Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | EZAGÜY MARTINS | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO LIQUIDAÇÃO INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 02/08/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
| Sumário: | I- Em execução para prestação de facto negativo, a verificação da violação deverá preceder a liquidação da obrigação de indemnização, prevista no art.º 805º, do Cód. Proc. Civil. II- Liquidado, em requerimento executivo, um montante indemnizatório global, e ocorrendo falta de título executivo relativamente à indemnização reportada a alguns dos danos considerados, nunca a ausência de discriminação de valores indemnizatórios relativos à parte dos danos cuja indemnização se mostre contemplada no título pode determinar o indeferimento liminar total da execução. III- Nada obstará, nesse caso, a que o tribunal fixe, adentro o referido montante global, o quantum indemnizatório relativo aos danos que, em necessário prosseguimento da execução, resultem comprovados, de entre os que abrangidos não hajam sido pelo despacho de indeferimento liminar parcial. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I- M S R e B A S R, residentes em Lisboa, requereram execução para prestação de facto negativo, baseada em sentença homologatória de transacção, contra A M e M M, residentes no mesmo prédio, e A M e C M, residentes no dito prédio. Alegam que por via da sobredita sentença ficaram os Executados obrigados a utilizar os estendais de roupa respectivos com as limitações “constantes do título executivo que agora se junta”, o que não têm feito, continuando “a manter o procedimento anterior à acção que serve por base à presente execução” Continuando os Exequentes, “todos os dias...a ver a sua entrada de casa impedida com roupa estendida de propósito, a pingar, para que molhe as suas costas quando entram e saem de casa”. Inventariando datas em que tal tem ocorrido. E passando, depois, a enumerar agressões/provocações, perpetradas pelos Executados contra a Exequente mulher e contra o Exequente marido. Manifestando pretender a condenação dos “exequentes” (devendo ler-se, concede-se, “executados”), “a título de danos não patrimoniais...pelo incumprimento, numa sanção pecuniária compulsória, na quantia de 15.000 € para cada um dos exequentes”. Por despacho de folhas 88 e v.º considerou-se que “não se discrimina, em relação a cada um dos comportamentos dos executados, os concretos danos morais daí resultantes e a respectiva quantificação; ou seja, do requerimento não resulta, relativamente ao total pedido por cada um dos exequentes (15.000€) qual a parte correspondente aos danos provocados pela conduta reiterada referente aos estendais de roupa”. Convidando-se os Exequentes a “esclarecer em concreto os danos derivados de cada um dos tipos de condutas imputadas aos executados, mais especificamente os danos resultantes da continuação da utilização dos estendais nos termos expostos”. Ao que corresponderam os Exequentes, por requerimento de folhas 92 a 94, discriminando, no plano da sua substanciação fáctica, as situações determinantes do que entendem ser os danos causados aos Exequentes, à Exequente mulher e ao Exequente marido. Sem quantificação do valor atribuído aos danos ocasionados pela continuação da utilização abusiva dos estendais de roupa. Sendo, a folhas 110, proferido novo despacho, considerando não ter sido dada cabal satisfação ao visado no anterior despacho, e por isso que se pretendia viessem os Exequentes “quantificar (indicar o concreto valor) cada dano por eles alegado, de forma a que o tribunal possa aferir dentro do montante global de € 15.000, quais os montantes parcelares correspondentes aos danos morais de cada um dos executados derivados do facto de os executados continuarem a estender a roupa”. E concedendo aos exequentes novo prazo “para o supra-referido efeito”. Respondendo os Exequentes, a tal convite, com o requerimento de folhas 116, 117, alegando que o incómodo sofrido pelos termos em que os Executados estendem a roupa, “não tem preço”, e que “não conseguem dizer” qual dos danos sofridos é mais gravoso, embora quanto à Exequente Beatriz “para ela é muito mais gravoso ter sido agredida com pó químico,...”, repetindo considerações já feitas no seu anterior requerimento, e requerendo “a V. Exa., que mande seguir os autos, ouvir prova e à final, condenar os executados a uma indemnização...”. Sendo, sequencialmente, proferido o despacho de folhas 120 a 122, que – considerando ser caso de indeferimento liminar parcial do requerimento executivo, na parte relativa ao pedido de indemnização referente aos danos decorrentes das agressões alegadas, por falta de título, sendo “necessária a alegação de qual a quantia pedida por referência à violação do acordo homologado, de forma a que a execução pudesse prosseguir relativamente a esta última, para os efeitos do art.º 942º, do C.P.C....permanecendo por discriminar o montante que os exequentes atribuem ao dano decorrente da obrigação que foi imposta aos executados na sentença dada à execução” – indeferiu liminarmente o requerimento executivo. Inconformados, recorreram os exequentes, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: «1 ª - A presente sentença, se tivermos em conta o direito dos Agravantes em entrar na sua própria casa, a idade dos mesmos, o tempo que este assunto levou até que houvesse uma decisão, é um atentado ao direito, liberdade e garantia dos recorrentes de saírem da sua própria casa. 2ª - A sentença recorrida ela em si é contraditória, porque, por uma lado diz que é necessário haver nos autos um montante por danos não patrimoniais, para que os Agravantes sejam indemnizados, e esse montante já foi pedido no requerimento executivo. 3ª - Ao existir todos os elementos nos autos para que o requerimento executivo prossiga, esta decisão configura uma denegação da justiça, ao impedir o seguimento desta execução para prestação de facto. 4ª - Os Agravantes alegaram factos no requerimento executivo que, configuram o incumprimento dos executados e pediram uma indemnização por danos morais, conforme resulta do referido requerimento executivo constante dos autos. 5ª - Apesar de todos os elementos, factos e pedido de indemnização por danos morais, o Mmº Juiz "a quo" ordenou a junção de documentos aos autos, os quais foram juntos. 6ª - Os Agravantes descreveram em pormenor os danos que os executados lhes infringiram para além de não cumprirem o acordado no título executivo que serve de base à presente prestação de facto. 7ª - O Mmº Juiz "a quo" em dois despachos ordena que os Agravantes indiquem parcelarmente o valor dos danos morais sofridos pelos Agravantes com a conduta dos executados. 8ª - Os Agravantes descreveram por duas vezes em pormenor os danos morais sofridos, em resposta aos despachos do Mm° Juiz "a quo", mas como os montantes pelos danos morais já tinham sido pedidos no requerimento executivo, nunca pensaram que a falta da sua indicação, em segunda vez, fosse motivo de indeferimento do requerimento executivo. 9ª - Os Agravantes ficaram surpreendidos com a douta sentença, porque, o montante dos danos morais seria coisa a aferir em função do contraditório após a notificação dos executados. 10ª - O Mm° Juiz "a quo" independentemente de os executados não terem descriminado parcelarmente, quanto era o dano pelo "encontrão", o dano pelo "pó químico", o dano por "pensarem que não saem de casa porque a porta está impedida", ou porque "levam com a água nas costas aquando da saída de casa", a presente acção executiva deveria ter sido notificada aos executados. 11ª - O Mmo Juiz "a quo" ao não ter ordenado o prosseguimento do requerimento executivo, violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos art°s 941 ° e seguintes do C.P.C., assim como o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2004-06-17, cuja cópia se encontra nos autos, que se pronunciou no sentido do prosseguimento da acção executiva para prestação de facto, de cuja sentença se recorre. 12ª - Nos termos expostos e nos mais de direito que V. Exas. suprirão, deve pois, ser dado prosseguimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e ordenando o prosseguimento da presente acção executiva.». O Exm.º Juiz a quo sustentou o despacho recorrido. Verificada, nesta Relação, a falta de citação dos executados tanto para os termos do recurso como para os da execução, foi ordenada a baixa dos autos à 1ª instância, para suprimento da correspondente nulidade. E constituindo os executados mandatário no processo, não apresentaram no entanto contra-alegações. II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil - é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se a falta de discriminação, no requerimento executivo, e adentro o montante indemnizatório global reclamado, do valor correspectivo da continuação da ilegítima utilização dos estendais, é fundamento de indeferimento liminar. Emerge dos autos que: A- Nos autos de acção declarativa com processo sumário, n.º 1860/2000, da 1ª secção do 1º juízo Cível da Comarca de Lisboa, que os aqui exequentes moveram aos aqui executados, foi, em 30 de Janeiro de 2002, celebrada transacção, nos termos da qual: 1. Os AA. reconhecem o direito dos RR. de utilizarem os estendais localizados no corredor de entrada, e estes comprometem-se a utilizá-lo com as seguintes limitações: a) A roupa estendida nunca ultrapassará os respectivos canteiros; b) Os RR. nunca utilizarão paus para extensão dos referidos estendais. 2. Os AA. reconhecem o direito dos RR. de utilizarem o estendal localizado na entrada e estes comprometem-se a utilizá-lo com as seguintes limitações: a) Em caso algum a parte do estendal que dá acesso à entrada será utilizada para secagem de roupa; 3. Os AA desistem dos pedidos de indemnização formulados; 4. As custas em dívida serão suportadas em partes iguais, prescindindo-se das de parte e da procuradoria, na parte legalmente disponível. B- Por sentença de 30 de Janeiro de 2002, transitada em julgado, foi homologada a referida transacção. Vejamos. Como é sabido, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva, vd. art.º 45º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil. Tratando-se aquele, de documento, do qual deverá constar a obrigação exequenda, e de que é frequente dizer-se que “é condição necessária e suficiente da acção executiva”,(1) ou noutras palavras, de “documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida”.(2) Entre os títulos executivos contemplados na lei, figura a sentença homologatória da confissão do pedido ou da transacção, vd. art.ºs 46º, n.º 1, al. a) e 814º, al. h), do Cód. Proc. Civil. E que constitui título executivo judicial “quanto à condenação que é proferida em correspondência com esses negócios”.(3) O título executivo apresentado pelos AA. é a sentença homologatória de transacção, referida supra em B. E, efectivamente, tal sentença não comporta o pedido indemnizatório formulado, enquanto reportado às alegadas ofensas – verbais e corporais - excedendo assim o pedido, o título executivo. O qual apenas contempla a indemnização pela não prestação de facto negativo referenciada, nos termos do art.º 941º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil. Como se ponderou no Acórdão desta Relação, de 2004-06-17, reproduzido a folhas 41 a 46 – proferido nos autos de recurso de agravo n.º 4526/04-2, sendo o mesmo o relator, e as mesmas as partes, e estando aí em causa a abrangência do mesmo título executivo – trata-se, «a assim estabelecida, de obrigação tendo por objecto um facto negativo: “A roupa estendida nunca ultrapassará...”, “os RR. nunca utilizarão...”, “Em caso algum a parte do estendal que dá acesso à entrada será utilizada...”.». E, «certo não haver “obra feita” – deveria, e apenas, ter sido requerida indemnização compensatória, pelo prejuízo sofrido com as violações – a verificar liminarmente, antes ainda da liquidação nos termos do art.º 804º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil(4) - podendo também ser requerido o pagamento de quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, cuja fixação os exequentes pretendessem obter no processo executivo, vd. art.º 941º, , n.º 1, do Cód. Proc. Civil.». Confrontando-nos pois com situação de “desarmonia objectiva entre título e pedido...(o título, art.º 45º do C.P.C., é exequível apenas para certo fim e dentro de certos limites)”,(5) ou, por outras palavras, com situação de contradição qualitativa entre o pedido e o título, a qual ocorre “sempre que se pretende fazer valer um determinado direito de crédito que não seja o consubstanciado no título executivo apresentado” (6). Cabendo, como se entendeu no despacho recorrido, indeferimento liminar do requerimento executivo, na parte em que se pede indemnização por danos morais ocasionados pelas agressões – verbais e físicas – alegadamente perpetradas pelos RR., nos termos do disposto no art.º 812º, n.º 2, al. a), e n.º 3, do Cód. Proc. Civil, normativo de acordo com o qual, o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo “quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título e a secretaria não tenha recusado o requerimento”. Ponto sendo o de saber se, nessa circunstância, a não discriminação do valor de um quantum indemnizatório, relativo à parte quanto à qual existe título bastante, implica o indeferimento liminar da execução, também, aí. Sendo evidente que não. Com efeito, desde logo, e como visto já, em execução para prestação de facto negativo, a verificação da violação deverá preceder a liquidação da obrigação de indemnização, prevista no art.º 805º, do Cód. Proc. Civil. Como resulta da conjugação dos art.ºs 942º, n.º 2, 934º e 931º, n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil. O que logo prejudica a exigibilidade da liquidação no requerimento executivo, e, assim, a indicação, no mesmo, de qualquer valor relativo a indemnização pela não prestação do facto negativo. Posto o que – e para lá da não consagração legal de um tal fundamento de indeferimento liminar – nunca a ausência de discriminação – que a lei de processo não exige – de valores indemnizatórios relativos a uma parte dos danos morais invocados, poderia determinar esse indeferimento. Depois, ainda que assim não fosse – o que não é o caso – em nada embaraçava o prosseguimento da execução, a circunstância da ausência de tal liquidação parcial. Pois, como é sabido, estando formulado um pedido indemnizatório global, correspondente a mais do que uma sorte de ilícitos, ou a mais do que uma espécie de danos, o decaimento do A. relativamente à prova de um ou alguns desses ilícitos, ou danos, não impede o tribunal de – adentro o montante global peticionado – fixar o montante indemnizatório correspondente aos danos efectivamente apurados. Sem com isso incorrer em condenação ultra ou extra petitum, como é jurisprudência pacífica.(7) Como assim também, e no caso em apreço, nada obstará a que o tribunal fixe, ainda e sempre adentro o tal montante global peticionado, o quantum indemnizatório relativo aos danos que, em necessário prosseguimento da execução, resultem comprovados, de entre os que abrangidos não hajam sido pelo despacho de indeferimento liminar parcial. Não era pois caso de indeferimento liminar total. Sendo as custas do, assim ressalvado, indeferimento liminar parcial, pelos Exequentes, mas a fixar a final. * Nesta medida procedendo as alegações de recurso.* III- Nestes termos, acordam em conceder parcial provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido enquanto indefere liminarmente o requerimento executivo também na parte em que está em causa a indemnização por danos não patrimoniais decorrentes do incumprimento da obrigação imposta pela sentença recorrida – como também a fixação de sanção pecuniária compulsória – confirmando-o na parte do indeferimento relativa à indemnização por danos não patrimoniais ocasionados por agressões de banda dos executados.Custas, na 1ª instância, pelos Exequentes, a fixar a final, e, nesta Relação, pelos mesmos Exequentes, na proporção que, a final, for fixada quanto ao indeferimento liminar parcial. Lisboa, 2007-02-08 _________________ (Ezagüy Martins) _________________ (Maria José Mouro) _________________ (Neto Neves) 1 Vd. José Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1997, págs. 60 e 61. 2 Vd. Miguel Teixeira de Sousa, in ”Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, 1997, págs. 607-608 3 Vd. Miguel Teixeira de Sousa, in “Acção Executiva Singular”, LEX, 1998, pág. 74. 4 Neste sentido, vd. José Lebre de Freitas . Armindo Ribeiro Mendes, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 670. 5 Vd. Prof. Castro Mendes, in “Direito Processual Civil (Acção Executiva)”, Ed. da A.A.F.D.L., 1971, págs. 11-12. 6 Assim Jorge Barata e M. Laranjo Pereira, in “Direito Processual Civil II”, Parte II, FDL, 1976/77, pág. 41. 7 Assim, já no Acórdão da Relação de Évora, de 21-01-1977, in B.M.J., 265.º-292. |