Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
204/20.0T8ALM-C.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: SUSPEIÇÃO
EXTEMPORANEIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: SUSPEIÇÃO – ART. 120.º CPC
Decisão: NÃO CONHECIMENTO - EXTEMPORANEIDADE
Sumário: O incidente de suspeição deve ser deduzido desde o dia em que, depois de o juiz ter despachado ou intervindo no processo, nos termos do artigo 119.º, n.º 2, do CPC, a parte for citada ou notificada para qualquer termo ou intervier em algum ato do processo, sendo que, o réu citado pode deduzir a suspeição no mesmo prazo que lhe é concedido para a defesa – cfr. artigo 121.º, n.º 1, do CPC.
O fundamento de suspeição pode, contudo, ser superveniente, devendo a parte denunciar o facto logo que tenha conhecimento dele, sob pena de não poder, mais tarde, arguir a suspeição – cfr. artigo 121.º, n.º 3, do CPC.
Pela regra geral sobre os prazos, o prazo para deduzir o incidente de suspeição é de 10 dias, conforme ao estatuído no artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
O prazo de 10 dias para suscitar a suspeição, conta-se a partir do conhecimento do alegado facto que a fundamenta.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: “A”, embargante nos autos, veio, por requerimento apresentado em 20-02-2024, apresentar incidente de suspeição relativamente à Sra. Juíza “B”.
Para tanto, invocou, em síntese, que a Sra. Juíza “mostrou-se – sobretudo, a partir do momento da apresentação do requerimento da ref. 31062850, de 09.12.2021, que foi de junção de documentos dos embargos - orientada, em tudo e de modo consciente, para decisões contra a verdade dos fatos documentados nos autos e contra o direito, que, além de beneficiadoras da parte contrária, se mostraram afrontosas para o embargante”, mais referindo que, “ [n]a situação referida (…), o embargante incumbiu o mandatário signatário de apresentar, contra a juíza visada, denúncia, pelos fatos, ao Conselho Superior da Magistratura. Sendo que, em obediência ao disposto no artº 96º do Estatuto da Ordem dos Advogados, o signatário remeteu, à visada, sob o registo nº (…) de 23/01/2023, a carta de 23.01.2023, anexa como Doc. 1, aqui dado por reproduzido, que foi de comunicação justificada da aceitação da dita incumbência.
E, no dia 07.02.2023, o mesmo mandatário remeteu, ao Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura, participação contra si, com a data de 07.02.2023 e que anexa como Doc. 2, aqui dado por
reproduzido, em vista à verificação/instauração de eventual(ais) procedimento(s) disciplinar e/ou criminal.
3. Não conhecendo, embora, as relações entre as pessoas envolvidas, os fatos dos Docs 1 e 2 lhe deixaram a impressão de que os indicados comportamentos da visada estavam orientados, nomeadamente, para o favorecimento do embargado, em detrimento do embargante, a quem parecia imposta, contra a lei, a resignação, nos termos, indicados pelos Docs 3 a 6, que aqui dá por reproduzidos. Derivando, de tudo isso, ilícitos disciplinares e/ou criminais e, assim, motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade (artº 120 nº 1 CPC), além de que, ao abrigo do artº 120º nº 2 CPC, a dita participação ao Conselho Superior da Magistratura se integrar em causas criminais, em situação em que o opoente se mostra ofendido ou, pelo menos, participante (cfr. a alínea c) do nº 1 do artº 120º CPC)”.
Por requerimento apresentado em juízo em 22-02-2024, o requerente veio juntar documentos que protestou juntar no requerimento de 20-02-2024.
Na sua resposta (com data de 23-02-2024), a Sra. Juíza veio arguir a extemporaneidade do incidente e dizer não encontrar motivo objetivo ou subjetivo para a requerida suspeição.
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Vejamos:
Veio o requerente deduzir o presente incidente de suspeição relativamente à Sra. Juíza titular dos autos em apreço.
Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 120.º do CPC., as partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, nomeadamente, as situações elencadas nas suas alíneas a) a g).
O juiz natural, consagrado na CRP, só pode ser afastado ou recusado quando se verifiquem circunstâncias assertivas, sérias e graves.
E os motivos sérios e graves, tendentes a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, resultarão da avaliação das circunstâncias invocadas.
O TEDH – na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, (“qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”) - desde o acórdão Piersack v. Bélgica (8692/79), de 01-10-82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557) tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um “teste subjetivo”, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito (na expressão anglo-saxónica, “bias”) face a determinado caso, e a um “teste objetivo” que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade (cfr., também, os acórdãos Cubber v. Bélgica, de 26-10-84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30-10-91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15-10-2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031) ).
Assim, o TEDH tem vindo a entender que um juiz deve ser e parecer imparcial, devendo abster-se de intervir num assunto, quando existam dúvidas razoáveis da sua imparcialidade, ou, porque tenha exteriorizado relativamente ao demandante, juízos antecipados desfavoráveis, ou, porque, no processo, tenha emitido algum juízo antecipado de culpabilidade.
A dedução de um incidente de suspeição - pelo que sugere ou implica - deve ser resguardado para casos evidentes que o legislador espelhou no artigo 120.º do CPC, em reforço dos motivos de escusa que se refere o artigo 119.º do CPC.
A imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo.
O direito a um julgamento justo, não se trata de uma prerrogativa concedida no interesse dos juízes, mas antes, uma garantia de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, de modo a que, qualquer pessoa tenha confiança no sistema de Justiça.
Do ponto de vista dos intervenientes nos processos, é relevante saber da neutralidade dos juízes face ao objeto da causa.
Com efeito, os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo.
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Colocados os parâmetros enunciados que importa observar, analisemos a situação concreta.
O incidente de suspeição deve ser deduzido desde o dia em que, depois de o juiz ter despachado ou intervindo no processo, nos termos do artigo 119.º, n.º 2, do CPC, a parte for citada ou notificada para qualquer termo ou intervier em algum ato do processo, sendo que, o réu citado pode deduzir a suspeição no mesmo prazo que lhe é concedido para a defesa – cfr. artigo 121.º, n.º 1, do CPC.
O fundamento de suspeição pode, contudo, ser superveniente, devendo a parte denunciar o facto logo que tenha conhecimento dele, sob pena de não poder, mais tarde, arguir a suspeição – cfr. artigo 121.º, n.º 3, do CPC.
Pela regra geral sobre os prazos, o prazo para deduzir o incidente de suspeição é de 10 dias, conforme ao estatuído no artigo 149.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (assim, a decisão individual do Tribunal da Relação de Évora de 22-03-2021, Pº 75/14.5T8OLH-DJ.E1, rel. CANELAS BRÁS).
O prazo de 10 dias para suscitar a suspeição, conta-se a partir do conhecimento do alegado facto que a fundamenta.
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Ora, no caso, o requerimento de suspeição foi apresentado em 20-02-2024.
Sucede que, nele se faz referência ao comportamento da Sra. Juíza, “sobretudo, a partir do momento da apresentação do requerimento (…) de 09.12.2021” – ou seja, datando os factos que sustentarão a suspeição, pelo menos, com referência a essa data - mais se referindo que, na sequência, foi deduzida denúncia dos factos ao Conselho Superior da Magistratura, conforme participação efetuada em 07-02-2023, tendo dado antecipadamente conhecimento à Sra. Juíza, em conformidade com o disposto no artigo 96.º do EOA, por carta remetida em 23-01-2023.
Assim, quer se tenha em conta o dia 09-12-2021, quer a data da participação efetuada junto do CSM em 07-02-2023, sempre se mostra que, na data de dedução do presente incidente de suspeição – apresentado em juízo em 20-02-2024 - sempre estaria excedido o mencionado prazo de 10 dias, o que conduz, em consequência, ao não conhecimento do mesmo, atenta a sua extemporaneidade.
Face ao exposto, não se conhece do incidente de suspeição atenta a sua extemporaneidade.
Custas a cargo do requerente.
Notifique.

Lisboa, 29-02-2024,
Carlos Castelo Branco (Vice-Presidente, com poderes delegados)