Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
251/21.4YHLSB.L2-PICRS
Relator: ALEXANDRE AU-YONG OLIVEIRA
Descritores: CADUCIDADE
RECONVENÇÃO
NULIDADE
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE DA LIDE
CCP 339
AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO (AIM)
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (da responsabilidade do Relator)
1. Em ação intentada ao abrigo do artigo 3.º da nº 62/2011, após diversas vicissitudes processuais, os autos prosseguiram unicamente para apreciação do pedido b) da petição inicial no que respeitava ao CCP 339, e do pedido reconvencional. Com tal pedido b), as Autoras pretendiam que a Ré fosse condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que são objeto dos pedidos de AIM identificados no artigo 141.º da petição inicial, enquanto o CCP 339 se encontrasse em vigor.
2. Atenta a caducidade do CCP 339, quer a instância principal quer a instância reconvencional, onde se pedia a declaração de nulidade do CCP 339, foram declaradas extintas por inutilidade superveniente da lide, tendo-se consignado no despacho recorrido, quanto ao pedido reconvencional “não se vislumbrando qualquer outro interesse que a R. possa ter no conhecimento da sua pretensão”.
3. De acordo com o artigo 34.º, n.º 3 do CPI, a nulidade de um direito de propriedade industrial “é invocável a todo o tempo por qualquer interessado”. Como a simples leitura deste preceito impõe, o âmbito temporal e subjetivo da ação de nulidade deve ser o mais amplo possível. A Recorrente é obviamente um “interessado” à luz deste preceito, porquanto é concorrente das Recorridas no mercado dos medicamentos.
4. Por seu turno, atento o princípio geral da apreciação autónoma dos pedidos da ação e da reconvenção consagrado no artigo 266.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, porque nos presentes autos o pedido reconvencional não depende da procedência da ação principal, a extinção da instância principal não conduz à extinção da instância reconvencional.
5. Nestes termos, o recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se o prosseguimento dos autos com vista a apreciar a alegada nulidade do CCP 339.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa

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Relatório
Recorrente/Ré: Rontis Hellas, S.A.
Recorridas/Autoras: Merck Sharp & Dohme Corp. e Merck Sharp & Dohme Lda.

1. Junto do TPI as Autoras, ora Recorridas, vieram, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro, interpor a ação contra a ora Recorrente e a Ré SANDOZ FARMACÊUTICA, LDA, pedindo:
“a) Deverão as Rés ser condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que são objeto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 140.º da petição inicial, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 se encontrarem em vigor;
b) Deverão as Rés ser condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que são objeto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 141.º da petição inicial, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 e/ou o CCP 339 se encontrarem em vigor;
c) Deverá a Primeira Ré ser condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer  medicamentos que compreendam a substância ativa sitagliptina, isoladamente ou em associação com outras substâncias ativas, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 se encontrarem em vigor; e
d) Deverá a Primeira Ré ser condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer medicamentos que compreendam a associação de substâncias ativas sitagliptina e metformina, enquanto a EP 1 412 357 e/ou o CCP 278 e/ou o CCP 339 se encontrarem em vigor.
2. Citadas, as Rés apresentaram contestação com reconvenção. Em sede reconvencional pediram que se declare que o CCP338 é “nulo e inoponível, e que nunca produziu efeitos no Estado Português” e que fosse “revogado e cancelado o respetivo registo, com as legais consequências”.
3. O processo seguiu os seus trâmites subsequentes, tendo, para o que releva, o Tribunal a quo proferido no dia 09.03.2022 (ref.ª 476416), uma decisão que não admitiu o pedido reconvencional deduzido pelas Rés e que absolveu as então Rés da instância por alegada falta de interesse em agir da MSD.
4. Na sequência dos recursos de apelação interpostos pela MSD e pela Rontis, o Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão singular datada de 24.10.2022 (ref.ª 19071162), decidiu:
“a) Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto aos pedidos formulados na petição inicial relativamente à EP 357 e ao CCP 278;
b) Julgar procedentes a apelação (principal) deduzida pelas Rés SANDOZ FARMACÊUTICA LDA. e RONTIS HELLAS S.A quanto ao pedido reconvencional e a apelação subordinada deduzida pelas AA. e consequentemente, revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que admita o pedido reconvencional e a resposta a tal pedido e determine o prosseguimento da ação.
c) Considerar prejudicada a apelação interposta da decisão final, necessariamente afetada pela procedência dos recursos interlocutórios e dela não tomar conhecimento.”
5. Os autos baixaram para o Tribunal a quo e foi proferido despacho saneador datado de 25.01.2023 (referência: 513834) que (i) absolveu a Sandoz da instância relativamente aos pedidos formulados pela MSD e ordenou, nessa parte, a prossecução dos autos apenas contra a Rontis e (ii) procedeu à identificação do objeto do litígio e dos temas da prova. Por seu turno, por despacho de 19.05.2023 (ref.ª 527362), o Tribunal a quo absolveu as Autoras da instância relativamente ao pedido reconvencional deduzido pela Sandoz, tendo decidido que “os autos prosseguem com vista à apreciação do pedido principal deduzido sob a al. b), na parte referente ao CCP 339, contra a Ré Rontis Hellas, S.A. e relativamente ao pedido reconvencional deduzida por esta Ré contra as Autoras”.
6. Por despacho de 19.06.2023 (ref.ª 534116), o Tribunal a quo notificou as partes para se “pronunciarem sobre a utilidade da prossecução da causa”, na medida em que, por um lado o CCP 339 havia, entretanto, caducado e, por outro, já teria sido declarada a nulidade do CCP 339 por sentenças datadas de 26 de março de 2023 (proferidas no âmbito dos processos n.º 83/20.7YHLSB e 166/20.3YHLSB), ainda que não transitadas em julgado.
7. Após cumprimento do dito contraditório, por despacho de 25-10-2023, o tribunal a quo decidiu o seguinte: “ao abrigo do disposto no artigo 277.º, al. e) do Código de Processo Civil, declaro extinta a instância principal e a reconvencional por inutilidade superveniente da lide”.
8. É este despacho que é visado no presente recurso, onde a ora Recorrente formulou
CONCLUSÕES E PEDIDO (reprodução integral)
“a. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal a quo acima identificado, na parte em que julgou extinta a instância reconvencional.
b. O Tribunal a quo incorreu num erro na interpretação e aplicação do direito, no que se refere à parte em que considerou a lide reconvencional inútil face à caducidade do CCP339.
c. A interpretação do Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 32º, n.º 2 e 35º do CPI e artigo 289.º do CC, bem como do artigo 277º, al. e) do CPC.
d. A nulidade de um direito de propriedade industrial pode ser invocável a todo o tempo.
e. A declaração de nulidade pode ser proferida após a caducidade de um direito, porquanto os seus efeitos são retroativos.
f. Existe interesse em expurgar da ordem jurídica um ato ilegal, tutelando os direitos de iniciativa económica privada dos interessados.
g. Nos termos do artigo 34º, n.º 3 do Código de Propriedade Industrial têm legitimidade para intentar ações de nulidade não entidades privadas “qualquer interessado” ou o “Ministério Público”.
h. Nos termos do artigo 32º, n.º 2 do Código de Propriedade Industrial a declaração de nulidade poderá ser proferida a qualquer momento, pelo que é indubitável que poderá a mesma poderá ser proferida até após a caducidade do direito de propriedade industrial nulo.
i. Podendo a declaração de nulidade ser proferida a todo o tempo, a caducidade do direito em apreço não poderá ser impeditiva da declaração de nulidade do mesmo e originar uma inutilidade da lide.
j. O artigo 32º, n.º 2 do CPI deveria ter sido interpretado no sentido de que a caducidade de um direito de propriedade industrial não constitui um impedimento na apreciação da nulidade nem retira utilidade à lide.
k. O artigo 35º do Código de Propriedade Industrial é claro ao determinar que a declaração de nulidade tem efeitos retroativos.
l. Os efeitos retroativos da declaração de nulidade são indubitáveis, quer para a doutrina, quer para a jurisprudência portuguesa.
m. Nos termos do artigo 289.º do CCP a nulidade é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado.
n. O fundamento principal e absoluto da declaração de nulidade é assegurar segurança jurídica quanto aos direitos de propriedade industrial (que conferem monopólios) e garantir uma tutela efetiva ao princípio da liberdade de iniciativa economia privada.
o. A interpretação do artigo 277.º, al. e) do CPC no sentido de que a declaração de nulidade de um direito de propriedade industrial torna-se inútil face à caducidade desse mesmo direito é inconstitucional por violação do princípio do acesso à justiça decorrente do artigo 20.º da CRP.
Termos em que deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, e, consequentemente, ser revogada a sentença proferida, ordenando-se o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido reconvencional em conformidade.”
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9. A Recorrida apresentou Resposta ao recurso de apelação, pugnando pela manutenção do decidido em primeira instância.

10. Em sede do presente recurso de apelação, foi cumprido o disposto nos artigos 657.º, n.º 2 e 659.º, do Código de Processo Civil.
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Questões a decidir
a) Após a extinção da instância principal por inutilidade superveniente da lide com causa na caducidade do CCP 339, a instância reconvencional deve prosseguir com vista a apreciar o pedido de declaração de nulidade desse mesmo CCP?
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Do mérito do recurso
Após a extinção da instância principal por inutilidade superveniente da lide com causa na caducidade do CCP 339, a instância reconvencional deve prosseguir com vista a apreciar o pedido de declaração de nulidade desse mesmo CCP?
11. Convirá desde logo recordar que após diversas vicissitudes processuais referidas supra no Relatório, os autos prosseguiram, a partir do despacho do tribunal a quo datado de 19.05.2023 (ref.ª 527362), unicamente para apreciação do pedido b) da petição inicial no que respeitava ao CCP 339, e do pedido reconvencional.
12. Com tal pedido b), as Autoras pretendiam que a Ré fosse condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que são objeto dos pedidos de AIM identificados no artigo 141.º da petição inicial, enquanto o CCP 339 se encontrasse em vigor.
13. A ação principal subsistente baseava-se, portanto, na prática de atos preparatórios de introdução de produtos no mercado (pedidos de AIM), pretendendo as Autoras paralisar/impedir a sua efetiva comercialização por parte da Ré. A ação principal foi declarada extinta foi inutilidade superveniente da lide, inexistindo controvérsia sobre esta declaração.
14. Atenta a caducidade do CCP 339 em 08-04-2023 (cf. decisão recorrida), a Autora já não gozava da proteção concedida pelo CCP e a ação principal deixou, assim, de ter utilidade.
15. Foi neste contexto que a instância reconvencional também foi declarada extinta por inutilidade superveniente da lide.
16. Com especial relevância para a questão a decidir, a decisão final recorrida afirmou o seguinte:
“No que respeita ao pedido reconvencional, concordamos com as AA. quando defendem que a R. deixou de ter um interesse juridicamente tutelável que importe a prossecução dos autos para conhecimento do mesmo.
(…)
(A) procedência do pedido da R. importaria a paralisação do eventual direito da A., sendo que o seu pedido, a proceder, encontrava-se limitado ao período de validade do CCP 339. Posto que o CCP 339 já caducou e que tal importa a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido principal, julgamos que também o conhecimento da pretensão da R. carece de utilidade, na medida em que o que está em causa nestes autos cinge-se à prática de actos preparatórios de introdução de produtos no mercado (pedidos de AIM), pretendendo a A. paralisar/impedir a sua efectiva comercialização por parte da R. Como a A. já não goza da protecção concedida pelo CCP respectivo, não há que determinar as medidas adequadas a tal fim, não se vislumbrando qualquer outro interesse que a R. possa ter no conhecimento da sua pretensão, nem o tendo esta demonstrado.
(…)
Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, al. e) do Código de Processo Civil, declaro extinta a instância principal e a reconvencional por inutilidade superveniente da lide.” (p. 2, com sublinhados nossos).
17. Conforme se depreende da leitura destes enxertos, a decisão recorrida não só se baseou na inutilidade superveniente da lide para declarar extinta a instância reconvencional, como na inexistência de um interesse em agir da Ré.
18. Como é sabido, o interesse processual ou interesse em agir, isto é, o interesse em recorrer aos tribunais para a tutela de um interesse material concreto, tem sido reconhecido como um pressuposto processual inominado cuja falta é de conhecimento oficioso. Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, “a inutilidade da tutela requerida – isto é, a falta de interesse em agir – obsta à apreciação do mérito da causa”.[1]
19. Por sua vez, diz-nos José Lebre de Freitas “(a) questão da exigibilidade do interesse em agir, como pressuposto processual, tem sido posta sobretudo no domínio da ação declarativa de simples apreciação, para a qual os defensores do pressuposto exigem que se verifique uma situação de incerteza objetivamente grave, de molde a justificar a intervenção judicial (…) não bastando uma incerteza subjetiva independente da ocorrência de factos que possam afetar o interesse material do autor”.[2]
20. Neste âmbito, a Recorrente invoca, desde logo, um interesse geral “dos interessados”, e não um interesse particular seu. Nos seus dizeres “(e)xiste interesse em expurgar da ordem jurídica um ato ilegal, tutelando os direitos de iniciativa económica privada dos interessados” (conclusão f) do recurso).
21. Alega ainda “(é) certo que a Recorrida não pode impedir, agora, terceiros de comercializar medicamentos contendo a combinação sitagliptina/metformina, mas nada impede a Recorrida de peticionar a compensação por alegados danos causados pela comercialização daqueles medicamentos genéricos durante a vigência do CCP339” (p. 10 do recurso).
22. Por seu turno, a Recorrida alega que “os medicamentos genéricos cujas AIMs foram por si requeridas e que espoletaram os presentes autos não foram lançados no mercado português antes da caducidade do CCP 339” (p. 7 da resposta ao recurso)
23. Desconhecemos se esta última asserção corresponde à verdade. Vejamos, portanto, o que diz a lei para aferir se a instância reconvencional deve ou não prosseguir.
24. De acordo com o artigo 34.º, n.º 3 do CPI, a nulidade de um direito de propriedade industrial “é invocável a todo o tempo por qualquer interessado”. Como a simples leitura deste preceito impõe, o âmbito temporal e subjetivo da ação de nulidade deve ser o mais amplo possível. A Recorrente é obviamente um “interessado” à luz deste preceito, porquanto é concorrente das Recorridas no mercado dos medicamentos aqui em causa.
25. A nulidade de um direito de propriedade industrial pode ser invocada em sede reconvencional, inclusive, nas ações interpostas ao abrigo do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011.
26. Como tem sido decidido pelo STJ “(o) art.º 3º da Lei nº 62/2011, determina uma derrogação das regras gerais sobre o interesse em agir” (Ac. STJ de 11-01-2024, processo n.º 576/20.6YHLSB.L1.S1).
27. De recordar que o aludido acórdão do STJ tinha por objeto a situação inversa à ora em causa. Ou seja, naqueles autos o que importava saber era se no âmbito das ações intentadas ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1, da Lei nº 62/2011, tendo em conta a previsão expressa de poderem ser propostas após a publicitação dos pedidos de AIM dos medicamentos genéricos, bastava a publicitação dos pedidos de AIM para que o demandante tivesse interesse em agir, não sendo exigível a alegação de violação ou de um perigo iminente de violação dos direitos de propriedade industrial do demandante – que não decorre do pedido de ou da concessão de AIM.
28. Concluiu-se naqueles autos que “deve reconhecer-se às AA, titulares de direitos de propriedade intelectual, o direito de intentarem a acção especial prevista no art.º 3º da Lei nº 62/2011, em face da publicitação de um simples pedido de autorização de introdução no mercado”.
29. Nos presentes autos importa agora saber, como que no reverso da medalha, se se justifica a manutenção da instância reconvencional, após a caducidade do direito de propriedade industrial ora em causa – o CCP 339 -, e a consequente extinção da ação principal fundada no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2011, por inutilidade superveniente.
30. Recorde-se que o artigo 266.º, n.º 6, do Código de Processo Civil dispõe “(a) improcedência da ação e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor”.
31. Relativamente a uma declaração de extinção por inutilidade superveniente de pedido reconvencional, o Ac. STJ de 2019, proc. 425/16.0YIPRT.L1.S2 sublinhou “(o) Código de Processo Civil consagra o princípio geral de apreciação autónoma dos pedidos da ação e da reconvenção, porquanto na reconvenção há um pedido autónomo formulado pelo réu contra o autor, passando a haver uma nova ação dentro do mesmo processo. (…) Contudo, como se referiu, o nº 6 do artigo 266º do Código de Processo Civil veio introduzir uma exceção, isto é, o pedido reconvencional não será apreciado quando seja dependente do formulado pelo autor”.
32. Por sua vez, nesta sede esclarecem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre “pode, porém, acontecer que a procedência do pedido reconvencional dependa da procedência do pedido do autor. É o que acontece no caso da compensação (só se o crédito do autor existir) e no de benfeitorias (só se a entrega da coisa for devida). O pedido reconvencional só é então objeto de apreciação se o pedido do autor for julgado procedente, não o sendo se for julgado improcedente ou se não houver decisão de mérito, por via da absolvição da instância (cf. art.º 266-6).”[3]
33. Ora, nos presentes autos, a peticionada declaração de nulidade do CCP 339 não depende da procedência da ação principal, podendo obviamente ser apreciado de forma autónoma.
34. Assim sendo, atento o princípio geral da apreciação autónoma dos pedidos da ação e da reconvenção, a extinção da instância principal não deve conduzir à extinção da instância reconvencional.
35. Nestes termos, atento o disposto no artigo 34.º, n.º 3 do CPI, artigo 266.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, lidos à luz do artigo 3.º da Lei n.º 62/2011, conclui-se que o recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se o prosseguimento dos autos com vista a apreciar a alegada nulidade do CCP 339.
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Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar o presente recurso procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento dos autos com vista a apreciar o pedido reconvencional de declaração de nulidade do CCP 339.
Custas pelas Recorridas (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC)
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Lisboa, 18-03-2024
Alexandre Au-Yong Oliveira
Armando Manuel da Luz Cordeiro
Eleonora Viegas
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[1] Miguel Teixeira de Sousa, “CPC online”, versão de 2024/02, anotação 6 ao artigo 130.º, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2024/02/cpc-online-19.html (acedido em 27-02-2024).
[2] José Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Novo Código”, Coimbra Editora, 3.ª ed., 2013, p. 34-35, nota 17.
[3] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.ª, Coimbra Editora, 2014, p. 563.