Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3/16.3SPLSB.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: CONDUÇÃO SOB A INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL
TAXA DE ALCOOLÉMIA
ERRO
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Quando conste do exame laboratorial, quer seja devido à não Avaliação/Acreditação dos serviços ou procedimentos (ou outra circunstância ), no resultado final, uma variável, de +- 0,20g/l., tal deve ser considerada uma margem de erro a deduzir ao resultado apurado.

II - Ao ignorar essa margem de erro Tribunal incorreu em erro notório na apreciação da prova.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO.

No processo comum supra identificado, do Juízo Local Criminal de Lisboa-J6, do Tribunal da Comarca de Lisboa, foi julgado o arguido A..., (…) , tendo ali sido proferida sentença que o condenou como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p.p. pelo artigo 292 -1 e artº 69-1, ambos do Código Penal, na pena de 65 dias de multa à taxa diária de 8 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses e 15 dias.

  Inconformado com a decisão, o arguido veio interpor recurso da sentença, juntando a motivação de fls.309 a 317 dos autos, concluindo:

(transcreve-se)

I - O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez. p. e p. no art. 292°, n.º 1 do Código Penal, bem como no art. 69°, n.º 1 do mesmo diploma legal, na pena de sessenta e cinco dias de multa à taxa diária de 8,00 e em pena acessória de proibição de condução de veículo a motor por um período de três meses e quinze dias. O douto Tribunal a quo deu como provados os pontos 1,2,3,4,5,6 e 7, ou seja, que "1. No dia 4 de Dezembro de 2015 o arguido conduzia o triciclo tuk tuk ... transportando como passageira I…". Ora como resulta das doutas motivações o douto Tribunal a quo deu como provado este facto porque a testemunha F…, referiu ao Tribunal que nesse dia a viatura tuk tuk em causa tinha sido entregue ao arguido, mas não referiu que o viu guia, nem poderia porque não estava no local não o / viu conduzir nem assistiu ao acidente, como muito bem refere a douta sentença.

II - Não se poderá deduzir que era o arguido que estaria a conduzir, será que não levou alguém consigo que conduziu? Ou será que deixou a I… conduzir? Seria ela a condutora? Teria o recorrente emprestado a outra pessoa para conduzi-lo? Muitas outras perguntas poderiam ser feitas e a resposta não levaria à conclusão como fez o douto Tribunal, optando pelo princípio da presunção da culpa proibido por lei!

III - A testemunha P… agente da PSP chegou ao local muito depois do acidente, logo não assistiu, não presenciou, não poderá dizer quem estaria a conduzir. A única pessoa que poderia testemunhar I…, no entanto, foi prescindida pelo Ministério Público.

IV - Como resulta da própria sentença não houve testemunhas presenciais dos factos, isto é que viram o arguido a conduzirem, nem tão pouco o acidente.

V - Nem poderia dar como provado que "2. O arguido - condutor de tuk tuk de profissão - conduzia no exercício da sua actividade, ao serviço da sociedade B…, Lda." O facto de o arguido ter como profissão condutor de tuk tuk, por si só, não fará prova que naquela data e hora seria o condutor.

VI- Nem se poderá concluir como o fez nos pontos 3 a 6 que "O arguido conduzia o veículo com uma taxa de álcool no sangue de 1,57 g/l" e que 4 ... soubesse que não podia conduzir após ter ingerido bebidas alcoólicas, ... "5. O arguido sabia ser a sua conduta proibida por lei."

"6.Sabia que estava no exercício da sua actividade profissional" ainda assim, quis, levar a cabo tal conduta ... "

VII - A douta sentença está ferida de nulidade prevista no art. 410, n.º 1, aI. a), que desde já se argui e deverão estes factos serem renovados já que em momento algum se provou que o arguido era o condutor do tuk tuk referido à data e hora identificadas nos autos.

VIII - Assim como o ponto 7 que deu como provado que o arguido "Vive com a companheira e tem um filho pequeno", contudo o que ficou provado, de acordo com as declarações do arguido, prestada em audiência de julgamento, de 23/02/2017, gravado entre as 10:38:49 e as 10:41 :08 vive com uma companheira e duas filhas de 8 e 1 ano de idade e a namorada está grávida, paga 300,00€ renda da casa, 165,00€ da ama das menores e aufere cerca de 3,00€/h e a namorada não trabalha. Também este ponto da douta sentença deverá ser renovado.

IX - Afirma a douta Sentença que é convicção do Tribunal da culpabilidade do arguido, indo para além do que é permitido por lei violando assim o artigo 127°, do C. P. P ou seja, o principio da livre apreciação da prova.

X - As testemunhas ouvidas em julgamento, não presenciaram os factos! Uma nem se quer esteve no local e a outra chegou muito mais tarde e o recorrente foi encontrado distante do local onde o tuk tuk se despistou. Não se produziu prova consistente contra o arguido, pelo que entendemos, com o devido respeito por opinião contrária, que deveria nestas circunstâncias e na dúvida, ser aplicado o princípio do "in dubio pro reo", nos termos do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.

XI - Pelo exposto, deverá a douta sentença ser declarada nula por violar os artigos 127°, do Cód. Proc. Penal e o princípio do "in dubio pro reo", nos termos do artigo 32° da C.R.P.

XI - Caso seja o entendimento pela condenação do Recorrente existe uma clara violação do art. 40°, 71 e 72°, 292°, n.º 1,69°, n.º 1 do C. Penal.

XII - O arguido é primário, antes deste incidente não teve qualquer problema desta natureza nem após o mesmo e já se passaram cerca de 18 meses. É trabalhador; Vive com a sua companheira e 2 filhas menores de 8 e 1 ano de idade; Está socialmente integrado e tem apoio familiar; Aufere o ordenado mínimo nacional. A entender-se pela condenação, justifica-se uma diminuição da taxa diária aplicada em vez de 8€ para a mínima de 5€.

XIII - Quanto à pena acessória de inibição de condução demonstra-se injusta, bem sabendo o Tribunal que o arguido precisa de carta de condução para trabalhar, pois é motorista, sendo o arguido o único sustento da sua família a sua companheira encontra-se grávida e desempregada, apena mostra-se manifestamente exagerada, desproporcional e desadequada, atendendo ao preceituado legal.

Violaram-se: os artigos 32°, da CRP, 292°, n.º 1,69°, n.º 1 al. a), 40, 71 ° e 72°, do CP, 127° e 410°, n.º 2, als a) e b) do C. P. P.

Termos em que, e pelo mais que V. Ex.as mui doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, deverá ser absolvido o arguido.

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O Mº.Pº respondeu ao recurso nas folhas 325 a 330, concluindo como vai transcrito:

1 – Analisando a Douta Sentença recorrida, os factos dados por provados são suficientes para integrar o crime pelo qual o arguido veio a final a ser condenado.

2 – Assim, salvo melhor opinião, não se verifica a aludida insuficiência da matéria de facto, quer nos termos aludidos pelo arguido/recorrente, quer em quaisquer outros.

3 – Assim, e no tocante à motivação / fundamentação da matéria de facto, após ter analisado pormenorizadamente cada depoimento produzido em Audiência de Julgamento, o Tribunal apresenta de forma concisa as conclusões que retirou no tocante à fundamentação de facto e que constam de fls. 263 a 265, conclusões essas com as quais se concorda e para as quais se remete, aí sendo claro o pensamento do Julgador na valoração de todas as provas produzidas e que determinaram o facto de se darem como provados os factos imputados ao arguido.

4 – Também não se compreende como pode ter sido violado o princípio do in dubio pro reo, pois tal violação pressuporia que o Tribunal a quo tivesse chegado a um non liquet em matéria de facto e após condenasse o arguido.

5 – Ora, tal jamais ocorreu, o Tribunal face à valoração da prova produzida, deu como provados os factos imputados ao arguido, tendo portanto chegado a uma certeza em matéria de prova (sobre como ocorreram os factos em apreço).

6 – Da análise dos fundamentos invocados para aplicação ao arguido das penas (principal e acessória) em que efectivamente foi condenado resulta claro que as mesmas se mostram adequadas e suficientes a acautelar as necessidades de prevenção, designadamente de prevenção especial e geral que nos presentes autos se fazem sentir.

 7 – Do exposto resulta, em nosso entender, que a Douta Decisão recorrida não viola qualquer das disposições invocadas pelo recorrente ou outras.

8 – Em consequência, deve manter-se na íntegra a Douta Sentença recorrida, a qual faz a correcta apreciação dos factos e aplica o direito em conformidade.

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Neste Tribunal o Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer, concluindo pela improcedência do recurso.

Cumpridos os vistos, procedeu-se a conferência.

Cumpre conhecer e decidir.

II– MOTIVAÇÃO.

Não resulta nem do requerimento inicial, nem da motivação, que o recorrente pretenda a reapreciação da prova gravada e da matéria de facto, no âmbito da previsão legal do artigo 412 nº. 3 e 4 do C.P.P., muito embora dê essa aparência nalguns pontos das conclusões do recurso.

Na verdade, e no que toca ao recurso com base na reapreciação da prova, postula o art. 431º do CPP: Sem prejuízo do disposto no art. 410º, a decisão do tribunal de 1ªinstância sobre matéria de facto pode ser alterada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do art. 412º n.º3 do CPP.

Nos casos previstos no n.º2 do art. 410º, não existe reapreciação da prova produzida. Trata-se da apreciação de vícios que emergem da própria estrutura da decisão recorrida ou do mero confronto da mesma com as regras da experiência comum, sem necessidade de análise ou reapreciação dos meios de prova produzidos. Constituindo “vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão” – cfr. Ac. STJ de 07.12.2005, CJ-STJ, tomo III/2005, p. 224.Sendo, aliás, de conhecimento oficioso – cfr. Acórdão do STJ de para fixação de jurisprudência 19.10.1995, publicado no DR, I-A Série de 28.12.95.

No recurso com base na reapreciação dos meios de prova, ao contrário do que sucede com os vícios do art. 410º (aparentes, manifestos, de conhecimento oficioso) incide sobre o recorrente o ónus de identificar o erro apontado á decisão recorrida, como ainda o de o comprovar, especificando o conteúdo dos meios de prova tido por não valorado ou valorado erradamente pela decisão posta em crise, capaz de, numa apreciação conforme aos critérios legais em vigor, “impor” a revogação e/ou a substituição da decisão recorrida em conformidade com a pretensão formulada.

 Pois bem, no caso existe uma confusão por parte do recorrente, que invoca o disposto no artigo 412- 1 e 2 do C.P.P., mas em momento algum cumpre os requisitos aludidos na norma com vista à reapreciação alargada da matéria de facto e, por outro lado invoca que a sentença padece de nulidade, que, curiosamente integra no vício do disposto no artigo 410 nº. 2 a) do C.P.P., mas, cujas reais consequências se encontram previstas no artigo 426 do C.P.P.

Do que nos conseguimos aperceber, o arguido discorda da matéria de facto provada e fixada na sentença, que da sua perspectiva não obteve prova que a suporte.

 Ou seja, da sua perspectiva o Tribunal não deveria ter valorado o depoimento da testemunha Fausto Martins da forma como o fez já que este não presenciou os factos e (na tese do arguido) muitas hipóteses se poderiam colocar sobre o que sucedeu. Pois bem, o Tribunal, perante o silêncio do arguido, que não o desfavorecendo também o não pode beneficiar, já que não explicou a sua versão dos factos, vindo só agora invocar que muitas outras situações poderiam ter ocorrido, na verdade o Tribunal no uso do princípio da livre apreciação da prova, mediante as afirmações da testemunha Martins, proprietário da empresa para a qual o arguido presta o serviço de condutor de tuk tuk, sabedor de que só o arguido podia conduzir aquele veículo nesse dia e, dos depoimentos dos agentes que sabiam do transporte do arguido para o hospital, razão pela qual já não estava no local e, naturalmente pelo exame de sangue que lhe foi realizado no hospital, apreciados à luz das regras normais da convivência e experiência pessoal de qualquer comum cidadão, justificam e fundamentam a correcção do iter lógico- dedutivo a que chegou o tribunal.

Melhor dizendo,

Na verdade cumpre esclarecer o arguido, que o facto de o Tribunal não ter efectuado uma apreciação coincidente com a feita por si, não significa que esta se tenha de sobrepor àquela, até porque, é preciso ter em conta que as provas válidas não são apenas as provas que resultam do conhecimento directo dos factos pelas testemunhas. Muitas vezes o julgador, alicerçando-se em factos certos, pode fazer apelo às denominadas presunções materiais ligadas à normalidade da vida e às regras da experiência, para daí retirar um outro facto “desconhecido”.

Estas presunções, como é evidente, não são presunções de culpa. Constituem, antes, parcelas de um processo de pensamento lógico de que o julgador não pode prescindir, sob pena de não ser a prova apreciada e valorada em toda a sua extensão.

Assim, não sendo as presunções judiciais um meio de prova proibido por lei, pode o julgador, à luz das regras da experiência e da sua livre convicção, retirar dos factos conhecidos as ilações que se ofereçam como evidentes ou como razoáveis e firmá-las como factos provados. E, exemplo comum deste meio ocorre precisamente com a prova da intenção criminosa (o chamado elemento subjectivo do tipo) que, enquanto acontecimento da vida psicológica, não permite prova directa, podendo no entanto ser inferido a partir de outros factos que tenham sido directamente provados. Desde que os parâmetros da experiência (a chamada “experiência comum”, assente na razoabilidade e na normalidade das situações da vida), não sejam postos em causa, desde que através de um raciocínio lógico e motivável seja possível compreender a opção do julgador, nada obsta ao funcionamento da presunção judicial como meio de prova, observadas que sejam as necessárias cautelas. Assim, é necessário que haja uma relação directa e segura, claramente perceptível, sem necessidade de elaboradas conjecturas, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que por presunção se atinge.

Assim se perspectivando as questões colocadas, vejamos a matéria que o Tribunal fixou, bem como a convicção/fundamentação da mesma:

A) Factos provados

Provou-se que:

1. No dia 4 de Dezembro de 2015 o arguido conduzia o triciclo tuk tuk de matrícula xx-xx-xx, na Rua Conceição da Glória, junto aos nº72, em Lisboa, transportando como passageira I….

2. O arguido – condutor de tuk tuk de profissão – conduzia no exercício da sua actividade, ao serviço da sociedade B…, Lda.

3. O arguido conduzia o veículo com uma taxa de álcool no sangue de 1, 57 g/l.

4. O arguido embora soubesse que não podia conduzir após ter ingerido bebidas alcoólicas, quis, ainda assim, levar a cabo tal conduta, sabendo que por esse facto não podia conduzir em segurança, não se abstendo, de conduzir aquele veículo nas circunstâncias acima descritas.

5. O arguido sabia ser a sua conduta proibida por lei.

6. Sabia que estava no exercício da sua actividade profissional.

7. O arguido não tem antecedentes criminais.

8. Vive com a companheira e tem um filho pequeno.

9. Trabalha como motorista, auferindo valor um pouco acima do salário mínimo.

10. Tem como despesas fixas mensais as inerentes aos consumos domésticos.

B) Factos não provados

Não se provou que:

1. Porque o arguido conduzia o veículo automóvel etilizado perdeu o controlo do mesmo, despistando-se.

2. Em consequência desse despiste a passageira I… foi projectada lateralmente para fora do tuk tuk.

3. Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, I… sofreu uma cervicalgia e traumatismo do tornozelo e pé direito, tendo sido assistida no Hospital de São José.

4. O arguido não previu como poderia e deveria ter previsto que iria causar acidente de viação e que por força do mesmo colocava em perigo, como colocou, a integridade do corpo e a saúde da ofendida.

***

C) Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal alicerçou-se na ponderação crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, analisada à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade, nos termos do art. 127º do CPP. O arguido não prestou declarações sobre os factos, apenas falando sobre a sua situação pessoal. Nesta parte, por detalhadas e espontâneas, as suas declarações afiguram-se verosímeis. O depoimento de Inese Kuke foi prescindido atento o facto da mesma se encontrar na Letónia.

Foram ouvidos P… (agente da PSP) e F…, proprietário da empresa que é dona do tuk tuk guiado pelo arguido. F… explicou ao Tribunal que naquele dia o arguido conduzia o veículo, que lhe foi atribuído a ele e a mais ninguém. Quando a testemunha chegou ao local, o veículo encontrava-se parado e, junto dele, os agentes da PSP que tinham tomado conta da ocorrência. A testemunha não viu o arguido no local, nem I…, uma vez que os dois foram transportados para o hospital. P… esclareceu a intervenção policial, naturalmente posterior ao acidente, a que não assistiu. Descreveu o local, salientando que se trata de uma rua com inclinação acentuada e curva apertada. 

Como acima se escreveu o arguido quanto aos factos não se pronunciou. Porém, o exercício do direito ao silêncio não o podendo prejudicar, também não o beneficia. É certo que o arguido não assumiu que tinha conduzido a viatura e que nenhuma das testemunhas das testemunhas ouvidas o disse também. Todavia, F… disse ao Tribunal de modo seguro que foi ao arguido que entregou o veículo para aquele período de trabalho, não tendo conhecimento de que o mesmo possa ter cedido o automóvel ou sido dele desapossado durante esse dia. Assim, considerando a prova produzida à luz de regras de experiência comum e critérios de normalidade que nada autoriza a afastar (nenhum facto em sentido diverso foi trazido ao conhecimento dos autos) tem de concluir-se que era o arguido quem conduzia a viatura no momento do despiste. O teste de álcool foi feito a partir de análise de sangue, constando o mesmo de fls. 18 a 21. Atendendo ao exame realizado não há lugar a dedução da taxa de erro, uma vez que a mesma é relativa ao exame de ar expirado e não ao de sangue, como foi o caso dos autos.

Da ponderação dos elementos trazido aos autos pode igualmente concluir-se ter o arguido actuado de forma dolosa (dolo directo), sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que por isso não podia conduzir, com o que não se conformou.

Quanto à factualidade não provada assentou a mesma na ausência de elementos susceptíveis de permitir solução diversa. É certo que o arguido conduzia sob o efeito do álcool, o que seguramente lhe limitou os reflexos. Contudo não se apurou de que modo ocorreu o acidente e, em particular, se ele resultou de facto imputável ao arguido ou de outro elemento. Considerando que o arguido se presume inocente e não tem qualquer ónus probatório não se prova que o acidente tenha ocorrido por sua culpa ou que o mesmo tenha causado perigo para a vida ou integridade física de outrem.

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Ora, perante a matéria fixada e sobretudo da sua fundamentação, facilmente se percebe o percurso cognitivo do tribunal para firmar a factualidade atenta a falta da sua assumpção por parte do arguido ( que seria elemento da prova directa): e, os factos apurados e fixados, são suficientes para suportar os requisitos objectivos e subjectivos das normas, integrando a actividade do arguido na tipologia legal por que veio a ser condenado. De igual modo se não verifica qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão. Forçoso é pois concluir que não existe nenhuma nulidade nem quaisquer dos vícios a que alude o nº. 2 a) e b) do artigo 410 do C.P.P.

Por último, cumpre ainda dizer que a invocada violação do princípio da inocência e do in dúbio pro reo não faz qualquer sentido no caso.

É sabido que o princípio in dubio pro reo, tributário do princípio da presunção de inocência (art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa) dá resposta,  à questão processual da dúvida sobre o facto, impondo ao julgador que o non liquet da prova seja resolvido a favor do arguido. Isto é, produzida a prova, se no espírito do juiz subsiste um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou complexo factual, impõe-se uma decisão favorável ao arguido.

Mas, nunca seria o facto de poderem existir duas versões opostas, que conduziria necessariamente a uma “dúvida inequívoca”, por força do princípio in dubio pro reo, como pretende o arguido. Se após a ponderação da prova – toda a prova – o julgador se convenceu, com base numa análise objectiva e racional, de acordo com os critérios legais e doutrinais de valoração da prova sem que no seu espírito se tenha instalado a dúvida consistente ou razoável, não se verifica a violação de tal princípio. E, como é sabido, não são as dúvidas de interpretação subjectiva do arguido fazem “nascer” a aplicação do princípio da prova do in dúbio pro reo.

Sobre a TAS referida no exame de sangue, que a decisão considerou e fixou em 1,57 g/l, cumpre dizer o seguinte:

O Tribunal a quo, tendo ponderado a questão da opção entre o valor apurado considerou inexistir justificação para a aplicação de qualquer margem de erro, uma vez que se tratava de resultado de exame de sangue e não através de ar expirado.

Ora, na realidade, das notas de rodapé, constantes do referido exame laboratorial, verificamos que, devido à não Avaliação/Acreditação dos serviços ou procedimentos (ou outra circunstância que não se refere), o laboratório incluíu no resultado uma variável, de +- 0,20g/l. Ou seja, inclui uma margem de erro a deduzir ao resultado apurado, mas que o Tribunal a quo ignorou. Incorrendo assim num erro notório na apreciação da prova.

Erro esse plasmado como um dos vícios do artigo 410º, nº 2 do C.P.P. e do conhecimento oficioso deste Tribunal.

Aqui chegados importa agora saber se este Tribunal de Recurso pode extrair as necessárias consequências da conclusão a que chegou, isto é, se conhecendo da questão factual, deve conhecer e aplicar a sanção adequada ou se deverá o processo ser reenviado à 1ª. Instância para esse efeito.

Subscrevemos o que foi dito no Ac. da Relação do Porto de 4/6/2014: “Ora as Relações não são meros tribunais que se limitam a confirmar ou a revogar as decisões, mas proferem elas próprias decisões absolutória ou condenatórias, tendo por isso poderes não apenas de revogação mas o poder de decisão, de substituição da decisão revogada (poder de substituição), que passará a substituir a decisão recorrida, só assim não sucedendo se houver obstáculos intransponíveis.”

Com efeito, a Relação conhece de facto e de direito (art. 428º do CPP) e, perante o reconhecimento dos vícios da decisão da primeira instância, só ordena o reenvio se “não for possível decidir a causa” (art. 426º, 1 do CPP). E, deve fazê-lo este Tribunal na medida em que o princípio da plenitude do conhecimento jurisdicional o permite, pois que já assegurado a arguido e Mº.Pº. um duplo grau de jurisdição – artigo 2º, nº 2 do Protocolo 7º à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Assim, havendo que reformular a matéria de facto no tocante à TAS de que era portador o arguido deverá constar que: “Submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método de exame de sangue, acusou uma TAS de 1,57 g/l, correspondente a uma TAS de 1,37g/l, deduzido o erro máximo admissível.”

Agora vejamos a consequência desta modificação sobre a pena aplicada, também ela objecto de impugnação por parte do recorrente.

Perante a factualidade apurada, há que ponderar:

- o grau de ilicitude patenteado na taxa de álcool no sangue.

- as elevadas exigências de prevenção geral, pois a influência da condução sob o efeito do álcool nos níveis de sinistralidade rodoviária é deveras assustadora;

Ponderando todos estes elementos, e, não obstante a diminuição a que se chegou sobre a TAS, ainda assim considera-se justa e adequada a pena fixada na sentença recorrida, quer quanto à pena principal e à sua substituição, quer quanto à pena acessória.

Nesta perspectiva consideramos adequada  e proporcionada a pena de multa aplicada, que se confirma.

Sobre o quantitativo da multa.

A nossa lei (artigo 47.º, n.º 2, do C. Penal) vai para além de uma visão puramente economicista e contempla critérios de razoabilidade e exigibilidade. Assim, se é verdade que a pena de multa terá de representar uma censura do facto, e ao mesmo tempo uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, não é menos certo que deverá sempre ser assegurado ao condenado o nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio-económicas.

Ou seja, a taxa diária da multa deve ser fixada de uma forma que represente um sacrifício real para o condenado, para que mantenha a sua característica de verdadeira pena, pois de outro modo não será possível, através da sua aplicação, realizar as finalidades da punição.     

É correcto afirmar como se decidiu no acórdão do S.T.J., de 2-10-1997, que o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar. Assim, o montante pecuniário não pode ser tão elevado que possa colocar em risco a sobrevivência do arguido. Contudo, não pode perder o efeito da pena de multa que se visa fazer sentir. Isto é, a pena de multa é uma pena a que lhe estão associados efeitos preventivos que, no que tange à prevenção geral, não podem ser olvidados, nem eliminados.

Assim sendo,

Ponderando as finalidades supra enunciadas, no caso concreto e, não esquecendo a matéria definitivamente fixada, em que os rendimentos do arguido são superiores ao salário mínimo nacional, não podemos considerar excessivo o quantitativo diário que consta da sentença recorrida, (€8,00/dia) uma vez que, a existirem as alegadas dificuldades económicas do arguido, sempre a lei lhe permite o pagamento da pena de multa em prestações, ou a sua substituição por trabalho comunitário, na previsão do disposto nos artigos 47-3 e 48-1, ambos do Código Penal.

Fundamentos pelos quais improcede também nesta vertente, o recurso do arguido.

Sobre a pena acessória.

Cabe aqui dizer que não há nenhuma circunstância jurídica que fundamente uma relação entre a determinação concreta da medida da pena e a taxa de álcool no sangue verificada numa concreta situação, mas «o diferencial existente em relação ao patamar inicial da TAS impõe uma diferença em relação ao limite mínimo da pena acessória» (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 5 de Março de 2000- http:www.dqsi.ptl). 

Diferença esta a nosso ver que até por razões de “justiça” relativa se tem de manifestar neste elemento, pois não seria compreensível que a um indivíduo portador da TAS de 1,2g/l ( mínimo estabelecido para a natureza penal da conduta) lhe fosse aplicável uma pena acessória de 3 meses de proibição de conduzir, que é o mínimo e a mesma medida fosse também aplicada a um outro que, em circunstâncias idênticas conduzia com uma TAS superior àquela. Pelo menos será de atender a que o risco de acidente rodoviário é considerávelmente maior neste último, pois as suas faculdades intelectuais e físicas de resposta não serão seguramente as mesmas. Ou seja, no caso, nada aponta no sentido de uma diminuta ilicitude ou culpa na prática do crime de condução em estado de embriaguez pelas razões acima explicadas, e que não abonam numa menor premência de aplicação da pena acessória de inibição de conduzir. Assim, a pena acessória fixada, de 3 meses e 15 dias, muito próxima do seu limite mínimo, em nada se mostra desproporcionada.

Conclui-se assim de todo o exposto pela improcedência do recurso interposto cnos termos acima expostos.

III- DECISÃO.

Pelo exposto, acórdam os juízes da 9.ª secção deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência decidem:

a) Alterar a matéria de facto provada no ponto 3., dela passando a constar que:  “Submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método de exame de sangue, acusou uma TAS de 1,57 g/l, correspondente a uma TAS de 1,37g/l, deduzido o erro máximo admissível.”

b) Quanto ao demais mantem-se a decisão recorrida.

Sem tributação.

Após trânsito a 1ª instância procederá às comunicações à ANSR e IMIT.

Notifique.

Fixa-se em 3 Ucs. a taxa de justiça devida.

 Lisboa, 14./ 09 / 2017

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – artº 94º, nº 2 do C.P.Penal)

                                                                       

 Relatora

 Maria do Carmo Ferreira

Adjunta

Cristina Branco