Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | FERNANDA ISABEL PEREIRA | ||
| Descritores: | DIREITO COMUNITÁRIO PROCEDIMENTOS CAUTELARES | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/07/2004 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | Para o decretamento da providência cautelar comum não se exige uma prova aprofundada e definitiva dos elementos constitutivos do direito invocado pelo requerente, bastando a verificação da probabilidade séria da existência desse direito. Desde que respeitado o limite da produção anual, o direito comunitário não obsta à expedição para Portugal continental de açúcar branco produzido nos Açores a partir de beterrabas ali colhidas e que tenha beneficiado, até ao limite da produção anual fixada, de ajudas comunitárias referidas. Mas à luz do mesmo direito já é proibida a expedição se o açúcar branco for produzido a partir de açúcar em bruto de beterraba importada ao abrigo do título I do Regulamento nº 1600/92, de 15-6-92. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório : RAR - Refinarias de Açúcar Reunidas, S.A., intentou, em 30 de Novembro de 1998, no Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada, o presente procedimento cautelar comum contra SINAGA - Sociedade de Indústrias Açoreanas, S.A., como preliminar da acção de indemnização que vai instaurar contra a referida sociedade, pedindo que o Tribunal ordene que a requerida se abstenha de comercializar em Portugal Continental o açúcar refinado que provém de importação de ramas sem direitos niveladores que efectuou ao abrigo do POSEIMA e/ou que beneficiou da ajuda à transformação fixada nesse programa, que se destina ao consumo e abastecimento exclusivo da Região Autónoma dos Açores. Para tanto alegou, em síntese, que: A requerida exerce a actividade de refinação de açúcar e comercialização do mesmo no arquipélago dos Açores; Ao nível do programa POSEIMA a Região Autónoma dos Açores beneficia de tratamento preferencial em três vertentes, nomeadamente na ajuda directa ao agricultor que semeia beterraba, na ajuda à transformação em açúcar branco das beterrabas colhidas nos Açores e na isenção de direitos niveladores nas ramas importadas; A filosofia do POSEIMA assenta no pressuposto de que a importação de ramas sem direitos niveladores se destina a possibilitar que o açúcar refinado seja vendido nos Açores ao mais baixo custo possível e visa melhorar e incrementar as condições de produção de beterraba local, com redução dos preços até ao estádio de utilização final, de forma a atenuar os encargos que oneram sectores da alimentação essenciais ao consumo. A requerida desde que vigora o Poseima, a partir de 1992, sempre, circunscreveu e balizou a sua actividade ao abastecimento das necessidades do arquipélago no consumo do açúcar; Porém, a requerida procedeu à venda de açúcar refinado à "Nestlé Portugal, S.A.", com base em ramas importadas com isenção de direitos niveladores, ao abrigo do programa Poseima e/ou que beneficiou da ajuda à transformação estabelecida no Poseima; Ao exportar as referidas quantidades de açúcar a requerida. violou o art. 8º do Regulamento 1600/92 que proíbe a reexportação para países terceiros ou a reexpedição para o resto da comunidade dos produtos que beneficiam do regime específico de abastecimento; E manipulou as previsões dos arts. 2º, 3º, 5º e 6º do Regulamento 1696/92, de 30 de Julho de 1992, uma vez que os certificados de importação, de isenção, ou de ajuda neles previstos são emitidos para utilização nos Açores e a fim que os respectivos benefícios possam ser repercutidos no consumidor final; Por fim, violou ainda o disposto no art. 3º do Regulamento 2177/92, uma vez que só o açúcar expedido para os Açores para refinação e consumo beneficia dos apoios comunitários. A exportação de açúcar para o Continente não pode ser entendida como fazendo parte das "correntes comerciais tradicionais com o resto da Comunidade" (cfr. art. 3º, n.º 3, do regulamento), porquanto só em 84 e 85 foram realizadas exportações para o continente num volume de 3.024 e 6.177 toneladas, ao abrigo de uma legislação especial - cfr. Dec. Lei n.º 326/84. É irrelevante a média de exportação para o Continente de 1998 a 1992. Ao concorrer em Portugal com açúcar que beneficia de ajudas especiais a requerida está a por em causa a concorrência aberta que vigora no Continente; A Nestlé Portugal S.A. é há mais de 8 anos cliente tradicional da requerente, mantendo com esta um volume de negócios em compras de açúcar refinado de cerca de 14.000 toneladas anuais; Com a venda efectuada a requerente viu diminuídas as suas receitas em 6.130.000$00, sendo que sem a intromissão da requerida a compra e venda seria decerto realizada com a requerente; A requerida pretende exportar para o mercado do continente cerca de 3.500 toneladas por ano, o que causará à requerente um prejuízo que oscilará entre 56.000 a 140.000 contos por campanha anual. A requerida alegou, em suma, na oposição que deduziu que: O Poseima visa corrigir assimetrias e, especificadamente, em relação ao açúcar, mais dois objectivos, quais sejam: melhorar as condições de beterraba (art. 25º do Regulamento 1600 do Conselho, de 15/06/1992, adiante designado por Poseima) e melhorar as condições de competitividade da indústria açucareira local, no limite de quantidades determinadas (arts. 1º, 2º e 3º, n.º s 3 e 4, e 8º último parágrafo do Poseima). O Poseima ao prever um determinado regime de abastecimento de açúcar de beterraba em bruto não pretendeu fechar o mercado açoreano e limitar a actividade comercial da SINAGA ao arquipélago. O art. 3º, n.º 3, do Regulamento, manda levar em consideração, além das necessidades específicas dos Açores e da Madeira, as correntes tradicionais com o resto da comunidade; O açúcar é um dos produtos abrangidos pela previsão do art. 8º' do Regulamento O limite das 10. 000 toneladas de açúcar branco não se refere única e exclusivamente ao consumo da região, pelo que não existe probabilidade séria da existência do direito da requerente; Confinada à produção de 6.000 toneladas a requerida não pode sobreviver. Não existe probabilidade de lesão por não ser possível afirmar-se que se não fosse a requerida a fornecer o açúcar à Nestlé Portuguesa S.A. seria a requerente a fornecer-lho; A lesão a existir nunca poderia ser considerada grave uma vez que as quantidades que a requerente pretende evitar que a requerida coloque em Portugal continental e na Madeira representam 1,37% do mercado português e 3,44% das suas vendas totais, sendo que o prejuízo de 140. 000 quase não tem expressão face a um lucro de 4.672.000.000$00. Tal lesão não poderá ser considerada de difícil reparação por se tratar de uma lesão com expressão económica e até susceptível de avaliação pecuniária que pode ser reparável através de indemnização, sendo que o avultado património da requerida é suficiente para responder pelos danos que causasse à requerente Impossibilitada de refinar as 4.000 toneladas que pretende colocar anualmente em Portugal Continental e na Madeira e face à quantidade de açúcar consumida na região (6.000 toneladas) a requerida não teria possibilidades de sobreviver, tendo em conta os seus elevados custos fixos; O encerramento da fábrica provocaria o despedimento de 145 trabalhadores da requerida e o não emprego de cerca de 60 trabalhadores sazonais. Por despacho proferido a fls. 554 e vº, com data de 22 de Dezembro de 1999, foi indeferido o envio de carta-precatória para inquirição de testemunhas e a realização de prova pericial por tais diligências não serem compatíveis com a natureza urgente do processo. Deste despacho agravou a requerida a fls. 599, recurso que foi recebido com subida diferida, conforme despacho proferido a fls. 604. A agravante não apresentou, porém, a respectiva alegação de recurso, como o impunha o disposto no artigo 743º nº 1 do Código de Processo Civil, no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho que o admitiu, a que se seguiria a tramitação prevista no artigo 747º do citado código, pelo que tem de julgar-se tal recurso deserto por falta de alegação, conforme o estatuído nos artigos 690º nº 3 e 291º nº. s 2 e 4 do mesmo compêndio adjectivo, o que se fará infra. Depois de fixada a matéria de facto o Tribunal procedeu ao reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, nos termos do art. 177º, al. b), do Tratado CEE, solicitando-lhe que se pronunciasse sobre as seguintes questões : 1) 0 § 2º do 8º do Regulamento (CEE) nº. 1600/92, do Conselho, de 15 de Junho de 1992, aplica-se (i) ao açúcar transformado a partir de ramas (açúcar propriamente dito, quer ele seja proveniente de beterrabas localmente produzido, quer de ramas importadas) (ii) ou apenas ao incorporado em produtos que o integrem (como bolos, refrigerantes, etc.) ? (No fundo, dar conteúdo à expressão "transformação de produtos" contida no preceito). 2) As vendas referidas em 3) [dos pressupostos de facto] são susceptíveis de integrar os conceitos "correntes comerciais tradicionais", "exportações tradicionais" ou "expedições tradicionais" para "o resto da comunidade”, contidos no n.º 3 do art. 3º e § 2º do art. 8º do citado regulamento? 3) Independentemente da resposta às questões anteriores, o quadro legal existente, desde Setembro de 1998 até à presente data, consente que a Sinaga possa vender no Continente Português açúcar por si produzido a partir de beterraba cultivada nos Açores e para cuja produção beneficia de apoios comunitários ao abrigo do programa Poseima? 4) Também, independentemente da resposta às questões anteriores, o quadro legal existente, desde Setembro de 1998 até à presente data, consente que a Sinaga possa vender no Continente Português açúcar por si produzido a partir de ramas importadas com o beneficio de isenção de direitos niveladores ao abrigo do mesmo Programa Poseima? Por acórdão de 15 de Maio de 2003 o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias pronunciou-se sobre as questões que lhe foram submetidas. Seguidamente foi proferido despacho a julgar improcedente o presente procedimento cautelar. Deste despacho agravou a requerente, sustentando na sua alegação a seguinte síntese conclusiva : 1ª O Recorrente impugna a decisão de facto nos termos do n° 1 do artigo 690º-A do C.P.C., uma vez que o processo contém todos os elementos probatórios necessários à quantificação dos prejuízos. 2ª A matéria de facto está incompleta, devendo ser suprida com a redacção de um novo número nos seguintes termos; "A produção de beterraba local tem vindo a reduzir-se desde 1995 não excedendo as 600 toneladas ano a partir de 1998 por razões que se prendem com as razões climatéricas e económicas do arquipélago". 3ª Ainda na decisão de facto deverá transcrever-se o quadro das produções da Requerida desde pelo menos 1997, constante do documento de fls. 810 dos autos. 4ª Os pontos ora enunciados resultam dos seguintes elementos probatórios constantes dos autos, - depoimentos gravados das testemunhas da Requerida, José António Mota Amaral e António Medeiros Brilhante às matérias referenciadas no artigo 66° da oposição, cujos depoimentos se transcreveram para os efeitos previstos no n° 2 do artigo 690°-A do C.P.C. O documento de fls. 714 a 721 dos autos, documento de fls. 837 dos autos e finalmente o documento de fls. 810 dos autos - ofício do IAMA. 5ª A simples consideração do documento de fls.810, sem necessidade de outras provas, era suficiente para a quantificação dos prejuízos, sendo certo que os mesmos são complementados pelos restantes documentos e pela prova testemunhal gravada. 6ª Para além do mais, tal documento não foi objecto de impugnação das partes, o que tem como efeito processual a veracidade do seu conteúdo. 7ª O prejuízo sofrido pela Agravante nunca será inferior a uma quebra de 3.400 toneladas por ano, prevendo-se que seja superior nos anos seguintes a 1998. 8ª Ao considerar a não gravidade da lesão, o Julgador confundiu os dados do problema, baralhando receitas com lucro. 9ª Em vez dos 160 mil contos de quebra de receitas, a verdade é que a quebra anual sofrida pela Requerente é, na melhor das hipóteses para ela, nunca inferior a 521.560 contos de receitas. 10ª E mesmo que tal lesão consistisse numa redução anual circunscrita a 136.000 contos, a mesma seria sempre grave e de difícil reparação numa perspectiva empresarial. 11ª Não é possível aferir da gravidade ou da menoridade do prejuízo em função da percentagem das quantias em causa em relação ao valor global das vendas. 12ª Um prejuízo de 20 mil contos anuais ou mesmo de 136 mil contos anuais é objectivamente um prejuízo grave, sendo tanto mais grave quanto é certo que está demonstrada a estratégia e o propósito de anualmente provocar igual prejuízo. 13ª Uma quebra de receitas já da ordem dos 3 milhões de contos só muito dificilmente poderá ser recuperada na acção principal. 14ª Não é aceitável a filosofia de que só é de decretar uma providência cautelar fundada em danos patrimoniais, se for certo para o destinatário de tal providência ficar a breve trecho em situação de falência ou de insolvência. 15ª Seja como for, os danos patrimoniais da Requerida e respectivos custos demonstram desde logo a mais que consistente probabilidade de se tornar impossível a recuperação das receitas perdidas, qualquer que seja a modalidade de quantificação. 16ª Para além do mais os prejuízos sofridos não se esgotam na vertente patrimonial. 17ª A Agravante tem o direito se não ser perturbada no exercício da sua actividade por práticas ilegais, perturbadoras das leis da concorrência e afectando de forma negativa o relacionamento entre todos os agentes económicos, entre os quais se inclui a Agravante. 18ª O prejuízo sofrido pela Requerente é um prejuízo certo e irremediável, sendo já praticamente irrecuperável, dado o seu permanente agravamento. 19ª Está, pois, demonstrada a existência de receio fundado de que a demora da resolução do litígio cause lesão grave e de difícil reparação ao direito da Requerente. 20ª A decisão recorrida fez errada aplicação do disposto nos artigos 381° a 387° do C.P.C., impugnando-se igualmente a matéria de facto nos termos do artigo 690°-A, na redacção anterior à actualmente em vigor, devendo em consequência ser revogada a decisão da providência cautelar e substituída por outra que decrete a providência. Na contra alegação pugnou a agravada pela confirmação do julgado. II. Fundamentos : De facto : Na 1ª instância consideraram-se assentes os seguintes factos : 1. - A requerente - RAR - Refinarias de Açúcar Reunidas, S.A. - exerce a actividade de refinação de açúcar em Portugal e a sua subsequente comercialização; 2. - A requerida - SINAGA, Sociedade de Indústrias Açoreanas, S.A. - exerce a actividade de produção de açúcar de beterraba e de refinação de açúcar na Região Autónoma dos Açores e a sua comercialização; 3. - A actividade da requerida insere-se no quadro do Programa Poseima, que desde 1992 estabeleceu medidas específicas relativas ao açúcar de beterraba em favor das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, as quais se destinam a compensar o afastamento e a insularidade dos arquipélagos; 4. - Assim, a requerida beneficia de uma ajuda à transformação do açúcar de beterraba e colhidos dos Açores de 10 ecus/100 Kg de açúcar refinado, a qual passou a ser de 27 ecus/100Kg de açúcar branco refinado a partir de 1 de Julho de 1998; 5. - Por outro lado, a requerida beneficia ainda da isenção de direitos niveladores sobre as ramas importadas; 6. - A partir de 1992 e até 1998 a requerida sempre circunscreveu e balizou a sua actividade no abastecimento das necessidades do arquipélago no consumo do açúcar; 7. - A requerida, desde 1998 até à presente data, procedeu à venda, pelo menos e no conjunto, de 4.000 toneladas de açúcar refinado à Nestlé Portugal, S.A., e Frulact, ambas do continente português, produzido com base em ramas importadas com isenção de direitos niveladores ao abrigo do referido programa Poseima e/ou que beneficiava de ajuda à transformação estabelecida no mesmo Programa, ao preço de 153$40, as quais foram descarregadas no Porto de Leixões; e mantém o propósito de continuar a vender, pelo menos, igual quantidade de açúcar em cada ano, englobados aqui os mercados do continente e Madeira, tendo, até, realizado campanhas pontuais no continente, propondo a venda de açúcar a preço inferior a 153$40 por Kg, designadamente a 139$50 o kg; 8. - A Nestlé Portugal, S.A., é, há mais de 8 anos, cliente tradicional e privilegiada da requerente, com quem tem mantido um volume de negócios em compras de açúcar refinado de cerca de 14.000 toneladas anuais, no que obtém um lucro correspondente a 40$00 o Kg, sendo de admitir como provável que, não fosse o preço competitivo da requerida, a Nestlé adquirisse à requerente iguais quantidades de açúcar que a requerida lhe vendeu; 9. - Nos cinco anos que precederam a aprovação do Poseima (1987-1991), a média de consumo de açúcar nos Açores foi de 8.000 toneladas, seguindo, a partir daí, uma tendência constante de retracção no consumo que em 1999 era de 6.169.189 quilos; 10. - A requerente é sócia da requerida, detendo actualmente 15.558 acções, num total de 87.256; 11. - A unidade fabril de produção e refinação de açúcar na Região Autónoma dos Açores em causa, hoje denominada SINAGA, procedeu, desde 1907, às seguintes vendas de açúcar para o exterior dos Açores, sendo que as referidas com (*) se referem não a vendas mas a ofertas de Natal: (...) 12. – No continente português há actualmente, pelo menos, três açucareiras que colocam no mercado os seus produtos: a RAR, a ALCÂNTARA e a DAÍ; 13. – A requerente detém 40% do mercado de açúcar em Portugal, sendo que a norte do Mondego essa percentagem é de 70% e no continente vendem-se, em média, entre 250.000 a 300.000 toneladas por ano; 14. – O património da requerida é superior a um milhão de contos, não tendo passivo assinalável e sendo certo que desde 1992 até à presente data apresentou os seguintes resultados: (...) 15. - A requerida tem, pelo menos, 145 trabalhadores efectivos e 60 trabalhadores sazonais; 16. - Para além disso constitui uma componente para o rendimentos de 300/400 famílias que cultivam beterraba na Ilha de São Miguel; 17. - E mantém custos fixos anuais superiores a um milhão de contos. Além destes, e pelas razões que se explicitarão infra, estão ainda assentes estoutros factos : 18. - No ano de 1997 a requerida produziu e refinou um total de cerca de 6 500 toneladas de açúcar, sendo 5 900 toneladas a partir de ramas e 600 toneladas da produção de beterraba; 19. - No ano de 1998/99 a requerida produziu e refinou 6 130 250 toneladas, sendo 5 512 150 toneladas a partir de ramas e 618 100 da produção de beterraba e no ano de 1999/00 produziu e refinou 7 054 100 toneladas, sendo 6 463 600 toneladas a partir de ramas e 590 500 da produção de beterraba. Fundamentos de direito : (...) Posto isto, cumpre averiguar se, no caso em apreço, estão presentes os requisitos necessários para que a providência cautelar requerida seja decretada. Os procedimentos cautelares “representam uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal e assentam numa análise sumária (summaria cognitio) da situação de facto que permita concluir pela provável existência do direito (fumus boni juris) e pelo receio de que tal direito seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora).”[1] O procedimento cautelar comum, meio de tutela provisória destinado a acautelar o risco de lesão não especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas na lei adjectiva (nº 3 do artigo 381º do Código de Processo Civil), pressupõe o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável de um direito (periculum in mora), cabendo ao requerente a demonstração sumária do direito ameaçado e do receio da lesão (artigos 381º nº 1 e 384º nº 1 do Código de Processo Civil). Para o decretamento da providência não se exige uma prova aprofundada e definitiva sobre os elementos constitutivos do direito que o requerente se arroga, bastando a probabilidade séria da existência de tal direito. A prova sumária do direito apenas é compatível com um juízo de verosimilhança, uma aparência do direito, um fumus boni juris. No caso vertente, apurou-se que a requerida exerce a sua actividade de refinação de açúcar quer a partir de beterrabas colhidas nos Açores quer a partir de açúcar bruto importado, sendo a única refinaria de açúcar implantada nos Açores. Para o exercício dessa actividade beneficia simultaneamente de uma ajuda à transformação em açúcar branco das beterrabas colhidas nos Açores e da isenção de direitos niveladores e/ou de direitos aduaneiros relativamente ao açúcar em bruto de beterraba importada ao abrigo do programa Poseima instituído pela Decisão 91/315/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1991, o qual contém um conjunto de opções específicas para fazer face ao afastamento e à insularidade da Madeira e dos Açores e se baseia no duplo princípio da pertença daqueles à Comunidade e do reconhecimento da realidade regional, caracterizada pelas especificidades e dificuldades particulares das regiões em causa relativamente ao conjunto da Comunidade, programa a que se seguiu o Regulamento nº 1600/92, que estabelece medidas específicas relativas a determinados produtos agrícolas daqueles arquipélagos. A requerente, que se dedica à produção e comercialização de açúcar branco em Portugal continental, onde detém 40% do mercado, visa com este procedimento cautelar obstar a que a requerida comercialize em Portugal continental açúcar branco proveniente da importação de açúcar em bruto sem direitos niveladores e/ou direitos aduaneiros, efectuada ao abrigo do programa Poseima, ou que beneficiou da ajuda à transformação fixada nesse programa, sustentando que o açúcar produzido e refinado pela requerida se destina ao abastecimento e ao consumo exclusivos da Região Autónoma dos Açores, estando-lhe vedado vender, como vendeu e se propõe continuar a vender, açúcar para Portugal continental. Suscitando-se dúvidas sobre o alcance das restrições do direito comunitário à reexpedição do açúcar produzido pela requerida para Portugal continental procedeu-se na 1ª instância ao reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, nos termos do art. 177º, al. b), do Tratado CEE, solicitando-lhe pronúncia sobre as referidas restrições decorrentes da interpretação do quadro normativo estabelecido no Regulamento nº 1600/92 (artigos 2º, 3º e 8º). Assim, pronunciando-se sobre as questões que lhe forma submetidas, clarificou o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia que : “1) A refinação de açúcar em bruto de beterraba a fim de obter açúcar branco deve ser considerada uma transformação de um produto na acepção do artigo 8º, segundo parágrafo, do Regulamento (CEE) n.º 1600/92 do Conselho, de 15 de Junho de 1992, que estabelece medidas específicas relativas a determinados produtos agrícolas a favor dos arquipélago dos Açores e da Madeira; 2) Constituem expedições tradicionais para o resto da Comunidade, na acepção do artigo 8º segundo parágrafo, do Regulamento n.º 1600/ 92, as expedições que, no momento da entrada em vigor deste regulamento, em 1 de Julho de 1992, revestiam carácter actual, regular e significativo, Compete ao órgão jurisdicional do reenvio apreciar se era esse o caso das expedições de açúcar dos Açores para Portugal continental e para a Madeira, realizadas entre 1907 e 1992 e referidas na tabela reproduzia no despacho do reenvio; 3) O direito comunitário não obsta à expedição para Portugal continental de açúcar branco produzido nos Açores a partir de beterrabas colhidas nos Açores e que tenha beneficiado, até ao limite de uma produção anual de 10.000 toneladas, das ajudas comunitárias previstas no art. 25º do Regulamento n.º 1600/92; 4) O direito comunitário não obsta à expedição para Portugal continental de açúcar branco produzido nos Açores a partir de açúcar em bruto de beterraba importada ao abrigo do regime específico de abastecimento instituído pelo título I do Regulamento nº 1600/92, na condição de aquela corresponder a expedições tradicionais na acepção do art. 8º segundo parágrafo, desse regulamento.” Donde tem de concluir-se que, relativamente à expedição para Portugal continental de açúcar branco produzido nos Açores a partir de beterrabas ali colhidas e que tenha beneficiado, até ao limite de uma produção anual de 10 000 toneladas, das ajudas comunitárias referidas, não assiste, mesmo indiciariamente, à requerente o direito que se arroga, uma vez que o direito comunitário não obsta a essa expedição desde que respeitado a produção anual limite. A situação já não é tão linear no tocante ao açúcar branco produzido nos Açores a partir de açúcar em bruto de beterraba importada ao abrigo do regime específico de abastecimento instituído título I do Regulamento nº 1600/92. Sobre esta matéria estabelece o artigo 8º deste Regulamento o seguinte : “Os produtos que beneficiem do regime específico de abastecimento previsto no presente título não podem ser objecto de reexportação para países terceiros nem de reexpedição para o resto da Comunidade. Em caso de transformação dos produtos em causa nos Açores ou na Madeira, a proibição acima enunciada não é aplicável às exportações tradicionais nem às expedições tradicionais para o resto da Comunidade.” Entendeu o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia que a refinação de açúcar em bruto para obter açúcar branco constitui uma fase importante do fabrico, pelo que deve ser considerada uma transformação de um produto para os efeitos do segundo parágrafo do citado artigo 8º. Assente que a requerida procede à transformação do produto em questão (açúcar), importa analisar, in casu, se as expedições de açúcar dos Açores para Portugal continental realizadas entre 1907 e 1992, resultantes da transformação de beterraba importada devem ser consideradas expedições tradicionais para o resto da Comunidade, na acepção do aludido artigo 8º, e, por conseguinte, permitidas. Sem responder a esta questão concreta, por entender que cabe ao órgão jurisdicional nacional fazê-lo, definiu, contudo, aquele Tribunal o conceito de expedições tradicionais para o resto da Comunidade como sendo aquelas que no momento da entrada em vigor do Regulamento nº 1660/92, em 1 de Julho de 1992, revestiam carácter actual, regular e significativo, esclarecendo que as “expedições esporádicas e insignificantes que tenham ocorrido no passado não podem preencher as referidas condições.” Tomando por referência a definição plasmada no acórdão do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, afigura-se que, mau grado os argumentos aduzidos pela requerida na sua alegação de recurso, as expedições de açúcar em causa, sendo significativas, não podem, face os dados fornecidos pelo quadro que figura sob o nº 11 dos factos provados, ter-se por actuais e regulares e, por conseguinte, expedições tradicionais para o resto da Comunidade, para os efeitos do artigo 8º do Regulamento 1600/92. Actual, na definição do Dicionário Enciclopédico Lello Universal, 1981, significa “Efectivo”, “Presente” (vol. 1, pág. 46) e regular tem o significado de “Constante, contínuo” (vol. 2, pág. 725). Ora, como se assinala no despacho recorrido, o referido quadro evidencia um hiato de 14 anos (1948-1961) em que não houve expedições de açúcar refinado quer para Portugal continental quer para a Madeira, situação que se repetiu entre 1971 e 1983, inclusive (13 anos), tendo ficado por demonstrar se existiu ou não, e em que volume, expedição para Portugal continental entre os anos de 1962 e 1970, inclusive, uma vez que os dados fornecidos pelo dito quadro relativamente a esse lapso de tempo não identificam o destino concreto da mercadoria, se a Madeira se Portugal continental. E expedições ocorridas durante dois anos - em 1984 e 1985 - no período compreendido entre 1948 e 1992 são insuficientes para caracterizar uma expedição efectiva/presente (actual) e constante/contínua (regular) susceptível de integrar o conceito de expedição tradicional. Neste contexto e não tendo ficado demonstrados nos autos factos que expliquem a descontinuidade verificada nas expedições de açúcar para Portugal continental por períodos tão longos e ao mesmo tempo distantes do momento da entrada em vigor do Regulamento nº 1660/92, em 1 de Julho de 1992, tem de concluir-se que à luz do direito comunitário, designadamente do parágrafo primeiro do artigo 8º deste Regulamento, está proibida a expedição para Portugal continental de açúcar branco produzido nos Açores a partir de açúcar em bruto de beterraba importada ao abrigo do referido título I do Regulamento nº 1600/92. Logo, assiste nesta parte à requerente, ao menos indiciariamente, o direito de não concorrer no mercado de Portugal continental com este açúcar produzido pela requerida proveniente de beterraba importada com isenção de direitos niveladores, direito que se mostra ameaçado pela sua pretensão de continuar a vendê-lo (fumus boni juris). Importa, pois, analisar se ocorrem os demais pressupostos conducentes ao êxito da pretensão da requerente, ou seja, o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do referido direito (periculum in mora). Alegou a requerente ter sofrido lesão grave e irreparável com a conduta da requerida, correspondente às receitas da venda de 4.000 toneladas de açúcar que deixou de vender à Nestlé devido à concorrência da requerida, e estar na eminência de ver substancialmente agravada a lesão sofrida por outras vendas que a esta venha a fazer no continente. A factualidade apurada revela que a requerida, desde 1998 até à presente data, procedeu à venda, pelo menos e no conjunto, de 4.000 toneladas de açúcar refinado à Nestlé Portugal, S.A., e Frulact, ambas do continente português, produzido com base em ramas importadas com isenção de direitos niveladores ao abrigo do referido programa Poseima e/ou que beneficiava de ajuda à transformação estabelecida no mesmo Programa, ao preço de 153$40, e mantém o propósito de continuar a vender, pelo menos, igual quantidade de açúcar em cada ano, englobados aqui os mercados do continente e Madeira, tendo, até, realizado campanhas pontuais no continente, propondo a venda de açúcar a preço inferior a 153$40 por Kg, designadamente a 139$50 o kg. O prejuízo da requerente traduz-se, assim, na diminuição de receitas correspondentes ao açúcar que a mesma deixou de vender e poderá continuar a deixar de vender à Nestlé, cliente tradicional e privilegiada da requerente, há mais de 8 anos, com quem tem mantido um volume de negócios em compras de açúcar refinado de cerca de 14.000 toneladas anuais, no que obtém um lucro correspondente a 40$00/Kg, sendo de admitir como provável que, não fosse o preço competitivo da requerida, a Nestlé adquirisse à requerente iguais quantidades de açúcar que a requerida lhe vendeu. O que não significa que o prejuízo sofrido possa encontrar-se deduzindo às 4.000 toneladas de açúcar vendidas a quantidade de açúcar produzido a partir de beterrabas colhidas nos Açores (660 toneladas), que, como se viu, a requerida podia expedir para Portugal continental em conformidade com as regras de direito comunitário, uma vez que a parcela assim obtida (3.400 toneladas) foi, por sua vez, vendida à Nestlé Portugal, S.A., e Frulact, ambas do continente português. Logo, não ficou demonstrada a quantidade que a requerida vendeu à Nestlé das 3.400 toneladas de açúcar produzido com base em ramas importadas com isenção de direitos niveladores ao abrigo do referido programa Poseima no ano de 1978, e só o conhecimento dessa quantidade permitiria determinar o prejuízo que causou à requerente com aquelas operações comerciais, traduzido na privação das correspondentes receitas. Não dispõem, pois, os autos de elementos susceptíveis de com base neles se alicerçar um juízo sobre a gravidade do prejuízo que as ditas expedições de açúcar causarão à requerente, juízo que é indispensável para que a providência requerida possa ser decretada. Isto porque sem esses elementos não pode concluir-se pela verificação do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito da requerente (periculum in mora). Deve manter-se, por conseguinte, o despacho recorrido. A procedência parcial das conclusões da alegação da requerente no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se reflectiu na sorte do agravo, improcedendo todas as demais conclusões da mesma alegação. 3. Decisão : Nesta conformidade acordam os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa em : a) julgar deserto, por falta de alegação, o recurso de agravo interposto pela requerida SINAGA - Sociedade de Indústrias Açoreanas, S.A., a fls. 559, a qual suportará as custas respectivas; b) negar provimento ao recurso de agravo interposto pela requerente RAR -Refinarias de Açúcar Reunidas, S.A., e confirmar o despacho recorrido. As custas deste recurso são a cargo da agravante. Lisboa, 7-10-04 (Fernanda Isabel Pereira) (Maria Manuela Gomes) (Olindo Geraldes) _________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III vol., Almedina, pág. 35. |