Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
107/10.6TBCSC.L1-6
Relator: ANTÓNIO MARTINS
Descritores: FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA
INTERESSE PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Não existindo uma relação contratual entre a 2ª A. e qualquer das RR, aquela não pode ser qualificada como um “cliente” ou “consumidor”, na terminologia do art.º 3º do DL 29/2006 de 15.02 e art.º 9º do Regulamento de Relações Comerciais do Sector Eléctrico (RRCSE), pelo que não ocorre fundamento para, com base na responsabilidade civil contratual, ser aquela A. indemnizada de eventuais prejuízos decorrentes dum eventual incumprimento do contrato de compra e venda de electricidade para consumo celebrado entre o 1º A e a 1ª R.
- Sendo a R. inicialmente demandada totalmente alheia, em termos factuais, à concretização da suspensão (vulgo, corte) do fornecimento de energia eléctrica e tendo sido a R. interveniente quem procedeu a tal suspensão, não se verificam os pressupostos para aquela R. ser responsabilizada pelos danos resultantes da suspensão/corte ou do não restabelecimento da energia eléctrica.
- Tendo a interrupção do fornecimento de energia eléctrica sido solicitada por um Município, tendo em vista proceder à demolição de construções, não pode deixar de se qualificar aquela interrupção como determinada por “razões de interesse público”, pois se consideram como tais, nos termos do art.º 51º nº 1 do RRCSE, entre outras, as interrupções “determinadas por entidade administrativa competente”.
- O restabelecimento do fornecimento de energia eléctrica, que tenha sido interrompido por razões de interesse público na sequência de determinação de entidade administrativa, não pode ser efectuado sem “autorização prévia” desta entidade, como se preceitua na parte final do nº 1 do artº 51º do RRCSE.
- Não tendo ocorrido esta autorização prévia (aliás nem sequer alegada), não pode a 2ª A. responsabilizar a R. interveniente por eventuais danos resultantes do não restabelecimento da energia eléctrica, não existindo assim fundamento para a pretensão indemnizatória peticionada.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO

1. Os AA instauraram contra a R. e ainda o Município de C[1] a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário[2] pedindo: (i) que o tribunal decrete que é válido e está em vigor o contrato nº 9001777371 celebrado com o A, que abastece um determinado prédio, que identifica e que foi ilegal e injustificada a suspensão do serviço promovida pela R, respeitante a tal contrato; (ii) a condenação da R no pagamento das seguintes quantias: € 6 360,00 como compensação pela quantia despendida pela A. com o aluguer de um gerador durante todo o período que durou a suspensão do serviço; € 23 137,48 a título de compensação pelas quantias despendidas pela A. com o consumo de combustível efectuado pelo gerador colocado no prédio durante o período de suspensão de fornecimento de energia eléctrica; € 2 400,00 a título de despesas bancárias e juros respeitantes ao financiamento indicado no art.º 55º da p.i., valores a que deverão acrescer juros vincendos desde a citação da R e até integral pagamento.

Alegam, em resumo, que a R suspendeu, sem qualquer comunicação aos AA e ilegalmente, o fornecimento de energia eléctrica ao prédio identificado, estando em vigor e válido contrato de fornecimento celebrado pelo A., o que impediu a A de ter acesso à energia eléctrica que lhe era fornecida, com vista ao desenvolvimento da sua actividade naquele prédio, que tinha arrendado ao A.

Mais alegam que a R., não obstante na posse de informação sobre a existência de um procedimento cautelar e a consequente suspensão do acto administrativo invocado pelo Município de C para proceder à demolição de construções não licenciadas existentes no imóvel e que esteve na origem da solicitação do Município à R para proceder ao corte de energia, nunca cuidou de restabelecer voluntariamente o serviço e não respondeu às reclamações efectuadas.

Finalmente alegam que tiveram prejuízos durante todo o tempo (234 dias) em que durou a suspensão do fornecimento de energia, tendo a A despendido avultadas quantias na locação de um aparelho gerador e no consumo médio diário, por esse aparelho, de 100 litros de gasóleo e, mesmo assim, a A viu-se forçada a laborar de forma deficiente, a que acresce ter-se visto obrigada, por virtude destes factos, a recorrer ao crédito bancário, por forma a poder pagar vencimentos e honrar os seus compromissos.   

Concluem que foi ilegal a suspensão do serviço de fornecimento de energia eléctrica operada pela R, a pedido do Município de C e que a R é responsável pelos prejuízos sofridos pela A.

           Contestou a R. pedindo a procedência das excepções invocadas, entre elas a sua ilegitimidade e a improcedência dos pedidos formulados.

           Estriba a sua defesa alegando a inexistência de relação contratual entre a A e a R. e que o abastecimento de energia eléctrica foi suspenso por solicitação e determinação do Município de C, por imperativo de segurança e de interesse público, dado este pretender proceder à demolição de um conjunto de construções não licenciadas, impugnando ainda os alegados prejuízos.    

    Na resposta à contestação os AA pugnaram pela improcedência das excepções invocadas e deduziram incidente de intervenção provocada da interveniente supra identificada.

            Na sequência de ter sido admitido este incidente e citada a interveniente, veio esta aos autos declarar que fazia seu o articulado apresentado pela R.

           Foi elaborado o despacho saneador, aí se concluindo pela competência do tribunal e julgada improcedente a excepção de ilegitimidade arguida pela R, assim como se concluiu pela verificação dos restantes pressupostos processuais, inexistência de nulidades, outras excepções dilatórias ou peremptórias, bem como questões prévias de conhecimento oficioso.

            Procedeu-se à selecção dos factos assentes e à elaboração da base instrutória, sem reclamação.

2. Prosseguindo o processo os seus regulares termos, veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as RR dos pedidos formulados.

3. É desta decisão que, inconformados, os AA vêm apelar, pretendendo a revogação da decisão recorrida e a condenação das RR a pagar-lhes os montantes peticionados, terminando as alegações com as seguintes conclusões:

I. Quanto à matéria constante dos pontos 1 a 35 da matéria considerada como provada pelo tribunal a quo nenhum reparo merece a decisão ora em crise;

II. Contudo não se conformam os AA que o tribunal a quo tenha considerado não provados os factos 3 a 5 da matéria de facto não provada;

III. Como resultará demonstrado, mal andou o tribunal a quo ao decidir neste sentido;

IV. Deveria o tribunal recorrido ter considerado provado que:

- em resultado do referido em 33º. 34º e 35º, a A., por falta de liquidez, viu-se forçada e obrigada a recorrer a crédito bancário no montante de € 22 500,00 (art.º 29º da b. i.);

- por forma a poder pagar os vencimentos dos seus 17 funcionários (art.º 30º da b.i.);

- o financiamento referido em 29º obrigou a um pagamento de juros e despesas bancárias que ascendem ao montante de € 2 400,00 (art.º 31º da b.i.).

V. Na verdade, conforme consta dos documentos juntos como docs 276 e segs e dos depoimentos prestados em sede audiência de discussão e julgamento mal andou o tribunal a quo ao dar tais factos como não provados;

VI. A testemunha AF esclareceu que é funcionária da A desde 2008, ter conhecimento da existência do litígio entre a sua entidade patronal e a R, esclarecendo que ela própria contactou a R para que fossem esclarecidas as razões que levaram à suspensão do fornecimento de energia eléctrica, ao mesmo tempo que, adiante, esclareceu que a sua entidade patronal se viu obrigada a recorrer ao crédito bancário por forma a fazer face aos pagamentos que tinha a fazer aos seus credores, sobretudo por força do acréscimo de custos inerentes à sua actividade em resultado do corte ocorrido no fornecimento de energia eléctrica;

VII. Estes elementos, conjugados com os demais já referidos que fazem prova directa dos factos alegados, deveriam ter levado o tribunal a dar como provados os factos respeitantes aos pontos 3, 4 e 5 da matéria considerada como não provada;

VIII. Considerando a factualidade atrás descrita e a demais matéria assente bem se vê Venerandos Senhores Desembargadores que deveria ser outra a decisão proferida pelo tribunal a quo;

IX. Provaram os AA que contrataram com as RR a prestação de serviços de fornecimento de energia eléctrica – cfr. ponto 1 da matéria de facto assente;

X. Provaram os AA que as RR, nomeadamente a R R-Distribuição, S.A. procedeu ao corte do abastecimento da energia eléctrica sem aviso prévio – cfr. ponto 4 e 6 da matéria de facto assente; que o serviço apenas foi reposto após a determinação proferida pelo tribunal a quo no âmbito do procedimento cautelar apenso aos presentes autos - cfr. ponto 5 da matéria de facto assente; que as RR tiveram conhecimento do procedimento cautelar e da suspensão do acto administrativo em causa após o corte da energia eléctrica - cfr. ponto 18 da matéria de facto assente;

XI. Provaram ainda os AA ter contactado inúmeras vezes os serviços da RR, sem que no entanto o serviço de fornecimento de energia eléctrica fosse reposto, o que apenas aconteceu por ordem do tribunal e passados largos meses - cfr. pontos 22 a 28 da matéria de facto assente;

XII. É ilegal e errónea a interpretação que o tribunal a quo faz do regulamento de relações comerciais do sector eléctrico (doravante RRCSE);

XIII. Se é certo que os AA se conformam com o entendimento respeitante à legitimidade da ordem emanada da autoridade administrativa no entanto a verdade é que ficam esquecidas duas questões que resultam dos autos e da lei a aplicar e que o tribunal a quo ignorou;

XIV. Conforme resulta do art.º 47º do RRCSE a interrupção, mesmo quando determinada por razões de interesse público, deverá ser precedida de aviso aos interessados;

XV. Dos autos resulta provado, cfr. ponto 6 da matéria de facto assente, que as RR procederam ao corte do fornecimento de energia eléctrica sem qualquer aviso, o que poderiam ter feito, não havendo razão legal ou factual para tal comportamento já que as RR foram avisadas que teriam de comparecer para o aludido corte em 4 de Fevereiro de 2009 e ainda assim não avisaram os AA que iriam proceder à remoção do ramal;

XVI. No que respeita ao disposto no art.º 47º do RRCSE diga-se que as RR tomaram conhecimento da intervenção em causa, atempadamente, e podendo ter cumprido a lei não o fizeram;

XVII. Acresce Venerandos Senhores Desembargadores que as RR tomaram conhecimento da suspensão de eficácia do acto após o corte, cfr. ponto 18 da matéria de facto assente, e ainda assim não procederam à religação.

XVIII. Ainda que se admitisse que a ordem era legítima e que as RR não poderiam actuar de outra maneira e mesmo considerando a falta de aviso em que incorreram, violando o disposto no art.º 47º do RRCSE, a verdade é que as RR mantiveram o incumprimento do contrato, mesmo após terem conhecimento da suspensão de eficácia do acto administrativo.  

XIX. Acresce que as RR foram diversas vezes contactadas pelos AA, inclusive pelo seu mandatário, e não procederam à religação do serviço, cfr. pontos 22 a 28 da matéria de facto assente, tendo sido este o comportamento que provocou os prejuízos reclamados.

XX. Conforme resulta do ponto 29 da matéria de facto assente, os prejuízos reclamados são decorrentes do protelar no tempo deste comportamento, entenda-se recusa em proceder à religação e não resultantes do acto ocorrido em 09 de Fevereiro de 2009;

XXI. Conhecendo as RR que o acto administrativo havia sido suspenso, no âmbito do processo nº 127/09.3BESNT, art.º 128º nº 1 do CPTA, bem se vê que deveriam estas, com a diligência que lhes era exigível, ter reposto a legalidade, evitando a verificação dos prejuízos causados à A;

XXII. Salvo melhor opinião e com o devido respeito Venerandos Senhores Desembargadores, por referência ao vertido no art.º 51º do RRCSE, não podem as RR com este argumento justificar a legitimidade do seu comportamento sob pena de tal entendimento levar a considerar que as autarquias e demais entidades estão acima da lei;

XXIII. Se a ordem que legitimava o corte estava suspensa entender que por via do art.º 51º não poderia ocorrer religação é exigir que seja proferida uma determinação para repor a legalidade de um acto que em bom rigor não foi executado, o que não é aceitável.

XXIV. Naturalmente que as decisões dos tribunais, pelo menos assim o julgam os AA., se sobrepõem às decisões administrativas, sobretudo quando estas se encontram suspensas na sua execução.

XXV. Saliente-se, Venerandos Senhores Desembargadores, que as RR apenas repuseram a legalidade mais de nove meses após a ocorrência destes factos, tempo mais que suficiente para que as RR avaliassem a legalidade do seu comportamento, sobretudo porque estavam a ser interpeladas pelos AA para esclarecer o sucedido, interpelações a que inexplicavelmente nunca responderam, cfr. pontos 23 a 28 da matéria de facto assente.

XXVI. A interpretação que o tribunal a quo faz dos art.ºs 47º e 51º do RRCSE implica que se entenda que as entidades administrativas e outras vinculadas à lei na sua actividade não estão sujeitas ao respeito pelas decisões judiciais e consequências delas decorrentes, entendimento com o qual os AA não se conformam.

XXVII. A interpretação que o tribunal a quo faz do art.º 51º do RCSE apenas se aceita para os casos em que não existe ordem judicial que anule, revogue ou suspenda o acto administrativo que originou ou legitimaria tal comportamento, o que no caso dos presentes autos aconteceu com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

XXVIII. Acresce Venerandos Senhores Desembargadores que para além do corte não ser necessário para a demolição bem se vê que a operação em causa poderia ser executada com a mera suspensão temporária do serviço, o que resulta provado pelo facto de mais tarde ter sido, voluntariamente e pela A reposta a legalidade urbanística sem que fosse necessária a suspensão do serviço de fornecimento de energia eléctrica, isto depois do mesmo ter sido reposto por ordem do tribunal a quo em Novembro de 2009.  

4. As apeladas apresentaram contra-alegações, pedindo a improcedência do recurso e “à cautela e a título subsidiário, para o caso de proceder a impugnação da matéria de facto levada a cabo pelas recorrentes, as recorridas requerem, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º do CPC a ampliação do âmbito do recurso, impugnando a decisão proferida quanto aos pontos 33 a 35 da fundamentação de facto da sentença recorrida”.

Terminam as contra-alegações, no que tange à ampliação do recurso, com as seguintes conclusões:

7ª – Quanto à ampliação do âmbito do recurso quanto á matéria de facto, esta resulta de ter sido dado como provado que:

33) O aparelho gerador não permitia o funcionamento das máquinas de triturar o entulho (artigo 26.º da base instrutória).

34) O que obrigou a 2ª Autora a realizar um número superior de viagens para entrega do entulho no vazadouro legal no período referido em 22) (artigo 27.º da base instrutória).

35) Aumentando o dispêndio de combustível e o desgaste das viaturas (artigo 28.º da base instrutória).

8ª – Pois, esta argumentação é completamente insustentável do ponto de vista técnico.

9ª - Conforme diversas facturas juntas aos autos referentes ao fornecimento de energia eléctrica ao segundo autor, este contratou uma potência de 27,6 KVA que mais tarde aumentou para 41,4 KVA.

10ª - De acordo com os documentos juntos aos autos e referentes ao aluguer dos geradores, a primeira recorrente começou por alugar um gerador de 150 KVA à VR que depois substitui por um de 60KVA alugado à P.C., Lda. Qualquer um dos geradores dispunha de uma potência superior à contratada com a R.

11ª – Resulta com clareza do depoimento de Engenheiro SS, como aliás, é de senso comum, que as máquinas não têm a virtualidade de “saber” de onde vem a energia eléctrica – se da rede ou de um gerador. O único aspecto relevante é a potência do gerador. Desde que seja igual ou superior (como era o caso) à potência que antes provinha da rede de energia eléctrica, não é razão para que as mesmas máquinas não funcionem.

12ª - Os problemas que os autores referem e que aparentemente se encontram ultrapassados em nada se podem relacionar com o facto de a energia provir de um gerador e não da rede geral de abastecimento de energia eléctrica.

13ª - Assim sendo e nestes termos deviam ter sido dado como não provados os factos que sustentam os pontos 33 a 35 da fundamentação fáctica da sentença recorrida.   

5. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto                       

1.1. Na decisão recorrida foram considerados como factos provados (f. p.), os seguintes:

1) O 1º Autor e a 1ª Ré declararam acordar na prestação de serviços de fornecimento de energia eléctrica, mediante o correlativo preço, para o prédio denominado ..., sito em ..., São Domingos de Rana, o que originou a atribuição ao primeiro do número de cliente 9001777371, encontrando-se, até à data, liquidadas todas as quantias devidas pela prestação do serviço (alínea A) dos factos assentes).

2) A 2ª Autora requereu uma providência cautelar contra o Município de C, que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal – Sintra, sob o nº 127/09.3BESNT, pela qual requereu a suspensão da eficácia de acto administrativo através do qual foi determinada a posse administrativa do terreno referido em 1) (alínea B) dos factos assentes).

3) A Câmara Municipal de C, por intermédio do Departamento de Polícia Municipal, enviou um fax datado de 4 de Fevereiro de 2009 para o número 210022161, que foi recebido, dirigido a “R – PIQUETE”, no qual consta, além do mais, que “A Câmara Municipal de C, vai proceder à demolição das construções referentes aos processos de demolição nºs 111/00, 113/00 e 69/07, sitas em ..., junto aos depósitos de água, ..., S. Domingos de Rana, no dia 09/02/2009, segunda-feira, pelas 9:00 horas. Assim, venho solicitar que V. Exa. Se digne disponibilizar o Piquete de modo a efectuar o corte de ligações e remoção de contadores caso seja necessário (…)”(alínea  C)  dos  factos assentes).

4) O serviço de fornecimento de energia eléctrica referente ao local referido em 1) foi suspenso no dia 9 de Fevereiro de 2009, ocasião em que o contador e o ramal foram retirados do local (alínea D) dos factos assentes).

5) O fornecimento de energia eléctrica no local referido em 1) foi reposto na sequência da decisão de 17 de Novembro de 2009, proferida nos autos de procedimento cautelar em apenso (alínea E) dos factos assentes).

6) Nenhuma das Rés comunicou aos Autores, com antecedência, a suspensão do serviço de fornecimento de energia eléctrica (alínea F) dos factos assentes).

7) O entulho, sem estar triturado, ocupa um maior número de metros cúbicos (alínea G) dos factos assentes).

8) A 1ª Ré tem por objecto, de acordo com o teor da certidão permanente a fls. 171-176, a “compra e venda de energia, sob a forma de electricidade e outras, em conformidade com as licenças de que for titular, e o exercício de actividades e prestações de serviços afins e complementares daquelas” (alínea H) dos factos assentes).

9) A 2ª Ré tem por objecto, de acordo com o teor da certidão permanente a fls. 177-184, a “distribuição de energia eléctrica, bem como a prestação de outros serviços acessórios ou complementares” (alínea I) dos factos assentes).

10) A reposição do fornecimento de energia eléctrica no local, bem como do respectivo ramal, não importou em qualquer custo adicional a cargo de qualquer um dos Autores (alínea J) dos factos assentes).

11) Por documento particular datado de 1 de Julho de 2008, o 1º Autor declarou dar de arrendamento à 2ª Autora, que, por seu turno, declarou tomar de arrendamento, o prédio referido em 1), pelo prazo de dez anos renováveis, e nos demais termos constantes do documento cuja cópia se encontra a fls. 16-19 dos autos em apenso (artigo 1.º da base instrutória).

12) A 2ª Autora exerce a sua actividade comercial no local (artigo 2.º da base instrutória).

13) O 1º Autor teve conhecimento da decisão que determinava a posse administrativa do prédio referido em 1) (resposta restrita ao artigo 3.º da base instrutória).

14) Porquanto a Autarquia pretendia executar a demolição de construções não licenciadas existentes no local (artigo 4.º da base instrutória).

15) Em resposta, os Autores informaram os serviços camarários que, à data, o prédio se encontrava ocupado pela 1ª Autora na qualidade de arrendatária (artigo 5.º da base instrutória).

16) O que não demoveu a Autarquia da sua intenção (artigo 6.º da base instrutória).

17) Razão pela qual a 1ª Autora requereu a providência cautelar referida em 2) (artigo 7.º da base instrutória).

18) As Rés tiveram conhecimento da existência do procedimento cautelar referido em 2), bem como de decisão judicial que terá determinado a suspensão do acto administrativo de tomada de posse administrativa com vista à execução e demolição de construções não licenciadas existentes no local, por parte da Autarquia, após a efectivação do corte de energia eléctrica (resposta restrita artigo 8.º e 9.º da base instrutória).

19) O serviço de “R – Piquete” referido em 3) pertence à R. R – Distribuição, SA. (artigo 11.º da base instrutória).

20) A suspensão do serviço de fornecimento de energia eléctrica e a retirada do contador e do ramal, nos termos referidos em 4), foi levado a efeito pela 2ª Ré (artigo 13.º da base instrutória).

21) A suspensão do serviço de fornecimento de energia eléctrica impediu a 2ª Autora de ter acesso à energia eléctrica que até então lhe era fornecida (artigo 14.º da base instrutória).

22) O serviço de fornecimento de energia eléctrica esteve suspenso por 234 dias (artigo 15.º da base instrutória).

23) Os Autores contactaram os serviços da 1ª Ré assim que verificaram a suspensão do serviço de fornecimento de energia eléctrica (artigo 16.º da base instrutória).

24) Em resposta, os serviços da 1ª Ré alegaram que desconheciam o corte e que o assunto estava em análise (artigo 17.º da base instrutória).

25) O 1º Autor, por intermédio do seu Ilustre Mandatário, enviou à 1ª Ré, que recebeu, a reclamação cuja cópia consta a fls. 47 dos autos de procedimento cautelar em apenso (artigo 18.º da base instrutória).

26) Não tendo obtido qualquer resposta (artigo 19.º da base instrutória).

27) O 1º Autor, por intermédio do seu Ilustre Mandatário, enviou à 1ª Ré, que recebeu, o fax cuja cópia consta a fls. 48 dos autos de procedimento cautelar em apenso (artigo 20.º da base instrutória).

28) Não tendo obtido qualquer resposta (artigo 21.º da base instrutória).

29) Em resultado da suspensão do serviço de fornecimento de energia eléctrica e do referido em 24º, 26º e 28º, a 2ª Autora viu-se forçada a contratar com a firma VR Lda., inicialmente, e com a P.C., S.A., posteriormente, a locação de um aparelho gerador (artigo 22.º da base instrutória).

30) O que importou na quantia de € 6.360,00 (artigo 23.º da base instrutória).

31) O aparelho gerador consumiu uma média de 100 litros de gasóleo por dia no período referido em 22) (artigo 24.º da base instrutória).

32) O que importou na quantia de € 21.649,68 (resposta restrita ao artigo 25.º da base instrutória).

33) O aparelho gerador não permitia o funcionamento das máquinas de triturar o entulho (artigo 26.º da base instrutória).

34) O que obrigou a 2ª Autora a realizar um número superior de viagens para entrega do entulho no vazadouro legal no período referido em 22) (artigo 27.º da base instrutória).

35) Aumentando o dispêndio de combustível e o desgaste das viaturas (artigo 28.º da base instrutória)


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1.2. Ainda na decisão recorrida foram considerados como factos não provados (f. n. p.), os seguintes:

1) O serviço R Piquete pertence à 1.ª R (artigo 10.º da base instrutória).

2) A suspensão do serviço de energia eléctrica e a retirada do contador e do ramal foi levada a cabo pela 1.ª R. (artigo 12.º da base instrutória).

3) Em resultado do referido em 33º, 34º e 35º, a 2ª Autora, por falta de liquidez, viu-se forçada e obrigada a recorrer a crédito bancário no montante de € 22.500,00 (artigo 29.º da base instrutória).

4) Por forma a poder pagar os vencimentos dos seus 17 funcionários (artigo 30.º da base instrutória).

5) O financiamento referido em 29º obrigou a um pagamento de juros e despesas bancárias que ascendem ao montante de € 2.400,00 (artigo 31.º da base instrutória).


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2. De direito

Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos art.ºs 635º nº 4 e 639º nº 1, ambos do Código de Processo Civil[3].

Decorre daquelas conclusões que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:

1ª: Houve erro na valoração da prova, no que tange aos nºs 3 a 5 dos f. n. p., devendo dar-se como provados os factos indicados na conclusão IV das alegações dos recorrentes?

2ª: A R e a interveniente incumpriram o contrato de fornecimento de energia eléctrica e mantiveram esse incumprimento ao recusarem-se a procederem à “religação do serviço” após conhecimento de que o acto administrativo do Município de C havia sido suspenso devendo, em consequência, serem condenadas no pagamento dos montantes peticionados?

Acresce dever tomar-se em consideração que, no caso de procedência da impugnação da decisão da matéria de facto suscitada no recurso dos apelantes, importa apreciar a questão suscitada nas contra-alegações das apeladas, de ampliação do âmbito do recurso, sendo então a questão a analisar a seguinte:

3ª: Houve erro na valoração da prova, quanto aos nºs 33 a 35 dos f. p., que deveriam ter sido dados como não provados?    

Vejamos pois.


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            2.1. Erro na valoração da prova no que tange aos nºs 3 a 5 dos f. n. p.

           Os apelantes discordam da decisão sobre os nºs 3 a 5 da matéria de facto julgada não provada, pretendendo que se considerem provados os factos indicados na conclusão IV das suas alegações e estribam tal discordância com a invocação da prova testemunhal e documental produzida.

Verifica-se assim, das alegações dos apelantes, que especificam os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, os meios probatórios em que se fundam e o sentido da decisão sobre aquelas questões de facto. Consideram-se desta forma preenchidos os pressupostos formais exigidos pelo art. 640º nº 1.    

Impõe-se pois a este tribunal de recurso dar cumprimento ao estatuído no art. 662º, alterando a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, desde logo a invocada pelos apelantes, impuser decisão diversa da adoptada no tribunal a quo. Para formular tal juízo impõe-se reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão de facto, considerando as alegações dos recorrentes e das recorridas, bem como atender oficiosamente a todos os elementos probatórios existentes nos autos.

Nesta reapreciação da prova, este tribunal não deve olvidar, antes pelo contrário, deve ter bem presente os princípios atinentes à produção de prova, como o da oralidade e da imediação, corolários do princípio da identidade do órgão julgador consagrado no art. 605º, além do princípio da livre convicção estabelecido no art. 607º nº 5.

O princípio da livre apreciação das provas traduz-se, como refere Carlos Matias[4], na ideia de que o “tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas”

Assim, não existindo, em princípio, prova tarifada, com uma valoração estabelecida legalmente sobre a qualidade das diversas provas e as características que as mesmas devem ter, como aconteceu em outras épocas do direito, por exemplo, com prevalência da prova documental sobre a prova testemunhal ou vice-versa e as características ou a quantidade das testemunhas para que determinado facto fosse considerado verdadeiro, também o Tribunal não pode julgar segundo o seu livre arbítrio.

Aquele princípio impõe, precisamente, que a “prudente convicção acerca de cada facto”, que rege a decisão dos juízes segundo o estabelecido no art. 607º nº 5 citado, se forme a partir do exame crítico e da ponderação das provas produzidas. Ou, no dizer do nº 4 do mesmo art. 607º, “analisando criticamente as provas” e não tendo por base uma convicção puramente subjectiva, insusceptivel de motivação.  

Aliás, quanto mais conseguida for a apreensão e compreensão da formação dessa convicção mais fácil será a aceitação dessa decisão, contribuindo-se dessa forma para a legitimação da decisão do tribunal. Por tudo isto, necessariamente, a convicção do tribunal de 1ª instância é susceptível de ser analisada pelo tribunal de recurso, através da reapreciação da prova.

A tarefa que se pede ao tribunal de 2ª instância era ilustrada expressivamente por Teixeira de Sousa[5] à luz do regime legal anterior, doutrina que se crê ainda hoje invocável, quando concluía que se trata de "através das regras da ciência, da lógica e da experiência, (…) controlar a razoabilidade daquela convicção [do tribunal de 1ª instância] sobre o julgamento do facto como provado ou não provado».


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            Vejamos agora o caso sub judicio.

Após a reapreciação da prova invocada pelos recorrentes, não deixando de ponderar a apreciação da prova realizada pelas apeladas nas contra-alegações, reapreciação feita por este tribunal nos termos atrás considerados como adequados e procedendo a uma análise crítica dessa prova e a todos os elementos probatórios ponderados pelo tribunal a quo, não podemos deixar de concluir que a convicção deste tribunal é perfeitamente razoável e que é adequada, ao dar como não provados os factos em causa.

Na fundamentação do tribunal a quo justificou-se assim a decisão quanto à não prova destes factos:

“Os demais factos 3) a 5) resultaram da escassez de prova suficiente e bastante que lograsse convencer o Tribunal que o empréstimo realizado tivesse como único motivo as dificuldades originadas pelo corte de energia, tanto mais que foram despendidos valores com o aluguer de gerador e com combustível, mas nesse mesmo período a A. deixou de pagar os fornecimentos de energia eléctrica, cujos valores não foram trazidos ao conhecimento do Tribunal, não sendo possível por isso efectuar qualquer juízo de ponderação”.

Ouvido o depoimento da testemunha invocada pelos apelantes, AF (funcionária administrativa na A desde 2008) e analisados os documentos referidos pelos apelantes (documentos particulares juntos a fls 276/307), não temos dúvidas em concluir que não assiste razão aos apelantes, quanto ao alegado erro na valoração da prova.

No que tange ao depoimento daquela testemunha, ele é tão vago e genérico,[6] que justifica inteiramente a asserção do tribunal a quo sobre a “escassez de prova”. Aliás, o mínimo que se pode dizer é que se compreende mal que os recorrentes pretextem, com base neste depoimento tão insuficiente, se considerem provados os factos que indicam na conclusão IV das suas alegações. Aliás, nem conjugando tal depoimento com a prova documental se pode fazer um juízo da provável ocorrência dos factos em causa. Atente-se que aqueles documentos são meros documentos particulares e os apelantes limitam-se a remeter para o que “consta dos documentos juntos como doc. 276 e segs”, não analisando nem concretizando qualquer um desses documentos que, na sua perspectiva, permitisse concluir pela prova dos factos em causa.

Assiste pois razão às apeladas quando argumentam que o depoimento em causa “é absolutamente omisso quanto à data e ao montante do empréstimo, taxa de juro, valor total dos juros pagos e valor dos encargos e despesas” e que a “prova documental, por seu lado, limita-se a uma impressão de origem desconhecida que nada esclarece”, isto no pressuposto de que se estão a referir ao documento particular de fls. 276/7, que é efectivamente um simples “print”, não permitindo aferir quem é o seu emitente.

Ora estando, como estamos, perante factos que não podem deixar de estar documentados na contabilidade da A, compreende-se mal que a prova dos mesmos não tivesse sido tentada fazer pelos meios normais e próprios, nomeadamente os extractos dessa contabilidade e documentação relacionada à entidade bancária, incluindo cópia do contrato de mútuo bancário, donde resultasse a prova do montante, da data e dos encargos suportados com o mútuo em causa, da situação económico-financeira da A antes desse mútuo e dos fluxos financeiros após essa entrada de capital na A.  

           Nesta medida não pode deixar de se concluir que improcedem as conclusões I a VIII das alegações das apelantes, não tendo fundamento o invocado erro de julgamento quanto à decisão sobre a matéria de facto que considerou não provados os factos descritos nos nºs 3 a 5 dos f. n. p., sendo negativa a resposta à 1ª questão supra equacionada.


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            2.2. Erro na valoração da prova quanto aos nºs 33 a 35 dos f. p.

As apeladas, nas contra-alegações, tinham ampliado o âmbito do recurso no que tange a erro na valoração da prova quanto aos nºs 33 a 35 dos f. p., ao abrigo do art.º 636º, a titulo subsidiário e para a hipótese de procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto por banda dos apelantes.

Ora, na medida em que improcede aquela pretensão dos apelantes, não haverá assim que conhecer da ampliação do recurso suscitada pelas apeladas.

Nesta medida decide-se não conhecer da ampliação do recurso.


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2.3. Incumprimento do contrato por banda da R e da interveniente

                       Na decisão recorrida justificou-se a improcedência da acção concluindo que, em face dos factos provados, não se teria provado que a actuação das RR tivesse sido “ilícita, nem culposa”, pelo que não existia “fundamento para a pretensão indemnizatória dos AA”.

                       Mais se considerou, naquela decisão, que mesmo que assim se não entendesse, “a relação contratual verifica-se [entre] a R e o 2.ºA, e os danos peticionados ocorreram na esfera jurídica da 1.ª A, com a qual nenhuma das RR teve qualquer relação comercial e contratual que lhe impusesse obrigações e lhe conferisse direitos”.

                        Os apelantes insurgem-se contra a decisão recorrida pretextando existir fundamento para a procedência da acção e “condenando-se as RR a pagar aos AA o montante peticionado”.

                       Ponderada a argumentação dos apelantes, não cremos que lhes assista razão, como a seguir se procurará evidenciar, ainda que sucintamente, porquanto a verdade é que naquelas alegações os apelantes pouco fazem para rebater os fundamentos da decisão recorrida, que se mostram assertivos.

                        Para começar convém clarificar que, ao contrário do que pretextam os apelantes, não está provado que “os AA … contrataram com as RR a prestação de serviços de fornecimento de energia eléctrica…” (cfr. conclusão IX das alegações). O que vem dado como provado é apenas a existência de um contrato daquela natureza entre “o 1º Autor e a 1ª Ré…” (cfr. nº 1 dos f. p.), a que a R interveniente é juridicamente alheia.

                        Logo por aqui se vê que, não existindo uma relação contratual entre a sociedade A e qualquer das RR, aquela não pode ser qualificada como um “cliente” ou “consumidor”, na terminologia do art.º 3º do DL 29/2006 de 15.02 e art.º 9º do Regulamento de Relações Comerciais do Sector Eléctrico (RRCSE)[7], não se vislumbra fundamento para, com base na responsabilidade civil contratual, ser aquela A indemnizada de eventuais prejuízos decorrentes dum eventual incumprimento do contrato celebrado entre o A e a R demandada (designados nos factos provados como “1º Autor” e “1ª Ré”, respectivamente).    

                       Igualmente não vem dado como provado, ao contrário do que parece alegado nas conclusões X e XV das alegações, que ambas as RR procederam ao corte do abastecimento de energia eléctrica. Na verdade, o que se encontra provado é que apenas (e não “nomeadamente” – cfr. conclusão X das alegações) a R interveniente procedeu à suspensão (vulgo, corte) do fornecimento de energia eléctrica (cfr. nºs 3, 4 e 19 dos f. p.), sendo a R inicialmente demandada totalmente alheia, em termos factuais, à concretização dessa suspensão.

                  Nesta medida também não se vislumbra em que medida e com que fundamento é que a R inicialmente demandada, não tendo realizado a acção de suspensão ou corte do fornecimento de energia eléctrica, pode ser responsabilizada por acto de uma outra pessoa colectiva.

                      Acresce, ainda, que igualmente se mostram incorrectas as afirmações dos recorrentes de que provaram “os AA ter contactado inúmeras vezes os serviços das RR, sem que no entanto o serviço de fornecimento de energia eléctrica fosse reposto…” (cfr. conclusão XI) e que “as RR foram diversas vezes contactadas … e não procederam à religação do serviço” (cfr. conclusão XIX). Com efeito, o que se mostra provado, quanto a este aspecto, são apenas os contactos dos AA ou seu mandatário com a “1ª Ré” e não com ambas (cfr. nºs 23 a 28 dos f. p.).

                   Consequentemente, não tendo os AA contactado os serviços da R interveniente, não lhes assiste razão em fundarem a responsabilidade desta R, na omissão de resposta à solicitação dos AA.                         

           Quanto à argumentação dos apelantes, de que é ilegal e errónea a interpretação feita pelo tribunal a quo do Regulamento de Relações Comerciais do Sector Eléctrico, não cremos que seja de acolher.

           O contrato celebrado entre o A e a 1ª R (e apenas entre estes, repete-se, sendo pois a A sociedade um terceiro em relação a tal contrato) é de qualificar como um contrato de compra e venda de electricidade para consumo, considerando o disposto no art.º 42º nº 3 do DL 29/2006 de 15.02, que prevê precisamente a comercialização de electricidade “a clientes finais ou outros agentes”, através da “celebração de contratos bilaterais”.

          Assim, nos termos do nº 5 daquele art.º 42º, “o fornecimento de eletricidade, salvo casos fortuitos ou de força maior, só pode ser interrompido por razões de interesse público, de serviço ou de segurança, ou por facto imputável ao cliente ou a terceiros, nos termos previstos no Regulamento das Relações Comerciais”, igualmente se prevendo no art.º 48º nº 3 deste Regulamento, sob a epígrafe, “Obrigação de fornecimento de electricidade”, que “o fornecimento, salvo casos fortuitos ou de força maior, só pode ser interrompido por razões de interesse público, de serviço ou de segurança, ou por facto imputável ao cliente ou a terceiros, nos termos previstos no Regulamento de Relações Comerciais”.

          Na decisão recorrida considerou-se justificada e lícita a interrupção do fornecimento de energia eléctrica levada a cabo pela R interveniente em face das “razões de interesse público” invocadas, aliás como tal previstas nos art.ºs 49º nº 1 al. b) e 51º nº 1, do RRCSE, aplicável considerando a data dos factos aqui em causa (09.02.2009 – cfr. nº 4 dos f. p.).            

          E, na verdade, considerando que a interrupção do fornecimento de energia eléctrica foi solicitada pelo Município de C, tendo em vista proceder à demolição de construções (cfr. nº 3 dos f. p.), não pode deixar de se qualificar a interrupção em causa como determinada por “razões de interesse público”, pois se consideram como tais, nos termos do art.º 51º nº 1 do RRCSE, entre outras, as interrupções “determinadas por entidade administrativa competente”.

            Nem se diga, como pretextam os apelantes, que “resulta do art.º 47º do RRCSE” que, mesmo nesses casos, de interesse público a interrupção do fornecimento de energia eléctrica deveria ser precedida de aviso aos interessados (cfr. conclusão XIV).

           Com efeito, além de o invocado art.º 47º do RRCSE não tratar de qualquer aviso mas antes do “modo e prazo de pagamento” entre diversos operadores de rede, como resulta da sua epígrafe, não cremos que o aviso previsto no nº 2 do art.º 51º se destine a situações como a dos autos, pois neste caso os AA estavam já anteriormente avisados pela entidade administrativa, da demolição das edificações, o que implicaria, necessariamente, o corte de energia eléctrica, até por razões de segurança.

           Acresce que, mesmo a admitir-se ter ocorrido um incumprimento por parte da R interveniente, quanto à falta do aviso em causa, esse facto não tem qualquer nexo causal com os danos peticionados pela A. Como os próprios apelantes admitem “os prejuízos reclamados são decorrentes do protelar no tempo deste comportamento, entenda-se recusa em proceder à religação e não resultantes do acto ocorrido em 9 de Fevereiro de 2009” (cfr. conclusão XX das alegações).

           Nessa medida, essa “questão” da falta de aviso aos interessados, que o tribunal a quo teria ignorado na perspectiva dos apelantes (cfr. conclusão XIII), não é fundamento suficiente para justificar a condenação das RR, pois não ocorre qualquer nexo de causalidade entre essa acção e os invocados prejuízos.

           Acresce, quanto à outra questão, a “recusa em proceder à religação”, que também não vemos que por essa via assista razão aos apelantes na pretendida condenação das RR. Com efeito, pese embora ambas as RR tenham tinham tido conhecimento da existência do procedimento cautelar, bem como da decisão judicial que terá determinado a suspensão do acto administrativo de tomada de posse administrativa com vista à execução e demolição de construções não licenciadas existentes no local (cfr. nº 18 dos f. p.), os AA apenas contactaram e reclamaram junto da 1ª R (cfr. nºs 23 a 28 dos f. p.)., que não é a entidade que procede à interrupção ou “religação” do fornecimento de energia eléctrica, sendo essa entidade a R. interveniente (cfr. nº 9 dos f. p. e art.ºs 36º e 43º do DL 29/2006), a qual os AA não alegaram nem provaram ter contactado e que a mesma se tenha recusado em proceder à religação.

           Nem se argumente que, a partir do momento em que a R interveniente teve conhecimento da decisão judicial que terá determinado a suspensão do acto administrativo de tomada de posse administrativa por parte do Município de C, deveria ter procedido ao restabelecimento da energia eléctrica, mesmo sem solicitação dos AA.

            Não cremos que assim seja.

            Com efeito, além de, como se salienta na decisão recorrida, as RR não serem parte na providência cautelar em causa e, consequentemente, as decisões proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal não as vincularem, acresce que “o restabelecimento do fornecimento de energia eléctrica”, que tenha sido interrompido por razões de interesse público na sequência de determinação de entidade administrativa, “fica sujeito a autorização prévia” dessa entidade, como se preceitua na parte final do nº 1 do artº 51º do RRCSE.

            Nem se invoque, como pretextam os apelantes, que uma tal interpretação leva “a considerar que as autarquias e demais entidades estão acima da lei” e a não ponderar que “as decisões dos tribunais … se sobrepõem às decisões administrativas” (cfr. conclusões XXII e XXIV das alegações).

           É inquestionável que as decisões dos tribunais se sobrepõem às decisões administrativas. Mas nos limites do caso julgado e, como se disse, as RR não eram parte na providência cautelar, pelo que a decisão aí proferida não as vinculava. Quanto à autarquia, também é inquestionável que não está acima da lei, mas não deviam os AA olvidar que foram eles a deixá-la de fora da eventual responsabilidade pois, tendo-a demandado inicialmente nesta acção, vieram desistir da instância quanto à mesma. A tal circunstância não terá sido estranho o facto de os próprios AA reconhecerem, ou conformarem-se, “com o entendimento respeitante à legitimidade da ordem emanada da autoridade administrativa” quanto às demolições (cfr. conclusão XIII das alegações), admitindo mesmo expressamente no corpo das alegações que “vieram a cumprir com a demolição das construções …, o que foi executado pela A. D.S., S.A. logo que, ao tomar conhecimento das peças processuais e contornos do processo administrativo verificou que a construção era ilegal” (cfr. fls 445)  

           Consequentemente, não tendo ocorrido esta autorização prévia (aliás nem sequer alegada pelos AA), não podem os AA, mais especificamente a A, responsabilizar a R interveniente por eventuais danos, pelo que não merece censura a decisão recorrida quanto conclui que “não existe fundamento para a pretensão indemnizatória dos AA”.

           Em conclusão, improcedem as demais conclusões das alegações dos apelantes, sendo negativa a resposta à 2ª questão supra equacionada, pelo que se impõe julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.                            


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III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que integram a 6ª Secção Cível deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Custas da acção dos apelantes – cfr. art.º 527º nº 1.


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   Lisboa, 21.05.2015

 António Martins

 Maria Teresa Soares

 Maria de Deus Correia


[1]     Tendo os AA entretanto desistido da instância contra este R, desistência julgada válida por sentença transitada em julgado.
[2]     Proc. nº 107/10.6TBCSC.L1 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Cascais e, actualmente, da Comarca de Lisboa Oeste – Cascais – Instância Local – Secção Cível – J1 
[3]     Aprovado pelo art.º 1º da Lei nº 41/2013 de 26.06, aplicável aos presentes autos nesta fase de recurso, por força do disposto nos art.ºs 5º nº 1 e 7º nº 1, ambos da citada lei, este último à contrário sensu, código a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicção.
[4]      Revista Sub Júdice, nº 4, Provas e Sinais, pág. 148.
[5]      In Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 348.

[6]     Limita-se a afirmar: “Isto está relacionado com um empréstimo…”.
[7]     Regulamento constante do anexo I ao Despacho nº 22 393/2008 de 14.08.2008, da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, publicado no DR, 2ª Série, nº 167 de 29.08.2008.