Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
945/14.0T2SNT-J.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: OPOSIÇÃO AO ARRESTO
EMBARGOS DE TERCEIRO
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1- Sendo admitido o reforço do arresto através da apreensão de bens em poder de terceiros, não por se estar perante o circunstancialismo a que alude o nº 2 do art.º 392º do Código de Processo Civil, mas porque se considera o disposto no art.º 747º do Código de Processo Civil, uma vez que se trata de bens integrantes do património da requerida (não sendo propriedade dos terceiros detentores dos mesmos), a defesa do direito de propriedade desses terceiros sobre os bens arrestados deverá ser exercitada pela via dos embargos de terceiro, e não pela via da oposição ao arresto a que respeita a al. b) do nº 1 do art.º 372º do Código de Processo Civil, já que tais terceiros não detêm a posição processual de requeridos no incidente de reforço do arresto.
2- Todavia, tendo tais terceiros sido considerados pelo tribunal recorrido como requeridos, designadamente assim tendo sido citados e assim tendo apresentado requerimento de oposição ao reforço do arresto, onde pretendem fazer valer o seu direito de propriedade sobre os bens apreendidos, o dever de gestão processual e o princípio da cooperação ditavam que o tribunal recorrido, ao invés de não admitir tal requerimento por ilegitimidade processual desses terceiros, tomasse as medidas adequadas à correcção daquela situação que gerou o erro na escolha do tipo de incidente que deviam utilizar (os embargos de terceiro), sob pena de se vedar o acesso dos mesmos à defesa dos seus direitos que terão sido atingidos pelo reforço do arresto que foi decretado e realizado, em violação do princípio constitucional da proibição da indefesa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 28/1/2014 V B.V.B.A. instaurou procedimento cautelar de arresto contra A., Ld.ª, pedindo o arresto:
a) de todos os produtos da marca E., nomeadamente, sacos desportivos multiusos, mochilas com e sem armação, bagagem mole, estojos de bagagem, pastas escolares, bolsas de cintura, malas de fim-de semana, sacos alpinos, pastas escolares, sacos de bagagem, sacos de equipamentos, bolsas de cintura, sacos para roupa, malas de viagem, que viessem a ser encontrados no armazém da requerida, na morada que identificou;
b) dos saldos das contas bancárias da titularidade da requerida no Millennium BCP (agência de Rio de Mouro) e no Banco Santander Totta (agência de Alcoitão);
c) de todos os veículos da propriedade da requerida, a apurar junto do I.M.T.T.
Em 20/2/2014 foi proferida decisão de decretamento do arresto dos bens e valores indicados pela requerente, sendo os saldos das contas bancárias até ao limite de € 679.435,00.
Foi realizado o arresto e teve lugar o exercício do contraditório pela requerida, através da dedução de oposição.
Em 29/7/2014 foi proferida decisão final que julgou a oposição improcedente, mantendo o arresto decretado, e “sem prejuízo de determinar a realização de uma avaliação a todos os bens que foram arrestados, por forma a ser atribuído valor ao arresto desses bens e ponderada a proporcionalidade da mesma face ao crédito da requerente”.
Quer a requerente, quer a requerida, interpuseram recurso desta decisão final, tendo o mesmo sido julgado por acórdão de 26/3/2015 deste Tribunal da Relação de Lisboa, que revogou a parte da decisão final acima transcrita e, no mais, manteve o arresto decretado.
Em 25/3/2020 a requerente veio apresentar requerimento no sentido de serem “encetadas novas diligências de arresto de bens em poder de terceiro, sem o prévio conhecimento da requerida”, aí concluindo pelo reforço do arresto anteriormente realizado, nos seguintes termos cumulativos:
a) Arresto de saldos de quaisquer contas bancárias ou outros produtos financeiros, em nome pessoal de Afonso P. e de Maria M., até ao valor de € 568.980,09;
b) Arresto de saldos de quaisquer contas bancárias ou outros produtos financeiros, com os seguintes limites e das seguintes pessoas:
i) Afonso P., no valor de € 154.805,49; o qual acresce ao valor acima referenciado de € 568.980,09;
ii) Gabriela G., no valor de € 43.058,95; e
iii) Jorge A., no valor de € 32.826,70.
Em 27/3/2020 foi proferido despacho onde se absolveu a requerida da instância, embora circunscrita ao pedido de reforço de arresto, o qual foi objecto de recurso pela requerente.
Por acórdão de 18/6/2020 deste Tribunal da Relação de Lisboa foi concedido provimento a este recurso e revogada a decisão recorrida, tendo sido julgado procedente o pedido da requerente e sido ordenada a concretização do “peticionado reforço do arresto de bens de terceiro”.
Concretizado o arresto ordenado, veio em 13/8/2020 Jorge A. requerer o levantamento dos saldos das sua contas bancárias que foram arrestadas, o que mereceu despacho de indeferimento de 19/8/2020, nos seguintes termos:
(…)
Aquele requerimento atípico é manifestamente improcedente, porquanto, os meios de defesa dos requeridos que não tenham sido ouvidos antes do decretamento da providência são, nos termos do artigo 372.º do CPC, o recurso ou a oposição.
Sendo terceiros aos autos, têm faculdade de lançar mão dos embargos de terceiro – artigo 342.º do CPC.
Na situação dos autos, consideramos que o requerimento não satisfaz os requisitos formais do articulado de oposição, além de que a parte não está assistida por advogado, o que, tendo em conta o valor da ação, é obrigatório – artigo 40.º do CPC.
Deste modo, o tribunal indefere a pretensão formulada, por inadmissível, sem prejuízo da oportuna e regular apresentação da sua defesa”.
Em 19/8/2020 vieram Afonso P. e Maria M., na intitulada qualidade de requeridos, apresentar requerimento em que concluem que “atento ao exposto, resulta manifesto que se torna urgente a intervenção dos requeridos a fim de poderem, de forma processualmente idónea, combater o presente procedimento, pelo que requerem que ordene a sua citação com Urgência”.
Com data de 20/8/2020 foi proferido despacho do seguinte teor: “notifique o Sr. agente de execução para, no prazo de 5 dias, informar do estado das diligências de arresto e da citação dos requeridos”.
Em 7/9/2020 a requerente apresentou requerimento em que, para além do mais, entende que “só após a obtenção de resposta de todas as entidades bancárias, deverá o Exmo. Senhor Agente de Execução proceder à citação dos requeridos, nos termos do art.º 366.º, n.º 6 do CPC”, mais concluindo que seja ordenado que “os autos aguardem a resposta de todas as entidades bancárias sobre todos os requeridos e o posterior cumprimento da citação legal aos mesmos, pelo Exmo. Senhor Agente de Execução”.
Sobre esse requerimento incidiu o despacho de 9/9/2020, do seguinte teor: “antes do mais, notifique o AE para, em 10 dias, informar se procedeu à citação dos requeridos para o presente procedimento, comprovando-o documentalmente”.
Em 13/11/2020 Afonso P. apresentou requerimento em que conclui pedindo “que se considere que o prazo de 10 dias para dedução de oposição em relação ao Requerido, a sua esposa e a sua filha se inicie apenas a partir de momento em que sejam efectivamente disponibilizados ao Requerido os documentos relativos ao arresto – nomeadamente o requerimento inicial da Requerente, a decisão de arresto e todo o demais expediente relativo aos autos, sem os quais é impossível construir e organizar a defesa por oposição”.
Sobre esse requerimento incidiu o despacho de 19/11/2020, aí sendo verificado que o agente de execução informou não ter entregue os elementos a que alude o disposto no art.º 227º do Código de Processo Civil, aquando da citação, e mais sendo decidido declarar “nulas as citações dos requeridos Afonso P., Maria M. e Gabriela G.”, ordenando-se a repetição da citação de Maria M. e de Gabriela G. e determinando-se o cumprimento do disposto nos art.º 192º e 247º, nº 1, do Código de Processo Civil, quanto a Afonso P.
Cumprido o ordenado, vieram Afonso P., Maria M. e Gabriela G. “deduzir oposição, nos termos do disposto no art. 372º do CPC”, aí alegando, em síntese, que:
- No seu requerimento a requerente deduziu pedido de arresto contra terceiros que não são partes, quer no procedimento cautelar, quer na acção principal de que o mesmo é incidente, logrando o decretamento de um novo arresto contra terceiros à “boleia” da decisão de arresto anteriormente decretada, e sem ter de alegar e provar os requisitos impostos pelo nº 1 do art.º 406º do Código de Processo Civil;
- Desta forma a requerente logrou obter uma extensão da decisão de arresto contra o património de terceiros e em violação do direito dos mesmos à observância de um processo legal equitativo;
- A decisão que concedeu o reforço de arresto bastou-se com a alegação da requerente, não sendo produzida qualquer prova para demonstração dos factos alegados pela requerente;
- A requerente faltou à verdade na factualidade que alegou, designadamente no que respeita ao encerramento total da actividade da requerida após a diligência de arresto promovida em 2014;
- É falso que a requerida tenha transferido os saldos das suas contas bancárias para a posse de terceiros após ter sido citada para o procedimento cautelar de arresto, tendo sido para obter mais rendibilidade e menores custos de manutenção que abriu uma conta bancária em nome de Afonso P. e de Maria M., ainda em 2013, e que sempre foi considerada contabilisticamente como conta de uso exclusivo da requerida;
- A requerida continuou a ter Afonso P. e Maria M. como seus gerentes e continuou a ter Gabriela G. como sua trabalhadora até 11/5/2016, sendo os valores arrestados correspondentes aos salários devidos aos mesmos e que lhes foram pagos pela requerida;
- Dos depoimentos prestados na audiência final da acção resulta factualidade distinta da alegada pela requerente no requerimento de reforço de arresto, tendo esta ocultado ainda que o stock da requerida que foi arrestado tinha valor de custo de € 996.520,96, pelo que inexiste qualquer crédito da requerente que autorize o referido reforço de arresto.
Concluem pela revogação da decisão que decretou o reforço de arresto, com a absolvição dos mesmos, e pedindo ainda a condenação da requerente como litigante de má fé, em multa e indemnização em valor não inferior a € 5.000,00 para cada um dos opoentes.
Após pronúncia da requerente, em 30/3/2021 foi proferido despacho em que não foram admitidas as oposições deduzidas por Afonso P., Maria M. e Gabriela G., “por manifesta falta de legitimidade processual”.
Os opoentes em questão recorrem desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1. Em 25/3/2020, a Requerente atravessa nos autos de acção principal, nos quais são intervenientes apenas e tão só a Requerente, a J. Corp e a A. Lda. um articulado que denomina de “reforço de arresto”, no qual pede que sejam arrestadas várias quantias pertencentes a de Afonso P., NIF (…), e Maria M., Gabriela G. e Jorge A.
2. Após as diligências de arresto terem sido concluídas, foi ordenada a citação de Afonso P., Maria M. e Gabriela G., ora recorrentes, bem como de Jorge A., todos na qualidade de partes principais, de requeridos.
3. No dia 12 de novembro de 2020, Afonso P. foi citado pessoalmente por contacto com o Agente de Execução, tendo-lhe sido também entregues por este as citações dirigidas a Maria M. e Gabriela G., nas quais foi aposto a seguinte determinação: “Mais fica notificado que, nos termos do art. 293º nº 2 do CPC tem o prazo de 10 (dez) dias para deduzir, querendo, oposição referido arresto, com algum dos fundamentos presentes no art. 372º nº 1 do CPC
4. No dia 13 de Novembro de 2020, Afonso P. atravessou um requerimento nos autos invocando que o Agente de Execução, no dia 12 de Novembro de 2020, aquando da diligência de citação apenas entregou àquele o papel onde constava a notificação e mais nenhum documento.
5. O Mmo. Juiz de Direito em sede do processo o nº 5029/20.0T8SNT no Juiz 2, Juízo Central Cível, na conclusão de 19/11/20 pronunciou-se sobre o requerimento que Afonso P. havia atravessado a 13 de Novembro de 2020 e considerou expressamente que as notificações efectuadas tiveram a natureza de citação, mais descreveu esta como a forma legal de chamar o demandado, logo a parte principal, aos autos.
6. O Mmo. Juiz de Direito conheceu dos vícios das citações e decidiu oficiosamente declarar a nulidade das mesmas, e ordenou que as citações fossem repetidas, desta feita, com a observação das formalidades legais exigidas para este tipo de acto - a citação, conferindo aos citandos a faculdade de deduzir Oposição ao arresto.
7. No dia 4 de Dezembro de 2020 o Agente de Execução citou novamente Afonso P. e Maria M., estes pessoalmente, e Gabriela G. através do seu pai, tendo feito constar “Mais fica notificado que, nos termos do art. 293º nº2 do CPC tem o prazo de 10 (dez) dias para deduzir, querendo, oposição referido arresto, com algum dos fundamentos presentes no art. 372º nº1 do CPC
8. Os Recorrentes, em obediência ao que expressa e por várias vezes lhes foi determinado deduziram oposição em 16 de Dezembro 2020.
9. O Mmo. Juiz a quo veio, na decisão recorrida, não admitir as oposições deduzidas pelos Recorrentes, por suposta manifesta falta de legitimidade processual, porquanto, entende que todos são terceiros nos autos, pelo que deveriam ter lançado mão dos embargos de terceiro – artigo 342.º do CPC.
10. Em rigor a Requerente alegou matéria que não se prende com o mero “reforço” dos bens a arrestar, na sequência de uma anterior decisão judicial que decretou o procedimento cautelar de arresto, o que a Requerente quis e que viu ser deferido foi um novo procedimento cautelar de arresto contra os Recorrentes, que não foram ouvidos, que não exerceram o contraditório.
11. Com este expediente a Requerente, na prática, viu decretado um novo arresto, sem alegar e muito menos provar os requisitos imposto no artº 406º, nº 1, do CPC de que o procedimento cautelar de arresto depende, ou seja a verificação cumulativa dos dois requisitos: 1) a probabilidade da existência do crédito; 2) e a existência de justo receio de perda da garantia patrimonial.
12. Não ignoramos que o art. 391.º n.º 2 do Código de Processo Civil e o art. 747.º n.º 1 do Código de Processo Civil, contudo, mais do que atender a esta ultima norma há que observar o vertido no nº 2 do art. 392º do CPC em conjugação com o nº 1 e nº 2 do art. 364º do CPC
13. O art. 747.º n.º 1 do CPC permite a possibilidade processual de se efectuar um arresto de bens da titularidade do devedor mesmo que estes se encontrem em poder de terceiro, porém, a interpretação conjugada do nº2 do art. 392º, do nº 1 e nº 2 do 364º do CPC, impõe que os fundamentos da anulação da aquisição sejam alegados na petição de arresto e bem assim que o procedimento cautelar seja apenso numa só acção principal, na qual obviamente terão de ser alegados também os factos fundamento da anulação, e na qual deverá ser formulado pedido tendente à anulação dessa aquisição.
14. Muito embora o art. 364 nº 2 refira o adquirente de bens do devedor, esta norma deve ter aplicação ao caso concreto em que a Requerente alega que os recorrentes supostamente terão ficado com o dinheiro da Requerida (A. Lda)
15. No que interessa a este recurso, a Requerente, ao desenhar a sua causa de pedir e ao peticionar o “reforço de arresto” contra os Recorrentes, qualificou-os como partes principais e demandados no procedimento cautelar, pelo que se deverá admitir a oposição destes como meio de defesa contra esse desiderato.
16. Ainda que subsistissem duvidas, face á causa de pedir e ao pedido lançado pela Requerente, os requeridos seriam sempre parte legitima pois, atento o art. 30º nº3 do CPC, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor, pelo que, entendemos que a decisão recorrida não interpretou da melhor forma esta norma.
17. Face ao exposto deverá a decisão recorrida ser revogada e deverá ser admitida e conhecida a Oposição, mais deverá esta ser deferida levantando-se o “reforço de arresto”.
18. Subsidiariamente, ainda que se entenda que os Recorrentes serão terceiros e que, in casu, não cabe defesa por Oposição, mas, ao invés, por Embargos de Terceiro, a decisão recorrida não deve subsistir.
19. O Mmo. Juiz a quo defende a sua decisão argumentando erradamente que era dever dos Recorrentes, por um lado, ter invocado a irregularidade da citação, e, por outro lado, mesmo contra todas as indicações expressas e inequívocas do Tribunal e Agente de Execução, deduzir embargos de terceiro.
20. Mais, defende erradamente o Mmo. Juiz a quo que, na situação em apreço, a factualidade acima narrada não prejudica a defesa do citados.
21. Ao arrepio do decidido, a indicação expressa, inequívoca e repetida do Tribunal e do Agente de Execução para os Recorrentes exercerem o seu direito defesa mediante a dedução de oposição ao arresto, e de seguida não admitir essa mesma oposição por entender ser o procedimento errado lesa irremediavelmente os direitos de defesa dos Recorrentes
22. A lesão é por demais evidente quando se percebe que o caminho que os Recorrentes tomaram por indicação expressa do Tribunal e do Agente de Execução os impede de vir agora deduzir embargos de terceiro pois, manifestamente, os 30 dias a contar do conhecimento há muito que foram ultrapassados
23. O Mmo. Juiz a quo ao invés de simplificar e erradamente não admitir as oposições, deveria ter obedecido ao principio que prescreve que os erros (e as omissões de atos) praticados pela secretaria judicial, não podem em qualquer caso prejudicar as partes, de que é reflexo o vertido no artigo 157º, n.º6, do CPC.
24. A rejeição da oposição dos Recorrentes contra a sobredita norma viola o art. 20º nº 1 e nº 4 da Constituição da República Portuguesa, pois, na prática, impede o acesso dos Recorrentes ao Direito e a um processo Justo e equitativo.
25. Subsidiariamente, ainda que se entenda que o meio de defesa empregue pelos Recorrentes não foi o indicado, jamais se poderá olvidar que o meio empregue foi aquele que foi expressamente indicado pelo Tribunal e pelo Agente de Execução, pelo que o Mmo. Juiz a quo deveria ter aplicado o disposto no art 193º do CPC.
26. O erro determinaria sempre a aplicação do citado artigo e, consequentemente, a anulação dos actos atos que não possam ser aproveitados, devendo ordenar-se a prática dos actos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei
27. Quando muito poderia o Mmo. Juiz a quo ter aplicado o nº 2 que prevê que não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
28. Assim como deveria ter aplicado o nº 3 do mesmo artigo que prevê expressamente erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequado.
29. A concorrer para a agasalho desta solução está o disposto no art. 547º do CPC que impõe ao Juiz o poder/dever de adequar formalmente os procedimentos, ajustando-os sempre a um processo equitativo.
30. No caso concreto, ao arrepio do decidido, deveria operar a convolação da oposição apresentada em embargos de terceiro, notificando os Recorrentes, se assim entender, para virem colmatar qualquer falta que decorra da aplicação do novo procedimento face ao articulado que foi concebido para outro procedimento.
31. Só assim o Mmo. Juiz a quo poderia ter respeitado a interpretação correcta do nº 6 do art. 157º do CPC, nomeadamente à luz do art. 20º nº 1 e nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
32. Interpretar que, no caso concreto o nº 1 do art 193º do CPC determina necessariamente a violação das normas previstas nos art.s 20º nº 1 e nº 4 da Constituição da República Portuguesa, pois defender que, numa situação em que, por obediência expressa ao teor das citações ordenadas pelo Tribunal e realizadas pelo Agente de Execução, o citado deduziu oposição ao arresto, quando, na realidade, se entender que deveria, ao arrepio do procedimento processual de defesa que lhe foi prescrito na citação, ter deduzido embargos de terceiro, não deve o Tribunal aplicar o disposto no nº 1 do art. 193º do CPC e adaptar a tramitação ao procedimento correcto, constitui uma negação do acesso ao Direito e a recusa de concessão ao citado de um processo justo e equitativo.
33. Subsidiariamente em relação ao supra expendido, face à mesma interpretação do nº 6 do art. 157º do CPC, nomeadamente à luz do art. 20º nº 1 e nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a solução poderá passar pela (nova) declaração de nulidade das citações efectuadas, e pela determinação de notificação dos Recorrentes para, no prazo de 30 dias, deduzirem Embargos de Terceiro.
34. A militar no sentido desta solução apontamos a faculdade que prescreve que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – art. 5.º, n.º 3, do CPCivil.
35. O raciocínio passa apela aplicação do º1 do art. 195º do CPC, porquanto terá sido praticado um acto com a forma errada (a citação nos termos do art. 366º nº6 ex vi nº do art. 371º do CPC) e contendo a expressa prescrição do meio e defesa errado (a oposição) erro esse que viola o art. 372º nº1 do CPC (apenas adequado para a defesa do requerido em sede de arresto) por preterição da aplicação do art. 747º do CPC apropriada para a notificar o terceiro cujos bens forte penhorados em execução promovida contra o executado.
36. Deverá assim ser aplicado o nº1 do art. 195º-do CPC, pois a irregularidade cometida influi no exame ou na decisão da causa.
37. Esta solução encontra amparo na faculdade que prescreve que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – art. 5.º, n.º 3, do CPCivil.
38. Neste cenário, entender-se-á que o vicio foi invocado pelos Recorrentes desde logo no requerimento atravessado no dia 13 de Novembro de 2020 por Afonso P. onde descreve a diligência de citação, caracterizando-a como isso mesmo, uma citação nos termos e para os efeitos do art. 366º nº 6 (ex vi nº do art. 371º do CPC) e contendo a expressa prescrição do meio de defesa errado (a oposição), quando, na realidade, sendo o procedimento a empregar como defesa os embargos de terceiro, caberia uma notificação (ou mesmo citação, mas desta feita produzida nos termos do 747º do CPC) e não uma citação destinada única e exclusivamente a conferir aos citados a faculdade de deduzirem oposição.
39. O vicio manifestamente pode influir no exame ou na decisão da causa pois determina os citados a empregar um meio processual que não será idóneo à sua defesa, e faz preterir aquele que seria adequado a tal fim. Devido a tal vicio, a não admissão da oposição fez com a defesa dos recorrentes nem sequer se pudesse concretizar, o que é reforçado pelo facto de agora, os Recorrentes já nem sequer se encontram em prazo para a dedução dos embargos de terceiro.
A requerente apresentou alegação de resposta, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem‑se:
a) Com a verificação da qualidade processual dos opoentes como requeridos, no procedimento cautelar de arresto;
b) Com a omissão do dever de correcção do erro de qualificação do meio processual de defesa utilizado pelos opoentes;
c) Com a nulidade da citação dos opoentes.
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A materialidade com relevo para o conhecimento do objecto do presente recurso é a que decorre das ocorrências e dinâmica processual expostas no relatório que antecede.
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Na decisão recorrida sustenta-se a falta de legitimidade processual dos opoentes (e a consequência inadmissibilidade do requerimento apresentado pelos mesmos, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 372º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil) nos seguintes termos:
(…) constituindo o presente incidente uma decorrência da providência cautelar de arresto anteriormente decretada (…), a legitimidade (activa e passiva) das partes mantém-se nos exatos termos em que foi configurada a acção principal e o procedimento cautelar de arresto oportunamente intentados pela autora/requerente contra a ré/requerida.
A circunstância de o pedido de reforço do arresto dizer respeito a bens/direitos na posse de terceiros (…) não altera essa realidade processual.
É, assim, pacífico e inquestionável que as partes, quer na acção declarativa quer no presente procedimento cautelar de arresto (daquela dependente), são as sociedades “V B.V.B.A.” (autora/requerente) e “A., Lda.” (ré/requerida), o que vale por dizer que os ora opoentes (…), não sendo parte na acção nem no procedimento, não são requeridos no presente incidente e por conseguinte carecem de legitimidade para, no/ao mesmo, deduzirem oposição.
Tendo a providência cautelar de arresto como objecto, atenta a forma como a requerente configura o respetivo procedimento, bens/direitos da sociedade “A., Lda.” na posse de terceiros, só aquela assume a qualidade de requerida e, por isso, detém legitimidade para deduzir oposição ou interpor recurso, como decorre do supra parcialmente transcrito artigo 372.º do CPC.
Tal não sucede com os terceiros que, alegadamente, têm na sua posse bens/direitos da executada. Estes são, efectivamente, terceiros. Razão pela qual, o meio próprio para reagirem à providência cautelar de arresto decretada não é a oposição ao procedimento, exclusivo da requerida.
(…)
Esta conclusão decorre, desde logo, do referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que (…) determinou a concretização “do peticionado reforço do arresto de bens de terceiro”.
Pode ler-se, no mencionado aresto, o seguinte: “a cada direito corresponde uma acção ou uma providência destinada ao seu reconhecimento, mas igualmente à prevenção da sua violação ou a conferir efeito útil a tal reconhecimento: cf. art.º 20 nº 5 da CRP e art.º 2 nº 2 do CPC
Daí que a razão de ser do processo cautelar seja a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes”, referindo-se, naturalmente, às, aí, autora e ré.
De acordo com o mesmo aresto, “por regra, só os bens do devedor podem ser executados. Porém, do mesmo modo que podem ser executados bens de terceiros (cf. artigo 818º do Código Civil), também, embora do mesmo modo excepcional, podem bens de terceiros ser arrestados.
Com efeito, à luz do artº 747 nº 1 CPC, para além da linear possibilidade do arresto incidir sobre bens do devedor e em poder deste, outras hipóteses se podem desenhar, como a do arresto poder ter por alvo bens de terceiro, bens do devedor que se encontrem na posse de terceiro, ou ainda de bens alegadamente pertencentes ao devedor, mas que este, para os furtar à acção do credor, transfere para a titularidade de terceiro, ou inscreve-os em nome deste.
Como bem salienta Abrantes Geraldes: ‘o arresto pode incidir sobre bens de terceiro quando seja requerido na dependência funcional da acção de impugnação pauliana, como meio de defesa da garantia patrimonial. O disposto no art. 407º, n.º 2, do CPC, mais não é do que a adjectivação do direito conferido ao credor de perseguir os bens do devedor para efectivo exercício de um direito de crédito, quando se verifique a prática de actos de que resulte a diminuição da garantia patrimonial (art. 619º, nº 2 do CC).
Na verdade, a concessão ao credor da possibilidade de obter a declaração de ineficácia de tais actos poderia revelar-se insuficiente se fosse desacompanhada do direito de obter a sua prévia apreensão, designadamente quando se esteja perante bens móveis relativamente aos quais nem o registo consiga tornar eficaz a sentença constitutiva.
Perante tais circunstâncias, os requisitos a preencher no arresto dependem do facto de se encontrar ou não pendente a acção de impugnação pauliana:
a) Se a acção já tiver sido instaurada, bastará a alegação e prova dos factos relativos à probabilidade da existência do crédito e ao justo receio de perda da garantia, destinando-se o arresto dos bens a dar eficácia à decisão que eventualmente venha a ser proferida;
b) Se a acção ainda não tiver sido instaurada, exige-se complementarmente a alegação e prova sumária dos pressupostos da impugnação, como factor de credibilidade e de seriedade da pretensão, tanto mais que vai interferir na esfera jurídica de terceiros porventura alheios à relação creditícia de onde emerge o direito.
Com isto não se confunde o arresto de bens do devedor que se encontrem na posse de terceiros.
A aplicação remissiva do disposto no art. 747.º do CPC mostra-se suficiente para superar qualquer objecção quanto à legitimidade da apreensão nos casos em que, apesar dos poderes de facto efectivamente exercidos pelos terceiros os bens continuem a integrar o acervo patrimonial do devedor.
Como resulta dessa norma, não fica afastada a possibilidade de o terceiro deduzir os meios de defesa que forem oportunos, maxime os embargos de terceiro, quando se verifiquem os requisitos correspondentes.
Também não se confunde com a situação figurada aquela em que se pretende o arresto de bens alegadamente pertencentes ao devedor mas que, entretanto, já passaram para a titularidade de terceiros ou foram inscritos em seu nome no registo predial, comercial ou automóvel…’
Os embargos de terceiro são um meio de reacção tutelar da posse ou de qualquer direito incompatível com a realização da diligência judicial que a ofendam.
Como refere Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 5ª ed., pg. 225 «(…) A estrutura dos embargos de terceiro é essencialmente caracterizada, não tanto pela particularidade de se consubstanciarem numa acção declarativa que corre por apenso à acção ou ao procedimento de tipo executivo, com a especificidade de inserirem uma sub-fase introdutória de apreciação sumária da sua viabilidade, mas, sobretudo, por a pretensão do embargante se inserir num processo pendente entre outras partes e visar a efectivação de um direito incompatível com a subsistência dos efeitos de algum acto judicial de afectação ilegal de um direito patrimonial do embargante.
Apesar de regulados em sede de incidentes da instância, configuram-se como uma verdadeira acção declarativa, autónoma e especial, conexa com determinado procedimento de tipo executivo.
Através deles, agora relativamente desvinculados da posse, pode o embargante efectivar ou defender, para além da posse, qualquer direito de conteúdo patrimonial ilegalmente afectado pela diligência judicial de tipo executivo.»
Defesa essa ainda mais reforçada pelo efeito dado ao recebimento dos embargos à luz do artº 347: a suspensão dos termos do processo quanto aos bens.
Por outro lado, o arresto é o único meio idóneo e poderoso para obrigar os devedores relapsos a cumprirem as suas obrigações, obstando à perda da garantia patrimonial do devedor.
Ora, o que constatamos é que, hoje em dia, cada vez mais, os meios de possíveis fugas de capitais e perda de garantia patrimonial são complexos e seguem diversos caminhos. Urge, então, que os credores tenham ao seu alcance as ferramentas processuais mais eficazes e mais céleres para obviar a tal.
O que nem vai contrariar a possível afirmação dos direitos de terceiros por via dos embargos. Diversamente do que afirma o Sr. Juiz, entendemos que a sua tramitação, atento o seu caracter célere e efeito poderá ser a resposta mais adequada e exigível à eventual lesão dos seus direitos.
Não esqueçamos as especificidades de instrumentalidade e provisoriedade como atributos das providências cautelares. Por isso, neste contexto, se também atentarmos na tramitação dos embargos, há como que um elo entre a providência e estes últimos, ou seja, existe uma adequação entre estes procedimentos, sendo certo que o arresto é o único meio eficaz de garantia patrimonial.
Daí que também não faça sentido invocar-se a circunstância do direito não estar declarado, como no processo executivo, para se afastar o arresto destes bens de terceiro; não esqueçamos o já referido quanto aos embargos de terceiro e quanto à natureza da providência cautelar.
Por isso, o reforço do arresto dos bens de terceiro não atinge os seus direitos e garantias, tendo estes ao seu dispor meios eficazes de defesa.
Concluímos, pois, que atenta a relevância de todos os interesses em jogo, no seu confronto deverá prevalecer o meio processual que salvaguarde a posição do credor, sem prejuízo da garantia efectiva dos direitos de terceiros.” – sublinhado e negrito, nossos.
Note-se que não sendo os opoentes parte nos autos, mas, antes, terceiros, não lhes cabia, sequer, pôr em causa os fundamentos do decretamento da providência. Daí que o meio processual adequado não seja a oposição à providência, mas, antes, os embargos de terceiro. Pois, nos embargos de terceiro, não está em causa a reapreciação dos fundamentos da decisão de decretar o arresto (ou, in casu, reforço do arresto anteriormente decretado). O que verdadeiramente se trata é da apreciação da questão de saber se os terceiros/embargantes são titulares do direito de propriedade e/ou têm a posse efectiva e real dos bens/direitos arrestados em nome próprio, pois o objecto do processo de embargos não é o de sindicar a decisão que decreta a providência e os seus fundamentos.
Tudo isto para deixar claro que os opoentes (…) não são parte nos autos e por conseguinte carecem de legitimidade para deduzir oposição ao arresto (reforço do), sem prejuízo da faculdade de, querendo, intentarem os competentes embargos de terceiro para defesa dos seus alegados direitos, caso se verifiquem os respetivos requisitos/pressupostos.
(…)
É certo que os ora opoentes foram citados pelo Sr. Agente de Execução com a indicação de que, além do mais, “nos termos do artigo 293.º n.º 2 do CPC, tem o prazo de 10 (dez) dias para deduzir, querendo, oposição ao referido arresto, com algum dos fundamentos presentes no artigo 372.º n.º 1 do CPC.”
É sabido que os erros (e as omissões de atos) praticados pela secretaria judicial, não podem em qualquer caso prejudicar as partes – artigo 157º, n.º 6, do CPC. E esta regra de que a parte não pode ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria judicial aplica-se, obviamente, aos agentes de execução, chamados a colaborar no processo avocando, no caso, funções também atribuídas à secretaria judicial.
(…)
Isto para dizer que a partir de um lapso/erro de citação não pode ficcionar-se uma realidade processual inexistente (in casu, a legitimidade processual de quem a não tem), sendo que, repita-se, cabia aos opoentes, devidamente representados por advogado, suscitar a irregularidade da citação e lançar mão do meio processual adequado à defesa dos direitos/interesses alegadamente afectados, a saber, os embargos de terceiro.
Trata-se de uma manifestação do princípio da auto-responsabilidade das partes”.
Os opoentes contrapõem, essencialmente, que a decisão recorrida os coloca numa situação de indefesa porque não lhes permite exercer os seus direitos quanto ao arresto dos saldos das contas bancárias que estão em seu nome, já que o tribunal recorrido considera-os como partes ilegítimas no incidente de reforço de arresto, mas considera igualmente que a circunstância de terem sido citados como se de requeridos nesse incidente se tratassem não os desonerava da utilização do meio processual adequado (os embargos de terceiro) para fazer valer tais direito, o que não fizeram.
A questão da qualidade processual dos opoentes decorre do decidido (por este Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 18/6/2020) quanto ao reforço do arresto peticionado pela requerente, incidente sobre os saldos das contas bancárias em nome dos mesmos e nos montantes indicados pela requerente.
Com efeito, no referido acórdão ficou justificado o arresto nesses termos porque se considerou (como foi feito constar da decisão recorrida, através da citação da fundamentação constante desse acórdão, e que se reconduz ao afirmado por António Santos Abrantes Geraldes em “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. IV, 4ª edição) que, no caso de “arresto de bens do devedor que se encontrem na posse de terceiros (…) a aplicação remissiva do disposto no art. 747.º do CPC mostra-se suficiente para superar qualquer objecção quanto à legitimidade da apreensão nos casos em que, apesar dos poderes de facto efectivamente exercidos pelos terceiros, os bens continuem a integrar o acervo patrimonial do devedor”, na medida em que “não fica afastada a possibilidade de o terceiro deduzir os meios de defesa que forem oportunos, maxime os embargos de terceiro, quando se verifiquem os requisitos correspondentes”.
Ou seja, ao contrário do afirmado pelos opoentes, foi admitido o reforço do arresto através da apreensão de bens em poder dos mesmos porque se considerou que, caso esses bens (correspondentes aos saldos bancários) fossem da propriedade dos mesmos (ou seja, não integrando o acervo patrimonial da requerida, nos termos alegados pela requerente e assim considerados no acórdão de 18/6/2020), a defesa desse direito poderia ser exercitada pela via dos embargos de terceiro, enquanto “meio de reacção tutelar da posse ou de qualquer direito incompatível com a realização da diligência judicial que a ofende”, e sendo o reforço dessa medida de defesa assegurado, não só pela circunstância desse incidente ser tramitado como uma “verdadeira acção declarativa, autónoma e especial” (na expressão de Salvador da Costa em “Os Incidentes da Instância”), mas igualmente porque o recebimento dos embargos de terceiro conduz à suspensão dos termos do procedimento cautelar, no que respeita aos bens apreendidos, por força do disposto no art.º 347ºdo Código de Processo Civil.
Nessa medida, não faz sentido o apelo ao disposto no nº 2 do art.º 392º do Código de Processo Civil, no sentido de o arresto dever ser movido também contra o terceiro que adquiriu bens ao devedor, já que não é a ineficácia de qualquer aquisição que está em causa, mas a ausência de acto de transmissão susceptível de impugnação, nos termos previstos nos art.º 610º e seguintes do Código Civil.
Isso mesmo explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2020, pág. 124-125), ao referir que o terceiro a que se refere o art.º 747º do Código de Processo Civil é “aquele contra quem não foi proposta a execução ou que à mesma não foi chamado a intervir posteriormente como parte principal”, não devendo confundir-se a expressão “terceiro” utilizada em tal preceito legal “que tem um sentido processual e se reporta a quem não tem o estatuto de parte na execução [ou no procedimento cautelar de arresto em que ocorre apreensão nos mesmos termos da penhora, por força do disposto no art.º 391º, nº 2, do Código de Processo Civil] (…), com a que se encontra no nº 2 do art.º 735º, aí usada em sentido substantivo e por referência à dívida exequenda, aludindo a quem não tem a posição de devedor (cf. art.º 818. do CC)”, mas cujo património responde pela dívida, em virtude da procedência da impugnação do acto de transmissão (ou seja, em termos em tudo idênticos ao previsto no referido nº 2 do art.º 392º do Código de Processo Civil).
Mais afirmam tais autores que “questão diversa da titularidade dos bens é a da sua detenção, estabelecendo o nº 1 que os bens do executado são apreendidos mesmo que, por qualquer título, se encontrem em poder de terceiro”, mas deixando tal apreensão “incólumes quaisquer direitos que ao terceiro seja lícito opor ao exequente, através de eventuais embargos de terceiro”.
Assim, carece desde logo de qualquer fundamento a conclusão dos opoentes no sentido de os mesmos deverem ser partes no procedimento cautelar de arresto porque o que está em causa será a aquisição de valores da requerida pelos opoentes.
É que aquilo que a requerente alegou (e que concorreu para o decretamento do reforço do arresto) é que as quantias que identificou como existentes na conta bancária em nome dos opoentes Afonso e Maria M. são da titularidade da requerida, por corresponderem a património da mesma decorrente da sua actividade comercial, sendo dessa mesma conta bancária que a requerida fez sair também valores para pagamentos ao gerente Afonso e a funcionários (incluindo a opoente Gabriela e Jorge A.), mas não carecendo de os manter ao seu serviço nem de lhes pagar qualquer retribuição ou salário, pelo que as verbas em questão são da titularidade da requerida, atenta a ausência de justificação para tais entregas. Por seu lado os opoentes vieram alegar a existência de quantias depositadas na conta bancária em questão (em nome dos opoentes Afonso e Maria M.) que são da titularidade da requerida, assim estando consideradas na contabilidade da requerida, mais invocando que os restantes valores que não estão assim considerados correspondem a despesas da requerida, incluindo aquelas relativas a salários, bem como aos valores entregues a título de indemnização por cessação dos contratos de trabalho, como os que foram entregues à opoente Gabriela e a Jorge A.
Ou seja, e ao contrário do afirmado pelos opoentes, em momento algum a requerente apontou como causa de pedir desse reforço de arresto a existência de quaisquer actos de transmissão dos valores identificados susceptíveis de impugnação pauliana, nos termos do disposto nos art.º 610º e seguintes do Código Civil, do mesmo modo não resultando no requerimento inicial desse incidente que tenha qualificado os opoentes “como partes principais e demandados no procedimento cautelar”, assim os demandando. E, do mesmo modo, também os opoentes assim não entenderam a causa de pedir apresentada, como resulta do acima exposto.
Pelo que está excluída a necessidade de recorrer ao disposto no art.º 392º, nº 2, do Código de Processo Civil, fazendo intervir como requeridos nos autos os opoentes (ainda que supervenientemente), em razão da sua qualidade de intervenientes nesse (não invocado) acto de transmissão impugnado.
Do mesmo modo, ainda, não há que convocar o disposto no art.º 30º do Código de Processo Civil, para afirmar que os opoentes são requeridos no procedimento cautelar de arresto, pois que, face ao acima exposto, não se pode concluir que os opoentes figuram como sujeitos da relação material controvertida, entendida a mesma (tão só) como a relação negocial entre a requerente e a requerida de onde resulta o crédito da requerente, e que esta visa garantir pelo arresto dos bens da requerida devedora, ainda que na detenção de terceiros.
Em suma, os opoentes não podem ser considerados requeridos no procedimento cautelar de arresto, para efeitos de poderem deduzir oposição ao decretamento do reforço do arresto, nos termos da al. b) do nº 1 do art.º 372º do Código de Processo Civil, mas antes terceiros para os efeitos do disposto no art.º 747º do Código de Processo Civil e, designadamente, para poderem defender quaisquer direitos relativos às quantias arrestadas, através de embargos de terceiro.
Não obstante, o que de facto sucedeu no âmbito da tramitação dos autos de arresto foi a consideração dos opoentes como requeridos, desde logo sendo os mesmos considerados nessa qualidade pelo tribunal recorrido, como é evidente e decorre, não só da forma como foi feita a citação dos mesmos, mas igualmente dos despachos proferidos em 19/8/2020, 20/8/2020, 9/9/2020 e 19/11/2020.
Com efeito, desde logo no despacho de 9/9/2020 foi ordenada a notificação do agente de execução “para, em 10 dias, informar se procedeu à citação dos requeridos para o presente procedimento, comprovando-o documentalmente”. E tendo o opoente Afonso P. suscitado a invalidade da citação de todos os opoentes, pelo despacho de 19/11/2020 foi declarada a nulidade da citação dos mesmos, aí sendo os mesmos considerados como “requeridos” e ordenada a repetição das citações, sem que se fizesse qualquer menção de que as mesmas, destinando-se a dar conhecimento aos citandos dos arrestos concretizados, não se destinavam a conceder-lhes prazo para a dedução de oposição nos termos do art.º 372º do Código de Processo Civil.
Como resulta do art.º 6º do Código de Processo Civil, ao juiz assiste o dever de dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, designadamente adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
A respeito deste preceito António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 31‑32) explicam que “nesta sede existe um largo campo de manobra para o juiz (…) adoptar medidas que se traduzam na simplificação e agilização processual e mesmo, em certos casos na adequação formal prevista no art.º 547º”. Mais explicam que aqui “afloram com precisão dois pilares fundamentais do processo civil: o da instrumentalidade dos mecanismos processuais em face do direito substantivo e o da prevalência das decisões de mérito sobre as formais”, mais afirmando que “o direito adjectivo só existe porque existe direito substantivo integrado por normas que, de modo abstracto e generalizado, concedem direitos, fixam obrigações ou impõem ónus ou limitações”, e que “em caso de conflito de interesses, impõe-se a intervenção reguladora do juiz com funções de tutela de direitos subjectivos ou de interesses juridicamente relevantes”, daí decorrendo a “sobreposição do direito substantivo ao direito adjectivo, que só deve inverter-se quando a boa administração da justiça imponha outra solução”, e sendo “esta a real função do preceituado no art. 6º, no pórtico de entrada do CPC, replicado noutros preceitos”.
Do mesmo modo, resulta do art.º 7º do Código de Processo Civil que na condução do processo o juiz da causa, os mandatários e as próprias partes devem cooperar entre si, tendo em vista a obtenção da justa composição do litígio, com brevidade e eficácia.
Ora a conjugação do referido dever de gestão processual com o referido princípio da cooperação, aplicada ao caso concreto dos autos, ditava que o tribunal recorrido clarificasse a posição processual dos opoentes, tendo presente que o reforço de arresto incidiu sobre os saldos das contas bancárias em nome dos mesmos e tendo igualmente presente que a decisão que ordenou tal reforço do arresto referiu expressamente que se tratava do “arresto de bens de terceiro”, quando ao mesmo tempo foi aí afirmado que estava em causa o “arresto de bens do devedor que se encontrem na posse de terceiros”.
E tal dever de gestão processual passava desde logo pela definição dos termos em que devia chegar ao conhecimento dos opoentes a apreensão das quantias existentes nas contas bancárias em seu nome, visando o exercício efectivo do seu direito de defesa contra tal apreensão, caso a mesma se apresentasse incompatível com qualquer direito dos mesmos sobre essas quantias.
Com efeito, e como ficou desde logo referido no acórdão de 18/6/2020, nessa circunstância os meios de defesa a utilizar passariam pelo recurso aos embargos de terceiro.
Ora, nos termos do disposto no art.º 344º do Código de Processo Civil, a oposição por embargos de terceiro é deduzida mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência ofensiva foi efectuada ou em que o embargante tomou conhecimento da ofensa. A referência aí feita à data em que o embargante tomou conhecimento da ofensa, em alternativa à data em que a diligência é efectuada, revela que o legislador prescinde da citação do detentor dos bens objecto de apreensão, no caso de se considerar o mesmo como terceiro em relação às partes na causa onde tal diligência de apreensão tem lugar. É que, a ocorrer tal citação, não faria sentido afirmar que tal prazo de caducidade de 30 dias se conta a partir da data de realização da diligência ou da data em que o terceiro tomou conhecimento da mesma, já que era através desse acto de citação que o mesmo prazo se devia contar, por ser aí que se dava conhecimento ao terceiro da prática do acto, tendo em vista a sua intervenção no processo, nos termos gerais previstos no art.º 219º, nº 1, do Código de Processo Civil. E, de todo o modo, sempre tal citação faria menção a essa sua qualidade de terceiro, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.º 342º e seguintes do Código de Processo Civil, e não de requerido na causa onde ocorreu a diligência.
Aliás, é por isso que a própria requerente afirma acertadamente, na sua alegação de resposta, que “não competia ao tribunal, máxime ao agente de execução citar os terceiros que tinham em seu poder os bens da requerida, já que aqueles, sentindo-se ofendidos nos seus direitos, deviam voluntariamente intervir nos autos, através dos embargos de terceiro”.
Ou seja, não podia o tribunal recorrido “deixar andar” os autos com esta errada consideração dos opoentes como requeridos, inclusivamente repetindo a (desnecessária) citação dos mesmos nessa qualidade, em suprimento da nulidade da mesma que foi verificada, sob pena de estar a violar o princípio da cooperação e o dever de gestão processual que o obrigava a tomar as medidas adequadas à correcção desse erro que, por não ter sido causado pelos opoentes, em nada os podia desfavorecer, como resulta claro do disposto no art.º 157º, nº 6, do Código de Processo Civil.
Tal dever de tomar as medidas adequadas à correcção desse erro de qualificação processual dos opoentes como requeridos é tanto mais relevante quanto, como já acima se disse, a sua qualidade de terceiros em relação às partes no procedimento cautelar de arresto apenas lhes permitia exercitar os seus direitos substantivos pela via adjectiva dos embargos de terceiro, e não pela via adjectiva a que alude a al. b) do nº 1 do art.º 372º do Código de Processo Civil. E é exactamente porque tais mecanismos processuais são meramente instrumentais do direito a exercer pelos opoentes que mais se impunha a clarificação e correcção daquela qualificação, para que o concreto e efectivo direito de defesa dos opoentes pudesse ser exercitado, pela correcta via dos embargos de terceiro.
Aqui chegados, constata-se já que o instrumento processual ao dispor do tribunal recorrido para alcançar esse fim último da gestão processual que se impunha se reconduzia à aplicação do disposto no nº 3 do art.º 193º do Código de Processo Civil.
Com efeito, aí se prescreve que o “erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados”.
Ou seja, se os opoentes, pretendendo defender o seu direito de propriedade sobre os saldos das contas bancárias em seu nome que foram arrestados (por se considerar serem da titularidade da requerida e estarem na mera detenção dos mesmos), utilizaram o meio processual da oposição a que alude a al. b) do nº 1 do art.º 372º do Código de Processo Civil, e não o meio processual adequado dos embargos de terceiro a que respeitam os art.º 342º e seguintes do Código de Processo Civil, mais não praticaram que um erro na qualificação do meio processual que deviam utilizar, e que não se deveu a qualquer violação “do princípio da auto-responsabilidade das partes” (na expressão utilizada na decisão recorrida), mas antes à violação do dever de gestão processual pelo tribunal recorrido, ao permitir a errada qualificação processual dos mesmos como requeridos, e assim os citando, quando a correcta qualificação processual dos mesmos como terceiros não impunha essa citação (e muito menos para intervirem nos autos nos termos do nº 1 do art.º 372º do Código de Processo Civil).
E ao afirmar que a partir do “lapso/erro de citação não pode ficcionar-se uma realidade processual inexistente”, mas omitindo que tal “ficção” tinha sido por si criada, e omitindo igualmente a necessidade do desaparecimento dessa “ficção” (e a recondução da defesa dos opoentes ao seu correcto e concreto meio adjectivo) com recurso ao mecanismo processual a que respeita o nº 3 do art.º 193º do Código de Processo Civil, o tribunal recorrido mais não praticou que uma violação do referido dever de gestão processual e do princípio da cooperação a que estava obrigado, e que lhe impunha a referida recondução, sob pena de vedar o acesso dos opoentes à defesa dos seus direitos que terão sido atingidos pelo reforço do arresto que foi decretado e realizado, em violação do disposto no nº 4 do art.º 20 da Constituição da República Portuguesa, de onde emana o princípio da proibição da indefesa.
Ou seja, nesta parte há que concordar com os opoentes, quando concluem que o erro no meio processual utilizado pelos mesmos decorre dos erros e omissões praticados pelo tribunal recorrido, e assim se justificando a sua correcção oficiosa, nos termos do referido nº 3 do art.º 193º do Código de Processo Civil, e desde logo porque a convolação a realizar não esbarra na existência de requisitos específicos para o acto convolado, que não estejam presentes no acto a convolar, mais podendo ser desconsiderado tudo o que vem alegado pelos opoentes e que ultrapassa os limites da oposição por embargos de terceiro (assim se revelando inútil para os fins deste incidente).
Do mesmo modo, a convolação em questão torna inútil apurar da nulidade da citação dos opoentes, desde logo porque, como acima se referiu, se a mesma serviu para dar conhecimento aos opoentes da existência do incidente de reforço do arresto e da diligência de apreensão dos saldos das contas bancárias, sempre servirá para aferir do termo inicial do prazo a que alude o art.º 344º, nº 2, do Código de Processo Civil, mas sem determinar qualquer limitação ao direito de defesa dos mesmos ou qualquer outro efeito violador desse direito.
Em suma, na procedência das conclusões do recurso dos opoentes importa revogar a decisão recorrida e determinar a sua substituição por outra que ordena a correcção da qualificação do meio de defesa apresentado pelos mesmos, no sentido de corresponder à apresentação de P.I. de embargos de terceiro, mais determinando que no tribunal recorrido sejam seguidos os termos processuais adequados à convolação operada.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por esta outra que determina a correcção do meio processual de defesa apresentado pelos recorrentes, sendo o requerimento de oposição ao arresto apresentado pelos mesmos considerado como P.I. de embargos de terceiro, e sendo pelo tribunal recorrido seguidos os termos processuais adequados à convolação ora operada.
Custas pela recorrida.

17 de Junho de 2021
António Moreira
Carlos Castelo Branco
Lúcia Sousa