Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1229/14.0TBTVD-A.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Requerida por ambas as partes a suspensão da instância ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 272º do Código de Processo Civil, a mesma verifica-se automaticamente e sem necessidade de despacho judicial e reporta a sua eficácia ao momento em que foi junto ao processo o acordo a que se refere o nº 4 do mencionado artigo 272º.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



I - RELATÓRIO:


Na presente acção com processo comum em que é autor E... e ré C..., a ré foi citada para contestar no dia 19 de Maio de 2014.

No dia 18 de Junho de 2014, data em que terminava o prazo para contestar, em requerimento conjunto, as partes, ao abrigo do disposto no artigo 272º nº 4 do Código de Processo Civil, requereram a suspensão da instância pelo período de 15 dias.

Em 23 de Junho de 2014, foi proferido o seguinte despacho: “ Ao abrigo do disposto no artigo 272º nº 4 do Código de Processo Civil suspendo a instância pelo período requerido.

Este despacho foi notificado às partes em 24-06-2014.

Em 14 de Julho de 2014, por requerimento conjunto, as partes requereram a prorrogação do prazo de suspensão da instância pelo período de 10 dias. Sobre este último requerimento não incidiu qualquer despacho.

Em 23 de Fevereiro de 2015 a ré apresentou a contestação.

Em 05 de Março de 2015 a ré respondeu a um requerimento apresentado pelo autor, que não consta do presente recurso em separado.

Nessa resposta a ré afirma, além do mais, que “ a simples junção de requerimento subscrito pelos mandatários a requererem a suspensão da instância não opera automaticamente, cabendo ao tribunal fazer o controlo de tal requerimento no sentido de averiguar se o mesmo respeita os condicionalismos impostos por lei. Entendemos que a parte enquanto não for notificada do despacho que recaia sobre o requerimento subscrito por ambos os mandatários, não tinha de praticar qualquer acto, em particular não tinha que contestar.

Os autos devem prosseguir não pela razão invocada pelo autor, mas porque as partes não chegaram a acordo. Por via disso, a ré já apresentou a sua contestação”.

Em 14 de Abril de 2015, foi proferido DESPACHO que ordenou o desentranhamento da contestação, em que se considerou que o prazo para a sua apresentação terminou em 09 de Setembro de 2014, pelo que “tendo a contestação sido apresentada em 23 de Fevereiro de 2015 resulta evidente que a sua apresentação foi manifestamente intempestiva, ocorrendo quando já há muito expirara o prazo para tanto”.

Não se conformando com tal despacho, dele recorreu a ré, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª- No douto despacho com a referência 122544914, datado de 14/4/2015 e notificado às partes em 15/04/2015, o Mmº Juiz a quo considerou que considerou que a suspensão da instância quando requerido por acordo das partes ao abrigo do artigo 272º nº 4, bem como da previsão o artigo 269º nº 1 alª c) ambos do CPC, não está dependente de prolação de despacho nesse sentido, pelo que a apresentação da contestação foi apresentada muito para além do fim do prazo, tendo determinado o seu desentranhamento.
2ª- Dispõe o nº 4 do artigo 272º do CPC que “ as partes podem acordar na suspensão da instância ….. “ , contudo tal pretensão não fica ao livre arbítrio das partes sem qualquer controlo judicial, pois necessário se torna aferir se o requerimento respeita o prazo máximo de três meses e se com esse desiderato se pretende obter um fim proibido por lei.
3ª- Embora as partes tenham a disponibilidade da instância no plano dos direitos disponíveis solicitar ou não a tutela jurisdicional, não têm, contudo, o poder de decidir ou o poder do seu uso em termos discricionários.
4ª- O poder de direcção do processo cabe ao juiz, dirigindo-o, orientando-o e decidindo.
5ª- O direito facultado às partes de suspenderem a instância por acordo, foi introduzido pelo Dec-Lei nº 329-A/95, de 12/12, continuando a ser admitida no actual CPC (artigo 269º nº 1 alínea c), clarificando-se que tal suspensão pode ocorrer por vários períodos que não ultrapassem os 3 meses, desde que não ponha em causa a data da audiência de julgamento que já tiver sido designada (artigo 272º nº 4), visando fundamentalmente favorecer soluções de consenso.
6ª- No decurso do prazo para contestar as partes requereram, conjuntamente, em 18/06/2014, ao abrigo do disposto no artigo 272º, nº 4 do C.P.C. a suspensão da instância pelo prazo de 15 dias, requerimento que foi deferido por despacho notificado às partes, via Citius, em 24/06/2014.
7ª- Em 14/7/2014, é junto novo requerimento subscrito pelos mandatários das partes, através do qual requerem a suspensão da instância pelo prazo de 10 dias invocando o disposto no artigo 272º, nº 4 do C.P.C.
8ª- Sobre este requerimento o tribunal a quo não se pronunciou.
9ª- A apelante deu entrada da contestação no dia 20/2/2015, tendo o tribunal a quo considerado a mesma extemporânea.
10ª-Entende a apelante que, enquanto não fosse notificada do despacho que recaísse sobre o requerimento apresentado pelas partes em 14/7/2014, não tinha que praticar qualquer acto, em particular não tinha que contestar.
11ª-Considerando o entendimento que o tribunal a quo faz do nº 4 do artigo 272º do C.P.C., o juiz deixa de aferir se o requerimento de suspensão da instância, subscrito por ambas as partes, obedece aos condicionalismos impostos por lei, podendo assim ocorrer um uso anormal do processo pelas partes, utilizando estas a seu belo prazer a faculdade que lhes é conferida pelo nº 4 do artigo 272º do C.P.C, o que não nos parece ser o entendimento correcto, nem a lei o permite.
12ª- Cumpre ao juiz dirigir activamente o processo, assegurando não só a regularidade da instância, mas também o normal andamento do processo – artigo 6º do C.P.C.
13ª - Decorre do artigo 162º do C.P.Civil que deve a secretaria no prazo de cinco dias “… fazer os processos conclusos, continuá-los com vista ou facultá-los para exame…” .
14ª- É entendimento da apelante que a suspensão da instância por acordo das partes deve ser decretada pelo Juiz, a requerimento das partes, que verifica a conformidade legal desse pedido e de autorizar, ou não, o respectivo exercício.
15ª- A apelante aguardou que fosse notificada do despacho de deferimento ou indeferimento sobre o requerimento que havia subscrito, conjuntamente, como o A., pelo que enquanto não fosse notificada desse despacho não tinha que praticar qualquer acto, em particular não tinha que contestar.
16ª- A apelante ignorava se seria ou não autorizada a suspensão da instância e só a notificação do despacho lhe assegura a efectividade desse direito, o que não ocorreu nos presentes autos.
17ª- Só com a notificação do despacho de deferimento a instância se suspende pelo prazo indicado pelas partes, iniciando-se a contagem desse prazo após a notificação do despacho as partes, não abrangendo o tempo decorrido durante esse prazo, nem a contagem de qualquer prazo processual.
18ª- Ao decidir da forma como fez, considerando que a suspensão da instância por acordo das partes não está sujeita a controlo judicial e por via disso a contestação apresentada pela apelante foi entregue em juízo fora do prazo, o Mmº Juiz a quo violou as disposições conjugadas dos artigos 6º, 7º, 276º nº 1 al. c) e 612º ambos do C.P.Civil., por omissão de um acto gerador de nulidade nos termos do artigo 195º do C.P.C.

Termina, pedindo que seja revogado o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro no sentido de se pronunciar sobre o requerimento subscrito por ambas as partes em 14/07/2014, considerando-se admitida a contestação.

Não houve contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO:

A) Fundamentação de facto:

A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório que antecede.

B) Fundamentação de direito:

A questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, consiste em saber se a contestação é intempestiva.

Cumpre decidir.

A instância pode ser suspensa quando houver acordo das partes – artigo 269º nº 1lª c) do CPC.

O artigo 272º do mesmo código preceitua no seu nº 4 que “as partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final”.

Esta suspensão da instância verifica-se automaticamente e sem necessidade de despacho judicial?

Para a apelante, a simples junção de requerimento subscrito pelos mandatários a requererem a suspensão da instância não opera automaticamente, cabendo ao tribunal decretar tal pedido de suspensão. Mais alega que a parte, enquanto não for notificada do despacho que recaia sobre o requerimento subscrito por ambos os mandatários, não tinha de praticar qualquer acto, em particular não tinha que contestar.

Será assim?

É evidente que não e vejamos porquê.

Comentando o artigo 272º do Código de Processo Civil, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, afirmam o seguinte: “ Resultando a suspensão da instância do acordo entre as partes, tem ela o seu início no dia em que é praticado o acto processual que a determina, isto é, no dia em que é junto aos autos o acordo de suspensão. É desde este momento que deve ser contado o período de paralisação do processo, e não, por exemplo, desde o dia em que as partes são notificadas do despacho do juiz que começa da junção do acordo”[1].

Portanto, à semelhança do que prescreve o nº 3 do artigo 273º do Código de Processo Civil, a suspensão da instância verifica-se automaticamente e sem necessidade de despacho judicial, ou seja, reporta a sua eficácia ao momento em que foi junto ao processo o acordo a que se refere o nº 4 do artigo 272º do Código de Processo Civil.

Sendo assim, retomemos os factos, aplicando os princípios acabados de expor.

A ré foi citada para contestar em 19 de Maio de 2014 e no dia 18 de Junho de 2014, data em que terminava o prazo para contestar, em requerimento conjunto, as partes, ao abrigo do disposto no artigo 272º nº 4 do Código de Processo Civil, requereram a suspensão da instância pelo período de 15 dias.

Portanto, e porque os prazos judiciais não correm enquanto não durar a suspensão (artigo 275º nº 2, primeira parte) e que a suspensão só cessa quando tiver decorrido o prazo fixado (artigo 276º nº1 alª c), segunda parte), temos que, em 18-06-2014, a ré ainda dispunha de um dia para apresentar a contestação. 

Contando os 15 dias a partir de 18-06-2014, a suspensão da instância cessou em 03-07-2014, podendo a ré apresentar a contestação até ao dia 04-07-2014 ou mesmo até ao dia 07 de Julho, caso efectuasse o pagamento da multa a que se refere o artigo 139º nº 5.

Quando autor e ré apresentaram em 14-07-2014 requerimento conjunto, solicitando a prorrogação do prazo de suspensão da instância pelo período de 10 dias, já havia decorrido o prazo para apresentar a respectiva contestação que, foi apresentada apenas em 23 de Fevereiro de 2015.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações do recurso.

EM CONCLUSÃO:

- Requerida por ambas as partes a suspensão da instância ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 272º do Código de Processo Civil, a mesma verifica-se automaticamente e sem necessidade de despacho judicial e reporta a sua eficácia ao momento em que foi junto ao processo o acordo a que se refere o nº 4 do mencionado artigo 272º.
 
III - DECISÃO :

Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido, embora pelos motivos acabados de expor.
Custas pela apelante.


Lisboa, 29 de Outubro de 2015


Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Octávia Viegas


[1]Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, Almedina, Volume I, pág. 265.
Decisão Texto Integral: