Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1765/12.2TVLSB.L1-1
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
REGISTOS CLÍNICOS
PROVA
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
PRESUNÇÃO DE CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
SOLIDARIEDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Os registos clínicos, de acordo com as ‘leges artis’, devem ser precisos, completos, detalhados, específicos e congruentes, descrevendo fiel, detalhada e especificamente tudo quanto de relevante foi comunicado, observado ou realizado, permitindo vislumbrar os fundamentos e objectivos das decisões médicas que foram sendo tomadas.
II. A generalização de uma má prática não transmuta essa má prática numa boa prática, ou, sequer, numa prática aceitável.
III. Enquanto respeitarem aquelas características os registos clínicos gozam de uma especial força probatória.
IV. O desrespeito das ‘leges artis’ na elaboração dos registos clínicos pode, no limite, levar à inversão do ónus da prova.
V. Do contrato de prestação de serviços médicos celebrado por entidades que se organizam enquanto estruturas empresariais não resulta apenas a obrigação de angariação de médicos que pratiquem, de acordo com a melhor prática clínica, actos médicos com os seus clientes; resultam também obrigações de criação, manutenção e desenvolvimento de uma organização e coordenação de meios tendentes à completude, eficiência e eficácia dos cuidados de saúde prestados.
VI. Pratica acto ilícito culposo o médico que prescinde de recolher directamente os sintomas apresentados pelo paciente limitando-se antes a assumir a descrição em termos técnicos dos mesmos constantes do relatório da triagem, assim eliminando a possibilidade de se aperceber de outros ou diferentes sintomas dos que os ali referidos.
VII. E com essa atitude inicia um processo causal adequado à produção dos danos decorrentes dos extensos compromissos neurológicos que advieram de subsequente instalação de AVC.
VIII. Esse processo causal foi, no entanto, interrompido pela opção do paciente de não procurar assistência médica quando horas mais tarde foi acometido de novo sintoma que evidenciava, agora de forma manifesta, a existência de compromisso neurológico.
IX. Não deixa, porém, de subsistir a responsabilidade do médico pela perda de chance da janela de oportunidade terapêutica precoce a que o seu comportamento deu azo.
X. Actuando o médico no âmbito de um serviço de urgência de um hospital privado ele actua como auxiliar desse estabelecimento no cumprimento de um contrato de prestação de serviços médicos que, por via da sua conduta, se mostra deficientemente cumprido.
XI. A comunhão de fim entre duas prestações ressarcitórias do mesmo dano, ainda que decorrentes de diferente tipo de responsabilidade (delitual e contratual), a protecção do lesado e o equilíbrio dos interesses dos interessados, justifica a sua sujeição dessas prestações ao regime da solidariedade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – Relatório
A Autora intentou a presente acção pedindo a condenação solidária das Rés a pagar-lhe a quantia de 449. 357,87 € (que posteriormente ampliou para 453.520,69 €), e juros, referente a danos patrimoniais e não patrimoniais já apurados e ainda a quantia que se vier a liquidar referente a danos cuja extensão não se encontra ainda apurada e danos futuros, a título de indemnização pelas consequências de acidente vascular cerebral por si sofrido decorrente da má prática médica das Rés aquando do seu atendimento no serviço de urgência da 1ª Ré no dia 01NOV2011.
Ambas as Rés contestaram por impugnação e requereram a intervenção provocada das suas seguradoras, que foi deferida.
Citadas, as referidas seguradoras contestaram invocando os limites de capital seguros e respectivas franquias e por impugnação.
A final foi proferida sentença que, considerando não ter ficado demonstrada qualquer actuação em desconformidade com as boas práticas do ofício comummente aceites (‘leges artis’), julgou a acção improcedente absolvendo as Rés do pedido.
Inconformada, apelou a Autora concluindo, em síntese, por erro na decisão de facto e por erro de julgamento (porquanto, ainda que com os factos inalterados, sempre se haveria de concluir pela ocorrência de ‘erro médico’ causal).
As Rés e as Intervenientes contra-alegaram propugnando pela manutenção do decidido.
II – Questões a Resolver
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece; sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
- do erro na decisão de facto;
- da responsabilidade por má prática clínica.
III – Fundamentos de Facto
Na 1ª instância fixou-se a seguinte factualidade:
Factos Provados
1. No dia 01 de Novembro de 2011, a autora efectuou o registo no balcão de atendimento de urgências do primeiro réu com vista a ser assistida medicamente;
2. A autora foi sujeita ao sistema de triagem implantado pelo primeiro réu, tendo a sua situação sido qualificada como "urgente", após o que foi atendida pela médica que se encontrava de serviço às urgências, Sra. Dra. MM ...;
3. Neste atendimento a segunda ré questionou a autora sobre a sua história clínica e ainda se a autora tinha sofrido algum traumatismo ou queda que tivesse afectado a cabeça ou o pescoço, ao que a mesma respondeu negativamente;
4. De seguida, a segunda ré pediu a realização de uma tomografia axial computorizada (TAC);
5. Realizada a TAC foi expresso no respectivo relatório o seguinte: "Não se detectam lesões com carácter focal no parênquima encefálico. Não há lesões ocupando espaço nem colecções hemáticas intracranianas. Ausência de hidrocefalia. Sulcos e cisternas permeáveis. Não há sinusite nem otite. Craniotomia fronto- pterional direita." ;
6. O AVC caracteriza-se por um défice neurológico súbito, motivado por isquemia (deficiência de circulação arterial) ou hemorragia no cérebro, sendo que as primeiras três horas após o início dos sintomas de AVC são essenciais para o socorro do doente, tendo em conta que as hipóteses de recuperação de uma vítima de AVC aumentam tanto quanto mais rápida for a acção terapêutica (terapias anti trombóticas) e o internamente precoce dos doentes em unidades especializadas reduz a morbilidade e a mortalidade a curto e longo prazo;
7. Os sintomas ou sinais súbitos de alarme de um AVC são, como amplamente alertado por todas as entidades ligadas ao sector da saúde: (1) falta de força; (2) dificuldade em falar e (3) boca ao lado;
8. A segunda ré celebrou com a Axa Portugal-Companhia de Seguros, SA, contrato de seguro de responsabilidade civil profissional titulado pela apólice n°. 008410076634, constituída por boletim de adesão, condições especiais e condições gerais conforme teor respectivamente dos documentos de fls. 272 a 277, 282 a 283 e 286 a 31;
9. A segunda ré subscreveu adesão ao contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Médicos e a Axa Portugal-Companhia de Seguros, SA, titulada pela apólice n°. 0084068091, conforme teor dos documentos de fls. 278 a 311 que no mais se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
10. A primeira ré celebrou com a Império Bonança, actualmente Fidelidade-Companhia de Seguros, SA, contrato de Seguro, titulado pela apólice n°. 0000-00 respeitante à responsabilidade civil decorrente da exploração do Hospital X ... constituída designadamente por condições gerais e especiais conforme teor dos documentos de fls. 232 a 260 que no mais se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
11. A autora nasceu em … de Março de 1963;
12. Aquando do atendimento na X ... pela Ré MM ... e ao questionário da segunda ré, a autora esclareceu apenas, no que toca a doença pré existente, que sofria do Síndroma de Raynaud. (art.4° Temas da Prova)
13. Segundo as informações prestadas à Autora, não estava no Hospital àquela hora nenhum neurologista /neurorradiologista, pelo que a TAC referida no ponto 4, foi realizada e ficou a aguardar a produção do relatório que seria elaborado por um médico que se encontrava no Hospital X ... . (Art.6° Temas da Prova)
14. Decorrido algum tempo após a realização da TAC sem que fosse chamada e, considerando o mal-estar da Autora, o seu ex-marido, Eng. Y ... , dirigiu-se ao atendimento das urgências e perguntou pelo resultado/relatório da TAC. (8° Temas da Prova)
15. Foi informado que o sistema informático do Hospital estaria sem funcionar e, como tal, o médico neurorradiologista viria pessoalmente do Hospital X ... até ao Hospital X2 … para analisar a referida TAC. (art.9° Temas da Prova)
16. Depois de obter o relatório da TAC, a 2.a Ré analisou o mesmo e informou a Autora, e quem a acompanhava, que esta não aparentava nenhuma patologia e que os sintomas apresentados poderiam decorrer de um quadro psicossomático, pelo que iria dar-lhe alta clínica. (art.11° Temas da Prova)
17. A A. mantinha cefaleias, o que transmitiu à 2.a Ré; (art.12° Temas da Prova)
18. Perante as queixas da Autora, a 2.' Ré decidiu chamar um oftalmologista. (art.13° Temas da Prova)
19. A Autora foi então analisada por uma médica oftalmologista cerca de 30 minutos depois da chamada realizada, a qual procedeu a um exame oftálmico e analisou os olhos da Autora, utilizando equipamento próprio para o efeito, tendo questionado a Autora sobre se tinha sentido este tipo de sintomas no passado, tendo a resposta sido negativa. (art.14° Temas da Prova)
20. Posteriormente, e antes de sair do Hospital, por ordem da 2.ª Ré, foi administrado à Autora analgésico pela via intravenosa e anti inflamatórios, para combater as dores de que se queixava. (art.16° Temas da Prova)
21. Não lhe foi dada nenhuma recomendação de cuidados de seguimento ou de alerta, tendo sido expressamente deixado à consideração da Autora a opção de ir trabalhar no dia seguinte conforme se sentisse, tendo a segunda ré sugerido à autora para eventual investigação a posteriori a agendamento de uma consulta externa com o neurologista. (art.17° Temas da Prova)
22. A Autora recebeu alta clínica cerca das 00:00 horas de dia 02 de Novembro de 2011 sem qualquer medicação e apenas com indicação de repouso. (art.18° Temas da Prova)
23. No dia 01/11/2011, aquando do atendimento na urgência, os sintomas da autora eram apenas:
a) Cefaleias;
b) Visão turva; e
c) Parestesias dos membros inferiores. (art.19° Temas da Prova)
24. A medição da tensão arterial que foi feita na triagem e apresentava uma tensão arterial de 146 / 87. (art.20° Temas da Prova)
25. No primeiro atendimento com a autora, esta não relatou que havia feito uma operação ao crânio, situação que apenas foi relatada no relatório da TAC, com a referência a "Craniotomia fronto-pterional direita". (art.22° Temas da Prova)
26. No dia 2 de Novembro de 2011, pelas 05:00 horas, os filhos da Autora, que com ela residem, contactaram telefonicamente o pai e transmitiram-lhe que a mãe não se estava a sentir bem e que estava com novos sinais de perda de força, mas agora num braço. (art.23° Temas da Prova)
27- O ex-marido da Autora, com base nas indicações da 2.a Ré e a recente alta clínica, recomendou que a Autora descansasse. (art.24° Temas da Prova)
28. Já por volta das 08:45 horas, o ex-marido da Autora contactou a mesma, que o informa que continua muito combalida com a noite mal passada e com sintomas diversos, sobretudo de falta de força. (art.25° Temas da Prova)
29. Decorrida cerca de uma hora, um dos filhos da Autora contactou o pai, pedindo-lhe que este fosse buscar a mãe e a levasse ao hospital, pois esta tinha perdido os sentidos. (art.26° Temas da Prova)
30. A Autora perdeu os sentidos e, apesar de ter posteriormente voltado a si, mal conseguia falar e articular palavras e sons. (art.27° Temas da Prova)
31. A Autora estava prostrada no chão do seu quarto, sem capacidade motora do lado esquerdo do corpo, tendo urinado de forma não consciente. (art.28° Temas da Prova)
32. 0 ex-marido da Autora chamou de imediato o INEM, que a transportou para o Hospital de São José - Centro Hospitalar Lisboa Central (HSJ). (art.29° Temas da Prova)
33. A Autora deu entrada, em estado grave, no HSJ, entre as 12h e as 12h30 do dia 2 de Novembro de 2011, onde após a realização de diversos exames, foi diagnosticado à Autora um acidente vascular cerebral isquémico, muito extenso, estando a Autora, em risco de vida iminente. (art.30° Temas da Prova)
34. A Autora ficou internada nos Cuidados Intensivos do HSJ, tendo posteriormente sido transferida para a UVC (Unidade Vascular Cerebral) do mesmo Hospital. (art.31° Temas da Prova)
35. O estado de saúde da Autora foi-se agravando com perda gradual de consciência e sem actividade motora do lado esquerdo. (art.32 Temas da Prova)
36. Três dias depois do seu internamento, na madrugada do dia 6 de Novembro, pelas 02h00, a Autora foi operada de urgência à cabeça para reduzir a pressão intracraniana — procedimento considerado pelos médicos como um acto life-saving. (art.33° Temas da Prova)
37. Pelas 15h00 do dia 6 de Novembro, e já nos cuidados intensivos do Departamento de Neurocirurgia do HSJ, a família da Autora foi informada que a mesma se encontrava em estado muito grave, em coma, ventilada e que as possibilidades de recuperação eram diminutas, pois poderia sofrer morte cerebral ou ficar em coma, em estado vegetativo. (art.34° Temas da Prova)
38. A Autora esteve em coma durante 3 a 5 dias, revelando um score neurológico de 5 a 7. (art.35° Temas da Prova)
39.A Autora acabou por recuperar lentamente, tendo passado para a Unidade de Cuidados Intermédios do HSJ cerca de 15 dias depois. (art.36° Temas da Prova)
40. Posteriormente, a Autora foi transferida para a Enfermaria da referida Unidade. (art.37° Temas da Prova)
41. No dia 21 de Dezembro de 2011, a Autora voltou a ser operada para lhe ser recolocado o osso da cabeça. (art.38° Temas da Prova)
42. No dia 16 de Janeiro de 2012, a Autora ingressou no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão para recuperação, onde permaneceu até ao dia 2 de Março de 2012. (art.39° Temas da Prova)
43. No dia 2 de Março de 2012 a Autora foi transferida para a instituição LNostrum, que integra a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, onde permaneceu até ao dia 16 de Maio de 2012. (art.40° Temas da Prova)
44. No dia 17 de Maio de 2012 regressou novamente ao Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão para mais um internamento, de onde teve alta no dia 25 de Julho de 2012. (art.41° Temas da Prova)
45. A Autora (à data da entrada da petição inicial em juízo) encontra-se a residir em casa do ex-marido, por não dispor de condições de saúde e económicas para regressar a sua casa, o que pretende fazer a médio prazo. (art.42° Temas da Prova)
46. Para além dos sintomas referidos em G) são ainda sintomas de AVC a ter em consideração os seguintes:
(1) A dificuldade de movimentação, tonturas ou perda de coordenação;
(2) A perda de visão num olho ou em ambos;
(3) A dor de cabeça súbita e
(4) A perda de memória, confusão mental e dificuldades para executar
tarefas habituais.(art. 43° Temas da Prova)
47. Nas circunstâncias da autora e sintomatologia por esta apresentada na urgência do Hospital da X ..., não era previsível de acordo com os conhecimentos médicos actuais que esta viesse a degenerar num AVC. (art.47° Temas da Prova)
48. Face aos sintomas apresentados pela autora e de acordo com os conhecimentos médicos actuais a hipótese diagnóstica de enxaqueca oftálmica seria uma das possíveis. (art.48° Temas da Prova)
49. A autora era uma pessoa saudável, activa, sem antecedentes relevantes. (art.49° Temas da Prova)
50. A Autora tem dois filhos de 16 e 20 anos de idade, que com ela residiam antes do acidente, vivendo sozinha com os seus filhos, os quais dependiam dos seus cuidados, sendo ela que se ocupava da organização do lar, das refeições, da sua educação e acompanhamento. (art.50° Temas da Prova)
51. A Autora tem carta de condução e deslocava-se habitualmente de veículo automóvel, inclusivamente, conduzia diariamente a filha menor ao colégio. (art.51° Temas da Prova)
52. A Autora era activa profissionalmente, desempenhando as funções de Técnica de Vendas para a sociedade S ... — Agência de Viagens e Turismo, Lda.". (art.52° Temas da Prova)
53. A actividade profissional desenvolvida pela Autora abrangia as funções de escritora e redactora, na língua inglesa, de um portal na internet para aconselhamento de viagens e turismo em Portugal (lugares históricos, com história). (art.53° Temas da Prova)
54. A Autora auferia mensalmente a quantia ilíquida de € 1.500,00, conforme docs. de fls.52 a 57art.54° Temas da Prova)
55. Desde que sofreu o acidente vascular cerebral até presente data, a Autora tem tido fases de grande sofrimento. (art.55° Temas da Prova)
56. A Autora esteve internada desde o dia 2 de Novembro de 2011 até ao dia 25 de Julho de 2012. (art.56° Temas da Prova)
57. Esteve em coma durante 3 a 5 dias. (art.57° Temas da Prova)
58. Foi submetida a duas operações cirúrgicas (de remoção do osso do crânio para aliviar a pressão intracraniana e posterior recolocação do mesmo). (art.58° Temas da Prova)
59. Esteve internada na LNostrum durante 75 dias, uma instituição de cuidados integrados, onde se encontrava sujeita a um programa integrado de reabilitação, que inclui especialmente terapia ocupacional e motora. (art.59° Temas da Prova)
60. Os exercícios a que a Autora é submetida são extremamente dolorosos, sobretudo devido à paresia que a afecta do lado esquerdo do corpo. (art.60° Temas da Prova)
61. A referida paresia provoca, ainda, espasmos — contracções involuntárias de músculos - dolorosos. (art.61° Temas da Prova)
62. A Autora frequenta ainda sessões denominadas "Actividades da Vida Diária", cujo objectivo é que os pacientes reaprendam a executar as tarefas do dia-a-dia, tal como vestir-se, entrar e sair da banheira, entre outras. (art.62° Temas da Prova)
63. A sua recuperação aparenta alguma evolução, mas muito lenta na presente data (à data da entrada da petição inicial em juízo), sendo que a Autora apenas faz uns movimentos ténues com a perna esquerda e tem o braço esquerdo ainda paralisado. (art.63° Temas da Prova)
64. A autora já não vai conseguir recuperar qualquer tipo de movimento controlado sobre o braço esquerdo. (art.64° Temas da Prova)
65. A autora sofre actualmente de uma incapacidade permanente total de 76% sendo que o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica-grau foi fixado em 70,43 pontos; (art.65° Temas da Prova)
66. A dependência da Autora de terceiros no que concerne aos movimentos de deitar e levantar-se da cama era, por referência à data da entrada da petição inicial em juízo, praticamente total, o mesmo acontecendo no tocante à alimentação, pois necessita de auxílio para fazer as refeições. (art.66° Temas da Prova)
67. A Autora está a reaprender a vestir-se, já tendo conseguido efectuar esta tarefa em cerca de 20 minutos. (art.67° Temas da Prova)
68. A reaprendizagem desta tarefa sofreu, entretanto, um retrocesso, fazendo com que a Autora actualmente demore mais tempo nesta rotina, isto ocorre porque, após um AVC da dimensão do sofrido pela Autora, o processo de reaprendizagem revela extrema volatilidade, tendo de ser sistematicamente repetido. (art.68° Temas da Prova)
69. A capacidade de concentração da Autora na sequência do AVC ficou também limitada a um período de tempo não superior a 2-5 minutos. (art.68° Temas da Prova)
70. A capacidade da Autora lidar com stress ou pressão é nula, sendo que a capacidade de organização temporal e factual está também muito limitada. (art.70° Temas da Prova)
71. A Autora era (à data da entrada da petição inicial em juízo) ainda necessita de ajuda para se manter sentada. ( art.71° Temas da Prova)
72. A Autora tem consciência do estado em que se encontra, o que lhe causa muita revolta, tristeza e ansiedade, colocando-a num estado depressivo (art.72° Temas da Prova)
73. A Autora não sabe quando poderá regressar a casa e voltar a tomar conta dos seus filhos, uma vez que necessita de fazer fisioterapia intensiva tendo em conta o estado de dependência em que se encontra (à data da entrada da petição inicial em juízo). (art.73° Temas da Prova)
74. A Autora, a manter-se a evolução e estado anímico que a Autora tem demonstrado até agora, é possível que a mesma possa vir a ter capacidade de marcha em casa, com realização de algumas tarefas básicas, não sendo possível prever o período de tempo em que tal ocorrerá. (art.74° Temas da Prova)
75. Como consequência directa do AVC sofrido, a Autora já despendeu a quantia total de € 420,00 a saber:
· €150 - taxas moderadoras;
· €150 — transporte de ambulância;
· €120 — medicamentos Docs... (art.75° Temas da Prova)
76. E como consequência directa do sucedido, a Autora despendeu, no ano de 2012, a quantia total de € 4.536,04, correspondente a:
- € 240,00 — Tratamentos de fisioterapia na Clinica Fisiológica, Lda.;
- € 250,00 — Avaliação neuropsicológica e 5 sessões de treino cognitivo na PSIplural;
- € 1.702,98 — Equipamento adquirido para corresponder às necessidades especiais da Autora após o AVC sofrido, mais precisamente:
- Tapete de banheira anti-deslizante
- Pirâmide Tripé
- Cadeira de banho giratória em aço inox num total de €149,90, cfr. doc. de fls. 356.
- Urinol com adaptação para senhora
- Cadeira de banho rebatível
- Colchão inteiro com capa impermeável
- Cama articulada num total de €1.554,08.
- € 1.300,00 — Tratamentos de fisioterapia;
- €911,26 — Internamento na Unidade LNostrum.
- € 131,80 — Valor despendido em transporte de ambulâncias (€52,80 + €79,00). (art.76° Temas da Prova)
77. Também como consequência directa do sucedido, a Autora despendeu, no ano de 2013, a quantia total de € 3.246,78, correspondente a:
- € 627,43 — medicamentos;
- € 138,25 — Taxas moderadoras suportadas pela Autora aquando da sua deslocação a consultas ao Centro de Saúde da Alamede ou ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE;
- € 2.477,50 — Tratamentos de fisioterapia na Clinica Fisiológica, Lda.,
- €3,60 — Valor pendente de uma factura respeitante a equipamento adquirido à Neurowave. (art.77° Temas da Prova)
78. O internamento na LNostrum importou a quantia de €900,00. (art.78° Temas da Prova)
79. A Autora tem apenas noção de que necessita de continuar os seguintes cuidados de saúde:
- Fisioterapia de reabilitação (1h/dia, 22 dias/mês);
- Fisioterapia ocupacional (2h/dia, 3x/semana);
- Apoio psicológico (1-2h/semana). (art.79° Temas da Prova)
80. A Autora teve necessidade de contratar uma empregada doméstica, com horário alargado, indispensável para a auxiliar, quer nas suas tarefas pessoais, quer nas tarefas domésticas, porquanto, a mesma se encontra
totalmente incapacitada para sozinha levar a cabo a sua higiene pessoal, bem como as lides domésticas, designadamente, a compra de bens alimentares e a confecção de refeições (à data da entrada da petição inicial em juízo). (art.80° Temas da Prova)
81. Com efeito, desde que teve alta médica, a Autora já despendeu a quantia de €2.300,00, a saber:
- € 750,00 — Fisioterapia e neuropsicologia (ao domicílio);
- € 150,00 — Custo com pessoal encarregue de auxiliar a Autora na sua higiene diária (aos fins-de-semana).
- € 1.400,00 (€700,00 por mês) — Custo com empregada doméstica com horário das 08h30m às 18h00. (art.81° Temas da Prova)
82. Com fisioterapia, neuropsicologia, empregada doméstica e pessoal encarregue de auxiliar a autora na sua higiene diária e nos fins de semana a autora despenderá aproximadamente €: 1.600,00/mês. (art.82° Temas da Prova)
Factos Não Provados
Não se apurou que (com referência aos temas da prova):
- No dia referido em A) quando se apresentou naquele serviço de urgência por volta das 20:30 horas, a autora apresentava os seguintes sintomas:
a. Episódio de falta de força na perna esquerda, ocorrido meia hora antes, quando ainda se encontrava em casa;
b. Perda de visão no olho direito;
c.Cefaleia/dores muito fortes na cabeça e ao nível do pescoço, do lado direito; e
d. Ligeira perturbação na fala, com a fala arrastada e entaramelada. (art. 1° Temas da Prova)
- Na triagem a autora relatou pormenorizadamente todos estes sintomas. (art. 2° Temas da Prova)
- Quando foi observada pela segunda ré, a autora voltou a expor os sintomas referidos em 1). (art. 3° Temas da Prova)
- E a segunda ré mediu a tensão arterial da Autora, tendo a mesma registado os valores de 10 / 17. (art. 5° Temas da Prova)
- Enquanto aguardava pelo relatório da TAC, a Autora foi reencaminhada para a sala de espera do Hospital. (art. 7° Temas da Prova)
10°- O médico neurorradiologista do Hospital X ... demorou cerca de 60 minutos até ao Hospital X2 ... (art. 10° Temas da Prova)
12° - No entanto, a Autora sentia-se a piorar, o que transmitiu à 2.a Ré, informando-a que continuava a sentir fortes dores de cabeça que se estendiam ao nível do pescoço na zona da carótida e tinha sintomas de perda de visão, que a estavam a assustar e criar uma sensação de pânico. (art. 12° Temas da Prova)
15° - Em resposta, informou-a de que a mesma deveria sofrer de uma cefaleia/enxaqueca oftálmica, patologia muito desconfortável e que poderia durar um ou dois dias até passar. (art. 15° Temas da Prova)
21° - Enquanto esperava pelo resultado da TAC deslocou-se pelo seu próprio pé para o exterior das instalações da primeira ré para fumar e saiu das urgências das instalações da primeira ré do mesmo modo. (art. 21° Temas da Prova)
44° - Os sintomas apresentados pela Autora sugeriam, de acordo com os conhecimentos médicos actuais, fortemente, a possibilidade de um compromisso neurológico da artéria carótida interna direita com isquemia, mesmo transitória, do hemisfério direito e da retina. (art. 44° Temas da Prova)
45° - Os sintomas apresentados pela autora e considerando o referido em 44°) determinavam, de acordo com os conhecimentos médicos actuais a realização de um exame neurológico à Autora, nomeadamente, inspecção fisica, avaliação de força, análise de reflexos e/ou avaliação da coordenação e postura, bem como exame à urina e ao sangue, um eco-doppler da carótida e um eco-doppler cervical. (art. 45° Temas da Prova)
46° - Face à tensão arterial que a autora apresentava e, de acordo com os conhecimentos médicos actuais, a mesma devia ter sido submetida a terapêutica farmacológica para o seu controle. (art. 46° Temas da Prova)
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A Apelante impugna tal fixação relativamente aos factos não provados 1º, 2º, 3º, 12º, 15º, 44º e 45º e aos factos provados 23, 47 e 48.
Apreciando:
I
Provado que:
23. No dia 01/11/2011, aquando do atendimento na urgência, os sintomas da autora eram apenas:
a) Cefaleias;
b) Visão turva; e
c) Parestesias dos membros inferiores. (art.19° Temas da Prova)
Não provado que:
1° - No dia referido em A) quando se apresentou naquele serviço de urgência por volta das 20:30 horas, a autora apresentava os seguintes sintomas:
a. Episódio de falta de força na perna esquerda, ocorrido meia hora antes, quando ainda se encontrava em casa;
b. Perda de visão no olho direito;
c. Cefaleia/dores muito fortes na cabeça e ao nível do pescoço, do lado direito; e
d. Ligeira perturbação na fala, com a fala arrastada e entaramelada. (art. 1° Temas da Prova)
2° - Na triagem a autora relatou pormenorizadamente todos estes sintomas. (art. 2° Temas da Prova)
3° - Quando foi observada pela segunda ré, a autora voltou a expor os sintomas referidos em 1). (art. 3° Temas da Prova)
Estamos perante duas versões divergentes dos sintomas que a Autora terá transmitido à 2ª Ré aquando do seu atendimento no serviço de urgência da 1º Ré em que o tribunal terá dado acolhimento à versão apresentada pelas Rés, invocando o constante da documentação clínica pertinente e o testemunho do enfermeiro da triagem e da médica especialista que na urgência observou a Autora e desconsiderando o testemunho do ex-marido da Autora que a acompanhou àquela urgência.
Na sua alegação a Autora invoca a irrelevância dos testemunhos invocados para firmar a convicção do juiz, a credebilidade devida ao depoimento do ex-marido e dos filhos da Autora.
Integra as ‘leges artis’ do exercício da medicina (como foi expressivamente referido por todos os clínicos ouvidos na audiência de julgamento, designadamente A ... , B ... , C ... , D ... , E ... , F ...  e G ... ) a elaboração de registos clínicos, os quais têm como função, por um lado, fixar e permitir a circulação de informação sobre o transmitido, o observado e o ocorrido durante a prestação dos cuidados de saúde, bem como sobre a evolução do estado de saúde, e, por outro lado, habilitar a formular juízos sobre a adequação da prática médica levada a cabo.
Esses registos devem, segundo as expressões utilizadas por esses clínicos, ser precisos, completos, detalhados, específicos, congruentes (descrevendo fiel, detalhada e especificamente tudo quanto de relevante foi comunicado, observado ou realizado, permitindo vislumbrar os fundamentos e objectivos das decisões médicas que foram sendo tomadas).
As divergências surgem quanto ao grau de exigência no cumprimento desses citérios, pois que enquanto uns, admitindo que o grau de exigência seja menor em situações de maior pressão na intervenção como são as de urgência hospitalar, afirmam a necessidade de ainda assim satisfazer minimamente as apontadas características, outros, invocando a eficácia na gestão relativamente à repartição entre o ‘tempo de agir’ e o ‘tempo da burocracia’ afirmam ser habitual aligeirar na satisfação daquelas características, limitando-se a levar ao registo o mais relevante no contexto da intervenção ou mesmo registando apenas aquilo que está em desconformidade com os padrões de normalidade.
Nesse conspecto haverá de afirmar, sem qualquer hesitação, ser o entendimento do tribunal que os registos clínicos, ainda que possa haver alguma elasticidade na sua execução concreta em função do contexto em que são efectuados (sendo certo que, no caso, não foi sequer alegado que se verificasse qualquer situação de acumulação de serviço na urgência da 1ª Ré ou nos casos sob a responsabilidade da 2ª Ré), devem em qualquer circunstância satisfazer minimamente as apontadas características (precisão, completude, detalhe, especificidade e congruência); e que ainda que possa haver (designadamente por pressão das necessidades do serviço) uma tendência generalizada para não proceder nessa conformidade, levando a que, como referiu D ... , os registos clínicos mais parecam meros registos administrativos, o certo é que a generalização de uma má prática não transmuta essa má prática numa boa prática, ou, sequer, numa prática aceitável.
Tendo isso em conta, dir-se-á que, a prova essencial do ocorrido num episódio de urgência num hospital será o correspondente registo clínico, vislumbrando-se muito pouca probabilidade de sucesso na demonstração de factos que não constem de tais registos ou sejam contrários ao seu conteúdo.
Contudo a especial força probatória dos registos clínicos deixa de vigorar se se concluir que esses registos não satisfazem as suas características essenciais. Havendo evidência que os registos clínicos não estão elaborados segundo as exigências das ‘leges artis’ eles perdem aquela especial força probatória. E, no limite, na medida em que dificultem sobremaneira a capacidade de o interessado demonstrar a realidade dos factos, podem levar à inversão do ónus da prova, nos termos prescritos no art.º 344º, nº 2, do CCiv.
É o seguinte o teor do registo clínico da observação médica levada a cabo pela 1ª Ré:
Cefaleias, visão turva e parestesias dos MIs desde hoje à noite.
TA-146/87 mmHg; PR- 74 ppm; tt-36,3ºC
TAC ce normal
Melhorou com a Tx [que se indica ter sido MATAMIZOL, TIOCOLQUICOSIDO e DICLOFNAC] no SO
Destino da alta: Consulta externa (Sem observações)
Várias são as referências dos médicos ouvidos durante a audiência de julgamento no sentido de que tal registo clínico se mostrava desconforme com as regras que determinam o modo da sua elaboração.
A ...  (médico neurologista, perito do IML) refere que o registo é insuficiente quanto a cefaleias e visão turva porquanto as não caracteriza e que não refere ter sido efectuada auscultação embora não acredite que não tenha sido feita por ser procedimento de rotina; B ...  (médico neurologista e intensivista, coordenador de unidade do Hospital de S. José) refere ser o registo deficiente quanto à caracterização dos sintomas; C ...  (médico neurologista) refere que o registo é demasiado resumido, inespecífico e sem indicação de razões, bem como que não registar actos efectuados, ainda que rotineiros como auscultação cardíaca, é má prática. D ...  (cirurgião vascular) refere que o registo clínico é insuficiente na caracterização dos sintomas.
Por seu turno F ...  (médico neurologista) procurando evitar formular um juízo quanto à correcção do registo clínico acaba por deixar escapar que no caso se “simplificou”. G ...  (médico neurologista) começando por afirmar a regularidade do registo clínico acaba por reconhecer que este se apresenta menos específico do que aquele que foi realizado na observação por oftalmologista e que a referência a visão turva é inespecífica. Já H ... (médico neurologista) afirma a regularidade do registo clínico por estar em conformidade com a prática habitual no serviço de urgência onde se regista apenas o que sai fora dos padrões de normalidade, não se perdendo tempo a registar aquilo que está em conformidade com a normalidade.
No entanto são as declarações da 2ª Ré que explicitamente demonstram a desconformidade do registo clínico que efectuou com as correspondentes ‘leges artis’ (independentemente da credibilidade que tais declarações possam vir a alcançar na convicção do tribunal nessa parte elas sempre hão-de ter-se por declarações confessórias). Refere a 2ª Ré que leu o que estava escrito da triagem e perguntou à Autora se se queixava de mais alguma coisa, o que significa que os sintomas não lhe foram directamente transmitidos pela Autora mas sim que assumiu os que vinham descritos da triagem; a sintomatologia referida não foi directamente transmitida ao médico. Mais refere ter efectuado uma bateria de questões, ter observado o discurso, a deambulação e a orientação espácio/temporal, realizado exame cardiopulmonar e neurológico, sem que nenhuma referência a esses factos se encontre no referido registo.
Donde se conclui que o registo clínico do episódio de urgência em causa nos autos não se reveste das características impostas pelas ‘leges artis’ não gozando da especial força probatória que é atribuída aos registos clínicos regularmente elaborados.
E assim sendo importa examinar a globalidade do acervo probatório relevante quanto à divergência factual em causa: quais os sintomas que foram referidos e a quem foram referidos.
Nas suas declarações (que não obstante o interesse na causa se afiguram de acordo com a sua representação da objectividade dos factos sem qualquer intuito de os ‘ajeitar’ a favor da sua pretensão e, não obstante a patologia que sofreu, lúcidas) a Autora descreve que quando estava em vias de servir o jantar viu luzes a passar pelo olho direito, foi acometida por uma enorme dor de cabeça e do pescoço do lado direito e que deixou de sentir o chão por baixo do pé esquerdo; que tal foi uma sensação muito estranha de perda do controlo e conhecimento do corpo em função da qual ficou com muito medo e muito assustada; que foram esses os sintomas que referiu na triagem e que repetiu à médica, embora a descrição do que ocorreu na triagem e na observação médica seja genérica sem capacidade de detalhe.
Y ... , ex-marido da Autora que a acompanhou ao Hospital (incluindo a triagem e a observação médica) referiu no seu depoimento (manifestamente marcado pela preocupação em justificar o seu conselho omissivo a propósito do aparecimento de novo sintoma na madrugada seguinte e pela apreciação negativa que lhe havia sido transmitida por vários médicos sobre o que havia sido feito pelas Rés, mas que não elimina a sua credibilidade relativamente à descrição dos factos em causa) refere que a Autora se encontrava muito assustada com o que lhe estava a acontecer e afirmou na triagem, com fala empapada, que tinha uma dor que lhe estava a afectar o olho direito e a fazê-la perder a visão desse olho e que essa dor “vinha daqui”, percebendo-se que tal expressão foi acompanhada de um gesto, que a final do depoimento e a instância de um dos advogados se afirma ser indicador da zona do pescoço até ao olho do lado direito.
Os filhos da Autora em depoimentos que denotam pouca autonomia e experiência de vida perante situações complexas e de infortúnio como a dos autos e com pouca capacidade descritiva referem que aquela os chamou para jantar e na altura se queixou de falta de força na perna esquerda e que estava a ver coisas estranhas no olho direito, pedindo auxílio.
I ... (enfermeiro que procedeu à triagem) num depoimento inócuo quanto as factos em causa afirma que a triagem é feita em função de um fluxograma (de que já não tem memória em concreto por já não exercer nessa área há algum tempo) e com o intuito de determinar o grau de urgência no atendimento médico e que os dados que inseriu foram os que lhe foram comunicados e todos os que lhe foram comunicados; que não sabe precisar porque atribuiu à Autora o grau de urgente, mas possivelmente foi em função do grau de dor de 4, numa escala de 4/10.
O registo referente à triagem tem o seguinte teor:
Grau: Urgente; Destino: Sala de Sub-espera; Queixa: Doente refere episódio de cefaleias, visão turva e parestesias dos membros inferiores há cerca de 1 hora. TA – 146/87, FC-74.
Escala de Glasgow: 15
Temperatura: 36,3ºC.
Dor: 4
J ... , médica oftalmologista que examinou a Autora mais de três horas depois de esta ter dado entrada na urgência e quando já lhe haviam sido ministrados analgésicos afirma que lhe perguntou a razão da sua vinda à urgência e que esta lhe referiu aquilo que anotou no respectivo registo clínico: “refere sensação de visão turva, de escotomas cintilantes, com instalação de cefaleias hemicranianas e irradiação para o globo ocular esquerdo”.
Deste acervo probatório resulta que a Autora aponta como os sintomas que tinha a dor na cabeça e no pescoço, o ver luzes e o episódio de não sentir o chão por baixo do pé com a sensação de não ter controlo do corpo, afirmação de sintomas que, por um lado, é corroborada pelos que lhe estavam próximos – filhos que consigo residiam e ex-marido que acorreu para a transportar e acompanhar à urgência hospitalar -, e que é compatível com o que se veio a revelar com a evolução do seu estado de saúde. Sendo esses os sintomas que vinha a declarar é de esperar que os replicasse perante os profissionais de saúde que a atenderam; designadamente as dores, que são por natureza insusceptíveis de passar despercebidas.
Mas haverá também de ter em conta que a informação dos sintomas se processa através de um processo comunicacional intersubjectivo, susceptível de várias vicissitudes, designadamente as decorrentes da linguagem utilizada na descrição dos sintomas e da interpretação/compreensão subjectiva dos termos dessa descrição.
Daí que decorra das ‘leges artis’, como foi amplamente referido pelos médicos intervenientes na audiência de julgamento, que o médico ao iniciar a sua intervenção deve sempre fazer uma recolha directa do que são os sintomas do paciente, ainda que já haja no processo a indicação dos mesmos; recolha essa que não se basta com a simples anotação do que é transmitido mas exige uma atitude pro-activa de especificaçãos dos sintomas indicados e de interrogação de outros eventualmente, segundo o conhecimento clínico, correlacionados com os expressamente referidos.
Ademais haverá de atentar-se na diferença de objectivos entre a triagem e a observação médica; enquanto a primeira está destinada a estabelecer o nível de urgência, seguindo um fluxograma estandardizado a segunda visa a prestação de cuidados de saúde. É, pois, de esperar que o enfoque do receptor da informação seja diferenciado consoante a sua funcionalidade (designadamente, e por mera hipótese de raciocínio, que uma dor de cabeça com irradiação de ou para o pescoço e olho releve para efeito de triagem fundamentalmente para quantificação da intensidade da dor, e já não tanto quanto à sua específica localização, apresentando-se como suficiente a referência a cefaleias).
Ao limitar-se a perguntar à Autora se tinha algo mais a referir além do que já vinha da triagem esta terá assumido que era o que aí havia referido (porventura repetindo uma descrição sumária não pormenorizada ou com alguma omissão) e a 2ª Ré absteve-se de receber directamente a indicação dos sintomas e a sua pormenorização, escapando-lhe a afectação do pescoço no caso.
Relativamente à fala ‘arrastada e entaramelada’ não existe qualquer indício probatório (nem mesmo nas declarações da Autora) que suporte a verificação desse facto.
Em função do exposto entende-se ser de alterar o ponto 23 dos factos provados no seguinte sentido:
23 - No dia 01/11/2011 quando se apresentou naquele serviço de urgência por volta das 20:30 horas, a autora apresentava os seguintes sintomas:
a. Episódio de não sentir o chão debaixo do pé esquerdo e sensação de não controlar o seu corpo, ocorrido quando ainda se encontrava em casa;
b. Luzes a passar pelo olho direito;
c. Dores muito fortes na cabeça e no pescoço, do lado direito.
23-A - Na triagem a autora relatou todos estes sintomas.
23-B - Quando foi observada pela segunda ré esta perguntou-lhe se para além do que tinha referido na triagem tinha mais algum sintoma, tendo a autora afirmado a sua anuência ao que expusera na triagem.
II
Não provado que:
12° - No entanto, a Autora sentia-se a piorar, o que transmitiu à 2.a Ré, informando-a que continuava a sentir fortes dores de cabeça que se estendiam ao nível do pescoço na zona da carótida e tinha sintomas de perda de visão, que a estavam a assustar e criar uma sensação de pânico. (art. 12° Temas da Prova)
15° - Em resposta, informou-a de que a mesma deveria sofrer de uma cefaleia/enxaqueca oftálmica, patologia muito desconfortável e que poderia durar um ou dois dias até passar. (art. 15° Temas da Prova)
A Recorrente entende ter logrado a demonstração integral de tais factos e não apenas de que a Autora transmitiu à 2º Ré que mantinha cefaleias, como foi fixado pelo tribunal.
Desde logo não se nos afigura consistente com a existência de cefaleias a decisão de requisitar um exame oftalmológico; aí o mais adequado seria, parece-nos, um exame neurológico. Tendo optado por um exame oftalmológico é porque, necessariamente, se punha a hipótese de patologia nessa área. E isso mesmo é reconhecido pela 2ª Ré que no seu depoimento declarou que pediu a observação em oftalmologia para esclarecer a situação da visão turva, designadamente se havia alguma isquémia do fundo do olho. Ora se depois de comunicar a sua intenção de dar alta (facto provado 16) o médico sente necessidade de esclarecer a situação da visão turva isso só pode decorrer do facto de o doente ter afirmado a manutenção desse sintoma.
Relativamente ao diagnóstico o facto em causa refere-se a diagnóstico efectuado pela 2ª Ré e não pela médica oftalmologista pelo que a fundamentação oferecida pelo Mmº juiz a quo quanto a esse facto se mostra desajustada. E a efectivação desse diagnóstico (que agora se não assume por em função da evolução verificada surgir agora como infundado) resulta evidenciada das declarações da 2ª Ré em que afirmou ser a situação um ‘exemplo de livro’ de enxaqueca oftálmica (ao que acresce a corroboração de tal facto quer pela Autora quer por quem a acompanhava)
Em função do exposto entende-se ser de alterar os factos provados no seguinte sentido:
17. A autora comunicou à 2ª Ré que mantinha as dores de cabeça e as luzes a passar pelo olho direito.
20-A. A 2ª Ré comunicou à Autora que deveria sofrer de uma cefaleia/enxaqueca oftálmica.
III
Provado que:
47. Nas circunstâncias da autora e sintomatologia por esta apresentada na urgência do Hospital X ..., não era previsível de acordo com os conhecimentos médicos actuais que esta viesse a degenerar num AVC. (art.47° Temas da Prova)
48. Face aos sintomas apresentados pela autora e de acordo com os conhecimentos médicos actuais a hipótese diagnóstica de enxaqueca oftálmica seria uma das possíveis. (art.48° Temas da Prova)
Não provado que:
44° - Os sintomas apresentados pela Autora sugeriam, de acordo com os conhecimentos médicos actuais, fortemente, a possibilidade de um compromisso neurológico da artéria carótida interna direita com isquemia, mesmo transitória, do hemisfério direito e da retina. (art. 44° Temas da Prova)
45° - Os sintomas apresentados pela autora e considerando o referido em 44°) determinavam, de acordo com os conhecimentos médicos actuais a realização de um exame neurológico à Autora, nomeadamente, inspecção fisica, avaliação de força, análise de reflexos e/ou avaliação da coordenação e postura, bem como exame à urina e ao sangue, um eco-doppler da carótida e um eco-doppler cervical. (art. 45° Temas da Prova)
A Recorrente entende que não só ficou demonstrado o desacerto do diagnóstico como logrou provar (no limite de forma parcial) os pontos de facto que foram julgados não provados.
Respeitam os pontos de facto em causa ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, que constitui pressuposto da responsabilidade civil, sendo que relativamente a esse aspecto entende o tribunal (de acordo, aliás, com o que se lhe afigura constituir o entendimento adoptado no STJ[1]) que a apreciação da existência do nexo de causalidade é uma ‘questão de direito’ porquanto consiste numa interpretação e concretização do critério normativo estabelecido no artº 563º do CCiv, mas que ela se efectua com base nos elementos naturalísticos pertinentes cuja fixação constituiu ‘matéria de facto’; dito de outra forma, que a apreciação do nexo de causalidade do ponto de vista naturalístico se integra nas ‘questões de facto’ ao passo que a apreciação do nexo de causalidade do ponto de vista do nexo de imputação se integra nas ‘questões de direito’.
Daqui decorre a consideração da incorrecção da decisão da 1ª instância na parte agora em análise uma vez que, se por um lado se mostra insuficiente (na caracterização dos conhecimentos médicos actuais relativamente à dissecção carotídea e à enxaqueca oftálmica, que é um facto relevante) por outro se mostra excessiva (quando toma como matéria factual o juízo sobre a probabilidade de ocorrência de consequências ou o acerto de diagnóstico, que são juízos conclusivos a formular aquando da apreciação jurídica da causa). Incorrecção essa que deve ser corrigida, relegando para a apreciação do aspecto jurídico da causa o que a esta pertence, retirando o a tal pertinente do elenco factual, e introduzindo nesse mesmo elenco os elementos resultantes do acervo probatório produzido, que está na inteira disponibilidade deste tribunal, que caracterizam o ‘estado da arte’ relativamente às patologias envolvidas.
A caracterização dos conhecimentos médicos actuais no que concerne à dissecção carotídea e à enxaqueca oftálmica resultam bem evidenciados dos depoimentos (que consomem os pareceres técnicos previamente elaborados e juntos aos autos) prestados pelos diversos médicos (na sua maioria especialistas na área de neurologia).
Em função do exposto entende-se ser de alterar os factos provados no seguinte sentido:
47. A dissecção carotídea:
a. É uma condição médica evolutiva que avança em tempos diferentes em cada indivíduo não sendo frequentes défices focais extensos, mas estes quando ocorrem tendem a ser imparáveis;
b. É de ocorrência pouco frequente e de difícil diagnóstico numa 1ª abordagem dado que nessa altura é susceptível de apresentar um quadro clínico equívoco com sinais subtis;
c. Tanto pode ser assintomática (cerca de metade das ocorrências passam despercebidas) como pode ser catastrófica, sendo raro que venha a originar a instalação de um AVC;
d. Tem como sintomas mais comuns a síndrome de Horner (pálpebra superior descaída, constrição da pupila, transpiração diminuída), perda temporária de visão (amaurose fugaz), perda de força, perturbação na fala, dor no pescoço;
e. A terapêutica estabelecida consiste na administração de anti-coagulantes e/ou anti-agregantes e o controlo da tensão arterial;
f. Há equipas que recorrem, também, a intervenção cirúrgica (cateterismo) para remoção de coágulos ou recanalização da artéria (‘stent’), mas essa prática ainda não é consensual.
47.1.  A enxaqueca oftálmica (ou enxaqueca com aura visual):
a. É uma condição médica caracterizada por uma dor pulsátil na cabeça com perturbações visuais;
b. Não é acompanhada de perturbações motoras;
c. É normal a sua ligação a episódios anteriores;
d. Não é habitual que ocorra pela 1ª vez em pessoas com mais de 45 anos (apenas cerca de 10%).
48. Uma dor no pescoço deve levar o médico a hipotizar uma causa vascular, determinante da realização de uma observação neurológica sumária e, na inconclusividade desta, de um exame, urgente ainda que não imediato, por médico neurologista.
Termos em que se fixa o seguinte elenco factual (indicando a negrito as alterações introduzidas):
Factos Provados
1. No dia 01 de Novembro de 2011, a autora efectuou o registo no balcão de atendimento de urgências do primeiro réu com vista a ser assistida medicamente;
2. A autora foi sujeita ao sistema de triagem implantado pelo primeiro réu, tendo a sua situação sido qualificada como "urgente", após o que foi atendida pela médica que se encontrava de serviço às urgências, Sra. Dra. MM ...;
3. Neste atendimento a segunda ré questionou a autora sobre a sua história clínica e ainda se a autora tinha sofrido algum traumatismo ou queda que tivesse afectado a cabeça ou o pescoço, ao que a mesma respondeu negativamente;
4. De seguida, a segunda ré pediu a realização de uma tomografia axial computorizada (TAC);
5. Realizada a TAC foi expresso no respectivo relatório o seguinte: "Não se detectam lesões com carácter focal no parênquima encefálico. Não há lesões ocupando espaço nem colecções hemáticas intracranianas. Ausência de hidrocefalia. Sulcos e cisternas permeáveis. Não há sinusite nem otite. Craniotomia fronto- pterional direita.”;
6. O AVC caracteriza-se por um défice neurológico súbito, motivado por isquemia (deficiência de circulação arterial) ou hemorragia no cérebro, sendo que as primeiras três horas após o início dos sintomas de AVC são essenciais para o socorro do doente, tendo em conta que as hipóteses de recuperação de uma vítima de AVC aumentam tanto quanto mais rápida for a acção terapêutica (terapias anti trombóticas) e o internamente precoce dos doentes em unidades especializadas reduz a morbilidade e a mortalidade a curto e longo prazo;
7. Os sintomas ou sinais súbitos de alarme de um AVC são, como amplamente alertado por todas as entidades ligadas ao sector da saúde: (1) falta de força; (2) dificuldade em falar e (3) boca ao lado;
8. A segunda ré celebrou com a Axa Portugal-Companhia de Seguros, SA, contrato de seguro de responsabilidade civil profissional titulado pela apólice n°. 0000, constituída por boletim de adesão, condições especiais e condições gerais conforme teor respectivamente dos documentos de fls. 272 a 277, 282 a 283 e 286 a 31;
9. A segunda ré subscreveu adesão ao contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Médicos e a Axa Portugal-Companhia de Seguros, SA, titulada pela apólice n°. 0000-0, conforme teor dos documentos de fls. 278 a 311 que no mais se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
10. A primeira ré celebrou com a Império Bonança, actualmente Fidelidade-Companhia de Seguros, SA, contrato de Seguro, titulado pela apólice n°. 0000-00 respeitante à responsabilidade civil decorrente da exploração do Hospital X ... constituída designadamente por condições gerais e especiais conforme teor dos documentos de fls. 232 a 260 que no mais se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
11. A autora nasceu em … de Março de 1963;
12. Aquando do atendimento no Hospital X ... pela Ré MM ... e ao questionário da segunda ré, a autora esclareceu apenas, no que toca a doença pré existente, que sofria do Síndroma de Raynaud.
13. Segundo as informações prestadas à Autora, não estava no Hospital àquela hora nenhum neurologista /neurorradiologista, pelo que a TAC referida no ponto 4, foi realizada e ficou a aguardar a produção do relatório que seria elaborado por um médico que se encontrava no Hospital X2 ....
14. Decorrido algum tempo após a realização da TAC sem que fosse chamada e, considerando o mal-estar da Autora, o seu ex-marido, Eng. Y ... , dirigiu-se ao atendimento das urgências e perguntou pelo resultado/relatório da TAC.
15. Foi informado que o sistema informático do Hospital estaria sem funcionar e, como tal, o médico neurorradiologista viria pessoalmente do Hospital X2 ... até ao Hospital X … para analisar a referida TAC.
16. Depois de obter o relatório da TAC, a 2.a Ré analisou o mesmo e informou a Autora, e quem a acompanhava, que esta não aparentava nenhuma patologia e que os sintomas apresentados poderiam decorrer de um quadro psicossomático, pelo que iria dar-lhe alta clínica.
17. A A. comunicou à 2ª Ré que mantinha as dores de cabeça e as luzes a passar pelo olho direito;
18. Perante as queixas da Autora, a 2.' Ré decidiu chamar um oftalmologista.
19. A Autora foi então analisada por uma médica oftalmologista cerca de 30 minutos depois da chamada realizada, a qual procedeu a um exame oftálmico e analisou os olhos da Autora, utilizando equipamento próprio para o efeito, tendo questionado a Autora sobre se tinha sentido este tipo de sintomas no passado, tendo a resposta sido negativa.
20. Posteriormente, e antes de sair do Hospital, por ordem da 2.ª Ré, foi administrado à Autora analgésico pela via intravenosa e anti inflamatórios, para combater as dores de que se queixava.
20-A. A 2ª Ré comunicou à Autora que deveria sofrer de uma cefaleia/enxaqueca oftálmica.
21. Não lhe foi dada nenhuma recomendação de cuidados de seguimento ou de alerta, tendo sido expressamente deixado à consideração da Autora a opção de ir trabalhar no dia seguinte conforme se sentisse, tendo a segunda ré sugerido à autora para eventual investigação ‘a posteriori’ a agendamento de uma consulta externa com o neurologista.
22. A Autora recebeu alta clínica cerca das 00:00 horas de dia 02 de Novembro de 2011 sem qualquer medicação e apenas com indicação de repouso.
23. No dia 01/11/2011 quando se apresentou naquele serviço de urgência por volta das 20:30 horas, a autora relatou os seguintes sintomas:
a)Episódio de não sentir o chão debaixo do pé esquerdo e sensação de não controlar o seu corpo, ocorrido quando ainda se encontrava em casa;
b) Luzes a passar pelo olho direito;
c) Dores muito fortes na cabeça e no pescoço, do lado direito.
23-A. Na triagem a autora relatou todos estes sintomas.
23-B. Quando foi observada pela segunda ré esta perguntou-lhe se para além do que tinha referido na triagem tinha mais algum sintoma, tendo a autora afirmado a sua anuência ao que expusera na triagem.
24. A medição da tensão arterial que foi feita na triagem e apresentava uma tensão arterial de 146 / 87.
25. No primeiro atendimento com a autora, esta não relatou que havia feito uma operação ao crânio, situação que apenas foi relatada no relatório da TAC, com a referência a "Craniotomia fronto-pterional direita".
26. No dia 2 de Novembro de 2011, pelas 05:00 horas, os filhos da Autora, que com ela residem, contactaram telefonicamente o pai e transmitiram-lhe que a mãe não se estava a sentir bem e que estava com novos sinais de perda de força, mas agora num braço.
27. O ex-marido da Autora, com base nas indicações da 2.a Ré e a recente alta clínica, recomendou que a Autora descansasse.
28. Já por volta das 08:45 horas, o ex-marido da Autora contactou a mesma, que o informa que continua muito combalida com a noite mal passada e com sintomas diversos, sobretudo de falta de força.
29. Decorrida cerca de uma hora, um dos filhos da Autora contactou o pai, pedindo-lhe que este fosse buscar a mãe e a levasse ao hospital, pois esta tinha perdido os sentidos.
30. A Autora perdeu os sentidos e, apesar de ter posteriormente voltado a si, mal conseguia falar e articular palavras e sons.
31. A Autora estava prostrada no chão do seu quarto, sem capacidade motora do lado esquerdo do corpo, tendo urinado de forma não consciente.
32. 0 ex-marido da Autora chamou de imediato o INEM, que a transportou para o Hospital de São José - Centro Hospitalar Lisboa Central (HSJ).
33. A Autora deu entrada, em estado grave, no HSJ, entre as 12h e as 12h30 do dia 2 de Novembro de 2011, onde após a realização de diversos exames, foi diagnosticado à Autora um acidente vascular cerebral isquémico, muito extenso, estando a Autora, em risco de vida iminente.
34. A Autora ficou internada nos Cuidados Intensivos do HSJ, tendo posteriormente sido transferida para a UVC (Unidade Vascular Cerebral) do mesmo Hospital.
35. O estado de saúde da Autora foi-se agravando com perda gradual de consciência e sem actividade motora do lado esquerdo.
36. Três dias depois do seu internamento, na madrugada do dia 6 de Novembro, pelas 02h00, a Autora foi operada de urgência à cabeça para reduzir a pressão intracraniana — procedimento considerado pelos médicos como um acto life-saving.
37. Pelas 15h00 do dia 6 de Novembro, e já nos cuidados intensivos do Departamento de Neurocirurgia do HSJ, a família da Autora foi informada que a mesma se encontrava em estado muito grave, em coma, ventilada e que as possibilidades de recuperação eram diminutas, pois poderia sofrer morte cerebral ou ficar em coma, em estado vegetativo.
38. A Autora esteve em coma durante 3 a 5 dias, revelando um score neurológico de 5 a 7.
39. A Autora acabou por recuperar lentamente, tendo passado para a Unidade de Cuidados Intermédios do HSJ cerca de 15 dias depois.
40. Posteriormente, a Autora foi transferida para a Enfermaria da referida Unidade.
41. No dia 21 de Dezembro de 2011, a Autora voltou a ser operada para lhe ser recolocado o osso da cabeça.
42. No dia 16 de Janeiro de 2012, a Autora ingressou no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão para recuperação, onde permaneceu até ao dia 2 de Março de 2012.
43. No dia 2 de Março de 2012 a Autora foi transferida para a instituição LNostrum, que integra a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, onde permaneceu até ao dia 16 de Maio de 2012.
44. No dia 17 de Maio de 2012 regressou novamente ao Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão para mais um internamento, de onde teve alta no dia 25 de Julho de 2012.
45. A Autora (à data da entrada da petição inicial em juízo) encontra-se a residir em casa do ex-marido, por não dispor de condições de saúde e económicas para regressar a sua casa, o que pretende fazer a médio prazo.
46. Para além dos sintomas referidos em G)[2] são ainda sintomas de AVC a ter em consideração os seguintes:
a) A dificuldade de movimentação, tonturas ou perda de coordenação;
b) A perda de visão num olho ou em ambos;
c) A dor de cabeça súbita e
d) A perda de memória, confusão mental e dificuldades para executar tarefas habituais.
47. A dissecção carotídea:
a) É uma condição médica evolutiva que avança em tempos diferentes em cada indivíduo não sendo frequentes défices focais extensos, mas estes quando ocorrem tendem a ser imparáveis;
b) É de ocorrência pouco frequente e de difícil diagnóstico numa 1ª abordagem dado que nessa altura é susceptível de apresentar um quadro clínico equívoco com sinais subtis;
c) Tanto pode ser assintomática (cerca de metade das ocorrências passam despercebidas) como pode ser catastrófica, sendo raro que venha a originar a instalação de um AVC;
d)Tem como sintomas mais comuns a síndrome de Horner (pálpebra superior descaída, constrição da pupila, transpiração diminuída), perda temporária de visão (amaurose fugaz), perda de força, perturbação na fala, dor no pescoço;
e) A terapêutica estabelecida consiste na administração de anti-coagulantes e/ou anti-agregantes e o controlo da tensão arterial;
f) Há equipas que recorrem, também, a intervenção cirúrgica (cateterismo) para remoção de coágulos ou recanalização da artéria (‘stent’), mas essa prática ainda não é consensual.
47.1. A enxaqueca oftálmica (ou enxaqueca com aura visual):
a) É uma condição médica caracterizada por uma dor pulsátil na cabeça com perturbações visuais;
b) Não é acompanhada de perturbações motoras;
c) É normal a sua ligação a episódios anteriores;
d) Não é habitual que ocorra pela 1ª vez em pessoas com mais de 45 anos (apenas cerca de 10%).
48. Uma dor no pescoço deve levar o médico a hipotizar uma causa vascular, determinante da realização de uma observação neurológica sumária e, na inconclusividade desta, de um exame, urgente ainda que não imediato, por médico neurologista.
49. A autora era uma pessoa saudável, activa, sem antecedentes relevantes.
50. A Autora tem dois filhos de 16 e 20 anos de idade, que com ela residiam antes do acidente, vivendo sozinha com os seus filhos, os quais dependiam dos seus cuidados, sendo ela que se ocupava da organização do lar, das refeições, da sua educação e acompanhamento.
51. A Autora tem carta de condução e deslocava-se habitualmente de veículo automóvel, inclusivamente, conduzia diariamente a filha menor ao colégio.
52. A Autora era activa profissionalmente, desempenhando as funções de Técnica de Vendas para a sociedade S ... — Agência de Viagens e Turismo, Lda.".
53. A actividade profissional desenvolvida pela Autora abrangia as funções de escritora e redactora, na língua inglesa, de um portal na internet para aconselhamento de viagens e turismo em Portugal (lugares históricos, com história).
54. A Autora auferia mensalmente a quantia ilíquida de € 1.500,00, conforme docs. de fls.52 a 57.
55. Desde que sofreu o acidente vascular cerebral até presente data, a Autora tem tido fases de grande sofrimento.
56. A Autora esteve internada desde o dia 2 de Novembro de 2011 até ao dia 25 de Julho de 2012.
57. Esteve em coma durante 3 a 5 dias.
58. Foi submetida a duas operações cirúrgicas (de remoção do osso do crânio para aliviar a pressão intracraniana e posterior recolocação do mesmo).
59. Esteve internada na LNostrum durante 75 dias, uma instituição de cuidados integrados, onde se encontrava sujeita a um programa integrado de reabilitação, que inclui especialmente terapia ocupacional e motora.
60. Os exercícios a que a Autora é submetida são extremamente dolorosos, sobretudo devido à paresia que a afecta do lado esquerdo do corpo.
61. A referida paresia provoca, ainda, espasmos — contracções involuntárias de músculos - dolorosos.
62. A Autora frequenta ainda sessões denominadas "Actividades da Vida Diária", cujo objectivo é que os pacientes reaprendam a executar as tarefas do dia-a-dia, tal como vestir-se, entrar e sair da banheira, entre outras.
63. A sua recuperação aparenta alguma evolução, mas muito lenta na presente data (à data da entrada da petição inicial em juízo), sendo que a Autora apenas faz uns movimentos ténues com a perna esquerda e tem o braço esquerdo ainda paralisado.
64. A autora já não vai conseguir recuperar qualquer tipo de movimento controlado sobre o braço esquerdo.
65. A autora sofre actualmente de uma incapacidade permanente total de 76% sendo que o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica-grau foi fixado em 70,43 pontos;
66. A dependência da Autora de terceiros no que concerne aos movimentos de deitar e levantar-se da cama era, por referência à data da entrada da petição inicial em juízo, praticamente total, o mesmo acontecendo no tocante à alimentação, pois necessita de auxílio para fazer as refeições.
67. A Autora está a reaprender a vestir-se, já tendo conseguido efectuar esta tarefa em cerca de 20 minutos.
68. A reaprendizagem desta tarefa sofreu, entretanto, um retrocesso, fazendo com que a Autora actualmente demore mais tempo nesta rotina, isto ocorre porque, após um AVC da dimensão do sofrido pela Autora, o processo de reaprendizagem revela extrema volatilidade, tendo de ser sistematicamente repetido.
69. A capacidade de concentração da Autora na sequência do AVC ficou também limitada a um período de tempo não superior a 2-5 minutos.
70. A capacidade da Autora lidar com stress ou pressão é nula, sendo que a capacidade de organização temporal e factual está também muito limitada.
71. A Autora era (à data da entrada da petição inicial em juízo) ainda necessita de ajuda para se manter sentada. (
72. A Autora tem consciência do estado em que se encontra, o que lhe causa muita revolta, tristeza e ansiedade, colocando-a num estado depressivo
73. A Autora não sabe quando poderá regressar a casa e voltar a tomar conta dos seus filhos, uma vez que necessita de fazer fisioterapia intensiva tendo em conta o estado de dependência em que se encontra (à data da entrada da petição inicial em juízo).
74. A Autora, a manter-se a evolução e estado anímico que a Autora tem demonstrado até agora, é possível que a mesma possa vir a ter capacidade de marcha em casa, com realização de algumas tarefas básicas, não sendo possível prever o período de tempo em que tal ocorrerá.
75. Como consequência directa do AVC sofrido, a Autora já despendeu a quantia total de € 420,00 a saber:
- €150 - taxas moderadoras;
- €150 — transporte de ambulância;
- €120 — medicamentos.
76. E como consequência directa do sucedido, a Autora despendeu, no ano de 2012, a quantia total de € 4.536,04, correspondente a:
- € 240,00 — Tratamentos de fisioterapia na Clinica Fisiológica, Lda.;
- € 250,00 — Avaliação neuropsicológica e 5 sessões de treino cognitivo na PSIplural;
- € 1.702,98 — Equipamento adquirido para corresponder às necessidades especiais da Autora após o AVC sofrido, mais precisamente:
- Tapete de banheira anti-deslizante
- Pirâmide Tripé
- Cadeira de banho giratória em aço inox num total de €149,90, cfr. doc. de fls. 356.
- Urinol com adaptação para senhora
- Cadeira de banho rebatível
- Colchão inteiro com capa impermeável
- Cama articulada num total de €1.554,08.
- € 1.300,00 — Tratamentos de fisioterapia;
- €911,26 — Internamento na Unidade LNostrum.
- € 131,80 — Valor despendido em transporte de ambulâncias (€52,80 + €79,00).
77. Também como consequência directa do sucedido, a Autora despendeu, no ano de 2013, a quantia total de € 3.246,78, correspondente a:
- € 627,43 — medicamentos;
- € 138,25 — Taxas moderadoras suportadas pela Autora aquando da sua deslocação a consultas ao Centro de Saúde da Alamede ou ao Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE;
- € 2.477,50 — Tratamentos de fisioterapia na Clinica Fisiológica, Lda.,
- €3,60 — Valor pendente de uma factura respeitante a equipamento adquirido à Neurowave.
78. O internamento na LNostrum importou a quantia de €900,00.
79. A Autora tem apenas noção de que necessita de continuar os seguintes cuidados de saúde:
- Fisioterapia de reabilitação (1h/dia, 22 dias/mês);
- Fisioterapia ocupacional (2h/dia, 3x/semana);
- Apoio psicológico (1-2h/semana).
80. A Autora teve necessidade de contratar uma empregada doméstica, com horário alargado, indispensável para a auxiliar, quer nas suas tarefas pessoais, quer nas tarefas domésticas, porquanto, a mesma se encontra totalmente incapacitada para sozinha levar a cabo a sua higiene pessoal, bem como as lides domésticas, designadamente, a compra de bens alimentares e a confecção de refeições (à data da entrada da petição inicial em juízo).
81. Com efeito, desde que teve alta médica, a Autora já despendeu a quantia de €2.300,00, a saber:
- € 750,00 — Fisioterapia e neuropsicologia (ao domicílio);
- € 150,00 — Custo com pessoal encarregue de auxiliar a Autora na sua higiene diária (aos fins-de-semana).
- € 1.400,00 (€700,00 por mês) — Custo com empregada doméstica com horário das 08h30m às 18h00.
82. Com fisioterapia, neuropsicologia, empregada doméstica e pessoal encarregue de auxiliar a autora na sua higiene diária e nos fins de semana a autora despenderá aproximadamente €: 1.600,00/mês.
Factos Não Provados
Não se apurou(com referência aos temas da prova):
- No dia 01/11/2011, aquando do atendimento na urgência, os sintomas da autora eram apenas:
a) Cefaleias;
b) Visão turva;
c) Parestesias dos membros inferiores; e
d) Ligeira perturbação na fala, com a fala arrastada e entaramelada.
2° - [Eliminado]
3° - [Eliminado]
- E a segunda ré mediu a tensão arterial da Autora, tendo a mesma registado os valores de 10 / 17.
7° - Enquanto aguardava pelo relatório da TAC, a Autora foi reencaminhada para a sala de espera do Hospital.
10°- O médico neurorradiologista do Hospital X2 demorou cerca de 60 minutos até ao Hospital X ... .
12° - No entanto, a Autora sentia-se a piorar, o que transmitiu à 2.a Ré, informando-a que continuava a sentir fortes dores de cabeça que se estendiam ao nível do pescoço na zona da carótida e tinha sintomas de perda de visão, que a estavam a assustar e criar uma sensação de pânico.
15° - Em resposta, informou-a de que a mesma deveria sofrer de uma cefaleia/enxaqueca oftálmica, patologia muito desconfortável e que poderia durar um ou dois dias até passar.
21° - Enquanto esperava pelo resultado da TAC deslocou-se pelo seu próprio pé para o exterior das instalações da primeira ré para fumar e saiu das urgências das instalações da primeira ré do mesmo modo.
44° - Os sintomas apresentados pela Autora sugeriam, de acordo com os conhecimentos médicos actuais, fortemente, a possibilidade de um compromisso neurológico da artéria carótida interna direita com isquemia, mesmo transitória, do hemisfério direito e da retina.
45° - [Eliminado].
46° - Face à tensão arterial que a autora apresentava e, de acordo com os conhecimentos médicos actuais, a mesma devia ter sido submetida a terapêutica farmacológica para o seu controle.
IV – Fundamentos de Direito
Está em causa a responsabilidade civil das Rés pela prática de actos desconformes à ordem jurídica – actos ilícitos.
A responsabilidade civil delitual (extracontratual) da 2ª Ré decorrente da violação de direito de outrem ou de normas destinadas a proteger interesses alheios (art.º 483º do CCiv). Que no caso da actividade médica são, designadamente, o direito à vida, à dignidade e integridade pessoal (artigos 24º, 25º e 26º da Constituição e 70º do CCiv) e a obrigação de exercer a sua profissão de acordo com as ‘leges artis’ prestando os melhores cuidados ao seu alcance (art.º 144º do Estatuto da Ordem dos Médicos[3], artigos 2º, 4º e 5º do Código Deontológico[4] e art.º 150º, nº 1, do Código Penal).
E a responsabilidade civil contratual da 1ª Ré por deficiente cumprimento do contrato de prestação de serviços médicos que celebrou com a Autora (art.º 798º do CCiv). Desde logo a responsabilidade decorrente da actuação culposa dos seus auxiliares (no caso concreto a 2ª Ré) levada a cabo no cumprimento desse contrato. Mas também do incumprimento ou cumprimento defeituoso das demais obrigações que derivam desse contrato.
Com efeito a prestação de serviços médicos levada a cabo por entidades que se organizam enquanto estruturas empresariais (designadamente ‘hospitais’, ‘clínicas’, ‘centro médico’) não se esgota na angariação de médicos que pratiquem actos médicos com os seus clientes. Desse contrato resultam também obrigações (ainda que de intensidade variável em função da tipologia e dimensão das empresas) de criação, manutenção e desenvolvimento de uma organização e coordenação de meios (e.g., instalações, apetrechamento técnico, logística, organização de serviços e equipas, estrutura comunicacional, higiene e disposição de resíduos) tendentes à completude, eficiência e eficácia dos cuidados de saúde prestados.
Sobre tal problemática a doutrina e jurisprudência evidenciam alguma divergência de pontos de vista, necessárias em processos de ajustamento da legislação vigente às novas realidades que o devir social vai criando (como é a problemática da responsabilidade médica, ou, numa perspectiva mais alargada, das profissões ou actividades de grande especificidade ou complexidade técnica que, no entanto, não logram afastar um relevante grau de incerteza – e.g., médicos, advogados, engenheiros, veterinários, contabilistas, intermediários financeiros), pelo que importa desde já explicitar, ainda que sucintamente (e sem pretensão de abarcar exaustivamente todas as problemáticas envolvidas), qual o entendimento que o tribunal adopta por o considerar aquele que melhor compagina as disposições legais vigentes com as necessidades da administração da justiça e uma equilibrada ponderação dos direitos e interesses envolvidos.
Como pressupostos da responsabilidade civil temos a imputação da culpa e a imputação do nexo de causalidade.
A imputação da culpa consiste na formulação de um juízo de censura ético-jurídico por o agente, ao praticar o acto ilícito, não ter adoptado o comportamento devido, quer de forma intencional por pretender, aceitar ou conformar-se com o comportamento adoptado (dolo), quer de forma não intencional por não haver vontade ou conhecimento de realização do evento ilícito, omissão da exigência ou cuidado devidos no caso (negligência). Sendo que na negligência haverá de ter em conta que, apesar de imbrincadas, a negligência apresenta duas faces autónomas: a) o cuidado exterior – a adopção de uma conduta conforme a determinadas normas de comportamento que se destinam a conformar a actividade respectiva dentro de padrões qualitativos, a fim de evitar a concretização de riscos para os bens jurídicos, para os direitos ou os interesses de outrem, cuja violação se revela objectivamente pela desconformidade entre a conduta devida e a conduta realizada; b) o cuidado interior – atitude diligente alimentada subjectivamente pelo agente e orientada para o cuidado exterior; que será violado quando se revelar por parte do agente uma atitude interior de descuido ou de leviandade que fundamente o seu facto[5].
Na responsabilidade contratual a culpa presume-se (art.º 799º do CCiv), competindo ao devedor a demonstração de que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. No entanto haverá que diferenciar o alcance dessa presunção de culpa consoante estejamos em presença de obrigações de resultado ou obrigações de meios.
Nas obrigações de resultado – nas quais o devedor promete um determinado resultado – a presunção de culpa tem um alcance de ‘presunção de responsabilidade’ pois que tenderá a abranger para além da censurabilidade pessoal da conduta do devedor a existência de um comportamento faltoso do mesmo (cuidado exterior e cuidado interior), englobando uma presunção de ilicitude. Daí que ao autor apenas se exija que demonstre a fonte da obrigação e alegue o incumprimento, ficando a cargo do réu o ónus da prova de que cumpriu ou se o não fez tal situação não procede de culpa sua.
Já nas obrigações de meios - nas quais o devedor promete desenvolver actividade ou conduta diligente que, geralmente, são de molde a trazer um resultado, que é o pretendido para satisfação do interesse primário do credor – a presunção de culpa tem um alcance mais limitado pois se refere estritamente à censurabilidade pessoal da culpa do agente (cuidado interior), caindo a existência do comportamento faltoso do devedor (cuidado exterior) no domínio da ilicitude, cuja demonstração continua a caber ao lesado. Atendendo, no entanto às significativas assimetrias de conhecimento e informação entre lesado e lesante, e sob pena de violação do princípio da tutela judicial efectiva (art.º 20º da Constituição), o estalão da prova da ilicitude basta-se com uma prova de primeira aparência (‘res ipsa loquitur’), ou seja, que demonstre a desconformidade da prestação recebida em relação ao modelo normalmente realizado por uma conduta com base na diligência devida; que a conduta do devedor não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis, em abstracto, de virem a propiciar a produção do resultado almejado[6] [7].
Na responsabilidade delitual a regra é a de que compete ao lesado a prova dos factos constitutivos da obrigação de indemnização, e consequentemente fazer a demonstração do facto ilícito culposo (artigos 442º e 487º do CCiv), embora, porque também aqui igualmente se verificam significativas assimetrias de conhecimento e informação entre lesado e lesante, o estalão da prova se mantenha ao nível da prova de primeira aparência.
A imputação de nexo de causalidade consiste num juízo de adequação entre o facto ilícito e os danos por ele originados, com repercussão na delimitação da indemnização.
O art.º 563º do CCiv estabelece o nexo de causalidade como pressuposto da responsabilidade civil e baliza os termos em que esse juízo deverá ser levado a cabo num equilíbrio entre os interesses do lesado e do responsável: protege-se este último na afirmação de que não responde por condutas que, embora ilícitas e culposas, não causam dano (afastando, por princípio, a relevância positiva da causalidade virtual); protege-se o lesado arredando a necessidade da absoluta confirmação do decurso causal facultando a indemnização perante meras probabilidades. Mas para além disso não adopta ou impõe nenhuma das teorias relativas a tal problemática, deixando para a doutrina e a jurisprudência o estabelecimento dos termos mais adequados a uma correcta aferição do nexo de causalidade.
Não obstante encontra-se na jurisprudência a recorrente afirmação de que tal normativo consagra a teoria da causalidade adequada, afirmação essa que se nos afigura ser mais uma ‘cobertura linguística’ uma vez que na aplicação em concreto dessa teoria se vislumbram exploradas diversas perspectivas que extravasam os estritos limites daquela teoria. E isso porque nenhuma das teorias avançadas sobre o nexo de causalidade o explica integralmente, deixando sempre áreas não cobertas ou não suficientemente definidas. Elas podem dar indicações úteis quanto a critérios orientadores, mas o juízo de causalidade haverá sempre de ser de elaboração dinâmica, tópica e casuística.
Como linhas básicas da imputação do nexo de causalidade haverá:
a) de ter em conta que não se está no domínio da causalidade meramente naturalística mas antes perante uma causalidade normativa;
b) de partir-se da posição da teoria da ‘conditio sine qua non’ (tem-se como causa todo e qualquer evento que a não ter ocorrido levaria à inexistência do dano, mostrando-se de todo indiferente para a produção do dano), sem, no entanto, perder de vista a possibilidade de excepções à mesma[8];
c) de verificar se nas condições existentes era compaginável para uma pessoa normal (pessoa social integrada no meio onde o problema se ponha), colocada na situação de agente, que a conduta deste teria como resultado possível a produção do dano;
d) ou se tal conduta foi provocada pelo agente, para obter o seu fim;
e) de ter-se em consideração o âmbito de protecção pretendido pela norma violada[9].
Decorre do conceito de causa que o mesmo dano pode decorrer de mais do que uma causa, o que levanta a problemática do concurso de causas: efectivo (o mesmo dano é imputado a duas ou mais causas) ou virtual (o dano é imputado a uma causa sendo certo que a esta não ter existido, o dano ocorreria na mesma, sendo então imputado a causa diferente; a adequação de um facto a provocar determinado dano é interrompida porque, entretanto, um outro facto, autónomo do primeiro, porque não sua consequência adequada, e independentemente dele, produziu, ou viria a produzir, o mesmo resultado danoso).
O concurso efectivo é genericamente resolvido através da responsabilidade colectiva solidária (artigos 490º e 497º do CCiv).
O concurso virtual não constitui fundamento de uma obrigação de indemnização (irrelevância positiva da causa virtual) devendo considerar-se o dano como consequência do facto interruptivo, sem prejuízo de o autor da causa virtual estar obrigado a reparar o ‘efeito parcial’ porventura produzido, de que o seu facto foi, na verdade, causa real[10]. Excepcionalmente o autor da causa real pode exonerar-se da obrigação de indemnização (relevância negativa da causa virtual) invocando a causa virtual que produziria o mesmo efeito (e.g, artigos 491º, 492º, nº 1, 493º, nº 1 e 807º, nº 2, do CCiv).
Volvamos agora a atenção para o caso dos autos.
A 2ª Ré ao prescindir de recolher directamente os sintomas apresentados pela Autora, limitando-se antes a assumir a descrição em termos técnicos dos mesmos constantes da triagem (facto provado 23-B) não agiu em consonância com as ‘leges artis’ que conformam a sua profissão (que, conforme já acima referido, determinam dever o médico colher directamente do paciente a descrição dos sintomas que apresenta tendo em vista formular a hipótese diagnóstica) assim violando o dever geral de diligência e cuidado a que se encontra sujeito o exercício da actividade médica.
Uma nota expressa para afirmar a não existência de contradição entre o facto provado 23-B e o facto provado 3 uma vez que se entende – e foi nesse entendimento que na apreciação da matéria de facto não se alterou a redacção de tal facto – que o interrogatório sobre a história clínica e as perguntas sobre traumatismo foram feitos em termos gerais quanto à primeira (se tinha tido situações clínicas anteriores) e em busca de alguma causa da cefaleia indicada na descrição da triagem quanto às segundas, sempre no pressuposto da assunção da descrição da triagem e não em busca inicial, descomprometida, ‘in albis’ e em comunicação directa, da sintomatologia presente.
Não só a recolha directa dos sintomas apresentados pelo paciente é actividade que era exigida à 2ª Ré como a mesma se mostra capaz de a levar a cabo e não demonstrou, nem sequer alegou, qualquer circunstância tendente a justificar ou desculpabilizar tal atitude. A sua atitude mostra-se, assim, susceptível de um juízo de censurabilidade a título de culpa.
Temos, pois, por adquirido que a Autora logrou demonstrar, como lhe competia, a verificação de um comportamento ilícito e culposo por banda da 2ª Ré.
Com essa atitude a mesma 2ª Ré deu início a um processo causal susceptível de conduzir à situação em que a Autora se veio a ver colocada.
Ao não proceder a uma indagação directa da sintomatologia apresentada, antes assumindo a descrição que da mesma vinha efectuada da triagem, a 2ª Ré impossibilitou a oportunidade de constatar que a dor sentida pela Autora tinha uma localização mais extensa do que cefaleia, abrangendo também o pescoço, e de que o episódio descrito como parestesia (formigueiro), era antes um não sentir o chão debaixo do pé e o não ter controlo sobre o corpo, que pode abarcar uma falta de sensibilidade ou força indiciadora de um défice neurológico (cf. facto provado 23); o não se ter apercebido desses sintomas deu azo a que na hipótese diagnóstica não considerasse a possibilidade de situações clínicas que poderiam ser indiciadas por aqueles sintomas, designadamente um compromisso vascular por acidente isquémico (cf. facto provado 48); não desenvolvendo investigação nesse sentido comprometeu a possibilidade de diagnóstico da condição que afectava a Autora e a correspondente oportunidade de intervenção terapêutica, tendente a evitar a instalação do AVC com os extensos compromissos neurológicos que se vieram a verificar.
Sendo essa sequência causal prognosticável, segundo padrões de experiência comum, pela generalidade das pessoas medianamente atentas e informadas e em particular por qualquer médico.
E manifestamente contida dentro do contexto de protecção visado com o referido dever geral de diligência e cuidado imposto à profissão médica.
Pelo que se conclui pela imputação de causalidade entre a conduta e o dano verificado.
No entanto, resulta da matéria de facto apurada que esse nexo causal foi interrompido.
Com efeito, se é certo que a conduta ilícita e culposa da 2ª Ré, iniciou um processo causal adequado à produção do resultado verificado, não é menos certo que a oportunidade terapêutica se logrou definitivamente não com a conduta da 2ª Ré mas sim com a conduta da Autora.
A conduta da 2ª Ré afastou a possibilidade de detecção precoce de uma situação de compromisso vascular, que sempre seria (quer pela subtileza dos sinais, quer pelas qualificações da 2ª Ré – cf. facto provado 47) de difícil detecção, mas não fechou definitivamente, a janela de oportunidade terapêutica para esse tipo de situações (3 horas após a manifestação dos primeiros compromissos neurológicos – cf. facto provado 6). O encerramento definitivo dessa ‘janela de oportunidade’ ficou a dever-se ao facto de a Autora (partindo do princípio de que ainda se encontrava no seu juízo perfeito; caso contrário, de quem lhe prestava auxílio) quando acometida de genérico (e não apenas para profissionais de saúde) e inequívoco (e não já subtil) sinal focal de compromisso neurológico, como foi a perda de força num braço (cf. facto provado 26) optou por permanecer na sua residência sem procurar obter acompanhamento médico[11].
Nesse circunstancialismo não pode deixar de se considerar essa omissão como a causa operante da subsequente instalação de AVC e das consequências do mesmo adveniente, interruptiva do nexo causal resultante da conduta da 2ª Ré, a quem por tal circunstância apenas resta imputada a causalidade pela perda da ‘janela terapêutica’ que se abrira com o episódio de urgência anteriormente verificado, nisso mesmo consistindo o dano imputável à sua conduta.
O que se reconduz a uma típica situação de perda de chance: tivesse a 2ª Ré actuado em conformidade com as ‘leges artis’ e teria sido possível detectar o compromisso vascular que a Autora estava a desenvolver e levar a cabo a respectiva terapêutica numa fase precoce; e sem perder de vista o carácter aleatório dessa terapêutica, ou seja, que não é garantido que a sua aplicação evitasse a instalação de um AVC e/ou a extensão das suas consequências vislumbra-se como sério, consistente e com razoável grau de probabilidade o sucesso, ainda que parcial, da mesma – cf. facto provado 47[12].
Dada a especificidade desse tipo de dano o cálculo da respectiva indemnização afigura-se sempre problemático face aos parâmetros da ‘teoria da diferença’ para a qual remete o art,º 566º, nº 2, do CCiv em virtude da incerteza subjacente à factualidade relevante, pelo que haverá de recorrer a critérios de equidade (nos termos do nº 3 do mesmo artigo).
Deverá, no entanto, procurar-se algum arrimo em elementos objectiváveis, designadamente o valor do estado em que o lesado se encontra em função da frustração do resultado final pretendido – no caso os danos sofridos em função das limitações decorrentes dos compromissos neurológicos advenientes do AVC que se instalou (cf. factos provados 49 a 82) –, a consistência das possibilidades de alcançar o resultado final pretendido – que no caso, em função do estado actual do conhecimento médico espelhado no facto provados 6 e 47, se nos afigura sólida – e na extensão da relevância da intervenção falhada na globalidade do processo causal – que se entende ser de quantificar em 10%.
E correlacionando tais elementos objectiváveis temos por equitativo fixar o montante indemnizatório devido pela 2ª Ré em 45.000,00 €.
Incidindo, desde já e sem prejuízo do disposto no nº 4 do art.º 829º-A do CCiv, sobre esse montante juros de mora legais desde a citação até integral pagamento, nos termos do art.º 805º, nº 1, do CCiv (nada mais tendo sido pedido, designadamente juros moratórios desde o facto ilícito conforme a al. b) do nº 2 desse mesmo artigo).
A 2ª Ré actuou no âmbito da prestação de cuidados de saúde, designadamente atendimento de urgência, por parte da 1ª Ré, no estabelecimento hospitalar por esta explorado; ou seja, actuou como auxiliar desta no desenvolvimento da sua actividade empresarial. Nessa conformidade a 1ª Ré é responsável pela actuação da 2ª Ré como se tivesse sido ela própria a agir (art.º 800º do CCiv), daí decorrendo evidente o deficiente cumprimento da sua obrigação de prestação de cuidados de saúde, presumivelmente culposo uma vez que nada foi demonstrado (sequer alegado) no sentido de elidir tal presunção, bem como a sua correspondente obrigação de indemnizar pelo prejuízo causado à Autora (que no caso é idêntico ao dano causado pela 2ª Ré)[13].
Se é certo que estamos perante duas distintas e autónomas obrigações de indemnização (a da 2ª Ré decorrente de responsabilidade delitual por violação de normas de protecção, a da 1ª Ré decorrente de responsabilidade contratual decorrente de deficiente cumprimento de contrato de prestação de serviço médico), e consequentemente não estamos perante obrigações plurais (aquelas cuja titularidade radica numa pluralidade de sujeitos), encontrando-se afastada a problemática do regime dessa contitularidade (conjunção/solidariedade), não é menos certo que há identidade da prestação devida porquanto tem como finalidade a reparação do mesmo dano.
Atendendo a essa comunhão de fim das prestações e ainda à ideia geral de favorecimento da vítima ínsita a todo o regime da responsabilidade civil, por um lado, e ao princípio da proibição do enriquecimento sem causa (que afasta a possibilidade de a Autora vir a ser indemnizada por duas vezes relativamente ao mesmo dano) por outro lado, afigura-se-nos justificar-se, por presentes os respectivos fundamentos e por ser a solução que mais equilibradamente defende os interesses das partes envolvidas, quer por aplicação analógica do disposto nos artigos 497º, nº 1, e 507º, nº 1, do CCiv, quer por presumida vontade das partes (artigos 513º e 239º do CCiv) sujeitar as prestações indemnizatórias em causa ao regime da solidariedade.
A Autora é estranha aos contratos de seguros celebrados entre as Rés e as seguradoras intervenientes. No seguro de responsabilidade civil o segurador cobre o risco de constituição no património do segurado de uma obrigação de indemnizar terceiros (art.º 137º da Lei do Contrato de Seguro - LCS), não podendo o lesado demandar directamente a seguradora; só assim não será no caso de se tratar de seguro obrigatório, de tal estar convencionado no contrato ou no caso de o lesado, na sequência de informação do segurado, inicie negociações directas com a seguradora (artigos 140º e 146º da LCS), não havendo nos autos qualquer indício da verificação de tais circunstâncias. À seguradora assiste, porém, o direito de intervir no processo judicial em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco tenha assumido (art.º 140º da LCS), com o corolário de ficar vinculada pela sentença que no caso recair (art.º 328º do anterior CPC e art.º 320º do vigente CPC).
As custas da acção haverão de ficar a cabo de quem a elas deu causa, em função do respectivo decaimento.
No entanto os custos decorrentes da intervenção das seguradoras correm por conta destas (art.º 140º da LCS).
Atento o valor da acção é desde já manifesto que o valor do remanescente da taxa de justiça atingirá um valor elevado a justificar que desde já a formulação de um juízo de desproporcionalidade, pelo que se impõe a sua redução a fim de o conter dentro de limites de proporcionalidade.
V – Decisão
Termos em que, na parcial procedência da apelação, se revoga a decisão recorrida e, em substituição, se decide:
- condenar as Rés a pagarem, solidariamente, à Autora a quantia de 45.000,00 € (quarente e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
- declarar que o aqui decidido quanto à existência e conteúdo da obrigação de indemnização de cada uma das Rés vincula as seguradoras Intervenientes.
Custas:
- da acção e do recurso, na proporção de 10% pelas Rés e 90% pela Autora, reduzindo-se o remanescente (global) da taxa de justiça a 5.000 € (cinco mil euros);
- da intervenção das seguradoras, por cada uma delas.

Lisboa,
Rijo Ferreira
Afonso Henrique
Rosário Gonçalves
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[1] - Cf. acórdãos do STJ de 02DEZ2008 (proc. 3505/08), 09JUL2014 (proc. 5395/08.5TBLRA.C1.S1) e 15SET2016 (proc. 207/09.5TBVLP.G1.S1).
[2] - Leia-se ´no ponto 7.’ (‘G)’ era a correspondente alínea do elenco dos factos provados elaborado na audiência preparatória):
[3] - Aprovado pela Lei 117/2015, 31AGO.
[4] - Aprovado pelo Regulamento 707/2016 (Diário da República, II, 21JUL2016, pg. 22575).
[5] - Cf. Ricardo Lucas Ribeiro, Obrigações de Meios e Obrigações de Resultados, 2010, Coimbra Editora, pgs. 125-129.
[6] - Cf. Ricardo Lucas Ribeiro, op. cit., pgs. 110-117 e 129-131.
[7] - Cf. a intervenção do Conselheiro Tomé Gomes, subordinada ao tema ‘Ónus da Prova dos Pressupostos da Responsabilidade Civil Profissional’ no colóquio do STJ sobre ‘Questões Actuais de Responsabilidade Civil’ realizado em 12DEZ2019, acessível em https://educast.fccn.pt/vod/clips/2mgm38lrzj/streaming.html?locale=pt.
[8] - como será o caso da ‘causalidade alternativa’ referida em Patrícia Costa, Causalidade Alternativa e a Jurisprudência dos Tribunais Superiores – ou ‘Três Caçadores entram num Bar…’, in e-book do CEJ ‘Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil’, 2018.
[9] - Cf. Menezes Cordeiro, ‘Tratado de Direito Civil Português, vol. II, Das Obrigações, Tomo III, 2010, pg. 531-550.
[10] - Cf. Almeida Costa, ‘Direito das Obrigações’, 9ª ed., 2005, pg.713.
[11] - ainda que se entendesse não ocorrer interrupção do nexo causal sempre haveria de concluir-se por intensa culpa do lesado, a levar ao mesmo resultado indemnizatório.
[12] - Cf. Rute Teixeira Pedro, Reflexões sobre a noção de Perda de Chance à luz da Jurisprudência, in e-book do CEJ ‘Novos Olhares sobre a Responsabilidade Civil’, 2018.
[13] - Quanto à possibilidade de accionar em simultâneo pelos dois tipos de responsabilidade, embora na perspectiva de identidade de lesante, cf. Rui Torres Vouga, Responsabilidade Civil Profissional, e-book, CEJ, 2017, pg. 69, ss.