Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
847/14.0TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
REVOGAÇÃO DA DENÚNCIA
ASSINATURA DO TRABALHADOR
RECONHECIMENTO PRESENCIAL DA ASSINATURA POR ADVOGADO
INEFICÁCIA
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/16/2015
Votação: MAIORIA COM UM VOT VENC
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO(CONFERÊNCIA)
Decisão: PARCIALMENTE/PROCEDENTE
Sumário: I– O disposto no artigo 656.º do NCPC conhece aqui aplicação, dado a questão em litígio ser de enunciado e contornos efetivamente simples, de o relator do presente recurso ter sido o relator do primeiro Acórdão que abordou expressa e impressivamente a matéria do reconhecimento da assinatura do trabalhador por advogado, de a sua posição, ainda que não colhendo a unanimidade jurisdicional ser largamente maioritária na jurisprudência conhecida, pressupondo e consentindo finalmente a norma transcrita uma certa margem de subjetividade e discricionariedade por parte do juiz do tribunal da 2.ª instância no que concerne à verificação dos requisitos (não taxativos, convirá realçar) de que o legislador faz depender o recurso à Decisão Sumária e Singular.
II– O reconhecimento presencial notarial referido no n.º 1 do artigo 402.º do C.T./2009 só pode ser efectuado nos cartórios notariais e não por qualquer uma das entidades identificadas no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março.
III– Ainda que tal reconhecimento presencial notarial pudesse ser também efectuado qualquer uma das entidades identificadas no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março, certo é que as mesmas estariam sujeitas não somente os princípios e impedimentos aplicáveis aos notários, quando da prática dos mesmos atos, como os advogados, apesar da inequívoca e valiosa qualidade de «auxiliares da justiça” teriam de cumprir as regras deontológicas constantes do seu Estatuto.
IV– Resulta do confronto dessas normas regulamentares e éticas com a situação vivida na ação – reconhecimento, em ato contínuo e pelo advogado da Ré, da assinatura aposta pelo trabalhador da denúncia do vínculo laboral existente e que todo indica ter sido redigida pela própria entidade empregadora, assim impossibilitando, em termos imediatos, o exercício do seu direito de arrependimento por parte daquele – um conflito (irreconciliável) de interesses entre o papel ou função do ilustre causídico, enquanto advogado da Apelada e aquela pretensamente neutral ou imparcial que deve assumir, ao proceder ao (mero) reconhecimento da assinatura da «parte contrária» e ao defender e reforçar, dessa maneira e através dessa atuação equiparada a «notarial», a posição da sua cliente no conflito em presença.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


AA intentou [ ] ação, com processo comum, contra BB, LDA.

Pede que se declare ilícito o seu despedimento e, em consequência, que se condene a Ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho com a mesma categoria profissional, funções e retribuição que auferia à data do despedimento, ou, caso não venha a optar pela reintegração a pagar-lhe indemnização por antiguidade no valor de € 24.872,40, correspondente a 15 anos de antiguidade.

Mais solicita a condenação da Ré a pagar-lhe todos os créditos laborais vencidos e vincendos até à data da sua efetiva reintegração, sendo que entende vencida a retribuição respeitante aos 30 dias anteriores à data da propositura da acção, no valor de € 1.105,41.

Também pede indemnização por danos morais, no valor de € 3.000,00, assim como a condenação da Ré a pagar-lhe juros, à taxa legal, contados desde a data da sua citação até efectivo e integral pagamento.

Alega, em resumo, que em 6/12/2013, nas instalações da Ré, foi convocado para uma reunião no gabinete da Gerência.

No seu decurso foi acusado pelo Gerente de ter furtado bens da empresa e ameaçado de graves consequências para a sua vida pessoal e profissional.

Por medo e contra a sua vontade acedeu aos desejos da Ré e assinou um documento denominado pedido de demissão.

Todavia, em 11/12/2013 revogou o “pedido de demissão”.

A Ré recusou-se a aceitar tal revogação.

A assinatura daquele documento foi reconhecida por um Advogado que presta serviços à Ré e não por um Notário.

Não se verificava qualquer impedimento ao livre exercício da faculdade de arrependimento.

Em 23/12/2013 apresentou-se na sede da empresa para retomar a actividade.

Contudo, a Ré impediu-o de entrar.

Procedeu, pois, ao seu despedimento verbal.

Tal conduta consubstancia um despedimento ilícito.

São-lhe devidas as retribuições intercalares e indemnização por antiguidade.

O comportamento da Ré causou-lhe graves danos morais.

Realizou-se audiência de partes.[ ]

A Ré contestou.[ ]

Alegou, em síntese, que na supra citada reunião o Autor foi confrontado, pelo gerente da empresa, com factos indiciadores de grave deslealdade e lesão de interesses patrimoniais sérios da Ré.

Estes determinariam, necessariamente, a instauração de processo disciplinar visando o seu despedimento.

O Autor optou por assinar declaração de denúncia do seu contrato de trabalho.

Qualquer advogado solicitado para reconhecer presencialmente uma assinatura presta serviços a quem os solicita.

Atento o reconhecimento presencial da sua assinatura o Autor não podia revogar a denúncia.

Assim, sustenta a improcedência da acção.

Fixou-se o valor da causa em Euros 28.977,81. [ ]

Foi proferido despacho saneador.

Dispensou-se a selecção da matéria de facto. [ ]

Realizou-se julgamento, que foi gravado.[ ]

A matéria de facto foi fixada em moldes [ ], que não suscitaram reparos.

Foi proferida sentença [ ] que - em sede decisória - logrou os seguintes moldes:
“Face ao exposto, decide julgar-se improcedente a presente acção intentada pelo Autor AA contra a Ré BB e, consequentemente, mais se decide absolver a Ré do pedido contra si formulado pelo Autor.
Custas pelo Autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique-se e registe-se” – fim de transcrição.

Inconformado o Autor recorreu.[ ]

Concluiu que:
(…)

Finaliza sustentando a alteração da sentença recorrida nos termos referidos no recurso.

Não foram produzidas contra alegações.

O recurso foi recebido [ ].

Em 15 de Julho de 2105, foi proferida a seguinte decisão singular:
“Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
DN (processado e revisto pelo relator) ” – fim de transcrição.

As notificações dos litigantes atinentes à tal decisão foram expedidas em 1 de Setembro de 2015.[ ]

Todavia, ainda, inconformado, em 14 de Setembro de 2015 [ ], o Autor veio requerer a realização de conferência nos moldes constantes de fls. 198 a 202 que aqui se dão por integralmente transcritos.

Argumenta, em resumo, que, no mínimo, a primeira problemática resolvida no recurso, em sede singular, não é pacífica. 
 
Foram colhidos os vistos legais.

Nada obsta ao conhecimento do recurso, bem como do supra citado requerimento de realização de conferência.
***

Cumpre, agora, antes de mais, reproduzir, a parte que aqui se reputa de maior relevo, para análise da presente reclamação para a conferência – cuja admissibilidade é, a nosso ver, incontroversa - da verberada decisão singular:

E ali se consignou o seguinte:

“Eis a matéria de facto dada como provada em 1.ª instância (que não foi impugnada e aqui se mantém):

1) O Autor AA é trabalhador da Ré BB LDA há mais de quinze anos.
2) Primeiro com a categoria de praticante metalúrgico-1.º ano e, depois, com a categoria profissional e exercendo funções de Mecânico Auto Oficial de Primeira.
3) Auferindo o vencimento mensal ilíquido de € 951,31, mais uma diuturnidade no valor de 40,80, no valor total de € 992,11, a que acresce o respectivo subsídio de alimentação no valor de € 5,15 por dia.
4) No dia 6 de Dezembro de 2013, cerca das 15.00 horas, nas instalações da Ré, o Autor foi convocado para uma reunião no gabinete da Gerência da Ré.
5) Na qual estava presente o Sr. Eng. CC, Gerente da Ré e o Sr. DD, funcionário da Ré, o Sr. EE, Director da Manutenção.
6) No decurso de tal reunião, o Autor foi acusado pelo referido Gerente da Ré de ter furtado bens da empresa,
7) E o gerente da Ré, pelo menos, esclareceu o Autor que a sua denúncia inviabilizaria o prosseguimento de um processo disciplinar.

8) Na referida reunião, o Autor subscreveu o escrito particular cuja cópia consta de fls. 66 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado:
«Ao Sr. Engenheiro CC Gerência da BB LDA… Por mão própria Queluz, 06 de Dezembro de 2013 Assunto: Pedido de Demissão…
Venho pela presente comunicar que pretendo de forma irrevogável denunciar o meu contrato de trabalho celebrado em 07/07/1998 entre mim e a empresa, com efeitos imediatos…».

9) No escrito particular referido em 8), a Sra. Advogada FF apôs e subscreveu a seguinte menção:
«Reconhecimento com menções especiais por presença.
Ao abrigo do artigo 38.º do Decreto-Lei nº76-A/2006, de 29 de Março e da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho de 2006, que estabelece a regulamentação do registo informático dos actos praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores, reconhece FF, Advogada, com domicílio escolhido na (…) titular da Cédula Profissional nº (…) a assinatura supra de AA em face do respectivo cartão do cidadão nº(…), válido até (…), que verifiquei no acto, onde foi exibido e restituído…».

10) Aquando da sua assinatura, a Ré não facultou ao Autor cópia do escrito particular referido em 8).
11) No dia 11 de Dezembro de 2013, o Autor remeteu à Ré, e esta recebeu, a carta cuja cópia consta de fls. 32 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «Assunto: Revogação de denúncia de contrato de trabalho….
Na sequência da minha denúncia do contrato de trabalho que me ligava a V. Ex.as, efectuada na passada sexta-feira, dia 6 de Dezembro de 2013, venho, por este meio e nos termos e para os efeitos do artigo 402º, nº1, do Código do Trabalho, proceder à sua revogação.
Mais informo que retomarei o exercício das minhas funções no dia seguinte ao da recepção da presente carta por parte de V. Exas…».

12) À carta referida em 11), a Ré remeteu ao Autor, e este recebeu, a carta cuja cópia consta de fls. 33 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual está consignado:
«13 de Dezembro de 2013 Assunto: Revogação do Pedido de Demissão… somos a informar que a revogação do pedido de demissão elaborado por si de acordo com o artigo 402º n°1 do Código do Trabalho não produz qualquer efeito uma vez que a sua assinatura constante nesse pedido de demissão a 06/12/2013 foi reconhecida presencialmente por advogado com competência para o efeito…».
13) A Sra. Advogada FF prestava e presta serviços à Ré.
14) No dia 21 de Dezembro de 2013, o Autor enviou um SMS ao seu superior hierárquico directo, Sr. GG, informando-o que se iria apresentar ao serviço no dia 23 de Dezembro de 2013 (segunda-feira), pelas 9.00 horas, estando disponível para outro horário se essa fosse a vontade da sua entidade patronal.
15) O Autor só ia regressar naquela data, por se ter encontrado de baixa médica, a partir do dia 9 de Dezembro, por um período de 12 dias.
16) No dia 23 de Dezembro, pelas 9.00 horas, o Autor apresentou-se na sede da empresa, onde habitualmente exercia a sua actividade profissional, para retomar a sua actividade, tendo a Ré dado instruções à portaria para que o Autor não pudesse entrar nas instalações da empresa para retomar a sua actividade,
17) Tendo o Autor sido impedido, efectivamente, de aí entrar.
18) Na sequência do referido em 8), o Autor ficou desempregado durante um número de meses não concretamente apurado.
19) A acusação referida em 6) causou ofensa e sofrimento ao Autor.
* *

É sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respetiva alegação (artigos 635.º e 639.º ambos do Novo CPC [ ] ex vi do artigo 87.º do CPT aplicável [ / ].

In casu, mostra-se interposto um único recurso pelo Autor.

E neste suscitam-se três questões.

A primeira consiste em saber se o Autor podia ou não, atento o preceituado no art.º 402.º, n.º 1 do Código do Trabalho em vigor, a contrario, revogar (arrepender-se) da denúncia do seu contrato de trabalho em virtude do reconhecimento da sua assinatura ter sido feito por Advogado da Ré.

A segunda, cuja sorte depende, obviamente, da solução adoptada em relação à primeira (o trabalhador só pode ser alvo de despedimento se a relação laboral ainda estiver em vigor) é a de saber se o Autor deve reputar-se ilicitamente despedido pela Ré.

A derradeira cujo conhecimento depende das outras duas tem a ver com as consequências de um despedimento ilícito, tendo em conta os pedidos formulados.
***

E passando a analisar a primeira constata-se que a tal título a sentença recorrida formulou o seguinte raciocínio [ ]:

“A) Da Anulabilidade da Denúncia.
A factualidade provada (cfr. factos provados n.ºs 1 a 3) demonstra, de forma inequívoca, a existência de um contrato de trabalho entre a Ré, como empregadora, e o Autor, como trabalhador, pelo menos desde o ano de 1998 (contrato de trabalho «é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta» - cfr. art. 1.º da LCT; os art. 10.º do C. Trabalho de 2003 e art. 11.º do C. Trabalho de 2009 dispõem no mesmo sentido).

O contrato de trabalho caduca nos termos gerais de direito (art.ºs 343.º e segs. do C. Trabalho de 2009 – o qual estava em vigor à data da invocada cessação do contrato), pode ser revogado por acordo das partes (art.ºs 349.º e segs. do mesmo diploma) e extingue-se por decisão unilateral de uma das partes, distinguindo-se, aqui, três situações: a resolução, baseada no incumprimento da contraparte, a resolução por causas alheias à actuação das partes e a denúncia (art.ºs 351.º e segs. do mesmo diploma).

É precisamente o caso da extinção/cessação do contrato de trabalho por denúncia que aqui nos interessa.

Prescreve o art. 400.º/1 do C. Trabalho de 2009: «O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade».

E dispõe o art. 402.º/1 do C. Trabalho de 2009: «O trabalhador pode revogar a denúncia do contrato, caso a sua assinatura constante desta não tenha reconhecimento notarial presencial, até ao sétimo dia seguinte à data em que a mesma chegar ao poder do empregador, mediante comunicação escrita dirigida a este».

Considerando a factualidade provada (cfr. factos provados n.ºs 4, 8 e 9), verifica-se que, no dia 6 de Dezembro de 2013, o Autor subscreveu o escrito particular cuja cópia consta de fls. 66 dos autos, no qual está consignado que «Ao Sr. Engenheiro CC Gerência da BB. LDA… Por Mão própria Queluz, 06 de Dezembro de 2013 Assunto: Pedido de Demissão… Venho pela presente comunicar que pretendo de forma irrevogável denunciar o meu contrato de trabalho celebrado em 07/07/1998 entre mim e a empresa, com efeitos imediatos…», e no qual a Sra. Advogada FF apôs e subscreveu a seguinte menção: «reconhecimento com menções especiais por presença.

Ao abrigo do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março e da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho de 2006, que estabelece a regulamentação do registo informático dos actos praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores, reconhece FF, Advogada, com domicílio escolhido na (…) titular da Cédula Profissional n.º (…)… a assinatura supra de AA em face da respetivo cartão do cidadão n.º (…), válido até (…), que verifiquei no acto, onde foi exibido e restituído…».

E a factualidade provada mais demonstra que, no dia 11 de Dezembro de 2013, o Autor remeteu à Ré, e esta recebeu, a carta cuja cópia consta de fls. 32 dos autos, no qual está consignado que «Assunto: Revogação de denúncia de contrato de trabalho…. Na sequência da minha denúncia do contrato de trabalho que me ligava a V. Ex.as, efectuada na passada sexta-feira, dia 6 de Dezembro de 2013, venho, por este meio e nos termos e para os efeitos do artigo 402.º, n.º 1, do Código do Trabalho, proceder à sua revogação. Mais informo que retomarei o exercício das minhas funções no dia seguinte ao da recepção da presente carta por parte de V. Exas…», e que, como resposta a esta carta, a Ré remeteu ao Autor, e este recebeu, a carta cuja cópia consta de fls. 33 dos autos, no qual está consignado que «13 de Dezembro de 2013 Assunto: Revogação do Pedido de Demissão… somos a informar que a revogação do pedido de demissão elaborado por si de acordo com o artigo 402.º n.º 1 do Código do Trabalho não produz qualquer efeito uma vez que a sua assinatura constante nesse pedido de demissão a 06/12/2013 foi reconhecida presencialmente por advogado com competência para o efeito…» (cfr. factos provados nºs. 14 e 15).

Saber se aquela declaração de revogação da denúncia emitida pelo Autor em 11/12/2013, e que não foi aceite pela Ré, foi ou não válida e eficaz, depende apenas e exclusivamente de resposta a esta questão: reconhecimento notarial presencial da assinatura do trabalhador aposta a declaração de denúncia a que se reporta o referido art. 402.º/1 do C. Trabalho de 2009, e que impede a posterior revogação dessa declaração, tem que ser realizado por notário ou pode também ser realizada por advogado?

Trata-se de questão que tem gerado controvérsia na nossa Jurisprudência (passaremos em seguida a referir os quatro acórdãos que conhecemos sobre a matéria).

Por um lado, no Ac. da RP de 04/07/2011, decidiu-se que «o reconhecimento notarial presencial da assinatura da denúncia do contrato de trabalho a que se reporta o art. 449.º, n.ºs 1 e 4, do CT/2003 não pode, para efeitos do previsto nessa norma, ser efectuado por advogado pese embora o disposto no art. 38.º, n.ºs 1 e 2 do DL 76-A/2006, de 29.03», fundando-se tal entendimento na seguinte argumentação: «… O designado direito ao arrependimento por parte do trabalhador que denuncia o contrato de trabalho, facultando-se-lhe a possibilidade de revogar essa denúncia, já estava prevista na pela Lei 38/96, de 31.08… Tinha esse direito, nos termos estatuídos na norma, a dupla finalidade de garantir a devida ponderação, pelo trabalhador, das consequências da sua declaração de denúncia, evitando eventuais decisões precipitadas e, por outro lado, minimizar as situações, que frequentemente ocorriam, dos denominados despedimentos dissimulados, em que o empregador, designadamente aquando da admissão do trabalhador, deste obtinha uma declaração de denúncia do contrato, não datada e que, posteriormente, quando entendesse, utilizava para por termo ao contrato de trabalho. Porém, do nº 1 decorre que, sendo a denúncia do contrato feita com assinatura reconhecida notarialmente, já o trabalhador não podia exercer tal direito de revogação.

Entretanto, o CT/2003… passou a dispor, no seu art. 449.º, que: 1 - A declaração de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, tanto por resolução como por denúncia, sem assinatura objecto de reconhecimento notarial presencial, pode por este ser revogada por qualquer forma até ao 7º dia seguinte à data em que chega ao poder do empregador…. Com este preceito, o prazo (então de dois dias) para o exercício do direito de revogação da denúncia do contrato de trabalho deixou de ser contado a partir da data da produção dos efeitos da denúncia, tendo sido aumentado para 7 dias, porém contados da data em que a denúncia chega ao poder do empregador. Por outro lado, passou a ser permitido ao empregador exigir do trabalhador que a sua assinatura, constante do documento que titula a denúncia do contrato, seja objecto de reconhecimento notarial presencial, sendo que, tal como anteriormente, só as denúncias sem tal reconhecimento poderão ser revogadas pelo trabalhador.

O reconhecimento notarial da assinatura da denúncia é uma faculdade conferida ao empregador, visando a tutela de um seu interesse, qual seja o de lhe permitir, mediante a imposição da observância de um formalismo reforçado na declaração extintiva do trabalhador, precaver-se contra uma eventual mudança de ideias ou de planos por parte deste. Naturalmente que o trabalhador não tem qualquer interesse em formalizar, desse modo, a denúncia do contrato de trabalho, sendo certo que tal lhe irá impedir o exercício do “direito ao arrependimento”.

Mas, precisamente porque está em causa a restrição do exercício desse direito, entendeu também o legislador que a realização da assinatura na presença do notário garante a genuinidade e a actualidade da declaração extintiva proferida pelo trabalhador, evitando práticas fraudulentas por parte do empregador e exigindo do trabalhador uma reflexão acrescida”, assim se exigindo esse formalismo reforçado.

É certo que, aquando da publicação do CT/2003, o reconhecimento presencial da letra e/ou assinatura de documentos era exclusivamente um acto notarial. E que, apenas posteriormente, com o DL 76-A/2006, de 29.03, é que veio a ser conferida aos advogado a possibilidade de efectuarem reconhecimentos simples e presenciais, diploma esse cujo artigo 38.º (na redação introduzida pelo art.º 19.º do DL 8/2007, de 17.01 [8]), sob a epígrafe de Extensão do regime dos reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documentos, veio dispor que: 1 – Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março…. Sendo, até então, os reconhecimentos presenciais um acto da competência notarial, entendeu o legislador estender tal competência às entidades acima referidas, conferindo aos respectivos documentos a mesma força probatória que teriam se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial. Não obstante, e salvo melhor opinião, não se nos afigura que tanto baste para que, nos termos e para os efeitos do art. 449.º, n.º 1, do CT/2003, se possa equiparar o reconhecimento presencial feito por advogado ao “reconhecimento notarial presencial” previsto nesse art. 449.º. Na verdade, e pese embora, à data do CT/2003, o reconhecimento presencial fosse um acto notarial, a verdade é que a letra da lei, ainda assim, não dispensou a referência à competência “notarial”. Se se poderia dizer, tal como o entende a Recorrida e pressuposto na sentença, que essa referência decorreria apenas da circunstância de os reconhecimentos presenciais serem actos notariais, poder-se-á, na defesa da tese oposta, argumentar que, então e se assim é, escusado seria o legislador ter feito tal menção (pois se os reconhecimentos presenciais simples eram actos praticados apenas pelo notário para quê dizê-lo?).

O que nos parece é que o legislador, não obstante o regime que, à data da publicação do CT/2003, vigorava em matéria de reconhecimento presencial simples de letra e/ou assinaturas de documentos, pretendeu enfatizar a natureza exclusivamente notarial de tal reconhecimento, propósito este tanto mais evidente quanto se tivermos em conta que o CT/2009], no seu art. 402.º, n.º 1, manteve a exigência do reconhecimento notarial presencial.

Ou seja, quando este foi publicado, em 2009, já estava em vigor o DL 76-A/2006, de 29.03, pelo que o legislador, certamente, não desconhecia que a lei permitia que tais reconhecimentos fossem levados a cabo por advogado.

E, ainda assim, o CT/2009, no seu art. 402.º, n.º 1, ao invés de utilizar uma formulação mais ampla (reportando-se tão-só ao reconhecimento presencial da assinatura) caso a sua intenção tivesse sido a de incluir os reconhecimentos feitos por advogado, manteve a exigência do “reconhecimento notarial presencial. Por outro lado, afigura-se-nos que a ratio do art. 449.º do CT/2003 (e 402.º do CT/2009) aponta no sentido da competência exclusivamente notarial.

Com efeito, a lei consagra o direito do trabalhador (que denuncia o contrato de trabalho) ao arrependimento, o qual pode ser exercido no prazo de 7 dias.

Confere-lhe, pois, um prazo em que ele, de forma mais reflectida e, designadamente, livre que qualquer eventual constrangimento, possa melhor ponderar a sua decisão. Todavia, em benefício do empregador, a lei introduz uma restrição a esse direito, ao impedir o seu exercício se a assinatura do trabalhador for objecto de reconhecimento notarial presencial. A exigência da intervenção notarial, face, designadamente, à maior solenidade do acto, ao peso institucional e social que a intervenção notarial reveste e à equidistância relativamente a qualquer interesse particular, foi, precisamente, o meio que a lei entendeu ser de exigir, em contrapartida da restrição do direito, como forma de garantir ao trabalhador a necessária ponderação e consciencialização da importância do acto de denunciar o contrato de trabalho. Acresce que a equiparação mencionada no art. 38.º, n.º 2, do DL 76-A/2006 se reporta aos efeitos probatórios.

Ora, parece-nos, a ratio da exigência do reconhecimento notarial prevista no art. 449.º do CT/2003 extravasa os efeitos meramente probatórios do documento.

Tal exigência não visa, apenas, conferir ao empregador a segurança de que, por via do reconhecimento notarial, o trabalhador não venha, mais tarde, a impugnar a sua assinatura… essa exigência é estabelecida não apenas no interesse do empregador, mas também no interesse do trabalhador, na medida em que visa, como contrapartida da eliminação do seu direito ao arrependimento, garantir-lhe a possibilidade de uma adequada e actual ponderação da sua decisão.

A terminar, resta apontar o elemento literal da lei que, indiscutivelmente, se reporta ao reconhecimento notarial…».

Por outro lado, no Ac. da RL de 30/06/2011, decidiu-se que:
 «O entendimento de que um Advogado se encontra impedido de reconhecer presencialmente a assinatura de uma declaração de rescisão unilateral de um contrato de trabalho de um trabalhador de uma cliente sua afigura-se incompatível não só com a intenção do legislador ao atribuir aos Advogados tal possibilidade, assim como com a sua qualidade de “colaborador da justiça”», fundando-se tal entendimento na seguinte argumentação: «… não resulta do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Código do Notariado, assim como do preceituado no n.º 1 do artigo 38.º do DL n.º 76-A/ 2006, de 29.3, na redacção que lhe foi conferida pelo DL n.º 8/07, de 17.1, que o Exmo. Advogado estivesse impedido de o fazer.
É que não se detecta que o mesmo fosse beneficiário directo ou indirecto do acto em questão, o mesmo se dizendo de qualquer familiar seu fosse em que grau fosse.
E cumpre salientar que não constam do processo elementos que permitam afirmar que era legal representante da recorrente. Esgrimir-se-á que à data era seu mandatário (que já o fora ou ainda que mantinha uma avença com a empresa…), o que permite explicar a sua presença no acto.
Contudo, mesmo dando de barato tal qualidade, que, aliás, decorre da matéria assente em 3, não se vislumbra que estivesse impedido de levar cabo o reconhecimento em apreço, pois nessa qualidade não beneficiava directa ou indirectamente com esse acto.
É certo que se pode esgrimir que tinha um interesse indirecto e evidente no acto, pois que o mesmo sempre redundava num “benefício” para o seu cliente, visto que evitava que tivesse de instaurar um processo disciplinar aquele trabalhador visando o seu despedimento, o que se infere da matéria provada em 6.
Porém, a perfilhar-se tal entendimento estar-se-ia por um lado a retirar grande parte do conteúdo útil da norma que permite aos Advogados levar a cabo os reconhecimentos e por outro a conferir-lhes a tal título um estatuto de “menoridade” e uma presunção de “desconfiança”, incompatíveis, a nosso ver, não só com a intenção do legislador ao atribuir-lhes tal possibilidade, assim como com a sua qualidade de “colaboradores da justiça” plasmada na Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (tal como resulta do seu artigo 6.º)…».

Este segundo entendimento foi secundado pelo Ac. da RE de 27/02/1014,
«De harmonia com o disposto no artigo 402.º do Código do Trabalho, o direito ao arrependimento por parte do trabalhador que denunciou o contrato de trabalho fica precludido quando a declaração escrita de denúncia contenha o reconhecimento notarial presencial da assinatura, feita por qualquer entidade competente para tanto, nomeadamente, feita por advogado.

O reconhecimento da assinatura é uma exigência do empregador, que, por esta via, impõe a observância de um formalismo reforçado na declaração extintiva do trabalhador, precavendo-se contra uma eventual mudança de ideias por parte deste.

O reconhecimento da assinatura não é algo que o trabalhador possa recusar ou opor-se. Aliás, o incumprimento desta exigência pelo trabalhador pode ter como consequência a exclusão do direito de revogação da denúncia...

Tendo a autora escrito e assinado a denúncia do contrato de trabalho na presença do advogado da empresa, nada obstava a que, ainda no mesmo dia, o mesmo munido da cópia do cartão de cidadão disponibilizado pela autora, procedesse ao reconhecimento presencial da assinatura registando o ato no endereço da Ordem dos Advogados…», sustentando tal entendimento no seguinte: «… a denúncia do contrato por iniciativa do trabalhador é uma das modalidades legalmente previstas de cessação da relação laboral [cfr. artigos 340.º, alínea h) e 400.º e 401.º, todos do Código do Trabalho].
Neste âmbito, o trabalhador simplesmente dá conhecimento ao empregador (declaração recetícia) que pretende fazer cessar o contrato de trabalho.

Todavia, pode o trabalhador arrepender-se da vontade unilateral que manifestou, às vezes condicionada por circunstâncias envolventes à manifestação da mesma (v.g. imposição do empregador).

Este direito de arrependimento mostra-se consagrado no artigo 402.º do Código do Trabalho.

De harmonia com o preceituado neste normativo, o trabalhador pode revogar a denúncia do contrato, caso a sua assinatura constante desta não tenha reconhecimento notarial presencial, até ao sétimo dia seguinte à data em que a mesma chegar ao poder do empregador, mediante comunicação escrita dirigida a este…. Tudo se resume à interpretação da expressão “reconhecimento notarial presencial” inserta no n.º 1 do artigo 402.º do Código do Trabalho…. A nível doutrinário, salientamos a referência feita por Pedro Furtado Martins… «Este direito é afastado se a denúncia do contrato for apresentada por escrito e com a assinatura do trabalhador objeto de reconhecimento notarial presencial. Atribui-se ao empregador o direito de exigir o cumprimento dessa formalidade, por força da remissão para o artigo 395.º, n.º 4, constante do artigo 400.º, n.º 5»… Se atentarmos ao texto preambular do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, retiramos do mesmo o seguinte esclarecimento: «Em 5.º lugar, atua-se no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos, permitindo que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las. Trata-se de facilitar aos cidadãos e às empresas a prática deste actos junto de entidades que se encontram especialmente aptas para o fazer, tanto por serem entidades de natureza pública ou com especiais deveres de prossecução de fins de utilidade pública como por já hoje poderem fazer reconhecimentos com menções especiais por semelhança e certificar ou fazer e certificar traduções de documentos».

Deste modo, foi intenção do legislador alargar o universo de entidades competentes para fazerem reconhecimentos presenciais de assinaturas.

Neste âmbito, consagrou-se no artigo 38.º do diploma que, “sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades (…) os advogados (…) podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança (…)”. Por sua vez o n.º 2 do aludido artigo preceitua o seguinte: “[o]s reconhecimentos (…) efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial”.

Dispõe o artigo 35.º do Código do Notariado, sob a epígrafe de Espécies de documentos: «1 - Os documentos lavrados pelo notário, ou em que ele intervém, podem ser autênticos, autenticados ou ter apenas o reconhecimento notarial…

4 - Têm reconhecimento notarial os documentos particulares cuja letra e assinatura, ou só assinatura, se mostrem reconhecidas por notário.», (realce nosso). Por sua vez o artigo 153.º do mesmo Código preceitua o seguinte, sob a epígrafe Reconhecimentos: «1 - Os reconhecimentos notariais podem ser simples ou com menções especiais. 2 - O reconhecimento simples respeita à letra e assinatura, ou só à assinatura, do signatário de documento… 5 - Designa-se presencial o reconhecimento da letra e assinatura, ou só da assinatura, em documentos escritos e assinados ou apenas assinados, na presença de notários, ou o reconhecimento que é realizado estando o signatário presente ao ato…”.

Deste modo, no regime dos reconhecimentos de assinaturas previsto e consagrado no Código do Notariado o reconhecimento notarial presencial constitui uma modalidade de reconhecimento simples que é sempre presencial. Ora, por força do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, este regime foi estendido, conferindo-se aos advogados competência para realizarem reconhecimentos simples presenciais, o que é o mesmo que dizer reconhecimentos notariais presenciais, segundo a terminologia utilizada no específico regime que disciplina tal matéria. Ou seja, alargou-se a competência para a prática dos actos notariais, por forma a “facilitar aos cidadãos e às empresas a prática destes actos junto de entidades aptas para o fazer” (cfr. diploma preambular do Decreto-Lei n.º 76-A/2006). Ora, na interpretação do artigo 402.º do Código do Trabalho, teremos de ter em consideração o consagrado no artigo 9.º do Código Civil, isto é, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas deve visar reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (cfr. n.º 1 do artigo 9.º). Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, de harmonia com o n.º 2 do normativo. Por fim, nos termos do n.º 3 do artigo 9.º, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Ora, se atentarmos ao elemento literal, o artigo 402º utiliza uma expressão específica e concreta e não qualquer expressão genérica que a jurisprudência deva concretizar ou especificar. A expressão literal utilizada é “reconhecimento notarial presencial”. Atendendo agora ao elemento sistemático, a interpretação desta expressão é realizada pelo Código do notariado nos termos supra apreciados. Considerando os elementos histórico e teleológico, temos uma deliberada opção do legislador pelo alargamento da competência para a prática de atos notariais, por outras entidades idóneas e aptas para os realizar pela formação que possuem. Este elemento extrai-se do preâmbulo do Decreto-Lei 76-A/2006. E, considerando que o legislador na fixação do sentido e alcance da lei conhece o sistema, integra-o e consagra as soluções mais acertadas, exprimindo o seu pensamento em termos adequados, afigura-se-nos que aquando da aprovação do Código do Trabalho de 2009, o legislador teve em consideração as entidades competentes para a realização do ato de reconhecimento notarial presencial, pelo que apenas pretendeu referir-se ao ato em si e não à entidade que o realiza.

Esta posição, por nós defendida, leva a que consideremos que, de harmonia com o disposto no artigo 402.º do Código do Trabalho, o direito ao arrependimento por parte do trabalhador que denunciou o contrato de trabalho fica precludido quando a declaração escrita de denúncia contenha o reconhecimento notarial presencial da assinatura, feita por qualquer entidade competente para tanto, nomeadamente, feita por advogado…».

E foi também secundado pelo Ac. da RC da 20/03/2014, no qual se decidiu que «ao trabalhador não assiste o direito de fazer cessar acordo de revogação do contrato de trabalho, até ao sétimo dia seguinte à data da sua celebração, quando as assinaturas dos outorgantes sejam objecto de reconhecimento presencial feito por qualquer entidade competente para tanto, ….

Não se vislumbram outros (e novos) argumentos a invocar para sustentar algum dos entendimentos supra referidos (ou outro entendimento diverso), sendo certo que as partes também não invocaram quaisquer outros (e novos) argumentos nos respectivos articulados.

Logo, na resolução desta questão, importa apenas determinar qual dos dois entendimentos que deve prevalecer sendo que tal determinação resulta da apreciação, análise e ponderação dos fundamentos em que se sustenta cada um deles.

Realizando tal tarefa de análise e ponderação, entendemos que deve prevalecer o entendimento de que o reconhecimento notarial presencial da assinatura do trabalhador aposta na declaração de denúncia a que se reporta o referido art. 402.º/1 do C. Trabalho de 2009 pode ser realizado tanto por notário como por advogado (como ainda por solicitadores, câmaras de comércio e indústria e/ou conservatórias), aderindo-se, em absoluto, à fundamentação do supra referido Ac. da RE de 27/02/1014, com a qual se concorda na íntegra, havendo apenas que acrescentar o seguinte: como é assinalado neste aresto, e resulta expressamente do respectivo preâmbulo, o objectivo do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico o Dec.-Lei n.º 76-A/2006, de 29/03, foi o de, «no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos», permitir que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las; logo, e com o devido respeito, o entendimento sufragado no Ac. da RP de 04/07/2011 é contrário à solução consagrada na lei tal como é contrário ao pensamento legislativo, pelo que jamais pode prevalecer - cfr. art. 9.º/2 do C. Civil (pode discutir-se, no campo meramente correcto se tal decisão/solução do legislador, que tem um âmbito de aplicação geral e não respeita a um caso concreto de reconhecimento presencial, pode no caso específico do disposto no art. 402.º/1 ter sido a mais correcta, mas tal discussão em nada interfere na interpretação da norma em causa).

E saliente-se que, embora esteja provado que aquando da sua assinatura a Ré não facultou ao Autor cópia da declaração de denúncia e que a Sra. Advogada que fez o reconhecimento prestava e presta serviços à Ré (cfr. factos provados n.ºs 10 e 13), tal factualidade é insusceptível de colocar em causa a validade e eficácia do reconhecimento em causa: por um lado, a comunicação de denúncia é emitida pelo Trabalhador e dirige-se ao Empregador pelo que não se vislumbra qualquer requisito legal que exigia que este dê uma cópia àquele de uma declaração que foi produzida pelo próprio; e, por outro lado, como resulta da lei (Dec.-Lei n.º 76-A/2006, de 29/03), não existe qualquer impedimento de que o reconhecimento em causa não possa ser realizado por um advogado que presta serviços para o Empregador (aliás, o supra referido Ac. da RE de 27/02/1014 incide mesmo sobre um caso em que o advogado que reconheceu presencialmente a assinatura era «advogado da empresa»).

Por conseguinte, uma vez que o reconhecimento presencial da assinatura aposta pelo Autor na declaração de denúncia do contrato (que entregou à Ré no dia 06/12/2013) realizado por advogado é legalmente admissível em face do regime previsto do art. 402.º/1 do C. Trabalho de 2009, então conclui-se, de forma tão manifesta quanto necessária, que a declaração de revogação da denúncia emitida pelo Autor no dia 11/12/2013 mostra-se absoluta e totalmente inoperante e ineficaz, mantendo-se a validade e a eficácia daquela declaração de denúncia do contrato de trabalho.

E, por via disso, mais se conclui que o contrato de trabalho existente entre Autor, na qualidade de trabalhador, e a Ré, na qualidade de empregador, cessou nada data de 06/12/2013 por denúncia do trabalhador.

Embora não tenha formulado qualquer pedido de anulação da declaração de denúncia por ter sido emitida sob coacção moral da Ré, uma vez que o Autor, no art. 21.º da petição, alude a «uma situação de coacção moral», importa tecer as seguintes considerações:
- Como se sabe, a declaração da vontade negocial é o comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência de exteriorização de um certo conteúdo de vontade negocial, caracterizando-se como a intenção de realizar certos efeitos práticos com ânimo de que sejam juridicamente tutelados e vinculantes; numa declaração negocial podem distinguir-se normalmente os seguintes elementos: a declaração propriamente dita (elemento externo), que consiste no comportamento declarativo; e a vontade (elemento interno), que consiste no querer, na realidade volitiva.

Normalmente o elemento interno (vontade) e o elemento externo da declaração negocial (declaração propriamente dita) coincidem, havendo uma efectiva autodeterminação de efeitos jurídicos pelo autor da declaração, se a vontade se formou sobre uma motivação conforme coma a realidade e com liberdade;
- Por vezes verificam-se, por causas diversas, uma divergência entre esses dois elementos da declaração negocial, estando-se perante um vício na formulação da vontade, sendo que essa divergência entre a vontade real e a declaração (isto é, entre o «querido» e o «declarado») pode ser intencional (quando o declarante emite, consciente e livremente, uma declaração com um sentido objectivo diverso da sua vontade real – divergência voluntária) ou não intencional (o declarante não se apercebe da divergência ou porque é forçado irresistivelmente a emitir uma declaração divergente do seu real intento). A divergência intencional pode apresentar-se sob a forma de simulação (o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real, por força de um conluio com o declaratário, com a intenção de enganar terceiros - art. 240.º do C. Civil), reserva mental (o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real, sem qualquer conluio com o declaratário, visando precisamente enganar este - art. 244.º do C. Civil), e declaração não séria (o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real, mas sem o intuito de enganar qualquer pessoa - art. 245.º do C. Civil). Já a divergência não intencional pode apresentar-se sob a forma de erro na declaração (o declarante emite uma declaração não coincidente com a sua vontade real, sem ter consciência dessa falta de coincidência; trata-se de um lapso, engano, equívoco - art. 247.º do C. Civil), falta de consciência da declaração (o declarante emite uma declaração, sem ter a consciência - a vontade - de fazer uma declaração negocial, podendo até faltar completamente a vontade de agir - art. 246.º do C. Civil) e coação física ou violência absoluta (o declarante é transformado num autómato, sendo forçado a dizer ou a escrever o que não quer, não através de uma mera ameaça, mas por força do emprego de uma força física irresistível que o instrumentaliza e leva a adoptar o comportamento - art.º 246.º do C. Civil); outras vezes verificam-se perturbações do processo formativo da vontade, operando de tal modo que esta, embora concorde com a declaração, é determinado por motivos anómalos e valorados pelo direito como ilegítimos (a vontade não se formou de modo «julgado normal e são»). Estes vícios da vontade podem apresentar-se sob a forma de erro-vício (traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância ou facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio, sendo que se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância, o declarante não teria realizado negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o realizou, e pode revestir a modalidade de erro sobre a pessoa do declaratário, erro sob o objecto do negócio e erro sobre os motivos – art.ºs 251.º e 252.º do C. Civil), dolo (erro determinado por um certo comportamento da outra parte, sendo que existe dolo quando se verifique o emprego de qualquer sugestão ou artifício com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração ou quando tenha lugar a dissimulação pelo declaratário ou por terceiro, do erro do declarante – art. 253.º do C. Civil), coação (receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração; a liberdade do acto não foi totalmente excluída, foram-lhe deixadas possibilidades de escolha, embora a submissão à ameaça fosse a única escolha normal - art. 255.º do C. Civil), e incapacidade acidental (art. 257.º do C. Civil); 
- In casu, basta atentar na factualidade que se encontra provada e, principalmente, na factualidade não provada [cfr. factos não provados a) a d) – cfr. decisão sobre a matéria de facto constante do despacho que integra a Acta de fls. 112 a 117 dos autos], para se concluir que o Autor não logrou provar, tal como lhe incumbia em exclusivo (cfr. art. 342.º/1 do C. Civil), a verificação de qualquer facto que pudesse consubstanciar o alegado caso de vício da vontade – coacção moral (art. 255.º do C. Civil). Com efeito, este não alcançou demonstrar probatoriamente que «o Gerente da Ré ameaçou o Autor das mais graves consequências para a sua vida pessoal e profissional decorrentes da alegada prática daqueles furtos, dizendo-lhe que «o seu eventual despedimento com justa causa, com base na prática daqueles factos, faria com que não mais pudesse aspirar a encontrar trabalho em qualquer outra empresa, uma vez que seria inevitável a difusão pelo mercado das razões de tal despedimento, para além das consequências penais que o Autor poderia vir a sofrer caso a Ré participasse tais factos ao Ministério Público, tendo o referido representante da Ré concluído que «a única saída que restava ao Autor, face à delicadeza da situação, passaria por um imediato pedido de demissão» e nem que «O Autor ficou profundamente perturbado com todo o ambiente criado à sua volta, não tendo tido tempo para reflectir e para se aconselhar, sentindo receio dos danos que a Ré poderia causar ao seu futuro profissional, familiar e pessoal, tendo acabado, por medo e contra a sua vontade, por assinar» a declaração de denúncia. Acresce que, embora esteja probatoriamente demonstrado que, na reunião em causa, o Autor foi acusado pelo Gerente da Ré de ter furtado bens da empresa, e o gerente da Ré, pelo menos, esclareceu o Autor que a sua denúncia inviabilizaria o prosseguimento de um processo disciplinar (cfr. factos provados n.ºs 4 a 7), este manancial factual é totalmente insusceptível de configurar qualquer ameaça ilícita já que a afirmação de um Empregador em que este acusa um Trabalhador de uma violação de um dever contratual, em si mesmo nada tem de ilícito, tal como qualquer eventual declaração de que pode ou irá proceder a um processo disciplinar constitui o exercício normal de um direito (cfr. n.º 3 do art.º 255.º do C. Civil e art.ºs 351.º e segs. do C. Trabalho de 2009), mais acrescendo que a declaração de que, havendo denúncia do contrato por parte do Trabalhador, não irá ocorrer um processo disciplinar, em si mesmo, trata-se de uma afirmação lógica e evidente (se uma trabalhador denuncia o contrato de trabalho, este cessa, e, obviamente, já não pode ser instaurado qualquer procedimento disciplinar contra o mesmo);
- E, nestas circunstâncias, jamais o Tribunal poderia concluir por qualquer direito à anulabilidade da declaração de denúncia do contrato emitida pelo Autor (pretensão que, frise-se mais uma vez, não foi formulada).

Consequentemente e sem necessidade de outras considerações, deve improceder na íntegra a pretensão formulada pelo Autor no sentido de ter sido revogada, válida e eficazmente, a declaração de denúncia “ – fim de transcrição.

E analisada a sentença dir-se-á, desde logo, que estamos inteiramente de acordo com as conclusões a que aportou.

Na realidade, os artigos 402.º a 404.º do CT/2009 regulam:

Artigo 400.º
Denúncia com aviso prévio.
1 — O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respetivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.
2 — O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e o contrato de trabalho podem aumentar o prazo de aviso prévio até seis meses, relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou direcção, ou com funções de representação ou de responsabilidade.
3 — No caso de contrato de trabalho a termo, a denúncia pode ser feita com a antecedência mínima de 30 ou 15 dias, consoante a duração do contrato seja de pelo menos seis meses ou inferior.
4 — No caso de contrato a termo incerto, para efeito do prazo de aviso prévio a que se refere o número anterior, atende -se à duração do contrato já decorrida.
5 — É aplicável à denúncia o disposto no n.º 4 do artigo 395.º

Artigo 401.º
Denúncia sem aviso prévio.
O trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência.

Artigo 402.º
Revogação da denúncia.
1 — O trabalhador pode revogar a denúncia do contrato, caso a sua assinatura constante desta não tenha reconhecimento notarial presencial, até ao sétimo dia seguinte à data em que a mesma chegar ao poder do empregador, mediante comunicação escrita dirigida a este.
2 — É aplicável à revogação o disposto nos n.ºs 2 ou 3 do artigo 350.º.

In casu, a declaração referida no ponto n.º 8 dos factos assentes [ ] (ou seja que:

8 - Na referida reunião, o Autor subscreveu o escrito particular cuja cópia consta de fls. 66 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado:

«Ao Sr. Engenheiro CC Gerência da BB. LDA… Por mão própria Queluz, 06 de Dezembro de 2013 Assunto: Pedido de Demissão…
Venho pela presente comunicar que pretendo de forma irrevogável denunciar o meu contrato de trabalho celebrado em 07/07/1998 entre mim e a empresa, com efeitos imediatos…») consubstancia uma denúncia sem aviso prévio; sendo certo que a assinatura do Autor se mostra reconhecida pela Exm.ª Advogada FF que ali (9) subscreveu a seguinte menção:
«Reconhecimento com menções especiais por presença.
Ao abrigo do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março e da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho de 2006, que estabelece a regulamentação do registo informático dos actos praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores, reconhece FF, Advogada, com domicílio escolhido na (…) titular da Cédula Profissional n.º (…)… a assinatura supra de AA em face do respectivo cartão do cidadão n.º (…), válido até (…), que verifiquei no acto, onde foi exibido e restituído…».

Por outro lado, também se provou que (vide 13) a Exm.ª Advogada FF prestava e presta serviços à Ré.

Diga-se aqui, desde já, que se continuam a subscrever integralmente as afirmações produzidas pelo aqui relator no acórdão proferido na Relação de Lisboa em 30/06/2011 (no processo n.º 243/09.1TTFUN.L1-4, acessível em www.dgsi.pt , que logrou o seguinte sumário:
O entendimento de que um Advogado se encontra impedido de reconhecer presencialmente a assinatura de uma declaração de rescisão unilateral de um contrato de trabalho de um trabalhador de uma cliente sua afigura-se incompatível não só com a intenção do legislador ao atribuir aos Advogados tal possibilidade, assim como com a sua qualidade de “colaborador da justiça”.- Fim de transcrição.
Desta forma, visto que nenhum vício se deve imputar ao reconhecimento em causa cumpre considerar que, atento o preceituado no n.º 1 do artigo 402.º do CT/2009 aqui não logra aplicação.

Ou seja, nesta situação o invocado “arrependimento” não é possível (é que em 11 provou-se que:
11) No dia 11 de Dezembro de 2013, o Autor remeteu à Ré, e esta recebeu, a carta cuja cópia consta de fls. 32 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «Assunto: Revogação de denúncia de contrato de trabalho….
Na sequência da minha denúncia do contrato de trabalho que me ligava a V. Ex.as, efectuada na passada sexta-feira, dia 6 de Dezembro de 2013, venho, por este meio e nos termos e para os efeitos do artigo 402º, nº1, do Código do Trabalho, proceder à sua revogação.
Mais informo que retomarei o exercício das minhas funções no dia seguinte ao da recepção da presente carta por parte de V. Exas…».
Tal missiva para o efeito em causa não releva.

E o mesmo se dirá no tocante à missiva referida em 12, ou seja:

12) À carta referida em 11), a Ré remeteu ao Autor, e este recebeu, a carta cuja cópia consta de fls. 33 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual está consignado:
«13 de Dezembro de 2013 Assunto: Revogação do Pedido de Demissão… somos a informar que a revogação do pedido de demissão elaborado por si de acordo com o artigo 402º n°1 do Código do Trabalho não produz qualquer efeito uma vez que a sua assinatura constante nesse pedido de demissão a 06/12/2013 foi reconhecida presencialmente por advogado com competência para o efeito…».

E, igualmente, saliente-se que para o efeito, a nosso ver, também não assume relevo o facto assente em 10).

Isto é que aquando da sua assinatura, a Ré não facultou ao Autor cópia do escrito particular referido em 8).

Improcede, assim, a primeira vertente do presente recurso.
***

Consequentemente, a segunda questão a dirimir cuja sorte dependia, como já se salientou, da solução adoptada em relação à primeira é a de saber se o Autor deve reputar-se ilicitamente despedido pela Ré.

É que a matéria referida nos factos n.ºs 14 a 17 (isto é que:

14) No dia 21 de Dezembro de 2013, o Autor enviou um SMS ao seu superior hierárquico directo, Sr. GG, informando-o que se iria apresentar ao serviço no dia 23 de Dezembro de 2013 (segunda-feira), pelas 9.00 horas, estando disponível para outro horário se essa fosse a vontade da sua entidade patronal.
15) O Autor só ia regressar naquela data, por se ter encontrado de baixa médica, a partir do dia 9 de Dezembro, por um período de 12 dias.
16) No dia 23 de Dezembro, pelas 9.00 horas, o Autor apresentou-se na sede da empresa, onde habitualmente exercia a sua actividade profissional, para retomar a sua actividade, tendo a Ré dado instruções à portaria para que o Autor não pudesse entrar nas instalações da empresa para retomar a sua actividade.
17) Tendo o Autor sido impedido, efectivamente, de aí entrar) ocorreu (ou seja o putativo despedimento) quando a relação laboral em causa j, em rigor, já havia cessado em virtude da supra mencionada denúncia.

Em face dos factos assentes e da posição supra perfilhada, é evidente, que em 23 de Dezembro de 2013, a Ré já não era entidade patronal do Autor e consequentemente já não tinha qualquer poder disciplinar sobre o mesmo para o despedir (quer de forma lícita quer ilícita).

Improcede, assim, a segunda vertente recurso o que, só por si, prejudica a apreciação da terceira (atinente, como supra se mencionou, às consequências de um despedimento ilícito, tendo em conta os pedidos formulados).

Em resumo, o recurso improcede na íntegra” – fim de transcrição. [ ]
***

Tendo a presente reclamação para a Conferência sido objeto por parte do Juiz Desembargador relator de um projeto de Acórdão, que foi oportunamente submetido à apreciação dos restantes membros do coletivo, veio o mesmo a merecer a discordância dos dois juízes adjuntos, o que implicou que o julgamento da referida reclamação fosse adiada com fundamento em «vencimento do relator» e que a elaboração do projeto correspondente à posição que logrou esse vencimento recaísse sobre o 1.º Ajunto, Juiz-Desembargador José Eduardo Sapateiro, que surge assim como relator deste Aresto.

Cumpre decidir.            
                                     
I – DECISÃO SUMÁRIA.

No que concerne à primeira questão suscitada pelo reclamante – indevida utilização da Decisão Sumária por parte do relator -, limitamo-nos a remeter para o disposto no artigo 656.º do NCPC, onde se estatui que «Quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia» e para a circunstância da questão em litígio ser de enunciado e contornos efetivamente simples, de o relator do presente recurso ter sido o relator do primeiro Acórdão que abordou expressa e impressivamente a matéria do reconhecimento da assinatura do trabalhador por advogado – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/6/2011 [ ] – e de a sua posição, ainda que não colhendo a unanimidade jurisdicional (em função do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/7/2011) ser largamente maioritária na jurisprudência conhecida (cfr. ainda Arestos dos Tribunais da Relação de Évora de 27/2/2014 , da Relação de Coimbra de 20/3/2014  e da Relação do Porto de 9/7/2014 ), pressupondo e consentindo a norma transcrita uma certa margem de subjetividade e discricionariedade por parte do juiz do tribunal da 2.ª instância no que concerne à verificação dos requisitos (não taxativos, convirá realçar) de que o legislador faz depender o recurso à Decisão Sumária e Singular.
De qualquer maneira e ainda que não se concorde com o que se deixou explanado, seguro é que o sistema jurídico contém uma válvula de segurança que é a Reclamação para a Conferência e de que, no caso concreto, a tese que foi professada na Decisão Sumária reclamada não logrou vencimento.  
 
II– RECONHECIMENTO NOTARIAL PRESENCIAL.

Abordando agora o cerne do recurso de Apelação e dessa Reclamação e que se traduz na validade e/ou eficácia jurídica do reconhecimento presencial da assinatura aposta pelo Autor na carta de demissão com efeitos imediatos subscrita pelo mesmo em 6/12/2013, diremos que a mesma configura uma denúncia nos termos e para os efeitos dos artigos 400.º a 402.º do C.T./2009 e que, em termos normais, o trabalhador pode revogar por escrito e até ao 7.º dia contado a partir do conhecimento pela entidade empregadora da dita declaração rescisória, a não ser que tenha ocorrido a situação descrita no número 1 do artigo 402.º: “…caso a sua assinatura constante desta não tenha reconhecimento notarial presencial…” [ ]
A lei fala (ainda e apenas) em «reconhecimento notarial presencial», não obstante o Código de Trabalho ter sido publicado, como sabemos em 17/2/2009, ou seja, muito depois da publicação do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março (designadamente, na redação que lhe foi introduzida pelo art.º 19.º do DL 8/2007, de 17.01), que consentiu que determinados atos de exclusiva competência dos notários passassem igualmente a ser efetuados por outros profissionais como os advogados, e da Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho de 2006 (regulamenta o registo informático dos atos praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores, ao abrigo do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março).
Assim se explica, em nosso entender, a posição assumida no já referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/7/2011, processo n.º 1050/08.4TTVNG.P1, relatado pela Juíza-Desembargadora Paula Leal de Carvalho e que se achando igualmente publicado em www.dgsi.pt, possui o seguinte Sumário:
O reconhecimento notarial presencial da assinatura da denúncia do contrato de trabalho a que se reporta o art.º 449.º, n.ºs 1 e 4, do CT/2003 [ ] não pode, para efeitos do previsto nessa norma, ser efetuado por advogado pese embora o disposto no art.º 38.º, n.ºs 1 e 2 do DL 76-A/2006, de 29.03.[ ]  
              
Também ABILÍO NETO [ ] sustenta idêntica posição, quando afirma o seguinte:
«A exigência do reconhecimento notarial presencial da assinatura do trabalhador, enquanto fator obstativo à revogação da denúncia do contrato, não pode, segundo cremos, ser substituída, com efeitos idênticos, por qualquer outra das formas previstas no artigo 38.º do DL n.º 76/-A/2006, de 29/03, na redação do artigo 19.º do DL n.º 8/2007, de 17/01, uma vez que não se pode/deve presumir que o legislador da Lei n.º 7/2009, de 12/2, desconhecia a existência no ordenamento jurídico vigente, de uma norma ampliativa da competência funcional para reconhecimento de assinaturas, e não foi intencionalmente que consignou a exigência do reconhecimento notarial presencial».[ ]
A demais doutrina que se tem pronunciado sobre esta matéria, ou não toma posição expressa sobre a controvérsia que nos ocupa (Pedro Furtado Martins [ ]) ou admite como possível ambas a interpretações, embora sem deixar de ter uma perspetiva bastante crítica sobre tal problemática (Joana Vasconcelos [ ]).
Esta última autora refere o seguinte acerca da matéria que aqui nos ocupa, ainda que no quadro do regime da revogação do contrato de trabalho (muito embora haja referências às figuras da resolução e da denúncia) e fazendo a comparação entre o regime do C.T./2003 e do C.T./2009:
«A outra (alteração) consiste na referência ao “reconhecimento notarial presencial, nos termos da lei” (art.º 350.º, n.º 4), das assinaturas das partes no acordo revogatório em vez de «reconhecimento notarial presencial» (art.º 359.º, n.º 4, do CT2003) [ ]. Não é evidente o alcance desta alteração que, à primeira vista, parece esgotar-se numa redundância. Procurando atribuir-lhe algum sentido útil, poder-se-á questionar se através dela se terá pretendido alargar a previsão da referida norma, de modo a abranger as demais situações em que a lei equipara ao reconhecimento notarial presencial o reconhecimento de assinaturas efetuado por outras entidades. Mas, a ser este o sentido da nova redação, a formulação adotada não é de todo feliz, porquanto equívoca [ ]»         
Se tivermos na devida atenção a competência legal e funcional dos notários e a natureza e finalidade dos atos pelos mesmos praticados [ ] e se as confrontarmos com as que são consentidas pelo artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76/-A/2006, de 29/03, é efetivamente defensável que o reconhecimento presencial notarial só pode ser aquele levado a cabo pelos primeiros, o mesmo já não acontecendo com os segundos, que se limitam a levar a cabo atos dessa natureza que são, por força de lei e em termos meramente probatórios, simplesmente equiparados aos praticados por notário.
Impõe-se também realçar que tal reconhecimento notarial da assinatura do trabalhador na declaração escrita de denúncia visa impedir o «direito ao arrependimento» do mesmo, nos termos do artigo 402.º do CT/2009, constituindo assim e em regra um benefício para o empregador e não para o autor da aludida declaração.

Bastará ouvir a este respeito

JOÃO LEAL AMADO [ ] para compreender melhor o que se deixou acima sintetizado:
«A faculdade de revogação unilateral da declaração extintiva do trabalhador (isto é, o «direito de arrependimento») não existirá, em princípio, na hipótese de a assinatura do trabalhador ser objeto de reconhecimento notarial presencial, conforme estabelece o n.º 1 do art.º 402.º do CT. Na ótica da lei, a realização da assinatura na presença do notário garante a genuinidade e a atualidade da declaração extintiva proferida pelo trabalhador, evitando práticas fraudulentas por parte do empregador e exigindo do trabalhador uma reflexão acrescida, pelo que, em tal situação, o trabalhador não gozará daquele direito potestativo de desfazer o declarado. Mas pergunta-se: em que tipo de situações poderá, na prática, verificar-se o reconhecimento notarial presencial da assinatura do trabalhador demissionário? Não, decerto, nos casos de «despedimento dissimulado», em que o empregador condiciona a contratação do trabalhador à assinatura de uma declaração demissória sem data. Sucede, porém, que o reconhecimento notarial também não ocorrerá nos outros casos, isto é, nos casos em que a declaração de extinção do contrato corresponde a uma real e atual vontade do trabalhador de dissolver a relação laboral. Na verdade, tratando-se aqui de uma declaração unilateral do trabalhador, o eventual reconhecimento presencial da sua assinatura representará, apenas, a criação de um encargo para si mesmo, cujo efeito prático consistirá em privá-lo do «direito de arrependimento» que de outro modo lhe assistiria. Nesta medida, a ida ao notário só se explicaria no quadro de uma algo masoquista autopunição por parte do trabalhador...
Nos seus art.ºs 400.º, n.º 5, e 395.º, n.º 4, o CT vem, todavia, atribuir ao empregador o poder de exigir que a assinatura do trabalhador, constante do documento que formaliza a sua declaração demissória, seja objeto de reconhecimento notarial presencial. Isto é, para que a declaração extintiva do trabalhador produza efeitos de modo irreversível, sem que sobre ela continue a pairar a ameaça do «direito de arrependimento», concede-se ao empregador a faculdade de exigir o reconhecimento notarial presencial da assinatura do trabalhador. Na perspetiva do legislador, um tal reconhecimento notarial, se protege o trabalhador do «despedimento dissimulado» promovido pelo empregador, também protegerá este último face ao «direito de arrependimento» exercido por aquele.
Pelo exposto, a simples emissão de uma declaração escrita por banda do trabalhador, comunicando ao empregador a resolução ou a denúncia do contrato, poderá não ser bastante para produzir o efeito extintivo da relação laboral visado por aquele. Na verdade, o trabalhador poderá ter de assinar o referido documento na presença do notário, sob pena, ao que parece, de o vínculo contratual não cessar. Ponto é que o empregador o exija, conforme prescreve o n.º 4 do art.º 395.º do CT, para o qual remete o n.º 5 do art.º 400.º Estranhamente, porém, aquela norma nada diz sobre o prazo dentro do qual o empregador poderá reivindicar o reconhecimento notarial presencial da assinatura do trabalhador - omissão esta que, julga-se, poderá causar alguns problemas de ordem prática. A meu ver, a resposta/exigência do empregador, ao abrigo da referida norma, não poderá deixar de ser imediata, quase instantânea: ao receber a comunicação escrita da resolução ou da denúncia do contrato, o empregador deverá comunicar prontamente ao trabalhador que exige o reconhecimento notarial presencial da respetiva assinatura; caso contrário, a sua inércia só poderá ser entendida como exprimindo a dispensa de uma tal formalidade suplementar ao trabalhador (dir-se-ia que, aqui, o empregador que cala consente...).
Casos há, todavia, nos quais, mesmo que a assinatura do trabalhador seja realizada na presença do notário, nem por isso o seu «direito de arrependimento» desaparecerá. Trata-se das situações previstas na parte final do n.º 4 do art.º 395.º, em que medeie um período superior a 60 dias entre a data do reconhecimento notarial e a data da cessação do contrato. A lei procura, assim, garantir que a declaração extintiva do trabalhador corresponde a uma vontade atual deste, impedindo que o reconhecimento notarial de uma declaração genuína mas já desatualizada prive o trabalhador da possibilidade de reconsiderar a sua decisão. Nas situações contempladas por este segmento normativo, a eventual exigência patronal de reconhecimento notarial da assinatura do trabalhador revela-se, pois, inócua ou supérflua, na medida em que, atendendo ao muito tempo que medeia entre a data daquele reconhecimento e a da cessação do contrato, o trabalhador conservará o seu «direito de arrependimento»... mas isto, note-se, apenas até ao sétimo dia seguinte à data em que a declaração chegue ao poder do empregador, conforme resulta do n.º 1 dos art.ºs 397.º e 402.º do CT.
A análise deste tortuoso regime legal revela-nos, pois, que pode haver várias datas a destacar no processo demissório do trabalhador: desde logo, i) a data do reconhecimento notarial presencial da assinatura do trabalhador, ii) a data em que a declaração extintiva chega ao poder do empregador e iii) a data da cessação do contrato de trabalho. O «direito de arrependimento» do trabalhador desaparecerá no caso de entre a primeira e a última destas datas mediar um período igual ou inferior a 60 dias, bem como no caso de já terem decorrido mais de 7 dias sobre a segunda daquelas datas.[]»(sublinhados nossos)[]

Conjugando as diversas referências doutrinárias e jurisprudenciais que visam interpretar o regime constante do artigo 402.º, n.º 1 do C.T./2009 e com os riscos reais e frequentes de manipulação, fraude e coação por parte das entidades empregadoras nesta matéria[ ], afigura-se-nos que a posição mais consentânea com a manutenção da redação do preceito legal em questão, não obstante o referido alargamento da competência dos notários a outras entidades, no que concerne a alguns dos atos inicialmente praticados em exclusividade pelos primeiros, assim como com o seu teor, alcance e sentido é aquela expressa na fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/7/2011:
«O designado direito ao arrependimento [ ] por parte do trabalhador que denuncia o contrato de trabalho, facultando-se-lhe a possibilidade de revogar essa denúncia, já estava prevista na pela Lei 38/96, de 31.08, cujo art.º 1.º dispunha que “1. A rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalho sem assinatura reconhecida notarialmente pode por este ser revogada por qualquer forma até ao 2.º dia útil seguinte à data da produção dos seus efeitos.”.
Tinha esse direito, nos termos estatuídos na norma, a dupla finalidade de garantir a devida ponderação, pelo trabalhador, das consequências da sua declaração de denúncia, evitando eventuais decisões precipitadas e, por outro lado, minimizar as situações, que frequentemente ocorriam, dos denominados despedimentos dissimulados, em que o empregador, designadamente aquando da admissão do trabalhador, deste obtinha uma declaração de denúncia do contrato, não datada e que, posteriormente, quando entendesse, utilizava para por termo ao contrato de trabalho.
Porém, do n.º 1 decorre que, sendo a denúncia do contrato feita com assinatura reconhecida notarialmente, já o trabalhador não podia exercer tal direito de revogação.

Entretanto, o CT/2003 (o aplicável ao caso atenta a data dos factos), passou a dispor, no seu art.º 449.º, que:
1- A declaração de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, tanto por resolução como por denúncia, sem assinatura objeto de reconhecimento notarial presencial, pode por este ser revogada por qualquer forma até ao 7º dia seguinte à data em que chega ao poder do empregador.
2- No caso de não ser possível assegurar a receção da comunicação prevista no número anterior, o trabalhador deve remetê-la ao empregador, por carta registada com aviso de receção, no dia útil subsequente ao fim desse prazo.
3- A cessação prevista no n.º 1 só é eficaz se, em simultâneo com a comunicação, o trabalhador entregar ou puser por qualquer forma à disposição do empregador, na totalidade, o valor das compensações pecuniárias eventualmente pagas em consequência da cessação do contrato de trabalho.
4- Para a cessação do vínculo, o empregador pode exigir que os documentos de onde conste a declaração prevista no n.º 1 do artigo 442.º e o aviso prévio a que se refere o n.º 1 do artigo 447.º tenham a assinatura do trabalhador objeto de reconhecimento notarial presencial.
5- No caso a que se refere o número anterior, entre a data do reconhecimento notarial e a da cessação do contrato não pode mediar um período superior a 60 dias.
Com este preceito, o prazo (então de dois dias) para o exercício do direito de revogação da denúncia do contrato de trabalho deixou de ser contado a partir da data da produção dos efeitos da denúncia, tendo sido aumentado para 7 dias, porém contados da data em que a denúncia chega ao poder do empregador [ ]. Por outro lado, passou a ser permitido ao empregador exigir do trabalhador que a sua assinatura, constante do documento que titula a denúncia do contrato, seja objeto de reconhecimento notarial presencial, sendo que, tal como anteriormente, só as denúncias sem tal reconhecimento poderão ser revogadas pelo trabalhador.
O reconhecimento notarial da assinatura da denúncia é uma faculdade conferida ao empregador, visando a tutela de um seu interesse, qual seja o de lhe permitir, mediante a imposição da observância de um formalismo reforçado na declaração extintiva do trabalhador, precaver-se contra uma eventual mudança de ideias ou de planos por parte deste [ ]. Naturalmente que o trabalhador não tem qualquer interesse em formalizar, desse modo, a denúncia do contrato de trabalho, sendo certo que tal lhe irá impedir o exercício do “direito ao arrependimento”.
Mas, precisamente porque está em causa a restrição do exercício desse direito, entendeu também o legislador que a realização da assinatura na presença do notário garante a genuinidade e a atualidade da declaração extintiva proferida pelo trabalhador, evitando práticas fraudulentas por parte do empregador e exigindo do trabalhador uma reflexão acrescida” [ ], assim se exigindo esse formalismo reforçado.

É certo que, aquando da publicação do CT/2003, o reconhecimento presencial da letra e/ou assinatura de documentos era exclusivamente um ato notarial [ ]. E que, apenas posteriormente, com o DL 76-A/2006, de 29.03, é que veio a ser conferida aos advogados [ ] a possibilidade de efetuarem reconhecimentos simples e presenciais, diploma esse cujo artigo 38.º (na redação introduzida pelo art.º 19.º do DL 8/2007, de 17.01 [ ]), sob a epígrafe de Extensão do regime dos reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documentos, veio dispor que:
1- Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei nº 28/2000, de 13 de Março.
2- Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
3- Os atos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respetivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça.
4 – (…)
5 – (…).
6 – (…)
7 – (…)

O n.º 3 foi regulamentado pela Portaria 657-B/2006, de 29.06, dispondo os seus art.ºs 1.º, 3.º e 4.º que:
- A validade dos reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, das autenticações de documentos particulares e da certificação, ou realização e certificação, de traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial, efetuados por câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, advogados e solicitadores, depende de registo em sistema informático. (art.º 1.º).
- Relativamente a cada um dos atos referidos no artigo 1.º, devem ser registados no sistema informático os seguintes elementos: a) identificação da natureza e espécie dos atos; b) identificação dos interessados, com menção do nome completo e do número do documento de identificação; c) identificação da pessoa que pratica o ato; d) data e hora de execução do ato; e) número de identificação do ato (art.º 3.º).
- O registo informático é efetuado no momento da prática do ato, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o ato (art.º 4.º, n.º 1).
Sendo, até então, os reconhecimentos presenciais um ato da competência notarial, entendeu o legislador estender tal competência às entidades acima referidas, conferindo aos respetivos documentos a mesma força probatória que teriam se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
Não obstante, e salvo melhor opinião, não se nos afigura que tanto baste para que, nos termos e para os efeitos do art.º 449.º, n.º 1, do CT/2003, se possa equiparar o reconhecimento presencial feito por advogado ao “reconhecimento notarial presencial” previsto nesse art.º 449.º.
Na verdade, e pese embora, à data do CT/2003, o reconhecimento presencial fosse um ato notarial, a verdade é que a letra da lei, ainda assim, não dispensou a referência à competência “notarial”. Se se poderia dizer, tal como o entende a Recorrida e pressuposto na sentença, que essa referência decorreria apenas da circunstância de os reconhecimentos presenciais serem atos notariais, poder-se-á, na defesa da tese oposta, argumentar que, então e se assim é, escusado seria o legislador ter feito tal menção (pois se os reconhecimentos presenciais simples eram atos praticados apenas pelo notário para quê dizê-lo?).
O que nos parece é que o legislador, não obstante o regime que, à data da publicação do CT/2003, vigorava em matéria de reconhecimento presencial simples de letra e/ou assinaturas de documentos, pretendeu enfatizar a natureza exclusivamente notarial de tal reconhecimento [ ], propósito este tanto mais evidente quanto se tivermos em conta que o CT/2009 [ ], no seu art.º 402.º, n.º 1, manteve a exigência do reconhecimento notarial presencial. Ou seja, quando este foi publicado, em 2009, já estava em vigor o DL 76-A/2006, de 29.03, pelo que o legislador, certamente, não desconhecia que a lei permitia que tais reconhecimentos fossem levados a cabo por advogado. E, ainda assim, o CT/2009, no seu art.º 402.º, nº 1, ao invés de utilizar uma formulação mais ampla (reportando-se tão-só ao reconhecimento presencial da assinatura) caso a sua intenção tivesse sido a de incluir os reconhecimentos feitos por advogado, manteve a exigência do “reconhecimento notarial presencial” [ ].
Por outro lado, afigura-se-nos que a ratio do art.º 449.º do CT/2003 (e 402.º do CT/2009) aponta no sentido da competência exclusivamente notarial.
Com efeito, a lei consagra o direito do trabalhador (que denuncia o contrato de trabalho) ao arrependimento, o qual pode ser exercido no prazo de 7 dias. Confere-lhe, pois, um prazo em que ele, de forma mais refletida e, designadamente, livre que qualquer eventual constrangimento, possa melhor ponderar a sua decisão.
Todavia, em benefício do empregador, a lei introduz uma restrição a esse direito, ao impedir o seu exercício se a assinatura do trabalhador for objeto de reconhecimento notarial presencial. A exigência da intervenção notarial, face, designadamente, à maior solenidade do ato, ao peso institucional e social que a intervenção notarial reveste e à equidistância relativamente a qualquer interesse particular, foi, precisamente, o meio que a lei entendeu ser de exigir, em contrapartida da restrição do direito, como forma de garantir ao trabalhador a necessária ponderação e consciencialização da importância do ato de denunciar o contrato de trabalho.
Acresce que a equiparação mencionada no art.º 38.º, n.º 2, do DL 76-A/2006 se reporta aos efeitos probatórios. Ora, parece-nos, a ratio da exigência do reconhecimento notarial prevista no art.º 449.º do CT/2003 extravasa os efeitos meramente probatórios do documento. Tal exigência não visa, apenas, conferir ao empregador a segurança de que, por via do reconhecimento notarial, o trabalhador não venha, mais tarde, a impugnar a sua assinatura [ ]. Com efeito, e como decorre do que acima dissemos, essa exigência é estabelecida não apenas no interesse do empregador, mas também no interesse do trabalhador, na medida em que visa, como contrapartida da eliminação do seu direito ao arrependimento, garantir-lhe a possibilidade de uma adequada e atual ponderação da sua decisão.
A terminar, resta apontar o elemento literal da lei que, indiscutivelmente, se reporta ao reconhecimento notarial.
Desta forma, e em conclusão, entendemos que o reconhecimento presencial da assinatura da denúncia, pelo trabalhador, do contrato de trabalho feito por advogado não substitui ou dispensa, para efeitos do disposto no art.º 449.º, n.ºs 1 e 4, do CT/2003, o reconhecimento notarial (presencial).»
   
Logo, de acordo com a interpretação jurídica que se deixou exposta relativamente à regra constante do n.º 1 do artigo 402.º do C.T./2009, o reconhecimento presencial da assinatura do Autor levado a cabo pelo ilustre mandatário da Ré não era suscetível de produzir os efeitos jurídicos procurados pela referida norma, não sendo, nessa medida, impeditivo do exercício atempado do direito de arrependimento por parte do trabalhador e aqui Apelante.

III– RECONHECIMENTO PRESENCIAL PELO ADVOGADO DA EMPREGADORA.

Afigura-se-nos útil, não obstante a posição que deixámos expressa no Ponto anterior, explorar um pouco mais a controvérsia que se desenha nos autos quanto à legitimidade e eficácia jurídicas do reconhecimento presencial feito por outra entidade que não o notário, admitindo que, por interpretação extensiva daquela regra constante do n.º 1 do artigo 402.º do C.T./2009 (e não atualista, dado o legislador laboral ter mantido o teor da mesma apesar da publicação do atual Código do Trabalho), fosse possível alargar às demais entidades identificadas no artigo 38.º do Dec.-Lei n.º 76-A/2006, de 29.03, (na redação introduzida pelo art.º 19.º do DL 8/2007, de 17/01) o dito reconhecimento (notarial) presencial aí previsto.
Ora, ainda que assim fosse, afigura-se-nos que seriam de aplicar a tais organismos ou profissionais não somente os princípios e impedimentos aplicáveis aos notários, quando da prática dos mesmos atos [ ], como aos advogados, apesar da inequívoca e valiosa qualidade de «auxiliares da justiça” (cfr. artigo 6.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro e 12.º e 13.º da Lei n.º 62/2013, de 26/08), as regras deontológicas constantes do seu Estatuto, na versão em vigor à data dos factos dos autos[ ].
Resulta do confronto dessas normas regulamentares e éticas com a situação vivida na ação – reconhecimento, em ato contínuo e pelo advogado da Ré, da assinatura aposta pelo trabalhador da denúncia do vínculo laboral existente e que todo indica ter sido redigida pela própria entidade empregadora, assim impossibilitando, em termos imediatos, o exercício do seu direito de arrependimento por parte daquele – um conflito (irreconciliável) de interesses entre o papel ou função do ilustre causídico, enquanto advogado da Apelada e aquela pretensamente neutral ou imparcial que deve assumir, ao proceder ao (mero) reconhecimento da assinatura da «parte contrária» (que o era, já na altura, pelo menos em termos práticos e factuais) e ao defender e reforçar, dessa maneira e através dessa atuação equiparada a «notarial», a posição da sua cliente no conflito em presença (porque era disso que realmente se tratava, conforme ressalta da matéria de facto assente, dado estar em cima da mesa a instauração de um procedimento disciplinar ou a denúncia imediata do contrato de trabalho pelo Autor).
Essa incompatibilidade entre um interesse pessoal/profissional de defesa da Ré, na sua qualidade de cliente, e a referida conduta quase notarial não poderia conferir igualmente eficácia jurídica ao dito reconhecimento presencial e notarial, conduzindo, dessa forma, a idêntica conclusão e consequências jurídicas.

IV– DESPEDIMENTO ILÍCITO.

Face ao que se deixou acima sustentado – ineficácia jurídica do referido reconhecimento da assinatura do trabalhador pela ilustre advogada, como ato impeditivo da revogação de denúncia do Autor – e à faculdade efetiva que o mesmo tinha de exercer o seu «direito de arrependimento», dentro do prazo de 7 dias úteis após a emissão daquela, como de facto veio a acontecer, a recusa de recebimento da sua prestação laboral, após tal declaração revogatória chegar às mãos e ao conhecimento da entidade empregadora, tem de ser interpretada como constituindo uma declaração de despedimento, face ao disposto nos artigos 217.º e 236.º a 239.º e 295.º do Código Civil e colocando, naquelas circunstâncias em concreto, um declaratário normal na posição do Apelante.
Ora, tendo presente que tal declaração de despedimento se traduz juridicamente numa declaração unilateral e recetícia, nos termos dos artigos 224.º e seguintes e 295.º do Código Civil, aplica-se-lhe, consequentemente, com as devidas adaptações, o estatuído no artigo 230.º do citado diploma legal, quando diz que «salvo declaração em contrário, a proposta do contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou dele ser conhecida».
Tendo esse despedimento se verificado em 23/12/2013, ou seja, no quadro do Código do Trabalho de 2009, bastar chamar à colação o estatuído nos artigos 351.º e seguintes e 381.º, número 1, alínea c) desse diploma legal para se qualificar, efetivamente, a cessação em causa como contrária à lei, por se ter verificado sem precedência de procedimento disciplinar e sem causa aparente.
     
V– PRESTAÇÕES DECORRENTES DO DESPEDIMENTO ILÍCITO.

Logo, chegados aqui e tendo agora em consideração o estatuído nos artigos 389.º a 391.º do Código do Trabalho de 2009 e a circunstância do trabalhador ter pedido a condenação da Ré na sua reintegração, não restam dúvidas de que o Autor tem direito a ser reintegrado no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade e retribuição, bem como as retribuições que normalmente auferiria entre 24/12/2013 e a data do trânsito em julgado do Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, que foi quem declarou a ilicitude da referida cessação do contrato de trabalho, tudo sem prejuízo das deduções previstas no artigo 390.º, número 2, alíneas a) a c) do mesmo diploma legal.
Logo, tendo o despedimento tido lugar no dia 23/12/2013 e a ação dado entrada em 13/3/2014, tal significa que as retribuições vencidas são devidas apenas a partir do 30.º dia anterior à data da dita propositura, ou seja, desde 11/2/2014, inclusive.
Tal compensação basear-se-á nas prestações dadas como provadas no Ponto 3) da Factualidade dada como Provada: «3) Auferindo o vencimento mensal ilíquido de € 951,31, mais uma diuturnidade no valor de 40,80, no valor total de € 992,11, a que acresce o respectivo subsídio de alimentação no valor de € 5,15 por dia.»
Sendo assim, a ação proposta pelo Autor tem de ser julgada procedente nestas suas duas vertentes (reintegração e compensação, nos moldes indicados). 

VI– DANOS NÃO PATRIMONIAIS.

O Autor pede a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 3.000.00 Euros, por força das condutas ilícitas alegadas e levadas a cabo pela mesma.

Os factos dados como assentes e com relevância para esta problemática são os seguintes: 
«1) O Autor AA é trabalhador da Ré BB LDA há mais de quinze anos.
4) No dia 6 de Dezembro de 2013, cerca das 15.00 horas, nas instalações da Ré, o Autor foi convocado para uma reunião no gabinete da Gerência da Ré.
5) Na qual estava presente o Sr. Eng.º CC, Gerente da Ré e o Sr. DD, funcionário da Ré, o Sr. EE, Director da Manutenção.
6) No decurso de tal reunião, o Autor foi acusado pelo referido Gerente da Ré de ter furtado bens da empresa,
7) E o gerente da Ré, pelo menos, esclareceu o Autor que a sua denúncia inviabilizaria o prosseguimento de um processo disciplinar.

8) Na referida reunião, o Autor subscreveu o escrito particular cuja cópia consta de fls. 66 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado:
«Ao Sr. Engenheiro CC Gerência da BB… Por mão própria Queluz, 06 de Dezembro de 2013 Assunto: Pedido de Demissão…
Venho pela presente comunicar que pretendo de forma irrevogável denunciar o meu contrato de trabalho celebrado em 07/07/1998 entre mim e a empresa, com efeitos imediatos…».
18) Na sequência do referido em 8), o Autor ficou desempregado durante um número de meses não concretamente apurado.
19) A acusação referida em 6) causou ofensa e sofrimento ao Autor.»
Em termos de regime legal, importa chamar à colação os artigos 389.º, n.º1, alínea a) do Código do Trabalho de 2009 e 496.º do Código Civil, na sua redação atual, rezando tais disposições legais, na parte que para aqui importa, o seguinte: 

Artigo 389.º
Efeitos da ilicitude de despedimento.
1- Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais;
b) (…)
2 – (…)
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.

Artigo 496.º
Danos não patrimoniais.
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 – (…)
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.     
Ora, cruzando tal regime legal com a factualidade dada como assente, afigura-se-nos que não ficaram demonstrados factos suficientes para fundar a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização por danos morais, pois somente ficou demonstrado que o Apelante ficou ofendido e em sofrimento com a acusação que lhe foi formulada na dita reunião e nada mais, não possuindo tal factualidade a gravidade e relevância jurídica mínimas constitutivas do direito à perceção da dita indemnização.  
Sendo assim, é inevitável a improcedência da ação na vertente agora abordada.        
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DECISÃO:
         
Em face do exposto, acorda-se, em Conferência, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em atender a presente reclamação e, nessa medida, em revogar a Decisão Sumária reclamada e, consequentemente, julgar parcialmente procedente o recurso de Apelação interposto por AA, declarando-se, nessa medida, ilícito o despedimento de que o trabalhador foi alvo e condenando-se a Ré BB, LDA a reintegrá-lo no seu posto de trabalho com a mesma categoria profissional, funções e retribuição que auferia à data do despedimento (23/12/2013), assim como a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas entre 11/2/2014 e a data do trânsito em julgado do presente Acórdão, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data da citação da entidade empregadora até ao seu efectivo e integral pagamento.      
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Custas da ação na proporção do decaimento e do recurso de Apelação a cargo da Apelada – artigo 527.º, número 1, do NCPC.
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Registe e notifique.

DN (processado e revisto pelo relator substituto).


Lisboa, 16 de dezembro de 2015


José Eduardo Sapateiro
Alves Duarte
Leopoldo Soares (Vencido pelos motivos deduzidos na decisão singular)
Decisão Texto Integral: