Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10587/2006-7
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: MANDATO
MANDATÁRIO JUDICIAL
ADVOGADO
RESPONSABILIDADE CIVIL
NEGLIGÊNCIA
ALIMENTOS
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS
Sumário: Incorre em responsabilidade contratual, exercida no âmbito do contrato de mandato judicial, por omissão do dever de zelo e diligência a que alude o artigo 83.º/1,alínea d) do Estatuto da Ordem dos Advogados, o advogado que, instado pelo cliente pelo menos a partir do 2º semestre de 1997 a accionar a execução das prestações de alimentos vencidas desde 15 Jul. 1993 a Agosto 1995, veio a instaurar a execução por alimentos apenas em 29 Jun. 2000 e aí, em sede de contestação de embargos, limitou-se a invocar a prescrição ordinária de 20 anos, não alegando qualquer facto interruptivo da prescrição de curto prazo (artigo 310º,alínea f) do Código Civil) invocada pelo embargante.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.

No Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, Maria […] interpôs acção declarativa de condenação com processo comum ordinário contra A.[…], alegando que constituiu o Réu seu mandatário e que este só em 29/6/2000 é que propôs execução por alimentos contra o seu marido, por prestações em atraso devidas aos filhos menores de ambos, apesar de desde 1996 e 1997 o ter instado, por várias vezes, para accionar tal execução.

Mais alega que, tendo sido deduzidos embargos à execução, foram os mesmos julgados procedentes, por decisão transitada em julgado, por se ter considerado ter ocorrido a prescrição.

Alega, ainda, que o Réu não dedicou à questão o cuidado e zelo que a importância da mesma requeria, sendo tal negligência causa directa da perda do direito económico que a autora esperava obter com a referida execução.

Conclui, assim, que deve o Réu ser condenado a pagar-lhe, a título de indemnização pelos danos causados, a quantia que tinha direito a receber do executado - € 16.884,31 -, acrescida de juros moratórios, desde 1/7/2000 até 31/1/2005, no montante de € 5.635,33, e de sanção pecuniária compulsória, desde 1/7/2000, no valor de € 3.876,45, o que tudo perfaz o total de € 26.396,09.

O Réu contestou, alegando que, no seu entender, a execução especial por alimentos deu entrada em juízo tempestivamente, não tendo cometido qualquer erro de ofício merecedor de censura deontológica, pelo que, não foi a sua conduta que originou a perda reclamada pela autora.

Na contestação, deduziu o Réu o chamamento da […] Companhia de Seguros, SA, alegando ter transferido para esta a responsabilidade civil profissional de advogado, sendo a mesma responsável pelo pagamento de eventual indemnização que possa ser legalmente exigida ao Réu.

Conclui, deste modo, pela improcedência da acção, requerendo a intervenção principal provocada da referida Seguradora.

Esta contestou, concluindo que o Réu actuou de acordo com os padrões usuais de litigância que lhe são impostos pelo seu estatuto profissional, não tendo violado qualquer disposição estatutária ou geral, pelo que, a acção deve ser julgada improcedente.

Seguidamente, foi proferido despacho saneador, tendo-se seleccionado a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando o Réu e a interveniente a pagarem à Autora, respectivamente, as quantias de € 1.799,08 e de € 16.191,74, acrescidas de juros, à taxa legal de 4%, desde a data da sentença até integral pagamento.

Inconformada, a interveniente interpôs recurso de apelação daquela sentença, tendo a Autora interposto recurso subordinado.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. RECURSO PRINCIPAL

2.1.1. A Recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) Patenteiam os autos que o segurado da ora Recorrente, Dr. A.[…], patrocinou, entre outras, as acções de divórcio da ora Recorrida e do seu cônjuge C.[…] e de Regulação de Poder Paternal, as quais correram os seus trâmites […] Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, sob o nº […] e respectivos Apensos.
b) Por douta sentença de 24 de Fevereiro de 1995, transitada em julgado em 16 de Março seguinte, foi estabelecida a regulação de poder paternal, tendo sido decidido que o Requerido entregaria à Requerente, até ao dia 5 de cada mês de calendário, através de numerário, cheque ou vale postal, uma prestação alimentar no montante de 40.000$00 (equivalente a € 199,52) relativamente a cada um dos seus filhos e no quantitativo global de 80.000$00 (equivalente a € 399,04) devida desde a propositura da acção (15 de Julho de 1993) até atingirem a maioridade (alínea C) dos Factos Assentes).
c) O ali Requerido não efectuou o pagamento das prestações fixadas (alínea D) dos Factos Assentes).
d) Por isso, o ora R. Dr. […], em 19 de Abril de 1995, apresentou nos autos de traslado que correram pelo 3º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Cascais, sob o nº […], requerimento solicitando que fosse notificada a Caixa Geral de Aposentações para proceder mensalmente ao desconto da importância de Esc.: 140.000$00 na pensão do Requerido, sendo Esc.: 80.000$00 respeitantes à pensão mensal respectiva e Esc.: 60.000$00 para amortização das prestações já vencidas, requerimento esse parcialmente deferido já que o Tribunal ordenou, uma vez que o Requerido devidamente notificado não negou a dívida, o desconto directo, pela Caixa Geral de Aposentações do montante da pensão fixada (40.000$00 para cada filho, no total de 80.000$00) até à sua maioridade (alínea E) e F) dos Factos Assentes).
e) Em 6 de Novembro de 1995 o Dr. […] foi notificado para indicar o montante global dos alimentos em dívida o que fez por requerimento de 9 de Novembro de 1995 onde esclareceu que o montante dos alimentos em dívida ascendia a Esc.: 1.960.000$00, montante correspondente, às prestações devidas entre 15 de Julho de 1993 e Julho de 1995, inclusive (alínea H) e I) dos Factos Assentes).
f) Por Despacho de 19 de Janeiro de 1996 foi indeferido o desconto das prestações de alimentos em dívida por os descontos mensais a que se procedia se aproximarem já dos 50% do valor da pensão recebida e por se entender que a Requerente poderia exercer o seu direito à execução de alimentos em dívida, coercivamente, nos termos do artigo 190º nº 4 do O.T.M.  e 1118º do C.P.C. (alínea J) dos Factos Assentes).
g) Através de requerimento inicial, entrado em 29 de Junho de 2000, o Dr. […] instaurou execução por alimentos contra C.[…], pelo montante de 3.385.000$00, incluindo juros moratórios vencidos até 1 de Julho de 2000, calculados à taxa legal supletiva acrescidos de 5% correspondentes à sanção pecuniária compulsória do art. 829º-A C.C., nomeando à penhora a meação do requerido nos bens comuns do casal, execução essa que o executado embargou arguindo as excepções de ilegitimidade e de prescrição da dívida (alíneas N) e O) dos Factos Assentes).
h) O Dr. […] contestou os embargos sustentando a improcedência de qualquer das excepções alegando, designadamente, que a dívida tinha sido reconhecida por sentença proferida nos Autos de Regulação de Poder Paternal, de 24 de Fevereiro de 1995 (Doc. nº 7 junto com a contestação do Dr. […] […]).
i) O Tribunal de Cascais decidiu, porém, que se verificava a prescrição porquanto “A norma constante do art. 311º/1 do Código Civil não pode ser invocada pois a sentença condenou no pagamento das prestações alimentares, não tendo reconhecido qual o montante que se encontrava em dívida” (alínea S) dos Factos Assentes).
j) Tal decisão foi revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a recurso do Dr. […], tendo aquele decidido que se não verificava a prescrição ex-vi do nº 1 do artigo 311º do Cód. Civil (alínea U) e V) dos Factos Assentes).
k) Da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa foi pelo Requerido interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso este que o Dr. […] já não acompanhou mas que procedeu tendo aquele Venerando Tribunal decidido manter a decisão de 1ª instância (alínea X) e Z) do factos assentes).
l) A acção de Regulação do Exercício do Poder Paternal foi proposta em 14 de Julho de 1993 e a sentença proferida em 24 de Fevereiro de 1995, tendo nesta sido decidido que as prestações alimentares a partir de 1 de Janeiro de 1996 seriam actualizadas de acordo com o índice de preços no consumidor (doc. nº 1 junto com a douta petição).
m) Por sua vez, pela execução por alimentos a Cliente do Dr. […] e ora A. pretendia ser paga das prestações alimentícias vencidas entre 15 de Julho de 1993 e Julho de 1995, reconhecidas na sentença referida na conclusão anterior e, porque anteriores a 1 de Janeiro de 1996, não sujeitas a qualquer actualização, logo encontrando-se reconhecido o montante que se encontrava em dívida.
n) Consequentemente, a norma do nº 1 do artigo 311º do Código Civil é aplicável “de pleno” à hipótese em causa.
o) Acresce que o Dr. […] ao apresentar Requerimento em que solicitava que a Caixa Geral de Aposentações procedesse aos adequados descontos, em 19 de Abril de 1995, Requerimento esse sobre o qual recaiu o Despacho de 26 de Junho de 1995 o qual foi notificado ao Requerido C.[…] em 3 de Julho de 1995, praticou um acto no processo pelo qual manifestou a intenção da Autora pretender ser paga das prestações em dívida pelo que, mesmo a admitir-se que o prazo prescricional era de cinco anos, tal prazo tem de haver-se por interrompido antes de decorridos os cinco anos sobre a data da constituição da dívida (prestações alimentícias vencidas entre 15 de Julho de 1993 e Julho de 995).
p) E novo acto interruptivo da prescrição foi ainda praticado quando o Dr. […] apresentou em 9 de Novembro de 1995 novo Requerimento indicando o valor global das prestações alimentícias em dívida sobre o qual recaiu o Despacho de 19 de Junho de 1996 que indeferiu o desconto das prestações devidas do qual igualmente notificado foi, em 8 de Fevereiro de 1996, o C.[…].
q) Na verdade, ambos os requerimentos, praticados em processo judicial e demonstrativos de que o credor pretende exercer o seu direito em relação ao devedor, interrompeu, por força do disposto no nº 1 do artigo 323º do Código Civil a prescrição.
r) Mas, ainda a não se entender assim, sempre se extrai da resposta ao quesito 10º onde se deu como provado que notificado dos referidos Despachos o C.[…] nada requereu, que houve um reconhecimento tácito da dívida, o qual é relevante face ao disposto no nº 2 do artigo 323º do Código Civil.
s) Constata-se, em resumo, que não era de prever que, perante a factualidade exposta, o Supremo Tribunal de Justiça viesse a decidir no sentido de que se encontrava prescrito o direito de crédito às prestações alimentícias.
t) Como se constata que o Dr. […] conhecia as disposições supra-referidas e as interpretou adequadamente, ou seja, nem cometeu erro profissional, nem revelou falta de zelo no patrocínio da questão que lhe foi confiada.
u) E não colhe o argumento expresso na douta sentença ora sob recurso de que não cabe na presente acção reabrir a discussão sobre qual o prazo de prescrição por haver que respeitar o caso julgado material formado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça já que por força do artigo 673º do Cód. de Proc. Civil, o caso julgado apenas se forma nos precisos limites em que julga, não tendo efeitos reflexos se invocado contra terceiros a quem deve ser reconhecida ampla liberdade de demonstração da existência de um direito incompatível com a decisão transitada em julgado.
v) Ora, no caso vertente, a questão do prazo prescricional por ser nela que assenta a causa de pedir e o erro imputado ao R. Dr. […] tem de ser apreciada e a sua apreciação revela que este actuou de acordo com a “legis artis”, interpretou as normas jurídicas chamadas à colação em consonância com o habitual entendimento que delas se extrai e que domina a técnica interpretativa.
w) O facto do entendimento do Supremo Tribunal de Justiça lhe ser adverso, por si só, não demonstra o inverso até porque se não insere em qualquer corrente jurisprudencial cujo conhecimento se impusesse nem traduz doutrina que fosse previsível.
x) Em resumo, a conduta do R. Dr. […] que os autos patenteiam revela que lhe não pode ser imputado o incumprimento ou o cumprimento defeituoso do contrato de mandato que o vincula à ora Autora.
y) Não o entendendo assim, o douto Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 310º, alínea e), 311º nº 1, 323º nº 1, 325º, 798º e 487º nº 2 todos do Código Civil e alínea d) do nº 1 do artigo 83º do Estatuto da Ordem dos Advogados ao tempo em vigor (Decreto – Lei nº 84/84 de 13/3).
z) Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso e revogar-se a douta decisão recorrida a qual deverá ser substituída por douto Acórdão em que se julgue a acção improcedente e não provada e se absolva a Interveniente IMPÉRIO BONANÇA, ora apelante, do pedido, com as inerentes legais consequências.

2.1.2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
1º) - Havendo o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido em 22-1-2004 e transitado em julgado, decidido que a dívida de alimentos da responsabilidade do Executado C.[…] para com a A. se mostrava prescrita, jamais poderia o Tribunal “a quo” voltar a reapreciar a questão da prescrição, a sua eventual interrupção e/ou um hipotético e anterior reconhecimento tácito da dívida.
2º) - Por outro lado, sendo certo embora que o advogado não pode garantir ao seu mandante o sucesso numa acção, é-lhe exigível que proceda com proficiência no desempenho do seu mandato.
3º) - Tendo resultado provado nos autos que, “pelo menos a partir do segundo semestre de 1997, a Autora instou o Réu no sentido de accionar a execução das prestações vencidas desde 15.7.1993 a 8.95, no valor de 1.960.000$00”, instâncias que ocorreram “mais do que uma vez por ano”, “telefonicamente ou em conferências tidas no escritório do Réu”, tendo este “sempre respondido que a Autora ficasse sossegada, pois o assunto estava debaixo do seu controle, sendo o prazo de prescrição de cinco anos” e que, apesar disso, veio o Réu a descurar o prazo da prescrição, só tendo interposto o procedimento executivo em 29 de Junho de 2000 (ou seja já depois de transcorrido o prazo de 5 anos da prescrição), não obstante a simplicidade daquele procedimento (um simples requerimento com apenas duas laudas e que nenhuma complexidade exigia na sua elaboração) e se tratar de uma execução alimentos, que requeria um tratamento com carácter de urgência, cometeu o Réu uma falta grave violadora do dever de diligência previsto no art.º 83º alínea d) do Estatuto da Ordem dos Advogados.
4º) - Estando, de resto, reconhecida a existência da dívida exequenda por sentença transitada e não estando em causa que o Executado possuía bens penhoráveis, nenhum “risco próprio da lide” se verificava, pelo que o inêxito da execução (por ter sido declarado que ocorrera o prazo prescricional) se deveu exclusivamente à falta de diligência por parte do Réu na propositura do procedimento executivo.
5º) - Razão por que o Réu é responsável pelo prejuízo causado à Autora (cfr. Ac. TRE de 24-01-2002, in CJ 2000-Tomo I-261).
6º) - Tendo decidido nessa conformidade, a douta sentença impugnada fez uma correcta apreciação dos factos e uma irrepreensível aplicação do Direito aplicável, não violando nenhuma disposição legal, designadamente as invocadas na conclusão y) das alegações da Apelante.
7ª) - Pelo que, com o douto e sempre imprescindível suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento à apelação interposta e confirmada, nessa parte, aquela douta sentença, com todas as suas legais consequências.

2.1.3. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
1 - A A. constituiu o R. seu mandatário para a patrocinar no processo de divórcio litigioso contra si intentado por seu marido, C.[…], que correu termos pelo […] Tribunal Judicial da Comarca de Cascais […] (A).

2 - Por apenso àquele processo foi requerida, em 14 de Julho de 1993,  a regulação do poder paternal, referente aos dois filhos então menores do casal, F.[…] e M.[…], nascidos a 27-03-1978 e 19-04-1979, respectivamente (B).
3 - Pela douta sentença de 24 de Fevereiro de 1995, transitada em julgado em 16 de Março seguinte, foi estabelecida a regulação do poder paternal, tendo sido decidido que o Requerido  entregaria à Requerente, até ao dia 5 de cada mês de calendário, através de numerário, cheque ou vale postal, uma prestação alimentar no montante de 40.000$00 (equivalente a € 199,52), relativamente a cada um dos seus filhos e no quantitativo global de 80.000$00 (equivalente a € 399,04), devida desde a data da propositura da acção (15 de Julho de 1993) e até atingirem a maioridade (C ).
4 - O ali Requerido não efectuou o pagamento das prestações fixadas (D).
5 - Pelo que, em 19 de Abril de 1995, o R. apresentou, nos autos de traslado que correram pela […] Comarca de Cascais, sob o nº […], requerimento solicitando fosse notificada “a Caixa Geral de Aposentações para proceder, mensalmente, ao desconto da importância de Esc. 140.000$00 (cento e quarenta mil escudos) na pensão do requerido, remetendo tal importância à requerente, sendo Esc. 80.000$0 respeitantes à prestação mensal respectiva e Esc. 60.000$00 para amortização das prestações já vencidas” ( E ).
6 - Em 26 de Junho de 1995, tal requerimento mereceu o seguinte despacho:

“Atendendo ao valor em dívida, bem como ao montante da pensão recebida pelo requerido (160.460$00 líquidos em Março de 1994) e despesas do mesmo mencionadas na respectiva sentença, ao abrigo do disposto no artº. 189º., nº. 1 e al. c) da OTM, uma vez que o requerido devidamente notificado não nega a dívida, determino que se proceda ao desconto directo, pela C. Geral de Aposentações, do montante da pensão fixada (40.000$00 para cada filho, no total de 80.00$00), até à sua maioridade, devendo as importâncias ser remetidas directamente à mãe, ora requerente.
DN.
Notifique-se a CGA para que informe qual o montante actual da pensão paga ao requerido” (F).
7 - Em 30 de Junho de 1995, pelo ofício nº. 1278, o Tribunal notificou a Caixa Geral de Aposentações do teor daquele despacho (G).
8 - Em 6 de Novembro de 1995, o R. foi notificado para indicar o montante global de alimentos em dívida (H).
9 - Tendo, por requerimento entrado em 9 de Novembro de 1995, o Réu esclarecido o Tribunal que “o montante dos alimentos em dívida ascende a Esc. 1.960.000$00 (um milhão novecentos e sessenta mil escudos), ou seja, as prestações devidas desde 15 de Julho de 1993 até ao mês de Julho de 1995, inclusive” (I).
10 - Em 8 de Fevereiro de 1996, o R. foi notificado do seguinte despacho datado de 19 de Janeiro de 1996:
“Nos termos do art.º. 189º. da OTM, foi, a fls. 12v, determinado que se procedesse ao desconto mensal de 80.000$00 na pensão auferida pelo requerido que, à data de Julho de 1995, era de 167.500$00.
O montante dos alimentos em dívida ascende a 1.960.000$00 – desde Junho de 1993 até Julho de 1995, inclusive.
Ora, atendendo a que o desconto mensal se aproxima já de 50% da pensão recebida e que o montante em dívida é consideravelmente elevado, afigura-se desproporcionado exigir nestes autos que se proceda a outros descontos a suportar pela referida pensão.
Por outro lado, a requerente poderá exercer o seu direito à execução dos alimentos em dívida, coercivamente, nos termos do art.º. 190º. nº. 4 da OTM e 1118º. do C.P.C..
Nestes termos, indefere-se o requerido quanto aos descontos das prestações em dívida.
Custas pelo requerido quanto às prestações a descontar.
Valor: 40 UC’s.
Notifique” (J).
11 - Notificado dos despachos referidos em 6 e 10, C.[…] nada requereu nesse processo ( 10º).
12 - Os filhos da Autora atingiram a maioridade em 27.3.96 e 19.4.97 (L).
13 - Pelo menos a partir do segundo semestre de 1997, a Autora instou o Réu no sentido de accionar a execução das prestações vencidas desde 15.7.93 a 8.95, no valor de 1.960.000$00 (1º).
14 - Mais do que uma vez por ano (2º).
15 - Telefonicamente ou em conferências tidas no escritório do Réu (3º).
16 - Tendo o Réu sempre respondido que a Autora ficasse sossegada (4º).
17 - Pois o assunto estava debaixo do seu controle, sendo o prazo de prescrição de cinco anos (5º).
18 - O executado auferia uma pensão de aposentação pela Caixa Geral de Aposentações (9º).
 19 - Por sentença de 19 de Abril de 1999, transitada em julgado, proferida no Processo […] da Comarca de Cascais, foi decretado do divórcio entre a Autora e C.[…] (M).
20 - Através de requerimento inicial entrado em 29 de Junho de 2000, o Réu instaurou  execução por alimentos contra C.[…], pelo montante de 3.385.001$00 (equivalente a € 16.884,31), incluindo os juros moratórios vencidos até 1 de Julho de 2000, calculados à taxa legal supletiva e, acrescidos de 5% correspondente à sanção pecuniária compulsória do art.º 829º-A nº 4 CC, nomeando à penhora a meação do Requerido nos bens comuns do casal (N).
21 - Veio o Executado C.[…] deduzir embargos à execução, arguindo duas excepções:  a ilegitimidade da exequente e a prescrição da dívida (O).
22 - Contestando os embargos, pugnou o Réu pela improcedência de qualquer das excepções (P).
23 - Quanto à prescrição, aduzindo que “o crédito exequendo acha-se reconhecido por sentença transitada em julgado em 16 de Março de 1995”, pelo que está sujeito ao prazo ordinário da prescrição que é de 20 anos (Q).
24 - Por sentença proferida em 28 de Dezembro de 2002, a exequente foi julgada parte legítima (R).
25 - No que concerne à excepção de prescrição, foi decidido que “A norma constante no art.º. 311º./1 do Código Civil, não pode ser invocada pois a sentença condenou apenas no pagamento das prestações alimentares, não tendo reconhecido qual o montante que se encontrava em dívida” (S).
26 - Interposto, e admitido, o competente recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, foram apresentadas alegações, em 19 de Fevereiro de 2003, onde se concluiu:
“1. A sentença exequenda proferida em 24 de Fevereiro de 1995 reconheceu o crédito das prestações alimentícias desde a data da propositura da acção – art.º. 2006º. do Código civil.
2. Por outro lado, em Junho de 1995, o executado foi notificado do montante das prestações então em dívida que a exequente exigia receber – e não negou a dívida.
3. Assim, não se encontra prescrita  qualquer  das  prestações  alimentícias exequendas.
4. A sentença recorrida infringiu o preceituado nos artºs. 309º., 311º.-1 e 323º., todos do Código Civil.
5. Consequentemente, deve dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se a sentença recorrida, julgando-se não provados e improcedentes os embargos.” (T).
27 -  Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Julho de 2003, foi revogada a decisão recorrida, julgando os embargos improcedentes dada a não prescrição – doc. 8 junto com a petição inicial (U).
28 - Neste aresto escreveu-se:
“Afirma-se que a sentença ou outro título executivo «transforma a prescrição a curto prazo, mesmo que só presuntiva, numa prescrição normal, sujeita ao prazo de vinte anos» ex vi nº 1 do art.º 311º CC, as prestações alimentícias de que se trata aqui são todas vencidas, não vincendas já que a sentença que as fixou é uma decisão aparelhada para tal efeito retroagindo ao seu momento inicial, mesmo ocorrendo alteração (prof. I. G. Telles)” (V).
29 - Em 15 de Março de 2003, o R. cessou a prestação de serviços à A., pelo que já não teve intervenção nos termos do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça pelo Embargante C.[…] (X).
30 - O acórdão referido em 27 e 28 foi revogado por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.1.2004 (Revista nº 4352/2003), que manteve a decisão da 1ª instância, por haver considerado ter ocorrido a prescrição (Z).
 31 - O Réu celebrou com a Companhia de Seguros […] S A, um contrato de seguro nos termos do qual transferiu para esta seguradora a sua responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros no exercício da sua profissão de advogado ( Apólice nº […] junta a fls. 117, cujo teor se dá por reproduzido) (AA).

2.1.4. A questão essencial que vem colocada pela Recorrente consiste em saber se a questão do prazo prescricional das pensões alimentícias fixadas aos filhos, então menores, da Autora, pode voltar a ser apreciada no presente recurso, e, em caso afirmativo, saber se foi alegada tempestivamente a interrupção da prescrição e se, por via desta, haveria que concluir que quando o ora Réu, então mandatário da Autora, instaurou a execução por alimentos, ainda não se encontrava prescrito o direito de crédito relativo às prestações alimentícias, pelo que, não lhe pode ser imputado cumprimento defeituoso do contrato de mandato.

É esta a tese da Recorrente que, deste modo, pretende pôr em causa o decidido na sentença recorrida, onde se considerou que não tem cabimento reabrir a discussão sobre qual o prazo de prescrição, já que há que respeitar o caso julgado material formado pelo Acórdão do STJ, de 22/1/04. Daí que se tenha concluído, naquela sentença, que o Réu praticou um facto ilícito, porquanto, apesar de mandatado para tal, não instaurou execução de forma tempestiva. Razão pela qual, foi o mesmo condenado a pagar à Autora uma indemnização, por se ter entendido que se verificavam todos os pressupostos que condicionam, no caso, a obrigação de indemnizar.

Vejamos.

A regra geral aplicável à eficácia subjectiva do caso julgado é a de que este só produz efeitos em relação às partes, conforme resulta do disposto no art.498º, do C.P.C., na medida em que a excepção do caso julgado pressupõe a repetição da causa e esta só se repete quando haja identidade de sujeitos nas duas acções (cfr. Antunes Varela, Manual do Processo Civil, 2ª ed., págs.720, 721 e 724). O que não significa que todos aqueles que não figuram no processo como partes possam ignorar as sentenças proferidas e transitadas nas diferentes acções. Assim, tem-se entendido que os terceiros têm de acatar a sentença proferida entre as partes e a correspondente definição judicial da relação litigada, quando a sentença não lhes causa qualquer prejuízo jurídico, embora lhes cause um prejuízo de facto ou económico. São os chamados terceiros juridicamente indiferentes, como é o caso dos credores relativamente às sentenças proferidas nos pleitos em que seja parte o seu devedor, que apenas podem afectar-lhes a consistência prática do seu direito, enquanto reduzam o património do devedor. Por outro lado, que os terceiros não têm que acatar a sentença proferida entre as partes e a correspondente definição judicial da relação litigada, quando aquela, a valer em face deles, lhes poderia causar um prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito, e não apenas destruindo ou abalando a sua consistência prática. São os chamados juridicamente interessados, como acontece, designadamente, com as pessoas que sejam titulares de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes pela decisão transitada, como é o caso, por exemplo, da seguradora da responsabilidade civil perante a sentença definidora da indemnização devida pelo segurado (cfr. Antunes Varela, ob.cit., págs.726 e 728, e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs.312 a 314). Neste último tipo de casos, tem-se considerado que o terceiro não interveniente na acção não está vinculado pela decisão transitada, podendo opor ao devedor ou ao credor todos os meios de defesa que lhe seria lícito deduzir em acção contra ele proposta, antes de proferida aquela decisão.

No caso dos autos, a Seguradora foi chamada a intervir pelo Réu segurado, como associado deste, na acção movida pela lesada, uma vez que aquele celebrou com a Seguradora um contrato de seguro, nos termos do qual transferiu para ela a sua responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de lesões materiais causadas a terceiros no exercício da sua profissão de advogado (cfr. a al.AA da matéria de facto assente). Sendo que, a chamada interveio no processo, oferecendo o seu articulado, tendo a sentença apreciado o seu direito e concluído pela sua condenação, nos termos atrás referidos (cfr. os arts.327º e 328º, do C.P.C.). Aliás, foi a interveniente quem interpôs o presente recurso.

Nos termos do art.2º das Condições Gerais do aludido contrato, o mesmo tem por objecto a garantia da responsabilidade que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado no exercício da actividade expressamente referida nas respectivas Condições Especiais e Particulares, qual seja, a responsabilidade civil profissional de Advogado (cfr. fls.72 e 117). Acresce que, para efeitos daquele contrato, se entende por sinistro o evento susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato (cfr. o art.1º das Condições Gerais). Ora, parece-nos que a circunstância de o segurado ter instaurado a execução por alimentos depois do decurso do prazo de prescrição das prestações alimentícias integra, precisamente, um sinistro para aqueles efeitos. Logo, segundo cremos, poder-se-á dizer que a decisão contida na sentença que julgou procedentes os embargos com fundamento na prescrição da quantia exequenda, causa prejuízo jurídico ao direito da Seguradora, na medida em que esta teria que aceitar como estando assente que o sinistro tinha ocorrido, sem ter tido a possibilidade de se defender. Ou seja, a Seguradora será um terceiro juridicamente interessado, não se lhe impondo, pois, a referida sentença. O que vale por dizer que pode voltar a ser discutida a questão da prescrição das pensões alimentícias, para, desse modo, se poder aferir se o seu segurado incorreu em responsabilidade civil perante a Autora, e, consequentemente, se a Seguradora, ora recorrente, é responsável pelo pagamento da respectiva indemnização.

Dir-se-á, antes do mais, que, nos embargos que deduziu à execução por alimentos, que havia sido instaurada em 29/6/2000, o executado alegou, quanto à prescrição, que as pensões alimentícias vencidas prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al.f), do art.310º, do C.Civil, pelo que, reclamando a exequente prestações vencidas entre Julho de 1993 e Julho de 1995, as mesmas se encontram prescritas.

Contestando os embargos, o ora Réu invocou o disposto no art.311º, nº1, do C.Civil, segundo o qual o direito para cuja prescrição a lei estabelecer prazo mais curto fica sujeito ao prazo ordinário, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, para alegar que o crédito exequendo se acha reconhecido por sentença transitada em julgado em 16/3/95 e que, por isso, o prazo a ter em conta é o ordinário de 20 anos (art.309º).

Na sentença que decidiu os embargos considerou-se, porém, que a sentença transitada em 16/3/95 condenou, apenas, no pagamento das prestações alimentares, não tendo reconhecido qual o montante que se encontrava em dívida, pelo que, a norma constante do art.311º, nº1, não podia ser invocada.

Nas conclusões da alegação do recurso que o ora Réu interpôs daquela sentença, afirma-se que a sentença exequenda, proferida em 24/2/95, reconheceu o crédito das prestações alimentícias desde a data da propositura da acção, e que, por outro lado, em Junho de 1995, o executado foi notificado do montante das prestações então em dívida que a exequente exigia receber e não negou a dívida, pelo que, não se encontra prescrita qualquer das prestações alimentícias exequendas. Concluiu, ainda, nessa alegação, ter sido infringido o preceituado nos arts.309º, 311º, nº1 e 323º, do C.Civil.

No Acórdão da Relação de Lisboa, de 9/7/03, considerou-se que o prazo a ter em consideração era o prazo ordinário, tendo-se julgado os embargos improcedentes, dada a não prescrição.

Tendo o embargado interposto recurso desse Acórdão para o STJ, numa altura em que o Réu já tinha cessado a prestação de serviços à autora, foi por este Tribunal proferido o Acórdão de 22/1/04, que manteve a decisão da 1ª instância, por haver considerado ter ocorrido a prescrição. Entendeu-se aí que os direitos a que alude o citado art.311º, nº1, que ficam sujeitos ao prazo ordinário de prescrição, são os já constituídos em relação aos quais surgiu posteriormente controvérsia e que foram reconhecidos por sentença passada em julgado, e, ainda, que, nos termos do nº2, do mesmo artigo, quando, porém, a sentença se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo. Para, depois, se considerar que, no caso concreto, por um lado, o direito de crédito invocado pela recorrida (exequente) não se tornou controvertido depois da respectiva constituição e foi concretizado por virtude da sentença exequenda, e, por outro lado, que a mencionada sentença se refere a prestações ainda não vencidas, certo que o recorrente (executado) foi condenado no seu pagamento para o futuro, embora com efeitos desde a propositura da acção, por razões de lei que se prendem com a finalidade das prestações alimentares. Por isso que, a final, se concluiu, no citado Acórdão do STJ, que «… por força do disposto no nº2, do art.311º, do C.Civil, a prescrição do direito de crédito em causa que a recorrida exigiu do recorrente, correspondente a prestações por sua natureza alimentícias, foi objecto de prescrição».

Defende, agora, a recorrente Seguradora que a norma do nº1, do art.311º, do C.Civil, é aplicável «de pleno» à hipótese em causa, uma vez que na sentença exequenda se mostra reconhecido o montante que se encontrava em dívida e que foi esse o montante cujo pagamento se pediu na execução por alimentos. Verifica-se, pois, que se pretende pôr em causa o fundamento da sentença que decidiu os embargos na 1ª instância. No entanto, não foi esse o fundamento da procedência do recurso no STJ, como já resulta do atrás exposto, embora aí se tenha mantido o decidido na 1ª instância. Não se trata, pois, de uma questão de reconhecimento de montantes, mas sim de reconhecimento de direitos em relação aos quais, estando já constituídos, tenha surgido controvérsia, dirimida por sentença transitada em julgado. Ora, no caso, o que se passou foi que a sentença exequenda é que concretizou o direito de crédito, não havendo que falar em reconhecimento deste após se ter constituído e tornado controvertido. Daí que não tenha aplicação o disposto no nº1, do art.311º, e que, de todo o modo, referindo-se a sentença exequenda a prestações ainda não vencidas, a prescrição, relativamente a elas, seja a de curto prazo, isto é, a de 5 anos, por força do disposto no nº2, do mesmo artigo.

Entende a Recorrente que, mesmo a admitir-se que o prazo prescricional era de 5 anos, tal prazo foi interrompido com os requerimentos apresentados pelo Réu em 19/4/95 e em 9/11/95, já que demonstrativos de que o credor pretendia exercer o seu direito em relação ao devedor, por força do disposto no nº1, do art.323º, do C.Civil. Note-se, porém, que o facto interruptivo, nos termos deste artigo, não é constituído por qualquer requerimento que exprima a intenção de exercer o direito, antes consiste no conhecimento que o obrigado teve, através duma citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer o direito (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, vol.I, 2ª ed., pág.269). Ora, sobre o requerimento de 19/4/95 recaiu o despacho de 26/6/95, que determinou o desconto da pensão de 40 000$00 para cada filho, e sobre o requerimento de 9/11/95 recaiu o despacho de 19/1/96, que indeferiu os descontos das prestações em dívida desde Junho de 1993 até Julho de 1995, no total de 1 960 000$00 (cfr. as als.E, F, I e J da matéria de facto assente). Alega a Recorrente que os aludidos despachos foram notificados ao requerido, pai dos menores, respectivamente, em 3/7/95 e em 8/2/96. Todavia, apenas se provou que o mesmo foi notificado daqueles despachos e que nada requereu no processo (cfr. a resposta ao ponto 10º da base instrutória). De todo o modo, em relação ao despacho de 19/1/96, a notificação dele ao requerido, interrompendo a prescrição e fazendo iniciar novo prazo (cfr. o art.326º, nº1), permitiria concluir que, em 29/6/2000, data da instauração da execução, ainda não tinha decorrido o novo prazo de prescrição de 5 anos. Só que, o Réu, quer na contestação dos embargos, quer nas conclusões da alegação do recurso que interpôs da sentença que julgou os embargos procedentes, nunca invocou expressamente essa interrupção da prescrição, como lhe competia.

Assim, naquela contestação, limitou-se a alegar que o prazo a ter em conta era o ordinário de 20 anos, nos termos do art.311º, nº1. Nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, manteve essa mesma posição, embora também tenha referido que, em Junho de 1995, o executado foi notificado do montante das prestações em dívida e que foi infringido o preceituado, designadamente, no art.323º, do C.Civil. Isto é, muito timidamente, foi invocada a interrupção da prescrição, mas sem que se tenha alegado, sequer, nas conclusões da alegação, a data exacta em que teria ocorrido essa interrupção, sendo que, tendo a execução sido instaurada em 29/6/2000, havia que apontar expressamente o dia exacto do mês de Junho de 1995 em que o executado teria sido notificado do montante das prestações em dívida. Aliás, essa alegação teria que ser feita em sede de contestação dos embargos, já que, tendo o embargante invocado a prescrição, a embargada tinha o ónus de invocar o facto interruptivo da prescrição, incumbindo-lhe, ainda, a prova desse facto (cfr. Alberto dos Reis, Código do Processo Civil, Anotado, vol.III, 4ª ed., pág.294). Não cumpriu, pois, em sede própria, a embargada, representada pelo ora Réu, o ónus de afirmação que sobre si impendia. O que determinou que, nem a sentença da 1ª instância, nem o Acórdão da Relação de Lisboa, nem o Acórdão do STJ, se pudessem debruçar sobre a questão da interrupção da prescrição, pois que, apesar de o juiz não estar sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, só pode servir-se, em princípio, dos factos articulados pelas partes (art.664º, do C.P.C.).

Haverá, deste modo, que concluir que, apesar de se entender que a questão do prazo prescricional das pensões alimentícias podia voltar a ser apreciada no presente recurso, o que é certo é que se constata que a interrupção da prescrição não foi alegada no articulado de resposta àquele onde havia sido invocada a prescrição, pelo que, não era possível retirar a conclusão de que, quando o ora Réu, então mandatário da autora, instaurou a execução por alimentos, ainda não se encontrava prescrito o direito de crédito relativo às prestações alimentícias. Na verdade, a reapreciação agora feita não podia deixar de ter em consideração a matéria de facto sobre que se debruçaram as três decisões atrás referidas, pois que só assim se poderá aferir se o segurado da recorrente incorreu em responsabilidade civil perante a autora.

Considerou-se na sentença recorrida que se trata de responsabilidade contratual do Réu, exercida no âmbito do contrato de mandato judicial firmado com a Autora. Mais se considerou que, sendo admissível discussão quanto ao prazo de prescrição das prestações em causa, cabia ao Réu instaurar execução no prazo mais curto, por ser essa a conduta que mais garantias e segurança dava à satisfação dos interesses da sua constituinte. Entendeu-se, ainda, que haverá que considerar provado o dano, uma vez que o executado tinha uma pensão líquida de 164 460$00 em 1995 e era, sendo ainda, advogado, pelo que, é formulável um juízo de prognose no sentido de que a execução, com maior ou menor demora, obteria êxito. Para, a final, se concluir que se verificam os pressupostos da responsabilidade civil imputada ao Réu, tendo a interveniente Seguradora sido condenada a pagar uma indemnização à autora.

Concorda-se, inteiramente, com o julgado em 1ª instância, quanto aos fundamentos da decisão, para onde se remete. Mas sempre se dirá que entre o advogado e o cliente há uma relação contratual de prestação de serviço, na modalidade de mandato (arts.1154º, 1155º, 1157º e 1178º, do C.Civil, e 32º e segs., do C.P.C.). Que se aplica ao advogado que falta culposamente ao cumprimento da sua obrigação o disposto nos arts.798º e 799º, do C.Civil, sendo que, se trata de uma obrigação de meios, na medida em que apenas promete uma prestação profissional diligente com vista a conseguir uma decisão favorável, o que não impede que funcione a presunção de culpa estabelecida no citado art.799º, nº1. E, ainda, que se considera provado o dano quando se demonstra que o lesado tinha toda a probabilidade de ter êxito na acção não intentada em devido tempo (cfr. no sentido atrás apontado, na doutrina, Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Advogados, 2ª ed., págs.8 e segs., Orlando Guedes da Costa, Direito Profissional do Advogado, 3ª ed., págs.274, 275 e 363 e segs., e Afonso de Melo, Responsabilidade Civil de Mandatário Judicial, in Boletim da Ordem dos Advogados, Nº26, Maio-Junho de 2003, págs.26 a 28; na jurisprudência, os Acórdãos do STJ, de 3/2/99, C.J., Ano VII, tomo I, 73, de 30/5/95, C.J., Ano III, tomo II, 119, e de 24/11/87, BMJ, 371º-444, e os Acórdãos da Relação de Évora, de 24/1/02, C.J., Ano XXVII, tomo I, 261, e da Relação de Lisboa, de 25/9/01, C.J., Ano XXVI, tomo IV, 94, e de 8/7/99, C.J., Ano XXIV, tomo IV, 97).
O encargo do mandato importa, pois, para o advogado várias obrigações e o mesmo responde quer quando não as cumpre, quer quando as cumpre defeituosamente, como acontece quando deixa prescrever o direito do seu cliente ou quando propõe a acção ou a contesta deficientemente, cabendo-lhe provar que o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procedeu de culpa sua. Isto é, deve ser o advogado a provar que foi diligente na obrigação de meios que assumiu, sendo a culpa apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias (arts.487º, nº2 e 799º, nº2, do C.Civil).

Ora, tendo-se apurado que pelo menos a partir do 2º semestre de 1997, a Autora instou o Réu, mais do que uma vez por ano, telefonicamente ou em conferências tidas no escritório do Réu, no sentido de accionar a execução das prestações vencidas, no valor de 1 960 000$00, tendo o mesmo sempre respondido que a autora ficasse sossegada pois que o assunto estava debaixo do seu controle, sendo o prazo de prescrição de 5 anos (cfr. as respostas aos pontos 1º a 5º da base instrutória), mas vindo a instaurar a execução por alimentos apenas em 29/6/2000, onde, em sede de contestação de embargos, se limitou a invocar a prescrição ordinária de 20 anos, não alegando qualquer facto interruptivo da prescrição de curto prazo invocada pelo embargante, prescrição esta que veio a ser declarada por decisão transitada em julgado, parece-nos não resultarem dúvidas de que tais factos integram omissão do dever de zelo e diligência a que alude o art.83º, nº1, al.d), do Estatuto da Ordem dos Advogados. Tanto mais que se tratava da execução de uma sentença já transitada há muito, relativa a alimentos devidos a menores, pelo que, sendo de instauração urgente, dado o tipo de interesses envolvidos, já dispunha, também há muito, dos necessários elementos para a instaurar, não se vislumbrando, nem aliás tendo sido alegada, qualquer dificuldade em fazê-lo, sendo certo que se trata de um articulado bastante simples, como de resto se vê do que apresentou, tardiamente, em 29/6/2000.

Por via da procedência da prescrição, deixou a autora de poder executar o devedor de alimentos e, por isso, não recebeu as quantias a que tinha direito. E este é o seu dano, porquanto tinha toda a probabilidade de ter êxito na execução por alimentos (que, por inércia culposa do Réu, foi instaurada fora de prazo), uma vez que o executado, além de ser advogado, recebia uma pensão, onde, aliás, foram descontadas as pensões alimentícias vencidas após Julho de 1995.

Verificam-se, pois, os elementos cumulativos que condicionam a obrigação de indemnizar imposta ao segurado da recorrente, quais sejam, a culpa de quem prestou o serviço, o dano de quem o recebeu e o nexo de causalidade entre a culpa e o dano.

Assim, dado o contrato de seguro celebrado, não podia a recorrente deixar de ser condenada no pagamento da competente indemnização à autora.

Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação da recorrente principal.

2.2. RECURSO SUBORDINADO

2.2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª) - A prescrição dos juros constitui excepção peremptória conducente à absolvição do pedido.
2ª) - Carece, porém de ser expressamente invocada pelo R. (e/ou, no caso concreto dos autos, pela interveniente principal), não podendo ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal (cfr. artºs 303º CC e 496º CPC).
3ª) - Não tendo o R. nem a interveniente principal suscitado tal questão, estava o Tribunal impedido de a conhecer ex officio.
4ª) - Deve, por isso, nessa parte ser declarada nula a douta sentença proferida nos precisos termos da segunda parte da alínea d) do nº 1 do artº 668º CPC.
5ª) - Mesmo que assim se não entenda – o que apenas se admite, sem conceder -, destinando-se a acção a ressarcir a A. dos prejuízos sofridos com o comportamento do R.,  deve entender-se serem devidos os juros moratórios desde a data em que este deu origem a tal prejuízo.
6ª) - Não se vislumbrando qualquer razão válida para a restrição feita na douta sentença impugnada (que só condenou o R. e a interveniente principal a pagar os juros e a sanção pecuniária acessória relativamente ao período compreendido entre a data da fixação do montante dos alimentos (24-2-1995)  e 19-2-2000 (data da prescrição) – retomando o pagamento dos juros moratórios, e já não a sanção pecuniária compulsória, a partir da citação (4-2-2005) e até  integral pagamento.
7ª) - Ocorrendo assim, violação do disposto no nº 1 do artº 566º CC.
8ª) - Deve, assim, com o douto e imprescindível suprimento de Vossas Excelências, ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente:
a) - declarada a nulidade da parte da sentença impugnada, por ter conhecido de matéria de que não lhe competia fazê-lo; ou, se assim não se entender,
b) - revogada, nessa  parte, com todas as suas legais consequências.

2.2.2. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
a) Por via do recurso que ora se contra – alega não pode ser alterada a decisão proferida no que concerne ao Dr. […] dado que este recurso é subordinado em relação ao recurso interposto pela Ré IMPÉRIO BONANÇA e não por aquele Senhor Advogado.
b) De resto, o mesmo carece de fundamento pois a determinação da dívida de juros e da sua taxa, não se tratando nem de obrigação a prazo certo, nem de juros convencionais, é questão de direito.
c) Acresce que a dívida de juros, quando inexiste prazo certo, depende de interpelação a qual, no caso vertente, só ocorreu com a citação, como resulta dos artigos 805º nº 1 do Código Civil e 267º nº 2 do Cód. de Proc. Civil.
d) A determinação pelo Meritíssimo Juiz “a quo” da data a partir da qual são devidos juros respeitou portanto o disposto no artigo 664º do Código de Proc. Civil e não traduz violação da alínea d) nº 1 do artigo 668º do Cód. de Proc. Civil ou do artigo 566º do Código Civil.
e) Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a douta decisão recorrida.
f) 2.2.3. Entende a Recorrente subordinada que a sentença proferida é nula, nos termos da 2ª parte, da al.d), do nº1, do art.668º, do C.P.C., na parte em que conheceu oficiosamente da prescrição de juros, quando é certo que esta necessita de ser invocada por aquele a quem aproveita (art.303º, do C.Civil). Mas não tem razão. É que, aquela sentença não conheceu da prescrição de juros, antes se tendo limitado a fixar o momento da constituição em mora, referindo ser esse  momento o da citação (art.805º, nº1, do C.Civil). Logo, não conheceu de questão de que não pudesse tomar conhecimento. Por isso que não foi cometida a invocada nulidade.

Defende, ainda, a Recorrente que não se vislumbra razão válida para a restrição feita na sentença recorrida, que só condenou o Réu e a interveniente principal a pagar os juros e a sanção pecuniária compulsória relativamente ao período compreendido entre a data da fixação dos alimentos (24/2/95) e 19/2/200 (data da prescrição) – retomando o pagamento dos juros moratórios, e já não a sanção pecuniária compulsória, a partir da citação (4/2/05) e até integral pagamento.

Entendemos que também não tem razão a recorrente, nesta outra parte. Na verdade, os juros fixados relativamente ao período compreendido entre 24/2/95 e 19/2/2000 não deverão reputar-se como juros de mora, mas antes como juros compensatórios ou indemnizatórios, isto é, como fazendo parte ainda da indemnização devida, sendo, assim, capital. Outra coisa são os juros pela mora no cumprimento da obrigação de indemnizar, que visam ressarcir os danos causados pela mora no cumprimento da obrigação da indemnização fixada (neste sentido, podem ver-se Antunes Varela, R.L.J., Ano 102º, 89, nota 1, e Vaz Serra, R.L.J., Ano 95º, 268, nota 1, citados por Correia das Neves, in Manual dos Juros, 3ª ed., pág.320, nota 237). Ora, estes últimos juros, os moratórios, que incidem, portanto, sobre o quantitativo da indemnização fixada nos termos atrás aludidos, são devidos desde a citação, nos termos do art.805º, do C.Civil, conforme se refere na sentença recorrida.

Raciocínio idêntico haverá que fazer relativamente à sanção pecuniária compulsória, por isso que foi considerada a devida desde a data da sentença que fixou o montante dos alimentos e que estaria a cargo do aí requerido, pai dos menores. Outra coisa é a sanção pecuniária compulsória a cargo do ora Réu, que é devida, nos termos do nº4, do art.829º-A, do C.Civil, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado. Sendo que, na situação a que alude aquele nº4, é o próprio legislador que disciplina a referida sanção, fixando o seu montante, ponto de partida e funcionamento automático. Daí que seja qualificada como sanção pecuniária compulsória legal (cfr. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 2ª ed., pág.456). Não tinha, pois, que ser fixada na sentença recorrida e, muito menos, a partir da citação, como pretende a recorrente.

Improcedem, assim, as conclusões da alegação da recorrente subordinada.

3 – Decisão.

Pelo exposto, nega-se provimento aos recursos, confirmando-se a sentença apelada.

Custas pelas apelantes.

Lisboa, 24 de Abril de 2007

(Roque Nogueira)
(Pimentel Marcos)
(Abrantes Geraldes)