Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
869/17.0T8PDL.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: SENTENÇA CONDENATÓRIA
SENTENÇA PENAL
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Apresentando-se para execução uma sentença condenatória proferida no âmbito de um processo de natureza criminal, consubstanciando uma condenação genérica, tal decisão vale como título executivo (art. 703º, nº1, alínea a) do CPC), iniciando-se a execução com a liquidação, nos termos do art. 716º, nº4 do CPC, aplicável ex vi do disposto no nº5 do mesmo preceito.
2. Em face do disposto no art. 82º, nº1, 2ª parte do Código de Processo Penal, não vigora no processo penal o ónus de liquidação no âmbito do processo declarativo, imposto pelo art. 358º, nº2 do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  
I.RELATÓRIO
Ação - Executiva para pagamento de quantia certa, com forma de processo ordinário.
Exequente - P…
Executado - E…

Título executivo
É apresentado como título executivo o documento de fls. 14 a 23, que constitui uma sentença proferida em 02-11-1999, no processo nº2969/16.4T8PDL, transitada em julgado a 23 de novembro de 1999, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada (atualmente, processo nº2969/16.4T8PDL localizado no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Juízo Local Criminal de Ponta Delgada – Juiz 2), sentença que concluiu como segue:
“Em face de tudo o exposto (…) decido:
a) declarar extinto, por amnistia, o procedimento criminal instaurado nos presentes autos contra o arguido E..., determinando o oportuno arquivamento dos mesmos na parte crime;
b) julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização cível deduzido e, consequentemente, condeno o arguido a pagar à demandante as seguintes quantias:
1.º a quantia de 450.000$00, a título de indemnização por danos morais;
2.º a quantia de 16.841$00, a título de indemnização por danos patrimoniais;
3.º acrescidas de juros de mora à taxa de 7%, desde a data desta sentença;
c) condeno ainda o arguido no pagamento de indemnização por lucros cessantes, a liquidar oportunamente em execução de sentença, relativos à incapacidade parcial permanente da ofendida P....(…)”.

Decisão
Em 28-04-2017 foi proferida decisão que concluiu como segue:
“Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 726.º, 1, a), do Código de Processo Civil, indefere-se liminarmente a presente execução.
Custas pela exequente.
Notifique”.

Recurso
Não se conformando a exequente apelou, formulando as seguintes conclusões:
“1) O Meritíssimo Juiz a quo fez uma incorrecta apreciação da tramitação processual a seguir quando na presença de sentença proferida por juízo criminal da qual consta condenação por pedido de indemnização cível a liquidar em execução de sentença;
2) A sentença que neste processo consta como título provém de decisão de tribunal criminal, e a sua liquidação irá assentar em elementos dos quais não depende um simples cálculo aritmético, pelo que remete-se a mesma para a competência dos tribunais civis ao abrigo do disposto pelos artigos 82º nº1 do Código de Processo Penal e 129º nº1 e nº2 a contrario da Lei de Organização do Sistema Judiciário.
3) O tribunal criminal é incompetente em razão da matéria para a liquidação e execução de sentença da qual conste condenação resultante de pedido de indemnização cível em cujo valor seja a liquidar oportunamente em execução de sentença;
4) Cabendo ao juízo cível a sua liquidação e posterior execução, elimina-se o ónus de proceder à liquidação da sentença penal em sede da respectiva acção declarativa.
5) Com a reforma processual de 2013, a lei passou a admitir que decisões judiciais para as quais não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, sejam objecto de liquidação pelo incidente previsto pelo nº4 do artigo 716º do Código de Processo Civil, por via do seu nº5.  
6) Pelo que, à liquidação de sentença proferida por tribunal criminal da qual conste condenação em indemnização cível oportunamente a liquidar em execução de sentença, aplica-se o incidente previsto pelo nº4 do artigo 716º do Código de Processo Civil, por via do seu nº5, e do artigo 82º nº1 do Código de Processo Penal.
7) No novo Código de Processo Civil, o incidente de liquidação de obrigação fundada em título executivo constituído por decisão judicial para o qual não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito o processo de declaração, é deduzido no próprio Requerimento Executivo, nos mesmos termos que a liquidação por simples cálculo aritmético, com especificação pelo Exequente dos valores que considera compreendidos na prestação devida; concluindo-se com um pedido liquido. 
8) No caso em análise, é a ora Recorrente titular de sentença proferida por tribunal criminal da qual consta condenação do arguido, ora Executado, ao pagamento de indemnização cível oportunamente a liquidar em execução de sentença.
9) A ora Recorrente apresenta fundamentadamente o seu Requerimento Executivo junto ao juízo para tanto competente – Juízo Central Cível de Ponta Delgada - com expressa menção dos preceitos legais ao abrigo dos quais actua.
10) A Recorrente apresenta Requerimento Executivo exactamente nos moldes para tanto exigidos pelo artigo 716º do Código de Processo Civil, assim fazendo constar a necessária e devida liquidação para o seu pedido liquido a final deduzido.
11) É, por todas estas razões, incorrecta a conclusão formulada pelo Exmo. Sr. Juiz a quo quando refere que a liquidação de sentença penal da qual consta condenação em indemnização cível a ser oportunamente liquidada em execução de sentença terá de ser efectuada em sede de acção declarativa e não em acção executiva, erradamente indeferindo o Requerimento Executivo apresentado pela Recorrente por o que diz ser a manifesta insuficiência do título. 
12) Na verdade, tal solução jurídica processual implicaria um recuo na lide em tudo contrário ao Principio da Economia Processual e até uma violação do caso julgado. 
1 3) Devendo com isto ser revogada a sentença da qual consta o indeferimento do Requerimento Executivo apresentado pela Recorrente, devendo ser o respectivo Requerimento Executivo aceite, sendo consequentemente decretada a abertura do incidente de liquidação da sentença e julgada procedente a acção executiva de pagamento de quantia certa instaurada contra o Executado para pagamento da indemnização a que devidamente foi condenado. 
Porém, V. Ex.ªs decidirão como sempre for de justiça”! 

Cumpre apreciar
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de primeira instância deu por assente a seguinte factualidade:
1. A exequente fez constar do requerimento executivo relativamente aos factos:
“1. No dia 29 de Dezembro de 1994, pelas 23.00h, a aqui Requerente, passeava acompanhada por familiares na Av. J…, sita em Ponta Delgada, junto à residência do Requerido, quando foi confrontada com a cadela propriedade daquele que, ladrando, saiu da sua área de residência e correu em direcção ao grupo do qual a Requerente fazia parte.
2. Perante o que, a Requerente assustada, num reflexo de protecção pessoal, saltou para cima de um muro que se encontrava ali perto e caiu para o outro lado;
3. Queda essa correspondente a uma altura de 4 metros.
4. A 2 de Novembro de 1999, no âmbito do Processo nº146/97, foi proferida sentença pelo 3º Juízo (extinto) do Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada – registado actualmente, e após nova distribuição, como Processo nº2969/16.4T8PDL localizado no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Juízo Local Criminal de Ponta Delgada – Juiz 2 - cuja cópia segue em anexo como doc. nº1, requerendo-se a V. Ex.ª que seja oficiada a junção da certidão da mesma atendendo ao exposto nas declarações complementares.
5. Nessa mesma sentença indicada em 4. entendeu-se ter o Requerido violado o dever objectivo de cuidado, «dado que não fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar as lesões na ofendida»;
6. Tendo aquele sido acusado da prática do crime de Ofensa à Integridade Física por Negligência, previsto à data pelo artigo 148º nº3 do Código Penal de 1982.
7. O crime pelo qual foi o Requerido acusado, atendendo à sua moldura penal, encontra-se amnistiado pelo artigo 7º al. d) da Lei nº29/99, de 12 de Maio - não se extinguindo, no entanto, a responsabilidade civil emergente dos factos, à luz do artigo 11º nº1 do referido diploma legal.
8. À data em que foi proferida a dita sentença não foi possível determinar a percentagem de IPP (Incapacidade Permanente Parcial) a aplicar à aqui Requerente, atendendo a que se aguardava a extracção do material de osteossíntese (vide doc. nº2).
9. Pelo que, foi o Requerido condenado ao pagamento de indemnização por lucros cessantes a liquidar oportunamente em execução de sentença, à luz do artigo 564º nº2 do Código Civil.
10. Por motivo da queda, P... sofreu as seguintes lesões: - Fractura da terceira vértebra lombar (L3); - Fractura bimaleolar da perna direita.
11. A extracção do material de osteossíntese, inserido na perna direita da Requerente, apenas se verificou a 22 de Junho do ano de 2016, conforme doc. nº3 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido.
12. Foi-lhe concedida Alta nessa mesma data, conforme doc. nº4.
13. No procedimento de intervenção cirúrgica de extracção do material de osteossíntese, um dos parafusos quebrou (vide doc. nº3 e 4), o que se poderá traduzir num aumento das repercussões advenientes desta intervenção no futuro.
14. Por consequência desta nova intervenção, a Requerente voltou a recorrer à ajuda de canadianas para se movimentar, sendo que o fez por 1 mês e meio.
15. À presente data a Requerente mantém as dores no pé direito, não conseguindo apoiá-lo correctamente no chão e andando manca por consequência.
16. O tornozelo interior desse mesmo pé mantém-se inchado e sem sinais de uma recuperação total num futuro breve,
17. Prevendo-se a necessidade de sessões de fisioterapia.
18. Até à data da queda, P...era uma jovem saudável, com todo um futuro à sua frente.
19. Sendo que, depois do acidente, passou aquela a efectuar um esforço acrescido para desenvolver as mais básicas tarefas, com prejuízo nomeadamente da sua produtividade e, consequentemente, da sua vida profissional.
20. Por consequência das lesões sofridas, a Requerente ficou a padecer de uma IPP de 10%.
21. Ora, encontrando-se à presente data determinada a IPP da aqui Requerente, e assim demonstrando-se determináveis os respectivos lucros cessantes advenientes da ocorrência acima descrita, faz-se apresentação do presente requerimento à luz do artigo 716º do Código de Processo Civil e 82º nº1 do Código de Processo Penal.
22. Uma vez que à data da ocorrência a Requerente era estudante, ainda não exercendo qualquer actividade profissional, deve ser tomando em conta para efeitos do cálculo da indemnização, o salário mínimo regional na presente data enquanto valor avaliado como mínimo condigno à vivência e coesão em sociedade no momento actual.
23. O salário mínimo regional encontra-se actualmente fixo no valor de €584,85, conforme o artigo 3º do Decreto Legislativo Regional nº8/2002/A, de 10 de Abril, que determina um aumento de 5% relativo ao salário mínimo nacional actualmente estabelecido pelo Decreto-Lei nº86-B/2016, de 29 de Dezembro.
24. Pelo que, atendendo aos dados acima mencionados, deve ser tomado por base ao cálculo da indemnização de lucros cessantes o rendimento anual ilíquido de €584,85x14 – o correspondente ao valor de €8.187,90.
25. Assim, anualmente, atendendo à percentagem avaliada de 10% de IPP, a Requerente tem vindo a sofrer um prejuízo de €818,79.
26. Uma vez que esperança média de vida em Portugal se encontra actualmente nos 80 anos, e encontrando-se a Requerente à data do ocorrido com 15 anos, a terminar a escolaridade obrigatória (sendo por isso expectável a sua integração no mercado de trabalho), deverão ser considerados 65 anos de prejuízo ressarcível.
27. Pelo que, €818,79 x 65 anos corresponde a uma prejuízo a ser ressarcido no valor de €53.221,35, à luz do artigo 566º nº2 do Código Civil.
28. Atendendo a que o capital a indemnizar tem uma capacidade geradora de rendimento quando liquidado de uma vez só e antecipadamente, é de admitir que, segundo o critério da equidade, seja o mesmo reduzido na percentagem correspondente a essa capacidade, nomeadamente pela aplicação da taxa de juro de 2%.
29. Aplicando-se essa dedução de 2% (€1.064,43) sobre o montante de €53.221,35, à Requerente deve ser ressarcido a título de indemnização por lucros cessantes o valor de €52.156,92 (Cinquenta e Dois Mil Cento e Cinquenta e Seis Euros e Noventa e Dois Cêntimos).
30. Ao valor em dívida, acrescem juros de mora à taxa legal a contabilizar desde a data da citação para a presente acção, nos termos do disposto no artigo 805º nº3, 2ª parte, do Código Civil, e até ao seu integral pagamento.
31. Pelo que, com base na sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada a 02.11.1999, vem P... requerer que seja o Requerido condenado ao pagamento da quantia de €52.156,92 (Cinquenta e Dois Mil Cento e Cinquenta e Seis Euros e Noventa e Dois Cêntimos) a título de indemnização por lucros cessantes, montante ao qual acrescem juros de mora à taxa legal a contabilizar desde a data em que será efectuada a citação para a presente acção e até ao seu integral pagamento, indemnização essa à qual foi já condenado ao pagamento na já referida sentença”.
 
2. A requerente fez constar do requerimento executivo relativamente às declarações complementares:
“I. Requer-se a V. Ex.ª que seja oficiada a junção da certidão da sentença proferida no âmbito do Processo nº2969/16.4T8PDL, transitada em julgado a 23 de Novembro de 1999, que à data se encontra na secção central deste mesmo tribunal, atendendo a que a Requerente, beneficiária de apoio judiciário, não tem meios para efectuar o pagamento necessário ao seu levantamento, e sendo a mesma essencial ao prosseguimento destes autos.
II. Requer-se ainda a V. Exª. que, nos termos do disposto no artigo 467º nº1 do Código de Processo Civil, seja apreciada por perito nomeado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., a matéria relativa às condições físicas da aqui Requerente, tendo especial atenção às limitações posteriores à queda sofrida e a consequente determinação da Incapacidade Permanente Parcial, desde já se juntando os respectivos quesitos que seguem em anexo.
III. Mais se requer a V. Ex.ª que seja o Requerido citado para contestar nos termos do disposto pelo artigo 716º nº4 e nº5 do Código de Processo Civil.
IV. Salienta-se ainda, e por último, que a Requerente é beneficiária de Apoio Judiciário concedido em sede de despacho no dia 14 de Julho de 1997 - despacho esse que aqui se junta; não se encontrando no presente formulário qualquer opção compatível com a modalidade «dispensa de pagamento de preparos e custas» concedida à data, embora seja a mesma ainda válida à luz do artigo 18º nº5 da Lei nº34/2004, de 29 de Julho”.
 
3. Consta do segmento decisório da sentença proferida em 2 de Novembro de 1999, no âmbito do Processo nº146/97, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada (actualmente, Processo nº2969/16.4T8PDL localizado no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Juízo Local Criminal de Ponta Delgada – Juiz 2):
“Em face de tudo o exposto (…) decido:
b) julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização cível deduzido e, consequentemente, condeno o arguido a pagar à demandante as seguintes quantias:
1.º a quantia de 450.000$00, a título de indemnização por danos morais,
2.º a quantia de 16.841$00, a título de indemnização por danos patrimoniais, 
3.º acrescidas de juros de mora à taxa de 7%, desde a data desta sentença;
c) condeno ainda o arguido no pagamento de indemnização por lucros cessantes, a liquidar oportunamente em execução de sentença, relativos à incapacidade parcial permanente da ofendida P...”.
 
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo CPC, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem, – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar se o título executivo apresentado reúne os requisitos para fundar a execução.

2. A Meritíssima Juiz entendeu dar resposta negativa, fundamentando a sua posição como segue:
“Dizem se «ações executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida (artigo 10.º, nº 4, do Código de Processo Civil), sendo que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (nº 5, do mesmo normativo) e podendo o fim da execução, para o efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo quer negativo (nº 6, do mesmo normativo). Relativamente à sentença enquanto título executivo dispõe o artigo 704.º, nº 6, do Código de Processo Civil: Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716.º.
 Ora, atenta a factualidade descrita supra, no presente caso, a liquidação não depende de simples cálculo aritmético. Tanto assim é que a exequente termina formulando o pedido de condenação (cfr. facto nº 31 da descrição dos factos) – pedido a realizar em ação declarativa e não em ação executiva. Acresce que o executado foi condenado no pagamento da quantia de 466.841$00, ou seja, 2.328.59€, sendo certo que formula um pedido no montante de 52.156,92€ (peticionando a realização perícias a fim de provar a sua alegada incapacidade d 10% e a condenação do executado no pagamento por lucros cessantes). Dispõe o artigo 726.º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil: o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título.
Atento o exposto, no presente caso, é manifesta a insuficiência do título. Não será de mais lembrar que toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (artigo 10.º, 1, do CPC), sendo a existência de um título executivo pressuposto de qualquer execução”
A apelante insurge-se, cremos que com razão.
O título apresentado consubstancia uma sentença condenatória (art. 703º, nº1, alínea a) proferida no âmbito de um processo de natureza criminal, consubstanciando uma condenação genérica, pelo menos em parte.
Na fundamentação dessa decisão pode ler-se:
“ Deu-se como provado que a ofendida ficou com uma incapacidade permanente parcial, cujo grau não se encontra ainda determinado. Face à inexistência de elementos que nos permitam, neste momento, fixar a perda de capacidade de ganho da lesada, relego para liquidação em execução de sentença a determinação concreta dos lucros cessantes alegados pela ofendida (art. 564º nº 2 do CC)”.
Trata-se de determinação consentânea com o regime fixado no art. 82º do Código de Processo Penal (“[l]iquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis”), nos termos do qual “[s]e não dispuser de elementos bastantes para fixar a indemnização, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença. Neste caso, a execução corre perante o tribunal civil, servindo de título executivo a sentença penal” – nº1.
Este regime diverge daquele fixado no âmbito do processo civil, em que vigora o ónus de proceder à liquidação na ação declarativa, após o trânsito em julgado da sentença de condenação genérica (art. 358º, nº2), de sorte que a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo (art. 704º, nº6).
Foi este o regime que o tribunal de primeira instância entendeu dever aplicar ao caso, olvidando que a sentença em causa foi proferida em processo penal, como se salientou.
No caso, releva o disposto no art. 716º, nºs 4 e 5. Assim, a hipótese em apreço configura, precisamente, um caso de decisão judicial relativamente à qual, como se viu, não vigora o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, em face do citado art. 82º, nº1 do Cod. de Processo Penal, preceito que entendemos não se mostrar tacitamente revogado pelo atual art. 716.º do Cód. Proc. Civil, na decorrência da alteração legislativa que foi conferida a este Diploma pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, assim se seguindo a orientação preconizada pelo acórdão deste TRL de 12-05-2015 [ [1]  ] [ [2] ].
Assim, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, a sentença condenatória constitui título executivo, sendo a liquidação feita no processo executivo, seguindo-se o processado a que alude o art. 716º, nº4.
Em suma, procedem as conclusões de recurso.
                                                        *
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento da execução.
Sem custas.
Notifique.
Lisboa,

Isabel Fonseca

Maria Adelaide Domingos

Ana Isabel Pessoa)

[1] Proferido no processo nº 498/06.3GALNH.L1-5 (Relator: Luís Gominho), acessível in www.dgsi.pt.; no mesmo sentido vai o ac. do TRC de 18-02-2014, processo 773/13.0T2OVR.P1.C1 (Relator: Barateiro Martins), em que se considerou – ainda que a propósito de outra questão que aí se suscitava – que “o tribunal/juízo criminal é via de regra o competente para a execução das suas próprias condenações decorrentes de pedido de indemnização cível, apenas devendo decorrer perante o tribunal cível a execução das condenações do tribunal criminal decorrentes de pedido de indemnização cível quando a condenação for em indemnização a liquidar em execução de sentença.
Na doutrina, seguindo esta orientação, vide Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, p. 265, autor citado pela apelante.

[2] Afastamo-nos pois, da posição seguida na decisão do Tribunal da Relação de Évora de 28-04-2014, processo:164/13.3YREVR (Relator: António M. Ribeiro Cardoso), acessível in www.dgsi.pt.