Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | MARIA MARGARIDA ALMEIDA | ||
| Descritores: | CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL SUSPENSÃO DA COIMA SANÇÃO ACESSÓRIA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 02/19/2024 | ||
| Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | DECISÃO SUMÁRIA | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: | Em contraordenações ambientais não é necessária a imposição administrativa de sanção acessória para que o Tribunal possa suspender a execução da coima. O propósito legal de permitir a suspensão de uma coima, mediante a imposição de sanções acessórias, tem por único propósito alcançar-se o objectivo de, por via de uma acção do próprio transgressor, se proceder à reparação dos danos por si praticados, dando-lhe um incentivo substancial (não pagamento de uma quantia monetária que, sendo as molduras das contra-ordenações em Portugal como são, será sempre seguramente elevada), repondo-se assim a situação existente antes da prática da infracção, à custa do próprio infractor. Para que a suspensão da coima aconteça basta que se demonstre que, de motu propriu, o infractor já tudo fez para repor a a situação existente antes da prática da infracção. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 3 Decisão sumária * I–RELATORA 1.–Em 3 de Dezembro de 2023, foi proferida decisão julgando parcialmente procedente a impugnação apresentada pelo impugnante ..., determinando-se a manutenção da coima de €6000,00 (seis mil euros), aplicada à arguida/recorrente ..., pela prática, a título negligente, de uma contra-ordenação ambiental grave prevista pelos artigos 49.º n.º 1 e alínea xx) do n.º 2 do artigo 117.º do DL n.º 102-D/2020, de 10/12, na sua redacção actual e sancionada nos termos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º, conjuntamente com os artigos 23.º-A e 23.º-B todos da Lei n.º 50/2006, de 29/08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28/08, na sua redacção actual, acrescida de custas no valor de €75,00 (setenta e cinco euros), suspensa na sua execução, pelo período de 1 ano, nos termos do artigo 20.º - A, da Lei n.º 50/2006, de 29/08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28/08, na sua redacção actual, 2.–Inconformado, veio o MºPº interpor recurso, pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por uma outra que não suspenda a coima. 3.–O recurso foi admitido. 4.–A arguida não apresentou resposta. 5.–Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto entendeu dever improceder o recurso interposto. II–QUESTÃO A DECIDIR.
Da suspensão da coima.
III–FUNDAMENTAÇÃO. 1.–O tribunal “a quo” pronunciou-se, nos seguintes termos, no que toca à matéria de facto provada, bem como à decisão da suspensão da coima imposta: Matéria de facto assente: 1.–No dia 09 de julho de 2019, pelas 14h00m, num terreno localizado no caminho do ..., em ... encontrava-se uma quantidade assinalável de resíduos de construção e demolição (RCD), nomeadamente restos de obras, madeiras, ferros, chapas, paletes, plásticos. 2.–Esses resíduos haviam sido aí depositados por AA, sócio-gerente da Arguida. 3.–Não se encontrando o respetivo terreno licenciado para a descarga de resíduos de obras. 4.–Após a fiscalização, a arguida retirou os resíduos em questão do referido terreno, tendo-os encaminhado para locais devidamente autorizados e licenciados para o efeito. Fundamentação da decisão de suspensão: Aqui chegados, aplicada a coima mínima aplicável, já especialmente atenuada, e não sendo possível aplicar uma simples admoestação, ainda que tal não seja peticionado pela recorrente, cumpre apenas ponderar da possibilidade de suspensão da execução da coima, nos termos do artigo 20.º - A, Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (Lei Quadro das Contraordenações Ambientais), que a prevê nos seguintes termos: Artigo 20.º -A Suspensão da sanção 1–Na decisão do processo de contraordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas: a)- Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma; b)- O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente. 2–Nas situações em que a autoridade administrativa não suspenda a coima, nos termos do número anterior, pode suspender, total ou parcialmente, a execução da sanção acessória. 3–A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais, à reparação de danos ou à prevenção de perigos para a saúde, segurança das pessoas e bens e ambiente. 4–O tempo de suspensão da sanção é fixado entre um e três anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória. 5–A suspensão da execução da sanção é sempre revogada se, durante o respetivo período, ocorrer uma das seguintes situações: a)- O arguido cometer uma nova contraordenação ambiental ou do ordenamento do território, quando tenha sido condenado pela prática, respetivamente, de uma contraordenação ambiental ou do ordenamento do território; b)- O arguido violar as obrigações que lhe tenham sido impostas. 6–A revogação determina o cumprimento da sanção cuja execução estava suspensa. Ora, no caso em apreço, não tendo sido aplicada sanção acessória com as finalidades consagradas na norma acima transcrita, mas tendo resultado provado que a arguida já retificou a situação de infração detetada, entendemos ser possível formular um juízo de prognose favorável quanto aos efeitos de uma suspensão da obrigação de pagamento da coima, pelo será a mesma suspensa pelo período de 1 ano (cfr. artigo 20.º - A, n.º 4, da LQCA). 2.–O recorrente extraiu as seguintes conclusões da sua motivação: 1- A arguida recorrente foi condenada na coima especialmente atenuada de €6000,00 (seis mil euros), acrescida de custas no valor de €75,00 (setenta e cinco euros) pela prática, a título negligente, de uma contraordenação ambiental grave, prevista e punida pelos artigos 49.º n.º 1 e alínea xx) do n.º 2 do artigo 117.º do Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10/12, na sua redação atual, e pela alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º, conjuntamente com os artigos 23.º-A e 23.º-B, todos da Lei n.º 50/2006, de 29/08, alterada e republicada pela Lei n.º 114/2015, de 28/08, na sua redação atual. 2- Da sentença resulta que considerou o tribunal “ a quo “ que não tendo sido aplicada sanção acessória com as finalidades consagradas na norma acima transcrita, mas tendo resultado provado que a arguida já rectificou a situação de infração detetada , entendemos ser possível formular um juízo de prognose favorável quanto aos efeitos de uma suspensão de uma obrigação de pagamento da coima, pelo que será a mesma suspensa pelo período de um ano (cfr artigo 20º -A da LQCA). 2– Nos termos do artigo 20º A da LQCA na decisão do processo de contraordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas: a)- Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma; b)- O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente. 3–Nas situações em que a autoridade administrativa não suspenda a coima, nos termos do número anterior, pode suspender, total ou parcialmente, a execução da sanção acessória. 4–A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais, à reparação de danos ou à prevenção de perigos para a saúde, segurança das pessoas e bens e ambiente. 5–O tempo de suspensão da sanção é fixado entre um e três anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória. 6–A suspensão da execução da sanção é sempre revogada se, durante o respetivo período, ocorrer uma das seguintes situações: a)- O arguido cometer uma nova contraordenação ambiental ou do ordenamento do território, quando tenha sido condenado pela prática, respetivamente, de uma contraordenação ambiental ou do ordenamento do território; b)- O arguido violar as obrigações que lhe tenham sido impostas. 6.–A revogação determina o cumprimento da sanção cuja execução estava suspensa.” Daqui resulta que a suspensão da execução da coima, depende da verificação, de dois pressupostos: a)- da aplicação de uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma, e b)- que o cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente. 7– Não subsistem dúvidas que, de acordo com este preceito, a suspensão da coima só é admissível nos casos em que tenha sido aplicada à recorrente uma sanção acessória, o que não foi o caso. 8– E, se assim é, com o muito e devido respeito que temos pela contrária, não vislumbramos como é que pode haver lugar à suspensão da execução da coima sem violação da lei. 9– Pelo que a sentença recorrida não efectuou uma correcta interpretação da lei , designadamente do artigo 20º A da LQCA . 10– Devendo por isso ser revogada. 3.–Apreciando. Caberá assinalar que a decisão da questão proposta se mostra extraordinariamente simples, sendo manifesta a sem razão do recorrente. Senão, vejamos. O tribunal “a quo” entendeu ser possível aplicar à arguida a suspensão da coima, atendendo à circunstância de esta, antes mesmo de ser condenada, ter procedido à rectificação da infracção detectada. Por seu turno, entende o recorrente que, apenas no caso de ser aplicada à arguida uma sanção acessória, se poderia cogitar tal suspensão. 4.–Salvo o devido respeito, a lei tem de ser lida e entendida com sentido de justiça (como dizia S. Tomás de Aquino, o Direito é aquilo que é justo) e interpretada de acordo com os objectivos que o legislador pretende alcançar, não de modo simplista, resumindo-se a uma leitura primária do que se mostra escrito. 5.–No caso, é absolutamente manifesto que o propósito legal de permitir a suspensão de uma coima, mediante a imposição de sanções acessórias, tem por único propósito alcançar-se o objectivo de, por via de uma acção do próprio transgressor, se proceder à reparação dos danos por si praticados, dando-lhe um incentivo substancial (não pagamento de uma quantia monetária que, sendo as molduras das contra-ordenações em Portugal como são, será sempre seguramente elevada), repondo-se assim a situação existente antes da prática da infracção, à custa do próprio infractor. 6.–Se é esse o escopo da lei – e basta ler o teor das alíneas a) e b) do artº 20-A, que o próprio recorrente transcreve, para assim concluir, sem necessidade de elaboração de grandes raciocínios (a)-Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma; b)- O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente.) - resta perguntar como se mostra sequer defensável a inaplicabilidade do instituto da suspensão, nos casos em que o próprio transgressor, pela sua livre iniciativa e antes mesmo da sua condenação, já procedeu a tal reposição? 7.–A seguir-se a tese simplista e literal do recorrente, teríamos então que, quem repusesse, por sua própria iniciativa, o estado das coisas, anterior à infracção, não poderia beneficiar de qualquer suspensão de coima (uma vez que as condições previstas na lei lhe seriam inaplicáveis) mas, quem o não tivesse feito, poderia da mesma vir a gozar, com fundamento na expectativa de vir a proceder a tal reparação no futuro. Esta tese seria, pura e simplesmente ilegal e mesmo inconstitucional, por violadora do princípio da igualdade (artº 13 nº1 da CRP) e pelo grau de discricionariedade absurda que acarreta, bem como, de um ponto de vista de mero bom senso e de lógica do sistema, insustentável. 8.–É manifesto, face à letra e ao espírito da lei que, sendo possível alcançar-se o juízo de prognose que a norma sindicada exige, só haverá lugar à necessidade de imposição de condições, em termos de sanção acessória, se a situação de reparação, à data da decisão, ainda não tiver ocorrido. O que não pode, de todo, é um cidadão, que até se esforçou por emendar a sua infracção, ser privado da possibilidade da sua coima ser suspensa, por não lhe poder ser aplicada uma sanção acessória, porque….já cumpriu o que lhe iria ser imposto. 9.–O que a Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto (alterada pela Lei nº 114/2015, de 28 de Agosto que introduziu o art.º 20º-A) estabelece, no âmbito deste novo dispositivo, é a possibilidade da suspensão de execução da coima, desde que se verifiquem cumulativamente as condições previstas no nº1, alíneas a) e b), do referido preceito. Esse é o escopo da lei. O mecanismo previsto para os casos em que tais requisitos se mostrem reunidos e a situação ainda não reparada, será através da imposição de uma sanção acessória, condicionada. Mas não há que confundir instâncias – a imposição, repete-se da sanção acessória, é apenas um meio para alcançar um fim, reunidos que se mostrem os seus requisitos. Não é um fim em si mesmo, nem é a imposição da sanção o objectivo que o legislador pretendeu alcançar. 10.–Assim, reunidos os requisitos que o legislador impõe – que, efectivamente, se mostram preenchidos no caso presente, como, aliás, o próprio recorrente não contesta - para que possa haver lugar à suspensão da coima, esta mostra-se legalmente admissível sendo que, caso a reposição ainda não tenha ocorrido, deverá ser imposta sanção acessória condicionada (meio instrumental para alcançar tal propósito) e, nos casos em que já ocorreu, tal sanção mostra-se desnecessária, por tal mecanismo se mostrar desnecessário, para alcançar o objectivo pretendido pelo legislador, através da norma. Apenas isto. 11.–Como bem refere o Exº PGA no seu parecer, esta é solução jurídica que já mereceu igualmente acolhimento jurisprudencial, como resulta da leitura do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. nº 1422/22.1T8GRD.C1: o facto de a autoridade administrativa não ter aplicado à arguida qualquer sanção acessória, não pode ser impeditivo de, no âmbito da impugnação judicial deduzida pela arguida, o Tribunal possa e deva equacionar a aplicação de tal sanção, enquanto condição necessária para suspender a execução da coima. 12.–É assim, manifesta, a improcedência do presente recurso, pelo que deve ser rejeitado, ao abrigo do disposto nos artºs 417 nº6 al. b) e 420 nº1 al. a), ambos do C.P.Penal. IV–DECISÃO. Face ao exposto, julga-se manifestamente improcedente o presente recurso, interposto MºPº, pelo que se rejeita o mesmo. Sem tributação. Lisboa, 19 de Fevereiro de 2024
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