Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7430/2006-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO
PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
PRAZO
INTERRUPÇÃO
ADVOGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- Apresentado pela ré, na pendência da causa, pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais custas do processo e no pagamento de honorários a defensor escolhido, o prazo que estiver em curso, quando da apresentação do documento comprovativo do requerimento de apoio judiciário, interrompe-se e reinicia-se com a notificação ao patrono designado da sua nomeação (artigo 25.º/4 da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro.
II- Esse reinício dá-se consoante os casos, ou com a notificação ao patrono nomeado da sua designação ou ao requerente do apoio judiciário da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono (artigo 25º/5).
III- O réu, indeferido o pedido de nomeação de patrono, deve ser notificado desse indeferimento, não bastando, para que assim se entenda, a informação prestada pela Segurança Social ao Tribunal onde refere a data de indeferimento do pedido de pagamento de honorários.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A. […] intentou acção de despejo, com processo sumário, contra T.[…] Lda., pedindo que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a autora e a ré, com fundamento na sublocação do locado feita pela ré e não autorizada pela autora – art. 64 f) RAU - e, consequentemente decretado o despejo, condenando-se a ré a restituir à autora o r/c […]do prédio urbano sito  em Olival Basto.

A ré foi citada.

Foi ordenado o desentranhamento da sua contestação por intempestiva e considerados confessados os factos articulados pela autora.

O Mmº Juiz fundamentou o seu despacho dizendo que em 1/4/04, foi expedida notificação à ré, pela Segurança Social, dando-lhe conhecimento do indeferimento do pedido de apoio judiciário solicitado na modalidade de nomeação de patrono.

Considerando que tal notificação foi efectuada no 1º dia útil posterior ao 3º dia seguinte ao do registo (já que dia 4 foi Domingo), ocorreu no dia 5/4, ou seja, nas férias judiciais da Páscoa.

A contestação foi apresentada em 16/5/04 quando já se encontrava esgotado o prazo de 20 dias para contestar, que terminou em 3/5/04 (arts. 25 nº 5 b) Lei 30E/00 de 20/12, 783 e 144 CPC.

A ré interpôs recurso de agravo do despacho de desentranhamento, tendo formulado as seguintes conclusões:

A ré requereu o apoio judiciário junto dos serviços da Segurança Social em 16/2/2004, tendo merecido despacho de deferimento para a modalidade de isenção do pagamento de custas.

O deferimento foi comunicado à ré em data que é impossível referir uma vez que o mesmo foi processado sem registo postal.

A data que consta do ofício da Segurança Social é 1/4/2004, a mesma data que o Mmº. Juiz indica, só que tendo-se entrado em pleno período de férias judiciais, que foi coincidente com o período de férias da Páscoa, sucedeu que os legais representantes da ré não ficaram com nenhum elemento comprovativo da data precisa em que foram notificados do despacho da Segurança Social.

Não se pode tomar como seguro e definitivo, para uma correcta avaliação da situação em presença, o argumento apresentado pelo Mmº Juiz ao decidir que “considerando-se tal notificação feita no 1º dia útil posterior ao 3º dia seguinte ao do registo (já que o dia 4 foi Domingo), ocorreu a mesma no dia 5/4, ou seja, em férias judiciais da Páscoa”.

A verdade é que não houve qualquer registo postal, contrariamente ao que é referido, não se podendo lançar mão desse elemento e argumento.


É completamente impossível saber qual a data exacta em que esse despacho de deferimento foi comunicado aos legais representantes da ré agravante.

É certo que existe em juízo um ofício da Segurança Social, de 19/4/2004, mas não há a mínima informação de quando é que esse despacho de deferimento do pedido de apoio judiciário foi notificado à ré.

No processo consta que esse despacho de deferimento foi notificado ao Exmº. mandatário da autora, com data de 21/4/04, continuando-se sem saber quando, exactamente, os legais representantes da autora foram notificados.

Daí que, contas feitas, tenha sido a partir dessa data de remessa do expediente ao Tribunal pela Segurança social, 19/4/04, que os legais representantes da ré fizeram o cálculo do prazo que lhes é concedido, pela lei, para contestarem.

À data de 19/4/2004 somaram mais 15 dias, prazo para apresentação do recurso de impugnação do indeferimento do pedido quanto à nomeação de patrono, o que vai até 4/5/04.

A partir desta data, 4/5/04, deverá começar a contar o prazo para a apresentação da contestação que é de 20 dias, logo o terminus do prazo para a apresentação desta terminava em 24/5/04.

A contestação entrou em juízo em 16/5/04 pelo que foi apresentada tempestivamente.


Em conclusão deve dar-se provimento ao recurso, anulando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que admita a contestação da ré.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Mmº Juiz proferiu despacho de sustentação mantendo o decidido.

Foi proferida sentença na qual se julgou a acção procedente e consequentemente resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a autora e a ré, condenando-se a ré a despejar o locado e a restituí-lo à autora, completamente devoluto.

Apelou a ré da sentença tendo, em suma, nas suas conclusões repetido os argumentos já explanados nas alegações do recurso de agravo anteriormente apresentado que aqui se dão por reproduzidos.

Concluiu pela anulação da sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que, após a apreciação do mérito da causa, em audiência de julgamento, aprecie o mérito da causa, devendo, para tanto, ser admitida a contestação da ré apelante.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos, cabe apreciar, sendo o agravo em primeiro lugar, de acordo com o nº 1 do art. 710º do CPC.

A questão que se coloca, delimitada pelas conclusões do recurso, é a de saber se a contestação apresentada pela ré, -  na sequência de pedido de  apoio  judiciário  formulado  na  modalidade  de  dispensa  total  de pagamento da  taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento de honorários do patrono escolhido pela ré – foi tempestiva ou não.

Factos que interessam para apreciação do agravo:
         
1. A acção foi intentada em 26/1/04.
2. A ré foi citada em 5/2/04 – fls. 13.
3. Em 25/2/04 comunica ao Tribunal que solicitou apoio judiciário à Segurança Social, pedido esse que deu entrada em 16/2/04, nesses serviços, não tendo indicado a modalidade ou modalidades do pedido formulado – fls. 14 e 15.
4. Em 18/4/04, na sequência de esclarecimento por parte do Tribunal, informa que solicitou o pedido na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e o pagamento de honorários do patrono escolhido – fls. 20.
5. Em 18/4/04 a Segurança Social informa o Tribunal que foi concedido à ré o apoio judiciário na modalidade de não pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, por despacho proferido em 25/3/04 – fls.23.
6. Anexa a essa informação encontra-se uma proposta de indeferimento do pedido de pagamento de honorários a patrono escolhido com fundamento de que às sociedades está vedado, por lei, este benefício. – fls. 14.
7. Posteriormente e na sequência de um pedido do Tribunal no sentido de saber se o deferimento do pedido abrangia ou não a nomeação de patrono, a Segurança Social veio dizer que o pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido foi indeferido por despacho de 25/3/04 e que a requerente foi notificada desta decisão em 1/4/04, tendo junto dois documentos, constando num deles o carimbo com a data de 1/4/04, no canto superior esquerdo – fls. 114, 115 e 116.
8. A contestação foi apresentada em 16/5/04.
     9. Na sequência dessa informação o Mmº Juiz considerou que tendo sido expedida em 1/4/04 pela Segurança Social a notificação à ré dando-lhe conhecimento do indeferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, a notificação teve lugar no 1º dia útil posterior ao 3º dia seguinte ao do registo (já que o dia 4 foi Domingo), ou seja , no dia 5/4/04.
     10. A partir dessa data contar-se-iam os 20 dias para a apresentação da contestação; feitas as contas o prazo terminava em 3/5/04.
11. A contestação apresentada em 16/5/04, estava fora de prazo pelo que se ordenou o seu desentranhamento.

O apoio judiciário compreende as modalidades de dispensa, total ou parcial, de taxa de justiça e demais encargos com o processo ou diferimento desse pagamento, bem como a nomeação e pagamento de honorários de patrono ou, em alternativa, pagamento de honorários a patrono escolhido pelo requerente – art. 15 Lei 30E/00 de 20/12.

O pedido efectuado pelo interessado é entregue em qualquer serviço de atendimento ao público dos Serviços de Segurança Social – art. 23º cit. Lei.

O pedido deve especificar a modalidade de apoio judiciário pretendida, ou, sendo caso disso, quais as modalidades que pretende cumular – art. 23 nº 4 Lei cit.

A prova do pedido é feita mediante a apresentação do carimbo de recepção do requerimento apresentado – nº 5 art. cit.

O pedido de apoio judiciário foi solicitado nas modalidades de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais custas do processo e no pagamento de honorários a defensor escolhido pela ré.

Estipula o art. 25 Lei 30E/00 de 20/12 que: O procedimento de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção nos números seguintes.

Este nº 1 versa sobre a conexão entre o procedimento do apoio judiciário e o da causa a que respeita, e estatui a regra de que ocorre autonomia entre a última e o primeiro, em termos de este não ter qualquer repercussão sobre a dinâmica daquela.

Esta autonomia resulta do facto do procedimento relativo ao apoio judiciário se inscrever, em regra, na competência de uma autoridade administrativa, ao invés do que sucede com a demanda judicial em causa.

O nº 4 prevê a hipótese do pedido de apoio judiciário ser na modalidade de patrocínio judiciário formulado na pendência da causa e estatui que o prazo que estiver em curso aquando da apresentação do documento comprovativo do requerimento de apoio judiciário se interrompe e reinicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação.

O nº 5 prevê o início do prazo interrompido nos termos do nº anterior, e dispõe que ele se reinicia, conforme os casos, a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou ao requerente do apoio judiciário na modalidade de patrocínio judiciário da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.

A notificação em causa é a que conheceu do mérito do pedido de apoio judiciário.

O prazo que estiver em curso para deduzir a contestação ou alegação do recurso começa a correr por inteiro a partir da notificação da decisão que dele conhecer, quer ela seja de natureza positiva ou negativa.

Este normativo só funciona se a nomeação de patrono tiver sido requerida antes de terminar o prazo para a contestação ou alegação.

Esta interrupção do prazo apenas se reporta aos prazos processuais, não abrange os prazos substantivos de prescrição e de caducidade – vd. Salvador da Costa, Apoio Judiciário, 3ª edição, págs. 107 a 117.  O preceituado nos nº 4 e 5 art. 25 Lei cit., não contempla o pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários.

No caso dos autos, deve entender-se, atenta a decisão proferida e ao facto de a ré não ter constituído mandatário, a não ser quando interpôs recurso, que a requerente ao ter solicitado o pedido de pagamento de honorários a patrono escolhido, pretendia a nomeação daquele patrono, bem como o pagamento dos honorários respectivos.

Assim, o seu pedido cai na alçada do nº 4 do art. 25 Lei cit., nomeação de patrono, que foi por si escolhido, interrompendo-se o prazo que estava em curso, para a apresentação da contestação.

Dos factos enunciados constata-se que não existe nos autos qualquer registo – expedição da carta de notificação da Segurança  Social - que ateste que a ré, foi notificada da decisão do indeferimento do seu pedido de pagamento de honorários ao patrono escolhido, bem como do deferimento da concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo.

O que existe é um documento enviado pela Segurança Social ao Tribunal, em 14/6/04, em que refere que por despacho de 25/3/04 foi indeferido o pedido de pagamento de honorários a patrono escolhido e que essa decisão foi notificada à ré em 1/4/04.

Não existe nenhum registo dessa, mencionada, notificação à ré.

Não basta, nem é suficiente, a afirmação da Segurança Social, tout court, sem ser acompanhada do registo da expedição da carta de notificação do indeferimento do pedido formulado pela ré, de que a ré foi notificada no dia 1/4/04.

É necessário saber, com absoluto rigor, quando é que a ré foi notificada desse indeferimento, ou seja, o dia em que essa notificação teve lugar, para se poder saber em que data é que a ré se considera notificada, atentas as regras da notificação - arts. 254 nº 2 e 255 CPC.

Só a partir da data em que a ré se considera notificada é que começará a correr o prazo de 20 dias para a apresentação da contestação – art. 783 CPC.

No caso em apreço, desconhecendo-se de todo, quando é que foi efectuada a notificação à ré – data da expedição da carta de notificação – pela Segurança Social, do despacho de indeferimento do seu pedido de pagamento de honorários ao patrono escolhido, não se pode saber em que data é que ela se considera notificada para, a partir daí, se poder contar o prazo para a apresentação da contestação.

Sem esses elementos não se pode saber se a contestação foi apresentada fora de prazo.

O Mmº Juiz da 1ª instância deverá averiguar quando é que foi expedida a carta de notificação do despacho de indeferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários a patrono, pela Segurança Social à ré, devendo solicitar à Segurança Social cópia do respectivo registo de expedição.

Só na posse desse elemento, data da expedição da notificação do despacho de indeferimento do pedido, remetido pela Segurança Social ré, é que se pode efectuar a contagem do prazo para a apresentação da contestação.

Tal informação é imprescindível para se poder aquilatar da extemporaneidade, ou, não da contestação apresentada pela ré.

Assim, acorda-se em dar provimento ao agravo, revogando-se o despacho que ordenou o desentranhamento da contestação, devendo o senhor juiz proceder nos termos acima indicados.

Em consequência, anula-se o despacho que considerou confessados os factos articulados pela autora e a sentença proferida, não se conhecendo da apelação.

Não são devidas custas pelo agravo, em face do disposto no art. 2º nº 1 al. g) do CCJ, nem pela apelação, uma vez que dela não se tomou conhecimento.

 Lisboa,  9 de Novembro de 2006

 (Carla Mendes)
 (Sérgio Gouveia)
 (Caetano Duarte)