Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ILÍDIO SACARRÃO MARTINS | ||
Descritores: | INJUNÇÃO TRANSACÇÃO COMERCIAL CONSUMIDOR PESSOA SINGULAR | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/08/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I. O conceito de consumidor a que alude o artigo 2.º/2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro abrange a pessoa singular que nos contratos abrangidos por esse diploma actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional II- Não tendo sido alegado que o demandado, pessoa singular, tenha agido no exercício de actividade económica ou profissional autónoma susceptível de ser considerada empresa, não pode ser contra ela requerida a providência de injunção (SC) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO G… - Comércio e Aluguer de Veículos, Lda., apresentou no dia 30 de Maio de 2007, na Secretaria-Geral de Injunções de Lisboa, requerimento de injunção contra Sandra …. A requerente solicitou que fosse notificada a requerida no sentido de lhe ser paga a quantia de € 17.797,60, sendo € 17.605,37 de capital e € 192,00 da taxa de justiça paga. No que respeita à causa de pedir, indicou, no lugar respectivo, que se tratava de "contrato de aluguer de longa duração", celebrado em 25.05.2001, e que o crédito se referia ao período de 25.05.2001 a 30.04.2007. Indicou ainda que se tratava de "obrigação emergente de transacção comercial (DL n° 32/2003, de 17 de Fevereiro)". Foi proferido douto despacho que absolveu a requerida da instância, com o fundamento de que o requerente usou de forma indevida a providência de injunção prevista no artigo 7º do DL nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, numa situação em que não se mostram preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para tal. Não se conformando com o referido despacho, dele recorreu a requerente, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - A transacção que esteve na base da injunção é comercial. 2ª - Trata-se da violação de um contrato de aluguer de automóvel de longa duração, por parte da requerida, esta última, também comerciante. 3ª - A decisão recorrida padece, e salvo o muito e devido respeito, de um grave erro nos pressupostos de facto, uma vez que não aceitou como comercial, uma transacção que preenche todos os requisitos de um acto de comércio. 4ª - Não faz sentido dizer-se que só as pessoas colectivas é que podem ser comerciantes e consequentemente, praticar actos de comércio (violação do disposto no artigo 2° do C, Comercial e do disposto na alínea b) do art.º 3° do DL 32/03). Termina pedindo que seja revogado o despacho recorrido e substituído por outro que aceite a injunção, uma vez que a mesma assenta no incumprimento de uma transacção comercial. Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO A- Fundamentação de facto A matéria de facto a considerar no presente recurso é a que consta do presente relatório. B- Fundamentação de direito Dispõe o art.º 7° do regime aprovado pelo Decreto-Lei n° 269/98, de 1/9, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 32/2003, de 17/2, o seguinte: “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o art.º 1° do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n° 32/2003, de 17 de Fevereiro”. Por seu turno, preceitua o artigo art.º 1° do DL 269/98, de 1/9, na redacção dada pelo DL n° 107/2005, de 1 de Junho o seguinte: “ É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma”. Esta providência só é admissível quando se destine a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da Relação, ou quando tem por fim exigir o cumprimento das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n° 32/2003, de 17 de Fevereiro. Sendo de 17.797,37 euros o valor do presente procedimento, está fora de questão a situação referida em primeiro lugar, pois ultrapassa a alçada da Relação que é de 14.963,94 euros - nº1 do artigo 24 da Lei nº3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ). Mas poderá ter lugar se tiver fim exigir o cumprimento das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n° 32/2003, de 17 de Fevereiro. Importa verificar se a situação se subsume a esta finalidade. O art.º 2º do DL 32/2003, de 17.2 (que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 2000), dispõe: “1 – O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais. 2 – São excluídos da sua aplicação: a) Os contratos celebrados com consumidores; b) … c) …”. Afirma Salvador da Costa,[1] que o conceito de transacção comercial está utilizado no texto legal em sentido amplo, abrangendo qualquer transacção entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra remuneração - art. 3º alínea a) do DL 32/2003. E acrescenta que os sujeitos das transacções comerciais a que este normativo se reporta são susceptíveis de englobar as empresas privadas em geral, as pessoas colectivas públicas e os profissionais liberais. Por outro lado, o conceito de empresa também está utilizado em sentido amplo, abrangendo qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por uma pessoa singular - art.º 3º, alínea b). O nº 2 alínea a) do artigo 2º exclui do âmbito de aplicação do diploma os contratos celebrados com os consumidores, e estes são as pessoas a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos destinados a um uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios - art.º 2º nº 1 da Lei 24/96, de 31de Julho. Trata-se de um conceito de consumidor sensivelmente idêntico ao consagrado no direito comunitário, em que se integra a Directiva 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 2000, publicada no Jornal Oficial nº L 200, de 8.8.2000, p. 35 a 38, englobando a pessoa singular que nos contratos abrangidos por este diploma actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional. A providência, nos casos em que o valor da dívida é superior á alçada do Tribunal da Relação, “não pode ser usada contra os consumidores”[2]. No que respeita à aplicação do regime da injunção dispõe o n° 1 do artigo 7° do DL n° 32/ 2003 que "o atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida". Portanto, o autor pode exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, independentemente do seu valor, através da providência de injunção, desde que não se trate de um contrato celebrado com consumidores. Ora, a requerida é uma pessoa singular e não se enquadra no conceito de empresa, pois nem sequer foi alegado pela requerente que desenvolve uma actividade económica ou profissional autónoma que possa ser considerada como uma empresa. O requerimento inicial apenas identifica a requerida pelo nome e sem qualquer outra designação e que se trata de um contrato de aluguer de longa duração, o que inequivocamente indicia que é um consumidor e não uma pessoa singular que exerça e desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, de forma a poder ser considerada uma empresa. Sendo assim, não podemos concluir como pretende a agravante que a transacção tem natureza comercial. Por isso, tal como foi decido na primeira instância, a requerente fez uso indevido e inadequado desta providência, o que configura uma excepção dilatória inominada e que conduz à absolvição da requerida da instância. Devem, pois, improceder as conclusões das alegações da recorrente. III - DECISÃO Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se o despacho recorrido. Custas pela agravante. Lisboa, 08 de Novembro de 2007 Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais Carla Mendes __________________________________________________________ [1] A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5.ª ed., p. 155 e 156. [2] AC. RP de 26.09.2005, in CJ IV/2005. 177. |