Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2149/19.7YLPRT.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1– A lei, no artº 1097º nº 1 do CC, estabelece prazos mínimos de antecedência de comunicação não impedindo que as partes possam, livremente, estipular prazos superiores para o senhorio comunicar a sua oposição à renovação do contratode arrendamento.

2– Da conjugação do artº 10º nº 2 al. d) e nºs 3 e 4 da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção dada pela Lei 43/2017, de 14/06, decorre que o envio de uma 2ª carta ao inquilino, visando comunicar a oposição à renovação do contrato, remetida entre o trigésimo e o sexagésimo dia sobre a data do envio da primeira - que o inquilino não recebeu - constitui condição de eficácia dessa primeira declaração de oposição à renovação do contrato, tornando-a eficaz.

3–O inquilino só incorre em mora na restituição do locado após ter sido interpelado para o restituir.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO.


1–JFOC iniciou procedimento especial de despejo no Balcão Nacional de Arrendamento contra BF.

Alegou, em síntese, que celebrou, em 14/07/2011, com o requerido, contrato de arrendamento para habitação, relativo ao 2º esquerdo do nº ... da Rua …, Lisboa, pelo prazo de cinco anos, com início a 01/07/2011, renovável automaticamente por períodos de três anos. Em 21/06/2018 o requerente comunicou ao requerido a sua oposição à renovação do contrato – que se renovara a 30/06/2016 até 30/06/2019 – por meio de carta registada com aviso de recepção, carta essa que veio devolvida por o requerido não ter procedido ao seu levantamento apesar de avisado me 25/06/2018. O requerente remeteu ao requerido nova carta registada com aviso de recepção, em 22/07/2018, a qual foi recebida a 25/07/2018, igualmente a manifestar a sua oposição à renovação do contrato, com efeitos a partir de 30/06/2019.
O requerido não devolveu o locado. Nos termos do contrato, o inquilino está obrigado a pagar o dobro do valor da renda (879,54€) pela mora na restituição, actualmente no valor de 1 759,08€, correspondentes aos meses de Julho e Agosto de 2019, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4%, bem como no pagamento das quantias vincendas e juros de mora até à desocupação e entrega do imóvel, à razão de 879,54€ por mês a dividir por cada dia de atraso.

2–Notificado, o requerido deduziu oposição ao procedimento.
Alegou que tendo ocorrido renovação do contrato, por três anos, em 30/06/2016 até 30/06/2109, a comunicação/notificação de oposição à renovação do contrato teria de ocorrer até 30/06/2018, o que não sucedeu, pelo que o contrato se renovou automaticamente até 30/06/2022. Além disso, o aviso de recepção apresenta vício grave por não confirmar a identidade da pessoa que a recebeu.

3–O requerente respondeu à excepção de caducidade do direito de denúncia do contrato, defendo que deve considerar-se eficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato.

4–Remetidos os autos à distribuição pelo juízo cível competente, a 1ª instância, por entender que os autos continham já todos os elementos que permitiam uma decisão final, facultou às partes a possibilidade de alegarem, por escrito, de facto e de direito.

4.1-O requerente alegou, reiterando os argumentos já anteriormente expendidos e acrescentando que o requerido actua em abuso de direito ao não reconhecer ter sido devidamente notificado com tempo mais que suficiente, 11 meses, para reorganizar a sua vida e desocupar o locado.

4.2-O requerido, no essencial, reiterou o que já havia alegado e acrescentou a referência ao artº 8º, al. c) da Lei 16/2020, relativo à suspensão da produção de efeitos da oposição à renovação do contrato.

5–Remetido o procedimento para o juízo local cível de Lisboa, foi proferida sentença, a 27/02/2021, com o seguinte teor decisório:
Nestes termos e com estes fundamentos, julga-se improcedente a ação e, em consequência, absolve-se o R. BF do pedido.”

6–Inconformado, o requerente interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A)-A sentença recorrenda não fez uma correcta interpretação dos normativos aplicáveis ao caso sub judice porquanto deveria ter aplicado o imperativo legal dos 120 dias de pré aviso para comunicação da cessação por oposição à sua renovação, do contrato de arrendamento sub judice, nos termos do artº 1097º/1 al. b) do CC, aliás expressamente invocado pela Mª Juiz a quo, uma vez que, caso o tivesse feito, então teria sido mais que suficiente que a comunicação se tivesse concretizado até 38/02/2019 i.e. 120 dias anteriores à data do termo em curso – 30/06/2019, pelo que, tendo-se concretizado materialmente em 25/07/2018, deverá ter-se por válida e eficazmente caducado em 30/06/2019 o contrato de arrendamento sub judice, e, consequentemente, deverá ser revogada a sentença ora recorrenda e substituída por outra ordenando a desocupação do locado e condenado o Recorrido no pedido indemnizatório de 13 193,10€ correspondentes ao pagamento em dobro das rendas mensais devidas desde 1 de Julho de 2019 atá ao presente e das que se vencerem até à entrega efectiva do locado livre e desocupado ao recorrente acrescidas dos respectivos juros de mora.
B)-A sentença recorrenda ao não resolver todas as questões submetidas em violação do artº 608º/2 do CPC, mormente, não tendo apreciado nem se tendo sequer pronunciado acerca do abuso de direito expressamente invocado pelo recorrente, padece de vício de nulidade nos termos e para os efeitos contidos no artº 615º/1 al. d) do CPC pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que venha a considerar provada a conduta do recorrido como integradora de abuso de direito e, a final, dar como procedente o pedido do Recorrente, no sentido da eficácia da comunicação, dirigida em 21/06/2018, quanto ao efeito extintivo do contrato a que a oposição à renovação se dirigiu, devendo ser decidida a desocupação do locado e condenado o Recorrido no pedido indemnizatório de 13 193,10€ correspondentes ao pagamento do dobro das rendas mensais devidas desde 1 de Julho de 2019 até ao presente e das que se vencerem até à entrega efectiva do locado livre e desocupado ao Recorrente acrescidas dos respectivos juros de mora.
Nestes termos e nos mais de Direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida, devendo ser substituída por outra condenando-se o apelado no pedido.

7–O requerido contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
- A denúncia do contrato não respeitou o prazo de 1 ano contratualmente estabelecido, para que pudesse produzir os efeitos que o A. pretende.
Assim, o contrato de arrendamento foi renovado por mais três anos, vigorando até 30.06.2022.
E perante esses factos (provados) a M.ª Juiz do Tribunal “a quo” apenas podia decidir tal como decidiu.
Improcedem, por tudo isto, os argumentos do recurso da Apelante.
Bem andou, pois, a M.ª Juiz “a quo” ao decidir como decidiu.

***

IIFUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:

- Se há fundamento para considerar eficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento e, em consequência, decretar o despejo do locado.

Vejamos.

***

2Matéria de Facto.

É a seguinte a factualidade decidida pela 1ª instância e que não mereceu qualquer oposição por banda das partes:
1.-A propriedade da fração autónoma correspondente ao 2º andar esquerdo do imóvel sito na Rua…nº ..., Lisboa, imóvel ainda não constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … (extinta …), sob o art. …, encontra-se registada a favor do requerente.
2.-Mediante contrato escrito celebrado em 14 de Julho de 2011, o requerente deu de arrendamento ao requerido, para sua habitação, o referido andar.
3.-O contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com inicio em 01 de Julho de 2011, renovando-se automática e sucessivamente por períodos de 3 anos.
4.-Foi ainda contratado que o senhorio poderia denunciar o contrato, com a comunicação de não renovação, com a antecedência de 1 ano.
5.-A renda foi fixada em 2011, no valor mensal de € 400, a pagar por transferência bancária, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que diz respeito.
6.-A renda mensal encontra-se atualmente fixada em € 439,77.
7.-Por carta datada de 21 de Junho de 2018, o A. comunicou ao R. a sua intenção de oposição à renovação do presente contrato de arrendamento, o que se renovara em 30.06.2016, por um período de 3 anos, findando em 30.06.2019, por carta registada com aviso de receção RH166647985PT, enviado para a Rua…., nº ..., 2º esquerdo, Lisboa.
8.-A referida carta e o aviso vieram devolvidos via CTT, com informação que não foi reclamada, apesar de ter sido deixado aviso de levantamento, em 25.06.2018.
9.-O A. remeteu nova carta registada com o aviso de receção RH083330325PT, com data de 22 de Julho de 2018, a qual foi rececionada pelo R., em 25.07.2018, carta essa no mesmo sentido da anterior, ou seja, a comunicar a oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado com o R., com efeitos a partir de 30.06.2019, e solicitar ao R. a entrega da casa até 30.06.2019.
10.-Ao longo do ano de 2019, têm sido frequentes os contactos do A. com o R., por via escrita e telefónica, a fim de ficar explicito que a fração objeto do arrendamento teria de ser entregue até 30 de Junho de 2019, até por motivo de obras urgentes e gerais que se encontram em curso no prédio.
11.-Tal como comunicado e explicado ao R., desde pelo menos Junho de 2018 que a não devolução ao A. da fração do 2º esquerdo, ocupada pelo R. está a ser causa direta do facto das obras do 1º andar esquerdo (livre), consistentes na reconstrução do respetivo tecto, estarem paradas dado que o A. necessita de deitar abaixo o chão da cozinha do 2º andar esquerdo (ocupado pelo R.), para poder tecnicamente proceder a esta reparação, para além de que o telhado do prédio ter de ser substituído e o 2º andar ser o último, necessitando estar desocupado.
12.-O R. tem sido avisado, diversas vezes, desde Dezembro de 2018 e ao longo de 2019, destes factos pelo A. e até pelo empreiteiro FGF.
13.- O R. tem pago as rendas mensais atualizadas, não tendo o A. recusado o seu recebimento.

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3A Questão Enunciada.

A pretendida revogação da sentença tem dois fundamentos:
-i)aplicação ao caso, do prazo de 120 dias para comunicação da oposição à renovação do contrato, previsto na al. b) do nº 1 do artº 1097º do CC;
-ii)a eficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato, feita pela 2ª carta registada com aviso de recepção.

Vejamos cada um deles.

3.1- A (pretendida) aplicação do prazo de 120 dias do artº 1097º nº 1, al. b) do CC.
No ponto A) das suas Conclusões, o autor/apelante defende que deveria ter sido aplicado o prazo imperativo legal dos 120 dias de pré-aviso para comunicação da cessação por oposição à sua renovação, do contrato de arrendamento em causa, nos termos do artº 1097º nº 1 al. b) do CC, e caso o tivesse feito, teria sido mais que suficiente que a comunicação se tivesse concretizado até 38/02/20, isto é 120 dias anteriores à data do termo em curso (30/06/2019), pelo que tendo-se concretizado em 25/07/2018, a comunicação de oposição deverá ter-se por válida e eficazmente caducado o contrato em 30/06/2019.
Pois bem, a questão que se coloca é a de saber se ao caso em discussão se aplica o prazo de pré-aviso, de comunicação da oposição à renovação do contrato pelo senhorio, estabelecida no artº 1097º nº, al d) – que estabelece uma antecedência mínima de 120 dias se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos – ou se se aplica o prazo de antecedência de um ano estabelecido pelas partes na Cláusula Primeira nº 3 do contrato.

Vejamos então.

Estipularam as partes na Cláusula Primeira do Contrato:
1-O presente arrendamento é feito pelo prazo de cinco anos e tem o seu início e, 1 de Julho de 2011, terminando a 30 de Junho de 2016.
2-(…)
3- A partir de 30 de Junho de 2016, este contrato será renovado por períodos sucessivos de três anos, se não for validamente denunciado com a antecedência mínima de um ano no caso do senhorio e de 120 dias no caso do inquilino, relativamente ao seu final, através de carta registada com aviso de recepção.”

Não há dúvida de que estamos perante um contrato de arrendamento para habitação celebrado por prazo certo, visto que as partes fizeram constar esse prazo, de cinco anos, na cláusula 1ª nº 1 do contrato, como de resto estabelece o artº 1095º nº 1 do CC.

Por outro lado, por convenção das partes, igualmente constante da cláusula 1ª nº 1, primeira parte, acordaram elas na renovação automática do contrato por sucessivos períodos de três anos.

Ora, quando assim sucede, tratando-se de contrato de arrendamento para habitação, por prazo certo, com cláusula de renovação sucessiva, qualquer das partes pode por termo ao contrato através de oposição à renovação (artº 1096º nº 3 do CC, na redacção da Lei 31/2012, de 14/08).

Tratando-se de contrato com renovações sucessivas por períodos de três anos, de acordo com o artº 1097º nº1, al. b) do CC (redacção da Lei 31/2012), a antecedência mínima de comunicação da oposição à renovação do contrato é de 120 dias.
Ora a questão que se coloca é saber se os prazos estabelecidos nas diversas alíneas do artº 1097º nº 1 do CC - consoante os prazos de duração do contrato ou da sua renovação - são prazos absolutamente imperativos, que não permitem que as comunicações de oposição à renovação seja efectuadas com períodos de antecedência diferentes, ou se se tratam de prazos imperativos mínimos, que possibilitam às partes estipular prazos de comunicação de oposição à renovação superiores àqueles.
Segundo entendemos, trata-se da determinação de prazos mínimos que não impedem as partes de, livremente, estipulem prazos superiores para o senhorio comunicar a oposição à renovação do contrato.
Na verdade, quanto à letra, é a própria lei que no proémio do nº 1 do artº 1097º refere expressamente que esses prazos previstos nas diversas alíneas estabelecem uma antecedência mínima.
Por outro lado, atendendo à ratio da norma, que visa estabelecer um prazo razoável mínimo de protecção ao inquilino face à cessação do contrato, nada impede que as partes estipulem prazo de oposição à renovação superior àqueles prazos mínimos legais.
A esta luz, somos a entender que não tem razão o senhorio/apelante ao pretender a aplicação do prazo de 120 dias referido no artº 1097º nº 1, al. b) do CC, afastando o prazo de um ano que foi livremente convencionado no contrato.
Em suma, não se aplica ao caso o prazo de 120 dias do artº 1097º nº 1 do CC.

3.2A Eficácia da comunicação da oposição à renovação do contrato.
A questão que se coloca é a de saber se foi ineficaz, por extemporaneidade, a declaração do requerente/senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento para o termo de 30/06/2019 – tese defendida pelo requerido e adoptada na sentença da 1ª instância – ou se, pelo contrário, essa declaração de oposição à renovação foi eficaz e, por isso, o contrato cessou em 30/06/2019.

Na sentença, a 1ª instância entendeu que:
O referido contrato renovou-se em 30.06.2016, por um período de 3 anos, findando em 30.06.2019.
Sucede que, por carta datada de 21 de Junho de 2018, o A. comunicou ao R. a sua intenção de oposição à renovação do presente contrato de arrendamento, por carta registada com aviso de receção RH166647985PT, enviado para a Rua dos Açores, nº 48, 2º esquerdo, 1000-005 Lisboa. No entanto, a referida carta e o aviso vieram devolvidos via CTT, com informação que não foi reclamada, apesar de ter sido deixado aviso de levantamento, em 25.06.2018.
Posteriormente, o A. remeteu nova carta registada com o aviso de receção RH083330325PT, com data de 22 de Julho de 2018, a qual foi rececionada pelo R., em 25.07.2018, carta essa no mesmo sentido da anterior, ou seja, a comunicar a oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado com o R., com efeitos a partir de 30.06.2019, e solicitar ao R. a entrega da casa até 30.06.2019.
A questão que se coloca é pois a da eficácia da comunicação efetuada pelo A..”
(…)
Na análise desta questão é necessário ainda atender ao disposto no art. 9º, nº1 do NRAU (Lei nº 6/2006 de 27.02), que refere que as comunicações entre as partes relativas à cessação do contrato de arrendamento são realizadas por escrito, assinadas pelo declarante e remetidas por carta registada com aviso de receção.
Da mesma forma, da conjugação do disposto no nº 1 e nº2, al. c) do art. 10º da mencionada Lei resulta que, a comunicação não se considera realizada se as cartas forem devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
Nas situações em que isso suceda, “o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de recepção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta” (art. 10º, nº3 do NRAU), considerando-se que a comunicação é recebida no 10º dia posterior ao seu envio, caso a nova carta venha devolvida ou não seja recebida (art. 10º, nº4 e nº5, al. b) do NRAU).
No caso dos autos, atenta a matéria de facto provado verificou-se que a comunicação a denunciar o contrato de arrendamento produziu efeitos no dia 25.07.2018, data em que o R. recebeu a segunda carta enviada pelo A., na sequência da primeira carta não ter sido levantada nos correios.
Assim e considerando que o contrato de arrendamento a que se referem os autos teve início no dia 01 de Julho de 2011, vigorando pelo prazo de cinco anos, renovando-se automática e sucessivamente por períodos de 3 anos, conclui-se que o mesmo foi renovado no dia 30.06.2016, por mais 3 anos, terminando assim o prazo no dia 30.06.2019.
Por outro lado, relativamente à denúncia do contrato por parte do senhorio, para que a mesma fosse eficaz, a respetiva comunicação de não renovação teria de ser efetuada com a antecedência de 1 ano, ou seja, teria de chegar ao destinatário até ao dia 30.06.2018.
Da análise de facto e de direito acima efetuada, conclui-se que a comunicação de não renovação do contrato só se concretizou no dia 25.07.2018, ou seja, não foi efetuada com a antecedência de 1 ano sobre a data do termo do contrato, não tendo assim a virtualidade de impedir a renovação do contrato de arrendamento. Deste modo, conclui-se que o referido contrato foi renovado por mais três anos, vigorando até 30.06.2022.

Será assim?

Antecipado a resposta, entendemos que não.

Vejamos então.

Á data do envio das cartas em questão nestes autos, vigorava o artº 9º da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção da Lei 43/2017, de 14/06, que, relativamente à forma de comunicação entre senhorio e inquilino estabelecia:
Artigo 9.º
Forma da comunicação
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.

Por sua vez, o artº 10º da mesma Lei 6/2006, de 27/02, igualmente com a redacção que resultava da Lei 43/2017, de 14/06, relativa às vicissitudes das comunicações entre senhorio e inquilino, estabelecia:
Artigo 10.º
Vicissitudes
1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;
b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se:
a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência;
b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.

Pois bem, deste regime do artº 10º decorre que, de acordo com o respectivo nº 1, as comunicações entre as partes estão sujeitas ao regime geral das declarações negociais recipiendas previsto no artº 224º do CC, sendo por isso eficazes logo que cheguem ao poder do destinatário ou sejam dele conhecidas (artº 224º nº 1 do CC); sendo ainda consideradas eficazes as declarações que só por culpa do destinatário não são recebidas (artº 224º nº 2 do CC) – Cf. Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 6ª edição, pág. 118). Por ser assim, é estabelecido no preceito em questão - o artº 10º nº 1 do NRAU - que a comunicação entre senhorio e inquilino considera-se realizada mesmo que o destinatário se recuse a recebê-la ou se o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro.

No entanto, dos nºs 2 a 5 do artº 10º da Lei 06/2006 (NRAU), ainda na redacção resultante da Lei 43/2017, decorrem algumas alterações ao regime geral da eficácia das comunicações entre as partes, estabelecendo que as comunicações por carta registada que constitua iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e actualização da renda, ou integrem título para pagamento de rendas encargos ou despesas ou que possam servir de base a procedimento especial de despejo, a recusa de assinatura ou a assinatura por terceiro não se consideram eficazes (nº 2 do artº 10º do NRAU). Nesses casos, o senhorio deve remeter nova carta registada, com aviso de recepção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta (artº 10º nº 3 do NRAU). E mesmo que essa carta venha devolvida considera-se a comunicação realizada no 10º dia posterior ao do seu envio (artº 10º nº 4 do NRAU).

Ora a questão que se coloca tem a ver com a interpretação do artº 10º nº 3 do NRAU: devolvida a carta registada com aviso de recepção – enviada com vista, além do mais, a servir de base a procedimento especial de despejo, como é o caso dos autos em que o senhorio pretende a cessação do contrato e o consequente despejo do locado, por efeito da oposição à renovação do contrato para 30/06/2019 – e enviada outra, passados 30 dias do envio da primeira, e sendo a segunda carta recebida pelo destinatário inquilino, a declaração de oposição à renovação do contrato opera na data do recebimento desta segunda carta – tese defendida pela 1ª instância e pelo inquilino/recorrido – ou opera em face da primeira carta enviada?

Pois bem, segundo entendemos, a solução é esta segunda, visto que a segunda carta, se enviada entre 30 e 60 dias após o envio da primeira, opera como condição de eficácia da declaração de, no caso, oposição à renovação do contrato, declarada pela primeira carta.

Aliás, esta é, de resto, a posição do STJ no acórdão de 19/10/2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) conforme decorre do respectivo sumário:
I - A declaração do senhorio de oposição à renovação do contrato de arrendamento tem carácter receptício (art. 1097.º, n.º 1, do CC).
II - A Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU) prevê um regime complexo e especial para a eficácia dessa declaração de oposição que prevalece sobre a recepção ou conhecimento a que o regime geral do n.º 1 do art. 224.º do CC dá relevância: exige-se que seja feita por escrito assinado pelo declarante (senhorio), remetido ao destinatário (inquilino), por carta registada com aviso de recepção, (i) para o local arrendado, desde que o aviso de recepção seja assinado pelo inquilino; ou (ii) tendo havido convenção de domicílio, para esse local.
III - Não tendo existido convenção de domicílio e tendo o aviso de recepção sido assinado por pessoa diferente do destinatário, a oposição só é eficaz se a carta for completada com uma nova carta, enviada igualmente com aviso de recepção e dentro do prazo previsto no n.º 3 do art. 10.º do NRAU, sob pena de o senhorio não poder lançar mão do procedimento especial de despejo (arts. 10.º, n.º 2, al. b), e 15.º, n.º 2, al. c), do NRAU).
IV - Trata-se de regime legal que já vem da versão inicial da Lei n.º 6/2006 e que a Lei n.º 31/2012, de 14-08 manteve, sendo determinado por razões de equilíbrio entre a protecção do arrendatário – pois aumenta as probabilidades de a oposição chegar efectivamente ao seu conhecimento – e a simplificação do regime da cessação do contrato – pois acelera essa efectivação.”

De resto, na fundamentação desse acórdão do STJ sobressai que:
6.- A exigência da segunda carta para a eficácia da oposição, quando o aviso de recepção não foi assinado pelo destinatário (deixa-se agora de lado a hipótese de convenção de domicílio, que consabidamente não houve), vem da versão inicial da Lei nº 6/2006; as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, neste ponto particular, destinam-se apenas a adequar o texto à introdução do Procedimento Especial de Despejo e à substituição do anterior título executivo complexo, previstos nos (anteriores) artigos 10º e 15º.
Tal como era então necessária essa segunda carta para que o senhorio dispusesse deste título executivo, continuou a ser necessário o envio da segunda carta para que o senhorio possa lançar mão do Procedimento Especial de Despejo e assim, num caso e noutro, efectivar com maior celeridade a cessação do arrendamento (nº 1 dos artigos 15º actual e anterior).
Em ambos os casos, a razão de ser já foi atrás apontada: equilíbrio entre os interesses das partes.
E apenas se acrescenta, quanto a este ponto, que não é inédita entre nós a exigência de uma segunda carta quando a primeira, enviada com aviso de recepção, não foi assinada pelo destinatário; cfr. a citação feita em pessoa diversa do citando, actuais artigos 228º, nº 2 e 233º do Código de Processo Civil, no caso em que a citação é realizada por carta registada com aviso de recepção.

Ora, perante este entendimento e considerando que a segunda carta foi enviada a 22/07/2018, portanto no 31º dia após o envio da primeira (remetida a 21/06/2018), temos que operou a condição de eficácia da declaração de oposição à renovação do contrato, declarada pela primeira carta.
Assim sendo, a declaração de oposição à renovação do contrato foi eficaz operando a cessação do contrato em 30/06/2019.
Deste modo, importa revogar a decisão da 1ª instância.

3.3 A Indemnização pela mora na restituição.
Coloca-se agora a questão relativa ao pedido de condenação do requerido/inquilino a pagar a indemnização contratual correspondente ao dobro da renda (879,54€) pela mora na restituição do locado.
Pois bem, de acordo com a cláusula 9ª do contrato, não restituindo o inquilino o locado findo o contrato fica obrigado a indemnizar o senhorio em quantia correspondente ao dobro da renda em vigor no mês anterior, a dividir por 30, por cada dia de atraso na restituição.
Vejamos então.
A restituição da coisa locada findo o contrato constitui uma das obrigações do inquilino (artº 1038º, al. i) do CC). Sendo que no âmbito do arrendamento urbano o artº 1081º nº 1 do CC estabelece que a cessação do contrato torna imediatamente exigível a entrega do locado, salvo se outro for o momento legalmente fixado para a entrega ou acordado pelas partes.
Destas disposições resulta que a obrigação de restituição não se vence automaticamente no fim do contrato de arrendamento urbano, uma vez que a cessação do contrato apenas torna exigível essa restituição cujo vencimento depende, nos termos gerais, de interpelação à outra parte (artº 777º nº 1 do CC). Consequentemente, é apenas a partir dessa interpelação que o arrendatário entra em mora quanto à obrigação de restituição (artº 805º nº 1 do CC), com as respectivas consequências legais em termos de indemnização (artº 804º nº 1 do CC) – Cf. Menezes Leitão, Arrendamento…cit., pág. 111.

Aliás, a própria lei estabelece no artº 1045º nº 1 do CC que se a coisa locada não for restituída logo que finde o contrato, o locatário é obrigado a pagar, até ao momento da restituição, a título de indemnização, quantia correspondente ao valor da renda; acrescentado o nº 2 do artº 1045º do CC que se o locatário se constituir em mora a indemnização é elevada ao dobro.

Portanto, deste entendimento resulta que o inquilino só incorrerá em mora na restituição do locado após ter sido interpelado para o restituir.

Ora, no caso dos autos, essa interpelação para restituição do locado ocorreu com a notificação do inquilino no âmbito do Procedimento Especial de Despejo, que apenas teve lugar a 18/10/2019 (envio de 2ª carta para notificação/citação) data em que foi depositada a carta para citação no receptáculo postal conforme atestado pelo distribuidor de serviço postal.

Assim sendo, o requerido inquilino apenas se constituiu em mora na devolução do locado, em 19/10/2019.
Pois bem, desde essa data e até à restituição do locado o requerido/inquilino está obrigado a pagar ao requerente senhorio o valor correspondente ao dobro da renda em vigor no mês anterior ao da cessação do contrato (879,54€), a dividir por 30, por cada dia de atraso na restituição. Como é evidente, a esse valor de 879,54€ importa descontar o valor correspondente ao da renda que o inquilino for pagando mensalmente.

***

3.4A questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Embora, em termos de precedência lógica fosse normal apreciar, em primeiro lugar, a invocada nulidade por omissão de pronúncia, atenta a alegada falta de pronúncia da 1ª instância sobre a questão do abuso de direito do requerido/inquilino - por não reconhecer ter sido devidamente notificado com tempo mais que suficiente, 11 meses, para reorganizar a sua vida e desocupar o locado - a verdade é que torna-se desnecessária a apreciação dessa pretendida nulidade da sentença face à solução acima alcançada.
Pelo que, nos termos gerais do artº 608º nº 2, primeira parte não se justifica conhecer desse pretenso abuso de direito do requerido/inquilino.

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3.5A Questão da Aplicação do artº 8º, al. c) da Lei 16/2020, relativo à suspensão da produção de efeitos da oposição à renovação do contrato.
Nas suas alegações sobre a matéria de facto e de direito apresentadas antes da prolação da sentença da 1ª instância, o requerido/inquilino invocou a questão da suspensão da produção de efeitos da oposição à renovação do contrato nos termos do artº 8º, al. c) da Lei 16/2020, de 29/05.
Ora bem, não há que apreciar essa questão no âmbito deste recurso, por duas razões.
Primeira, a suspensão dos efeitos de oposição à renovação do contrato de arrendamento, a que se reportava o artº 8º, al. c) da referida Lei 16/2020, apenas teve lugar até 20/09/2020, conforme decorre do próprio proémio desse artº 8º da mencionada Lei.
Por isso, não tem aplicação no caso do presente recurso.
Segunda. Na sua contra-alegação, o requerido/recorrido não requereu a apreciação dessa questão, em ampliação do objecto do recurso, como lho permitia o artº 636º nº 1 do CPC. Como não o fez, não tem o tribunal de recurso de analisar essa questão por ela não integrar o objecto do recurso.

Daqui resulta que o recurso procede.

***

IIIDECISÃO.

Em face do exposto, acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida, decidindo que:
a)-A declaração do requerente/senhorio de oposição à renovação do contrato foi eficaz operando a cessação do contrato em 30/06/2019;
b)-Condenam o requerido/inquilino a pagar ao requerente/senhorio, a título de indemnização pela mora na restituição do locado, a quantia correspondente ao dobro da renda em vigor no mês anterior ao da cessação do contrato (2x439,77€= 879,54€), a dividir por 30, por cada dia de atraso na restituição, desde o dia 19/10/2019, até à data da efectiva restituição do locado, descontado os valores mensais que o inquilino tem pago e venha a pagar a título de renda, quantias essas acrescidas de juros de mora, à taxa de 4%.

Custas pelo inquilino/recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.



Lisboa, 09/09/2021
                                                                      
                                                                     
(Adeodato Brotas)
(Vera Antunes)
(Aguiar Pereira)