Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26898/11.9T2SNT-B.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: CONDOMÍNIO
CONTRATO DE MANUTENÇÃO DE ELEVADORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A inscrição do condomínio - entidade não dotada de personalidade jurídica mas com personalidade judiciária - art. 12º al e) do Código de Processo Civil - no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas permite a sua identificação através do cartão de pessoa colectiva.
- O condomínio existe ainda que não esteja inscrito no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas.
- O condómino com fracções representativas da maior percentagem do capital investido, tem, obrigatoriamente, as funções de administrador provisório, no caso de não ter sido eleito administrador pela assembleia de condóminos.
- Assim, são do condomínio as obrigações emergentes de contrato respeitante à manutenção de parte comum do prédio, não podendo esse condómino ser demandado na qualidade de devedor a título individual.
Decisão Texto Parcial:Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
Por apenso à execução instaurada por T... SA contra G... e O..., veio esta deduzir oposição à execução, alegando, em síntese:
- o título executivo é uma injunção;
- a exequente celebrou com o executado G..., marido da opoente, um contrato de manutenção de elevadores em 27/07/2004 num prédio, na qualidade de dono da obra a que se refere esse contrato, pois ainda não tinham sido alienadas as fracções do prédio;
- já existem 4 condóminos desde 2004 e o executado marido só é proprietário de uma fracção;
- assim, o alegado crédito da exequente referente a serviços de assistência prestada ao elevador afecto à parte comum do prédio tem de ser reclamado também aos restantes condóminos na proporção das suas permilagens constantes do título de constituição da propriedade horizontal apesar de inexistir administração eleita e regulamento de condomínio;
- é necessária a intervenção de todos os proprietários das fracções, pelo que a sua falta é motivo de ilegitimidade;
- além disso, a alegada dívida não foi contraída em proveito comum do casal.
Termina dizendo que deve ser absolvida da instância executiva mas, por cautela de patrocínio, requer a incomunicabilidade da dívida e que seja conferida a responsabilidade exclusiva ao cônjuge marido, respondendo os seus bens próprios e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns nos termos do art. 1696º do Código Civil.

A exequente contestou, alegando, em resumo:
- o prédio é composto por 5 fracções autónomas;
- a obrigação de pagamento do preço da manutenção compete ao executado;
- se o executado tivesse a pretensão de transferir a sua posição contratual no contrato de manutenção de elevadores deveria ter formalizado tal pedido após a constituição do condomínio, sendo obrigatório o consentimento da exequente para a celebração de um contrato de cessão da posição contratual do executado para outra entidade legalmente constituída;
- as funções de administrador do condomínio, em caso de ausência de eleição ou de nomeação judicial, são obrigatoriamente exercidas pelo condómino com maior percentagem de capital, que neste caos, é o executado;
- o prédio é um bem comum do casal, além de que a dívida foi contraída no âmbito da actividade comercial de construtor do executado marido, sendo a dívida comunicável.
Terminou pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade e pela improcedência da oposição.

Foi proferido saneador sentença em que se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade e procedente a oposição por absolvição do executado G... da instância executiva.

Inconformada, apelou a exequente, terminando a apelação com as seguintes conclusões:
I. O presente recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou a oposição à execução totalmente procedente, com a consequente absolvição do cônjuge da Recorrida da instância executiva.
II. A acção executiva havia sido instaurada pela Recorrente com base num requerimento de injunção, através do qual foi peticionado o pagamento de facturas em dívida emitidas ao abrigo de um contrato de manutenção de elevadores celebrado entre a Recorrente e o cônjuge da Recorrida.
III. Em sede de oposição à execução, veio a Recorrida invocar a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, porquanto considerava que as facturas em dívida deveriam ser cobradas a todos os proprietários do prédio onde se encontrava instalado o elevador em questão.
IV. A Recorrente respondeu à excepção alegada na sua contestação e o Tribunal a quo julgou – bem - a mencionada excepção improcedente.
V. Porém, com base nos factos alegados pela Recorrida para a invocação da excepção dilatória de ilegitimidade passiva, o Tribunal a quo considerou-se em condições de decidir do mérito da causa logo em saneador, tendo julgado a oposição totalmente procedente por considerar que o cônjuge da Recorrida não é o titular da obrigação de pagamento do preço assumida ao abrigo do contrato celebrado com a Recorrente.
VI. E decidiu dessa forma sem nunca ter conferido às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a solução jurídica encontrada pelo Tribunal a quo.
VII. Nesses termos, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil ao proferir uma decisão surpresa sem dar cabal cumprimento ao princípio do contraditório, ferindo, assim, de nulidade a douta sentença em análise, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil.
VIII. Pelo que se requer a V. Exas. que declarem a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo e, consequentemente, ordenem a remessa do processo para o tribunal de 1.ª instância para prosseguimentos dos seus termos até final.
IX. Sem prejuízo do supra exposto, através do presente recurso impugna-se a interpretação das normas legais efectuada pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão, nomeadamente das regras relativas à propriedade horizontal previstas nos artigos 1414.º a 1438.º-A do Código Civil, e das regras previstas no Decreto-Lei n.º 320/2002, de 28 de Dezembro.
X. Com efeito, e tendo em consideração apenas a prova documental e os articulados das partes, o Tribunal a quo considerou provado que a Recorrente celebrou com o cônjuge da Recorrida um contrato de manutenção de elevadores, após o cônjuge da Recorrida/ Executado não ser o proprietário da totalidade do prédio.
XI. Com base na matéria assente, e extrapolando a mesma, o Tribunal a quo concluiu que o cônjuge da Recorrida havia assinado o contrato de manutenção de elevadores na qualidade de administrador do condomínio, em conformidade com o disposto no artigo 1435.º-A do Código Civil, pelo que as obrigações assumidas se repercutiriam na esfera jurídica do condomínio e não na sua própria pessoa.
XII. Com o devido respeito por opinião contrária, a Recorrente não pode, de todo, conformar-se com tal conclusão, porquanto a mesma é contrária à matéria dada por assente, assim como contrária às normas gerais de cumprimento dos contratos.
XIII. Conforme se verifica do teor do contrato, cujo conteúdo foi considerado assente pelo Tribunal a quo, o mesmo foi outorgado entre a Recorrente e o cônjuge da Recorrida, ambos devidamente identificados como partes outorgantes (nome completo, número de contribuinte e morada), sendo assinado, no final, pelo próprio cônjuge da Recorrida.
XIV. Isto é, o cônjuge da Recorrida não se limitou a assinar o contrato em nome e representação de qualquer terceira entidade constituída e/ou a constituir.
XV. O cônjuge da Recorrida assinou o contrato em nome próprio, singular e individual.
XVI. Caso o cônjuge da Recorrida tivesse assinado o contrato em representação do condomínio, o mesmo estaria devidamente identificado no intróito do contrato, como acontece em tantas outras situações semelhantes, e o cônjuge da Recorrida apenas o assinaria como seu representante. Não é este o caso!
XVII. A Recorrente é totalmente alheia às relações que o cônjuge da Recorrida estabeleça ou venha a estabelecer com outras entidades, exigindo apenas o cumprimento do contrato que consigo celebrou, ao abrigo do disposto no artigo 406.º do Código Civil.
XVIII. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo nem sequer conferiu às partes a possibilidade de, através da prova testemunhal a produzir em audiência de discussão e julgamento, provarem o contrário da conclusão a que o próprio Tribunal chegou com base na interpretação jurídica errada que fez dos documentos juntos aos autos.
XIX. Até porque, conforme confessado e admitido pela Recorrida no seu articulado, o condomínio do prédio em questão não foi, até ao momento, constituído.
XX. Na verdade, o Tribunal a quo, interpretando erradamente o artigo 1417.º do Código Civil, considera que, à data da celebração do contrato de manutenção de elevadores em causa nos autos, o condomínio do prédio em causa já estava constituído, o que é falso.
XXI. Nem a Recorrida, nem qualquer outro proprietário de uma fracção autónoma do prédio em causa, requereram a atribuição de um número de pessoa colectiva equiparada ao condomínio para efeitos de autonomização de tal entidade jurídica relativamente a cada um dos proprietários.
XXII. Pelo menos até à data do articulado apresentado pela Recorrida, nunca os proprietários do prédio em questão se haviam reunido em assembleia ou aprovado qualquer regulamento de condomínio para o prédio em questão.
XXIII. Assim, não obstante, na data da celebração do contrato com a Recorrente, o prédio já não ser da propriedade total do cônjuge da Recorrida – o que, na opinião da Recorrente, ainda confere maior valor ao por si alegado – não transfere automaticamente e sem quaisquer formalidades adicionais para todos os proprietários ou para qualquer terceira entidade a constituir, as obrigações assumidas pelo cônjuge da Recorrida perante a Recorrente.
XXIV. Para que essa transferência operasse, o cônjuge da Recorrida tinha a possibilidade de, através de simples comunicação à Recorrente, ceder a sua posição contratual, ao abrigo do disposto na cláusula 7.1 do contrato. E não o fez!
XXV. Acresce que, quer o Tribunal a quo, quer a ora Recorrente desconhecem por completo as relações estabelecidas pelo cônjuge da Recorrida com os restantes proprietários do prédio em questão, nomeadamente se existiu algum acordo diferente da regra geral da permilagem para a repartição das despesas com a manutenção dos elevadores, que poderia ser celebrado ao abrigo do disposto no artigo 1424.º do Código Civil.
XXVI. No entender da Recorrente, o Tribunal a quo retirou da documentação junta aos autos conclusões precipitadas e infundamentadas, nas quais baseou a sua decisão final.
XXVII. Inclusivamente, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão com base em trechos de acórdãos proferidos por outros tribunais em situações semelhantes, mas com duas diferenças substanciais de enorme relevo: i) o construtor do prédio assinar o contrato celebrado na qualidade de administrador provisório do condomínio e; ii) o condomínio ter sido posteriormente regularmente constituído.
XXVIII. No caso sub judice, o cônjuge da Recorrida assinou o contrato em nome próprio, singular e individual e nunca foi regularmente constituído o condomínio do prédio em causa.
XXIX. É claro para a Recorrente que, da prova constante dos autos, resulta desde já «inequívoco que o cônjuge da Recorrida é o titular da obrigação de pagamento do preço decorrente do contrato de manutenção de elevadores que celebrou com a Recorrente.
XXX. É ainda curioso as afirmações e conclusões do Tribunal a quo constantes da douta sentença recorrida quanto à objecção ou não dos restantes proprietários do prédio à manutenção do contrato celebrado com a Recorrente, sem sequer ter sido produzida prova testemunhal nesse sentido, nem ter sido alegado pelas partes qualquer facto a esse respeito.
XXXI. Mais uma vez, o Tribunal a quo, afastando-se da imparcialidade que lhe é exigida e imposta por lei, conclui de forma precipitada e infundamentada, baseando a sua decisão em falsos pressupostos, o que é perfeitamente inadmissível.
XXXII. Por último, sustenta o Tribunal a quo que chegaria a solução idêntica à alcançada através da aplicação do regime das obrigações em causa, nomeadamente através da natureza da obrigação de contribuir para os encargos comuns de um prédio, que qualifica – bem – como obrigações propter rem.
XXXIII. Porém, também nessa análise, peca o Tribunal a quo ao esquecer-se de dois pontos importantes: i) a Recorrente não é parte na obrigação de pagamento das despesas com as partes comuns do prédio e é completamente alheia a qualquer acordo que seja estalecido entre os consortes dessa obrigação; e ii) a obrigação de comparticipação nos encargos comuns do prédio é uma obrigação não ambulatória, i.e., não se transfere para posteriores proprietários do prédio que não usufruíram do serviço prestado.
XXXIV. Pelo que, com base em tal fundamento, o Tribunal a quo também não poderia «absolver o cônjuge da Recorrida da instância executiva a que se opôs.
XXXV. Seguir o entendimento do Tribunal a quo iria obrigar a Recorrente a um esforço e prova diabólica de identificar todos os proprietários das fracções autónomas que compõem o prédio em causa para cada período temporal de cada factura em dívida.
XXXVI. De todo o modo, e seguindo tal entendimento com o qual não se concorda, ainda assim o Tribunal a quo deveria ter condenado o cônjuge da Recorrida no pagamento da parte que lhe caberia de acordo com a sua permilagem, o que também não fez.
XXXVII. Termos em que se requer a V. Exas. que se dignem revogar a douta sentença recorrida e, em consequência, se dignem substituí-la por outra que condene o cônjuge da Recorrida no pagamento da quantia exequenda ou, pelo menos, no pagamento parcial da quantia exequenda de acordo com a sua permilagem no prédio ou, ainda, seja ordenado o prosseguimento do apenso de oposição à execução seguindo-se os seus ulteriores termos até final.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá ser declarada, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil, a nulidade da sentença recorrida por violação do princípio da proibição de decisões surpresa constante do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, devendo o processo ser remetido para o tribunal de 1.ª instância para prosseguir os seus ulteriores termos.
Caso assim não se entenda, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o cônjuge da Recorrida no pagamento da quantia exequenda ou, pelo menos, no pagamento parcial da quantia exequenda de acordo com a sua permilagem no prédio ou, ainda, seja ordenado o prosseguimento do apenso de oposição à execução,
seguindo-se os seus ulteriores termos até final, só assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!

A apelada contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso pelo que as questões a decidir são estas:
- se a sentença recorrida constitui decisão surpresa e por isso é nula
- se a execução deve prosseguir contra o cônjuge da apelada para pagamento da quantia exequenda ou, pelo menos, para pagamento parcial da quantia exequenda de acordo com a sua permilagem no prédio ou, ainda, se deve ser ordenado o prosseguimento destes autos de oposição à execução.

III - Fundamentação
A) Na sentença recorrida vem dado como provado:
1. T... SA intentou acção executiva, para pagamento de quantia certa no valor de € 9.430,12 contra o executado G..., dando como título executivo requerimento de injunção com fórmula executória aposta pelo Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções.
2. Baseou-se tal requerimento de injunção no contrato de manutenção normal de elevador n.º 1300325, instalado no prédio sito na Rua João da Rosa n.º 9/10, em Olhão, celebrado entre a exequente e o executado, em 27/07/2004, encontrando-se por pagar a quantia de € 7.574,15 a título de capital, titulada pelas facturas emitidas e vencidas no período de 14/12/2004 a 01/01/2010, melhor discriminadas no requerimento de injunção junto de fls. 9-10 dos autos de execução.
3. O executado foi o construtor do prédio onde se encontra instalado o elevador a que se refere o contrato referido em 2.
4. Foi inscrita pela Ap. 5 de 2004/04/29 a constituição do prédio, composto por 5 fracções, em regime de propriedade horizontal, conforme certidão do registo predial junta aos autos de execução.
5. O denominado contrato de manutenção normal de elevador a que se alude em 2., constante de fls. 35 e 36 dos presentes autos, tem designadamente o seguinte teor:
“CONTRATO DE MANUTENÇÃO – NORMAL ELEVADOR(ES)
N.º Contrato 1300325
Data de emissão 27/07/2004
Entre a T... S.A. (designada Fornecedora) (…) e G...
Contribuinte N.º (…)
Com morada em (…)
Proprietário, administrador do condomínio ou possuidor do prédio em que se encontra a instalação a conservar (a seguir Proprietário), fica celebrado o presente contrato, feito em dois exemplares, assinados por ambos os contratantes, pelo qual a Fornecedora, nas condições gerais transcritas no verso, que fazem parte integrante do presente contrato, toma a seu cargo a assistência e conservação de 1(UM) elevador(es) destinado a HABITAÇÃO e instalado(s) em RUA JOÃO ROSA, 9/10, 8700 OLHÃO
e com características técnicas que seguidamente se descrevem
(…)
i. Início do contrato 27/07/2004 e com uma duração de 3 anos.
ii. Preço mensal de € 88,13 (OITENTA E OITO EUROS E TREZE CÊNTIMOS), acrescida de IVA.
iii. Periodicidade do pagamento: (…) Semestral X (…)”.
6. O escrito referido em 5. encontra-se assinado pelo executado, G...
7. Por escrito datado de 04/06/2004, G... e mulher, ora oponente, declararam vender a J... e mulher V... a fracção autónoma designada pela letra “D” correspondente ao 3.º andar destinada a habitação do prédio a que se alude em 2, conforme fls. 69 a 72 dos presentes autos.
8. Por escritura pública datada de 4/11/2004, G... e mulher, ora oponente, declararam vender a M... e marido, A..., as fracções autónomas designadas pelas letras “B” correspondente ao 1.º andar, destinada a habitação, e “A”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, destinada a garagem, do prédio a que se alude em 2, conforme fls. 76 a 81 dos presentes autos.
9. Por escritura pública datada de 29/06/2004, G... e mulher, ora oponente, declararam vender a M..., a fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente ao 3.º andar, destinada a habitação, do prédio a que se alude em 2, conforme fls. 83 a 85 dos presentes autos.
10. Encontra-se inscrita no registo predial a favor do executado e mulher, ora oponente, a propriedade da fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao 4.º andar recuado, do prédio a que se alude em 2., conforme certidão do registo predial junta aos autos de execução.

B) É também de considerar provado (arts. 607º nº 4 e 663º nº 2 do CPC):
Com data de 27/07/2004 foi outorgado o escrito intitulado «Aditamento ao contrato de manutenção» - cfr doc. 1 da contestação/ fls. 37 destes autos - onde se lê, além do mais:
«Entre:
T... SA (…)
E
Proprietário: G...
(…)
Pelo presente Aditamento, acordam as partes, entre si, a alteração da cláusula 1.3. do Contrato (…), do qual faz parte integrante, nos seguintes termos e condições:
(…)
Proprietário/Administrador (…)
(…)»

C) O Direito
1. Se a sentença recorrida é nula por constituir uma decisão surpresa.
Dispõe o nº 3 do art. 3º do CPC: «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo em caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
O art. 195º estabelece:
«1. Fora dos casos previstos nos números anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem a nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2. Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; (…)
3. (…)».
Segundo a apelante, a sentença foi proferida sem que tivesse tido oportunidade de contrapor os seus argumentos face à solução jurídica que conduziu à absolvição da instância executiva do cônjuge da apelada, pois ambas as partes partiram do pressuposto de que era ele o titular da obrigação de pagamento do preço devido por força do contrato de manutenção de elevadores.
Mas não tem razão.
Na petição inicial de oposição à execução, a apelada alegou que o invocado crédito referente a serviços de assistência prestada ao elevador afecto à parte comum do prédio não poderá ser reclamado apenas ao seu cônjuge, devendo sê-lo também aos restantes condóminos e na proporção das suas permilagens constantes do título de constituição da propriedade horizontal, tendo a apelante exposto na contestação as razões pelas quais entende que a obrigação de pagamento do preço da manutenção do elevador compete ao executado marido e não a qualquer condomínio constituído ou a constituir.
Portanto, a apelante pronunciou-se, oportunamente, sobre a questão de saber a quem deve ser exigido o pagamento das facturas.
Improcede, pois, a arguição de nulidade.

B) Se a execução deve prosseguir contra o cônjuge da apelada para pagamento da quantia exequenda ou, pelo menos, para pagamento parcial de acordo com a sua permilagem no prédio ou, ainda, se deve ser ordenado o prosseguimento destes autos de oposição à execução a fim de ser produzida prova.
Na sentença recorrida afirma-se, além do mais:
«(…) à data em que o contrato sob apreço foi celebrado já se encontrava constituído o condomínio, sendo irrelevante para tal constituição que tenha havido ou não aprovação de regulamento de condomínio ou realização de assembleia de condóminos (…) pelo que já não se poderia considerar o executado proprietário exclusivo do elevador, o qual, integrando as partes comuns, pertencia em compropriedade a todos os condóminos.
Daí decorre que o executado apenas pode ter actuado na qualidade de administrador do condomínio, ainda que provisório, em conformidade com o disposto no artigo 1435º - A do Código Civil, pelo que as obrigações assumidas se repercutiram no condomínio e não na sua própria pessoa, a título individual.
(…)».
Decorre dos factos provados que na data da celebração do contrato de manutenção do elevador, o edifício - do qual foi construtor o executado G... - já estava constituído em propriedade horizontal com 5 fracções autónomas, sendo que a fracção “D” era propriedade de J... e mulher V..., a fracção “C” era propriedade de M..., e as restantes fracções eram propriedade dos executados.
Estatui o art. 1414º do Código Civil: «As fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem entidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.»
Em anotação a este normativo, dizem Pires de Lima e Antunes Varela:
«Sem dúvida que a declaração unilateral do proprietário do edifício, embora qualificada pela lei como título constitutivo do condomínio, não pode originar, só por si, uma situação plena e acabada de propriedade horizontal, pois esta figura jurídica pressupõe uma pluralidade de condóminos (cfr. o art. 1414.º), que no caso não existe. Enquanto as várias fracções autónomas pertencerem a uma só pessoa, o regime de propriedade horizontal é obviamente inaplicável. (…)
(…) a eficácia do título fica dependente da alienação de, pelo menos, uma das fracções autónomas, pois só nessa altura surgirá a pluralidade de condóminos, pressuposto essencial da aplicação do regime dos artigos 1414º e seguintes. (…)
(…)
Embora não revista a natureza de um acto de disposição, o negócio de constituição da propriedade horizontal opera, no entanto, a modificação do estatuto real a que o imóvel se encontrava sujeito, extinguindo o direito de propriedade normal e constituindo, em substituição, um direito real novo.» (in Código Civil anotado, Vol. III, 2ª ed., pág. 406 a 408)
Assim, como assertivamente se discreteou na sentença recorrida «(…) à data em que o contrato sob apreço foi celebrado já se encontrava constituído o condomínio, sendo irrelevante para tal constituição que tenha havido ou não aprovação de regulamento de condomínio ou realização de qualquer assembleia de condóminos (…), pelo que já não se poderia considerar o executado proprietário exclusivo do elevador, o qual, integrando as partes comuns, pertencia em compropriedade a todos os condóminos.».
Na verdade, o referido elevador é uma parte comum do prédio (art. 1421º nº 2 al. b) do CC), pelo que as despesas necessárias à sua conservação devem ser pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções (art. 1424º nº 1 do CC).
Prossegue-se, na sentença recorrida:
«Daí decorre que o executado apenas pode ter actuado na qualidade de administrador do condomínio, ainda que provisório, em conformidade com o disposto no artigo 1435º - A do Código Civil, pelo que as obrigações assumidas se repercutiram no condomínio e não na sua própria pessoa individual.».
Nos termos do nº 1 do art. 1430º do CC «A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.».
É função do administrador «Cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns.» (art. 1436º al. d) do CC)».
O administrador pode ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício (art. 1437º nº 2 do CC).
Explicam Pires de Lima e Antunes Varela: «De harmonia com a correlação que a lei processual (…) estabelece entre a capacidade jurídica no plano substantivo, e a capacidade judiciária, no domínio do direito adjectivo, o artigo 1437º consagra a legitimidade do administrador para estar em juízo, quer como autor, em execução de alguns dos actos previstos no artigo anterior, quer como réu, nas acções respeitantes às partes comuns do edifício (…)
(…)
A capacidade judiciária passiva do administrador, relativamente às partes comuns do edifício, cessa no caso das acções que põem em causa, directa ou indirectamente, o direito dos condóminos a essas partes. A intervenção do administrador, como o próprio nome deste órgão dá desde logo a entender, só se justifica em relação aos actos de conservação e de fruição das coisas comuns, (…)» (in ob. cit., pág. 455/456).
Dispõe o art. 1435º nº 1 que «O administrador é eleito e exonerado pela assembleia.», mas o art. 1435º - A prevê a figura do administrador provisório, estatuindo:
«1. Se a assembleia de condóminos não eleger administrador e este não houver sido nomeado judicialmente, as correspondentes funções são obrigatoriamente desempenhadas, a título provisório, pelo condómino cuja fracção ou fracções representem a maior percentagem do capital investido, salvo se outro condómino houver manifestado vontade de exercer o cargo e houver comunicado tal propósito aos demais condóminos.
2. Quando, nos termos do número anterior, houver mais de um condómino em igualdade de circunstâncias, as funções recaem sobre aquele a que corresponda a primeira letra alfabética utilizada na descrição das fracções constante do registo predial.
3. Logo que seja eleito ou judicialmente nomeado um administrador, o condómino que nos termos do presente artigo se encontre provido na administração cessa funções, devendo entregar àquele todos os documentos respeitantes ao condomínio que estejam confiados à sua guarda.».
Sustenta a apelante que o executado marido celebrou o contrato de manutenção de elevador em nome próprio e individual e não em nome do condomínio, enquanto administrador provisório do mesmo, até porque o condomínio nem estava constituído.
Porém, como resulta do que supra se explanou, passou a existir uma pluralidade de condóminos logo que a fracção “D” foi alienada, passando imediatamente a ser aplicado o regime dos art. 1414º e seguintes do Código Civil.
A inscrição do condomínio - entidade não dotada de personalidade jurídica mas com personalidade judiciária - art. 12º al e) do Código de Processo Civil - no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas permite a sua identificação através do cartão de pessoa colectiva.
Portanto, o condomínio existe ainda que não esteja inscrito no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas. Assim, se foi incumprida alguma obrigação pelos condóminos ao não requererem aquela inscrição e atribuição de cartão com número de pessoa colectiva, é questão que aqui não cumpre apreciar.
Segundo a apelante «O contrato é claro na identificação das partes outorgantes e nele não consta nenhum condomínio como parte, mas antes o cônjuge da Recorrida.».
Ponderou a 1ª instância:
«Encontra-se também assente que esse contrato foi celebrado pelo executado, cônjuge da oponente, que foi o construtor do prédio, sendo de salientar que, ao contrário do que propugna a exequente, do teor do contrato não resulta em momento algum que o referido executado o tenha assinado na qualidade de proprietário, sendo certo que, como resulta da factualidade descrita em 5., o mesmo se encontra aí identificado como “proprietário, administrador do condomínio ou possuidor do prédio em que se encontra a instalação a conservar”, sem que as partes em momento algum tenham identificado cabalmente a qualidade em que o fazia.».
Mostra-se correcta esta apreciação.
É evidente a falta de rigor na identificação da contraparte no contrato em causa, porquanto: na 1ª página consta «Proprietário, administrador do condomínio ou possuidor do prédio em que se encontra a instalação a conservar (a seguir Proprietário), fica celebrado o presente contrato, feito em dois exemplares, assinados por ambos os contratantes, pelo qual a Fornecedora, nas condições gerais transcritas no verso, que fazem parte integrante do presente contrato, toma a cargo a assistência e conservação de 1 (um) elevador (…)»; na 2ª página consta a assinatura do executado marido sob o vocábulo «Proprietário» - que, como decorre da 1ª página é utilizado no contrato para designar o “proprietário”, o “administrador do condomínio” ou o “possuidor” - e no «Aditamento (…), o executado marido tanto é designado como «Proprietário» como por «Proprietário/Administrador».
Como na data da celebração do contrato já o executado não era proprietário de todo o edifício e não alegou sequer a apelante, na contestação, que foi induzida em erro por aquele se ter intitulado como tal, não há que produzir prova testemunhal para averiguar em que qualidade ele negociou e outorgou aquele acordo.
Com efeito, se na negociação do contrato o executado se tivesse intitulado proprietário de todo o edifício, poderia incorrer em responsabilidade pré-contratual pois, de harmonia com o disposto no art. 227º nº 1 do Código Civil «Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.».
Diga-se, aliás, que se a apelante é, como alega, «uma empresa mundialmente conhecida no ramo dos elevadores», regendo-se «pelos mais elevados princípios de rigor e excelência», natural será que tenha o cuidado de se certificar com quem contrata.
Não tendo a apelante alegado na contestação que o executado marido se intitulou proprietário de todo o edifício quando negociou o contrato, e decorrendo dos factos provados que nessa data era o condómino com fracções representativas da maior percentagem do capital investido, teria, obrigatoriamente, as funções de administrador provisório no caso de a assembleia de condóminos não ter eleito um administrador.
Assim, são do condomínio as obrigações emergentes do contrato, por este respeitar à manutenção de uma parte comum do prédio.
Manifesta é, pois, a falta de razão da apelante ao invocar a cláusula 7.1 do contrato, onde se prevê:
«Transferência de proprietário
7.1. - Fica assegurada ao Proprietário a faculdade de transferir os direitos e obrigações que lhe resultem do presente contrato, no caso de alteração ou substituição do Proprietário do prédio, devendo para o efeito, prevenir a Fornecedora com carta registada com aviso de recepção nos 10 dias seguintes à sua verificação.
7.2. - No caso do novo Proprietário não aceitar o presente acordo, o contrato caduca automaticamente com os efeitos previstos em 4.2.».
Em consequência, não pode o executado marido ser demandado na qualidade de devedor a título individual, de parte ou da totalidade, dos alegados créditos a que respeitam as facturas dos autos.

IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 22 de Junho de 2017

Anabela Calafate

António Manuel Fernandes dos Santos

Francisca Mendes
Decisão Texto Integral: