, n.º 107).”
Mesmo quando se refere aos elementos de identificação do utilizador (n.º de telefone ou IMEI), conexos a comunicação estabelecida no passado, o Acórdão n.º 268/2022 do TC entende que poderia subtraí-los ao juízo de inconstitucionalidade se os mesmos se encontrassem armazenados no espaço da EU.»
Com efeito pode ler-se no acórdão 268/2022, citado naquele aresto do STJ:
“O padrão invocado pela requerente (o direito à inviolabilidade das comunicações, consagrado no artigo 34.º da Constituição) não protege os dados de base, como se concluiu nos Acórdãos n.ºs 486/2009 e 403/2015, e se reiterou no Acórdão n.º 463/2019:
«Assim, quer os dados de base, quer os dados de localização de equipamento, a que se refere o artigo 3.º da Lei Orgânica, n.º 4/2017, não devem ser considerados como dados atinentes a uma comunicação, já que tanto nuns quanto noutros inexiste qualquer dimensão subjetiva inerente à comunicação. Os primeiros são, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º da mesma Lei, dados escritos atinentes a uma relação contratual entre uma pessoa e uma empresa operadora de telecomunicações, referindo-se à identificação e morada do titular e ao próprio contrato de ligação à rede; os segundos abrangem a deteção de dados de localização a partir de um telefone ligado, mas em stand by, e/ou através do sistema de satélite GPS ou outro (ver, neste sentido, Manuel da Costa Andrade, “Comentário ao artigo 194.º do Código Penal”, in J. Figueiredo Dias (direção), Comentário Conimbricense do Código Penal — Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2012, pág. 1104)
Neste contexto, nem todos os dados a que se refere o artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, estão protegidos pelo disposto nos números 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição. De acordo com a jurisprudência reiterada deste Tribunal, aquele parâmetro abrange os dados de tráfego quando pressuponham uma comunicação entre pessoas, mas já não os dados que, independentemente de qualquer comunicação, sejam atinentes à conexão de certo equipamento a uma rede de comunicações ou à mera identificação de um utilizador a quem estava atribuído um determinado número de telefone ou um endereço de protocolo IP estático (dados de base - cf. Acórdão n.º 420/2017)»
“Não parece dever mudar-se a orientação de que o regime jurídico-constitucional relevante para a apreciação da medida de conservação dos endereços de protocolo de IP dinâmicos que identificam a fonte da comunicação deve ser o dos dados de base. Na verdade, ainda que seja discutível a respetiva categorização (porquanto o apuramento do endereço de protocolo IP dinâmico pressupõe a análise do momento em que se realizou uma concreta comunicação), a intensidade de agressão aos direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa é, neste domínio, similar ao dos demais dados de base. Com efeito, o apuramento da identidade do utilizador da fonte da comunicação a quem estava atribuído o protocolo IP em certo momento não revela as circunstâncias da comunicação, a sua duração, a pessoa com quem se comunica ou os sites consultados; limita-se a identificar, tal como nos demais dados de base, o utilizador daquele computador.
Esta conclusão é, de resto, condicente com a orientação seguida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão La quadrature du net, cit. n.º 152: «Importa observar que os endereços IP, apesar de fazerem parte dos dados de tráfego, são gerados sem estarem ligados a uma comunicação específica e servem principalmente para identificar, por intermédio dos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas, a pessoa singular proprietária de um equipamento terminal a partir do qual é efetuada uma comunicação através da Internet. Assim, em matéria de correio eletrónico e de telefonia através da Internet, desde que apenas sejam conservados os endereços IP da fonte da comunicação e não os do seu destinatário, esses endereços não revelam, enquanto tais, nenhuma informação sobre terceiros que tenham estado em contacto com a pessoa que está na origem da comunicação. Por conseguinte, esta categoria de dados tem um grau de sensibilidade menor que o dos outros dados de tráfego
Quer isto dizer que, no que respeita aos dados de base (e aos endereços de protocolo IP que identificam a fonte da comunicação, independentemente da sua classificação), o direito da União Europeia não põe em causa a ponderação de proporcionalidade feita pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 420/2017, sendo esta conforme ao parâmetro europeu, cujo sentido foi já clarificado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Em consequência, concluindo-se pela bondade constitucional da conservação dos endereços do protocolo IP da fonte da comunicação — enquanto dado que pode espelhar uma agressão mais intensa no direito à intimidade da vida privada, por pressupor um tratamento do momento do acesso à internet, no caso dos endereços dinâmicos — por maioria de razão será igualmente conforme aos requisitos do n.º 2 do artigo 18.º a conservação de dados de base que não pressupõem a análise de quaisquer comunicações (números de telefone, endereços de correio eletrónico, etc.).»
E, mais adiante:
“(…) a obrigação de conservação de dados de base (e de endereços de protocolo IP dinâmicos relativos à fonte de uma comunicação, independentemente da respetiva categorização) pelo período de um ano, constante da conjugação das normas dos artigos 4.º e 6.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, não seria em si mesma inconstitucional, se o legislador houvesse cumprido a injunção de prever o seu armazenamento no território da União Europeia.”
No caso dos autos, o IP em causa foi fornecido pela própria rede de partilha “P2P” com a reiterada utilização de descarga e partilha de ficheiros, ferramenta livremente acessível na internet e utilizada pela Polícia Judiciária no decurso de uma acção de monitorização na internet e não com recurso a qualquer transmissão de dados pela operadora Vodafone.
Por sua vez a informação fornecida pela operadora Vodafone respeitante ao nome e morada do arguido enquanto utilizador daquele IP traduz-se na informação de dados de base sem qualquer conexão a comunicações realizadas, resultante da relação contratual estabelecida entre a operadora e o particular, a que a autoridade judiciária pode ter acesso, designadamente através do artigo 14.º da Lei n.º 109/2009, de 15/9 (Lei do Cibercrime»), que não estão abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade daquele acórdão do TC.
Trata-se de acesso a dados que não respeitam a comunicações efetuadas, tratadas e armazenadas ao abrigo da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho e constituem nas palavras do acórdão 268/2022 do TC “caracteres permanentes, pelo que a identificação do sujeito a que pertencem pode ser obtida independentemente de qualquer comunicação”, que não estão abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade daquele acórdão.
Os dados (ficheiros) que vieram a ser objecto de perícia pela Polícia Judiciária foram extraídos do computador do arguido no IP que era por ele utilizado, na sequência da busca domiciliária legalmente autorizada e realizada de acordo com as exigências legais previstas no Código de Processo Penal e não com recurso a quaisquer dados de tráfego fornecidos por qualquer operadora, não tendo sequer a classificação de metadados, como parece entender o recorrente.
Não assiste, assim, razão ao recorrente na alegação de que foi valorada prova proibida razão pela qual improcede este segmento do recurso.

3.3.–Da nulidade de excesso de pronúncia:
A este propósito o recorrente defende existir um excesso de pronúncia na afirmação feita pelo tribunal no facto provado sob o ponto 56 - “O arguido não manifestou arrependimento” -, para a qual refere existir omissão no acórdão quanto à sua razão de ciência e não poder o tribunal retirar essa conclusão do silêncio do arguido, num sentido processualmente prejudicial para o mesmo e usá-lo como um dos argumentos (quiçá o principal) para a não formulação de um juízo de prognose favorável, logo, para a condenação em pena de prisão efectiva.
Não tem, contudo, razão o recorrente.
O excesso de pronúncia que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º n.º1, alínea c) do Código de Processo Penal, traduz-se no conhecimento de uma questão que não está dentro do objecto do processo, por não ter sido suscitada pelas partes nem ser de conhecimento oficioso pelo tribunal.
O que está em causa é um facto dado como provado que o tribunal valora em sede de medida da pena.
Concordando-se ou não com a decisão do tribunal relativamente a tal facto e as consequências que dele são retiradas pelo tribunal em sede de pena, não se trata de um excesso de pronúncia, não só porque o facto em si não consubstancia qualquer questão, mas também porque é dever do tribunal pronunciar-se na sentença sobre todos os factos sobre os quais tinha de se pronunciar (da acusação e da contestação) e bem assim sobre os factos que tenham resultado da discussão da causa e que sejam relevantes para a decisão, designadamente para a determinação da sanção, e deles retirar as sua consequências em termos penais.
A discordância quanto a um facto provado com vista a anular os efeitos do mesmo na decisão, deve ser atacado pela via da impugnação e não pelo excesso de pronúncia, pretensão de todo improcedente.

3.4.–Da impugnação da matéria de facto e violação dos artigos 127.º e 355.º do C.P.P.:
O recorrente impugna o facto provado sob o ponto 56.º em que se deu como provado:
“O arguido não manifestou arrependimento relativamente aos factos supra descritos a que respeita este processo, quanto aos quais tem fraco juízo crítico.”
Para tanto, alega que:
-foi desvalorizado o relatório social em que é referido expressamente o “arrependimento do arguido associado a sentimentos de vergonha” e que o arguido “Em abstracto reconhece a censurabilidade de factos similares aos que deram origem ao presente processo” bem como o que em sede conclusiva aí se refere de que o arguido “revela capacidade de autoavaliação critica”.
- a circunstância de o tribunal não ter tido em conta a postura que o arguido assumiu em audiência – cabisbaixo, remetido ao silêncio e envergonhado -, tendo antes retirado do mutismo do arguido a falta de arrependimento, confundindo o direito ao silêncio com a ausência de arrependimento, o que não lhe era legítimo fazer pois não podia o tribunal adivinhar qual o sentimento do arguido perante os factos e retirando desse direito do arguido ao silêncio, a consequência negativa do não arrependimento, em prejuízo do arguido.
Em sede de motivação o tribunal escreve a propósito do facto provado 56:
«Analisada toda a prova produzida, nada conduziu à conclusão da existência de qualquer arrependimento do arguido relativamente às suas condutas criminosas provadas a que se referem os presentes autos, sendo certo que o arrependimento não se traduz em autocomiseração, nem na tristeza e na apreensão que naturalmente sente pela situação em que no âmbito destes autos se encontra, por causa das respectivas condutas, cuja gravidade, na óptica da lei - ou seja reconhecendo-as como crimes, embora não valorizando a perspectiva das vítimas nem a gravidade das consequências para as mesmas sempre foi do seu conhecimento (e justificou as cautelas nelas postas; note-se que a conta “pc”, que era a única activa no computador apreendido, possuía palavra-passe associada e privilégios de administração).
Ora, o que ao arguido proporcionou gozo é o que universal e consabidamente é causa da desestruturação da base de formação física e psíquica das crianças e jovens menores sujeitos ao abuso/violência que a pornografia de menores exibe e em si mesma consubstancia, objectificando-os, sabendo-os sem defesa, com radical/irreparável impacto no seu desenvolvimento, comprometendo a formação da afectividade, da personalidade e de valores, modificando profundamente o modo como se encaram a si próprios, o modo como encaram o adulto e o mundo que representa, distorcendo os valores do amor, do carinho, da protecção e da família, gerando rompimento de vínculos e desestruturação familiar, com reflexo na progressão da violência de maneira global e na perda do respeito) pelo ser humano e da valorização da vida.
Que a vivência do que se encontra exposto nos ficheiros em causa traumatiza a criança e o jovem menor para toda a vida é o que qualquer pessoa de mediano entendimento sabe desde sempre (a criança sabe-o intuitivamente); o arguido, que mediano entendimento tem, também sempre o soube, mas não se preocupou com isso, porque quis, como quer, saber de si e do que a si, na medida do que se sabe capaz, proporcionou e proporciona gozo.
A pornografia de menores, com a exposição e o abuso sexual de crianças e jovens menores de que se serve, que até há alguns anos eram realidades horríveis, mas de muito menor dimensão, horrorizam hoje também pelas suas extraordinárias frequência e extensão, sendo um dos principais focos da preocupação de quem efectivamente cuida de crianças, algo a que o arguido não se revelou, nesse aspecto, sensível.
Importa, igualmente, realçar que a integração familiar, laboral e social (neste âmbito, sem prejuízo da imagem esbatida referida no ponto 54.° dos factos provados) do arguido não o impediram de praticar factos com a gravidade daqueles que aqui estão em causa, pornografia de menores, parte substancial da qual envolvendo crianças de tenra idade, em situações violentíssimas, fantasiando o arguido a sua relação sexual com as crianças e jovens menores cujo abuso e exposição da mesma natureza encontrou nos referidos ficheiros e encontrando companhia e partilha de interesses junto de todo o tipo de utilizadores de pornografia de menores, “alimentando-se” e ‘alimentando” d/a vastíssima rede de atroz exploração sexual de crianças e jovens menores cujo exponencial crescimento, também e com relevantíssimo impacto, ao nível do ciberespaço, tem encontrado reflexo, tem encontrado reflexo, particularmente desde a última década, como é consabido.
Por tudo o exposto, tudo analisado, crítica e conjugadamente, de acordo com as regras da experiência e da lógica, incluindo a duração do envolvimento do arguido na prática da factualidade em causa, o tribunal concluiu, sem qualquer dúvida, que o arguido não manifestou arrependimento relativamente aos factos que praticou a que se refere este processo, quanto aos quais tem fraco juízo crítico.»
Compreende-se que o tribunal, mesmo tendo em consideração o que consta do relatório social, tenha considerado que tal não bastava para afirmar que o arguido se encontrava arrependido e que tivesse um juízo crítico sobre os factos.
O arrependimento pressupõe a assunção da conduta (assunção que não tem necessariamente de ser feita em audiência) e o propósito de não voltar a praticar actos semelhantes. Mas, do facto de não haver prova do arrependimento não resulta necessariamente que haja prova de que o arguido não está arrependido pois não haver prova de um facto não se confunde com a prova do facto contrário.
Da fundamentação, que evidencia o desvalor da conduta do arguido e a partir daí extrapola para a ausência de arrependimento com base nas regras da experiência, não resulta quaisquer elementos de prova que fundamentem a conclusão de que ele não está arrependido.
Esses elementos de prova também não resultam dos autos nem o seu contrário, isto é, não há prova de que o arguido está arrependido, nem de que não está, sendo certo que o arguido não prestou quaisquer declarações em julgamento e o tribunal pode apreciar livremente o relatório social, não estando vinculado aos juízos de apreciação subjectivos que nele são feitos pelo seu autor.
Por isso, nessa parte, não pode deixar de se dar provimento ao recurso e de dar como não provado o facto impugnado.
Não se vislumbra em que medida foi violado o artigo 355.º do C.P.P., pelo faco de o tribunal não ter atendido à totalidade do conteúdo do relatório social, porquanto, não constituindo tal relatório prova pericial, mas, tão só, uma informação sobre a inserção familiar e sócio profissional do arguido elaborada por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido (artigo 1º, n. 1, alínea g), do C.P.P.), os eventuais juízos de valor nele formulados pelo técnico não vinculam o juiz e por isso os factos a que se reportam serão dados ou não como provados, de acordo com o princípio geral da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º, do mesmo Código.

3.5.–Da suspensão da execução da pena de prisão:
O recorrente alega que apenas lhe foi aplicada pena de prisão efectiva pelo facto de não ter mostrado arrependimento e dada a gravidade do crime.
Pugna para que a pena de prisão de 3 anos que lhe foi aplicada seja suspensa na sua execução porque “quer o seu comportamento anterior, quer o facto de ser residente há 20 anos em Portugal sem nunca lhe ter sido apontado qualquer problema, quer ainda o facto de o OPC da área da sua residência chamado a pronunciar-se não reportar aos autos qualquer outra infração, quer a sua situação familiar (casado com filha maior) e a sua situação profissional, (trabalha, ele e a sua esposa como sempre trabalharam) tudo resultante da matéria de facto provada”, permitem a formulação de um juízo de prognose favorável e a aplicação de uma pena suspensa na sua execução. Aduz ainda que o arguido já esteve preso vários meses e que o cumprimento de 3 anos de prisão poderiam afastá-lo irremediavelmente da sociedade civil, comprometendo uma desejável ressocialização.
O Ministério Público opõe-se à suspensão da pena aduzindo, essencialmente, razões de prevenção geral e especial inerentes a este tipo de “hedionda criminalidade”.
Ao arguido foi aplicada a pena de 3 anos de prisão, cuja medida não é questionada e que nos termos do artigo 50.º, n.º1 do Código Penal admite a sua suspensão «se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40º, nº1 do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Como pressuposto formal de aplicação do instituto da suspensão exige-se que a pena seja de prisão em medida não superior a cinco anos e como pressuposto material o da adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial.
Essa adequação pressupõe um juízo de prognose favorável que deve ser formulado, em primeiro lugar, em relação ao agente em si mesmo, exigindo da parte do tribunal uma expectativa fundada, em função da personalidade do agente e das condições da sua vida, bem como das circunstâncias do crime, de que o mesmo sentirá a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, assim se cumprindo uma das finalidades da punição - reintegração do agente na sociedade.
Contudo, importa, também, que desse juízo de prognose favorável resulte que ficarão acauteladas as exigências de prevenção geral, não só na vertente da «reprovação social imposta por um princípio de justiça que actua sobre a generalidade das pessoas», mas também na vertente do restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime e da confiança dos cidadãos no sistema de justiça.
Daí que, mesmo concluindo o tribunal por um prognóstico favorável “à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação social e prevenção do crime: «estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas, exclusivamente, considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 520, p. 344 e Acórdão do STJ de 16/01/08, relatado pelo Cons. Raul Borges, proc. 3485/07, acessível em http://dgsi.pt.jstj).
Na formulação do prognóstico que é exigido, “o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto” (Ob. citada, § 518 p. 343).
O tribunal recorrido não suspendeu a pena de prisão por não ter alcançado um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento futuro do arguido, no que valorizou, além do conjunto dos factos e da forma como os mesmos foram praticados, a falta de arrependimento e de sentido crítico e, por outro lado, razões de prevenção geral de defesa do ordenamento jurídico que o caso concreto requer.
Ainda que o arguido beneficie de inserção sócio-profissional, de apoio familiar e da ausência de antecedentes criminais e não se possa considerar a questão da falta do arrependimento e do sentido crítico em relação ao desvalor dos factos praticados (por não resultar provado esse facto), tudo condições favoráveis a um juízo de prognose favorável, o conjunto dos factos praticados, pela sua amplitude em termos de ficheiros armazenados e/ou divulgados pelo arguido, a sua reiteração no tempo e o respectivo conteúdo daqueles ficheiros, não deixa de condicionar esse juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido, como considerou o tribunal recorrido, elevando o risco que a suspensão da pena sempre comporta em termos de reincidência.
Ainda que esse risco pudesse ser diminuído com a sujeição do arguido a regime de prova e medidas apertadas de controlo e, quiçá, de tratamento psicológico, considerando-se, como já referimos, que as razões de prevenção geral se sobrepõem às de prevenção especial e que aquelas impedem a suspensão, não pode esta, no caso, ser de aplicar.
Está em causa um crime agravado de pornografia de menores p. e p. pelos artigos 176.°, n.° 1, alíneas c) e d) e 177.°. n.°s 6, 7 e 8, do Código Penal, o qual é punido com a pena de 1 ano e 6 meses de prisão a 7 anos e 6 meses de prisão.
A exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, como se refere na DIRECTIVA 2011/92/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 13 de Dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, “deverão ser tratados de forma abrangente, abarcando a repressão dos autores dos crimes, a protecção das crianças vítimas dos crimes e a prevenção do fenómeno” e “As formas graves de abuso sexual e de exploração sexual de crianças deverão ser penalizadas de forma eficaz, proporcionada e dissuasiva”.
Diz-se também nos considerandos daquela Directiva:
“A pornografia infantil, que consiste em imagens de abusos sexuais de crianças, é um tipo específico de conteúdos que não podem ser considerados como a expressão de uma opinião. Para a combater, é necessário reduzir a circulação de material com imagens de abusos sexuais de crianças, tornando mais difícil o seu descarregamento pelos infractores a partir de sítios da Internet de acesso público. Por conseguinte, é necessário suprimir esses conteúdos e deter os culpados de produção, distribuição ou descarregamento de imagens de abusos sexuais de crianças.”
A pornografia infantil, que consiste em imagens de abuso sexual de crianças e em outras formas particularmente graves de abuso sexual e exploração sexual de crianças, está a aumentar e a propagar-se mediante o recurso às novas tecnologias e à Internet.
Números disponibilizados pela organização SaferNet Organização brasileira não governamental, sem fins lucrativos com a missão de defender e promover os direitos humanos na Internet. apontam que, nos últimos 14 anos, foram contabilizadas mais de 4,1 milhões de denúncias anónimas envolvendo 790 mil páginas (URLs) de pornografia infantil. Dessas, 255 mil foram desativadas. Os conteúdos criminosos foram escritos em nove idiomas, atribuídos a 104 países em seis continentes https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/julho/forum-online-aborda-o-combate-a-pornografia-infantil.
Em Portugal, segundo o relatório da APAV divulgado pelo jornal “ Público” , num artigo de 14 de Abril de 2020 https://www.publico.pt/2020/04/14/sociedade/noticia/699-denuncias-pornografia-infantil-recebidas-apav-existem-milhares-criancas-1912175?utm_source=copy_paste, foram contabilizadas 699 denúncias por pornografia infantil em 2019, envolvendo milhares de crianças.
Segundo esse artigo “ a maioria das denúncias de pornografia recebidas em 2019 pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) chegou através de pessoas que já estão na dark web (a parte mais oculta da Internet que só é possível aceder através de navegadores próprios), onde existem sites para além daqueles que envolvem crimes com crianças”.
São, portanto, fortíssimas as exigências de prevenção geral quanto a este tipo de crime e contra todo o tipo de abusos sexuais a menores, cujo combate deve ser intensificado e que tem como vítimas crianças cada vez mais jovens.
A actividade criminosa prosseguida pelo arguido, como se retira dos factos provados, não é um acto ocasional e desenvolve-se no seio de comunidades de pedófilos que são simultaneamente fornecedores e receptores de material pornográfico pedófilo. Sobre esta actividade incide uma forte reprovação social que clama por medidas eficazes de combate a este tipo de criminalidade.
É preciso pôr cobro a este tipo de actividade, propósito para o qual não contribuem as penas suspensas, sob pena de continuar a proliferar este tipo de criminalidade tão prejudicial à escala global.
A pena de prisão efectiva impõe-se, assim, por razões de prevenção, de justiça social e de justiça a todas as vítimas indefesas.
O facto de o arguido ter sido libertado na pendência do processo teve a ver com a diminuição das exigências cautelares que determinaram a aplicação da medida da prisão preventiva, em obediência aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade que regem a aplicação das medidas de coação, que se destinam a prevenir perigos na pendência do processo.
Essas exigências não se confundem com as exigências que determinam a pena e por isso não é por aquelas terem diminuído que se deve suspender a pena de prisão que foi aplicada ao arguido, como o mesmo pretende, num caso em que, não só o prognóstico pessoal é de elevado risco em função da sua personalidade, como as exigências de prevenção geral clamam por uma punição efectiva e dissuasora.
Termos em que, não obstante a procedência quanto à impugnação de facto, improcede o recurso interposto pelo arguido.
Não obstante o arguido ter obtido algum ganho do recurso, não deixa de decair no pedido por ele pretendido e por isso há que condenar o mesmo no pagamento de custas, nos termos do artigo 513º, n.º1 do C.P.P.

III–Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes, na 5ª Secção deste Tribunal da Relação, em, dando como não provado o facto constante do ponto 56 da matéria de facto provada, negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a pena de 3 (três) anos de prisão efectiva, que foi aplicada ao arguido/recorrente pela 1ª instância.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 3UC a taxa de justiça.


Lisboa, 26 de Abril de 2023


(processado e revisto pela relatora – art.º 94.º, n. º 2 do C.P.P.)



(Maria José Costa Machado - relatora)
(Carlos Espírito Santo - 1.º adjunto)
(Paulo Duarte Barreto Ferreira - 2.º adjunto)