Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
730/2007-7
Relator: PIMENTEL MARCOS
Descritores: ARRESTO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
EFEITOS
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
REGISTO PROVISÓRIO
CADUCIDADE
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I- A decisão de absolvição da instância por incompetência em razão da matéria proferida  em procedimento cautelar de arresto depois de este ter sido decretado  leva a que tudo se passe como se o arresto não tivesse sido decretado.
II- O novo arresto decretado no tribunal competente em razão da matéria entre as mesmas partes,  relativamente ao mesmo bem e fundado nas mesmas razões não deixa de constituir um autónomo procedimento cautelar, não constituindo a acção a que alude o artigo 389.º/1, alínea c) do Código de Processo Civil, preceito inaplicável ao caso sendo, por isso, igualmente inaplicável o disposto no artigo 289.º do Código de Processo Civil
III- Não existindo relação de dependência entre procedimentos cautelares, mas sim entre procedimento cautelar/acção, não pode subsistir o registo provisório de arresto, que haja sido realizado no procedimento cautelar que findou com a absolvição da instância e, por conseguinte, não pode tal registo produzir efeitos enquanto registo provisório do arresto ulteriormente decretado no tribunal competente em razão da matéria.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em 15.11.2006 na 12ª Vara Cível da comarca de Lisboa e que decretou o requerido arresto, mas que também decidiu pela não manutenção dos efeitos civis doutro arresto anteriormente decretado sobre os mesmos bens num outro processo instaurado em 12.11.2004 entre as mesmas partes na comarca de Loulé. O agravo é limitado a esta 2ª parte do despacho (trata-se da parte da decisão tomada sob o nº 4.2 do despacho recorrido).

Para melhor se compreender o processado, e porque no essencial apenas está em causa matéria de direito, é conveniente relatar os factos principais pela sua ordem cronológica e, naturalmente, apenas na parte que têm interesse para a decisão daquela questão.

Vejamos.
A requerente deste arresto (“R.[…] SA”) instaurou contra a requerida (“M.[…] Ldª”), no Tribunal Judicial da comarca de Loulé, uma providência cautelar de arresto como preliminar à acção declarativa de condenação que agora corre termos na 12ª Vara Civil da comarca de Lisboa sob o nº 930/05.6TVLSB.
Essa providência foi julgada procedente em 1ª instância, tendo sido ordenado o arresto de cinco embarcações de recreio.
A requerente procedeu ao registo provisório desse arresto.
A providência foi depois apensa à referida acção 930/05 da 12ª Vara.
A requerida interpôs recurso da decisão que decretou aquele arresto;
O Tribunal da Relação manteve o despacho recorrido.
No entanto, o STJ, em recurso interposto pela requerida, entendeu ser o Tribunal de Loulé incompetente em razão da matéria para decretar tal arresto, pelo que revogou a decisão recorrida e absolveu a requerente da instância nos autos de procedimento cautelar de arresto.
Este acórdão transitou em julgado em 19.10.2006.
Então, a requerente propôs, em 25.10.2006, nova providência cautelar de arresto contra requerida e em relação às mesmas embarcações, mas agora na comarca de Lisboa, por apenso àquela acção.
Nesta providência, como dissemos, além de requerer o arresto das mesmas embarcações, requereu também que se decidisse que se deveriam manter os efeitos civis produzidos pelo arresto decretado na comarca de Loulé.

Para tanto foi dito nomeadamente:
- em face do disposto no artigo 289º, nº 2 do CPC, e por via da instauração da presente providência, deverão manter-se os efeitos civis derivados da providência cautelar de arresto intentado no tribunal de Loulé em 12.11.2004;
- um dos efeitos civis que se pretende por esta via manter é o da manutenção da data da instauração do primeiro arresto -12.11.04- como data à qual se deverá reportar a titularidade da garantia real do crédito da requerente sobre a requerida.
- na verdade, o artigo 822.° do Código Civil dispõe que: "1- Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior. 2- Tendo os bens do executado sido previamente arrestados, a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto. "
- assim, uma vez convertido o arresto em penhora, e valendo a pretensão da requerente aqui expendida, a mesma manterá o direito de ser paga com preferência a qualquer credor que não tenha garantia real anterior a 12 de Novembro de 2004.
- como é evidente, o não aproveitamento dos efeitos civis da providência cautelar anteriormente intentada significaria que a data relevante para efeitos de preferência de credores seria a da instauração da presente providência, que ocorre cerca de dois anos após aquela outra data.
-neste período de dois anos foram entretanto instauradas, no ano de 2005, pelo menos, duas providências cautelares de arresto contra a ora requerida, que tiveram por objecto as mesmas embarcações
- este facto, relevante para efeitos de aferição da diminuição da garantia do crédito da requerida, também o é para justificar o interesse na manutenção dos efeitos civis da instauração da primeira providência cautelar.
- na verdade, caso não se mantenham aqueles efeitos, a ora requerente seria graduada atrás daqueles dois credores, perdendo o direito a ser paga com preferência relativamente aos mesmos, em face do arresto instaurado em 12 de Novembro de 2004.
- assim, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 289. °, n.° 1 e 2, 672.°, 381.°, n.° 4, 383.°, n.° 2 e 3, e 389.°, n.° 1, al. d), todos do Código de Processo Civil, em conjugação com o disposto no artigo 822.° do Código Civil, deverá ser admitida a presente providência cautelar de arresto, mantendo-se os efeitos civis derivados da proposição da instauração da providência cautelar em 12 de Novembro de 2004 na comarca de Loulé.
O despacho ora recorrido decretou o segundo arresto, mas indeferiu o pedido de manutenção dos efeitos civis do arresto antes decretado na comarca de Loulé (onde foi instaurado em 12.11.2004).
É, naturalmente, apenas desta parte do despacho o presente recurso.

A agravante formulou as seguintes conclusões:
I - O presente recurso tem por objecto a decisão constante do ponto 4.2. do douto despacho que determinou o arresto, nos termos da qual a Meritíssima Juiz a quo entendeu ser de indeferir a pretensão da Requerente de que os efeitos civis do arresto instaurado em 12 de Novembro de 2004 (que correu termos na 12a Vara, 1a Secção, sob o n.° 903/05.6 TVLSB-A) se deveriam manter por via da propositura da presente providência cautelar
II - A propositura do presente arresto antes de decorridos 30 dias sobre a data em que a requerida foi absolvida da instância no âmbito do primeiro arresto contra si instaurado implica a manutenção dos efeitos civis decorrentes da propositura desta primeira providência.
III - O art. 389°, n° 1, al. d), CPC, sob a epígrafe "caducidade da providência", estabelece que "o procedimento cautelar extingue-se se e, quando decretada, a providência caduca [...] Se o réu for absolvido da instância e o requerente não propuser nova acção em tempo de aproveitar os efeitos da proposição da anterior".
IV - Pode assim dizer-se que, a contrario, como se referiu na petição do arresto (art. 23°), se evitará ou a extinção do procedimento ou a caducidade da providência cautelar se se propuser nova acção "em tempo de aproveitar os efeitos da proposição da anterior".
V - Esta disposição remete, assim, para o art. 289° do CPC, o qual, sob epígrafe "alcance e efeitos da absolvição da instância" estabelece que, "sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância" (n° 2).
VI - Por seu turno, importa ainda considerar que (i) ao arresto são extensivos, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora (Art.° 622.°, n.° 2 do CC); (ii) que o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, e (iii) que a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto (art. 822.° do CC), pelo que, por força do regime próprio do CC, a manutenção da providência cautelar em caso de absolvição instância na acção principal traz consigo o efeito civil da manutenção da anterioridade da preferência.
VII - Em conclusão: o que resulta, directa e expressamente de lei é o seguinte: em caso de absolvição da instância na acção principal, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância, mantêm-se:
a) Os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu (sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos) (art. 289°, n° 2 CPC);
b) O procedimento cautelar interposto e ainda não decidido ou a providência cautelar já decretada (art. 389°, n° 1, al. d) CPC);
c) Por consequência, a relevância da data desta para efeitos de preferência (art. 822°, n° 2 CC)
d) Sendo que, para este efeito, quanto a bens sujeitos a registo predial, vale a data do registo provisório correspondente à simples prolação do decretamento do arresto, e não ao respectivo trânsito em julgado (art. 60, n° 3 CRP).
VIII - A lei é, porém, omissa relativamente à questão concreta dos autos, que é a de saber o que se passa em relação à absolvição da instância nos próprios autos da providência cautelar.
IX - O ponto de partida para a compreensão da questão é o significado da absolvição da instância. Esta é, por sua própria natureza, como que simplesmente provisória, na medida em que, como se diz no art. 289°, n° 1, CPC "não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto".
X – O significado da absolvição da instância tem consequências quanto aos efeitos substantivos, seja da propositura da acção, seja da citação, já que, em obediência ao «princípio de prevalência do fundo (do direito substantivo) sobre a forma (irregularidade formal)» – de que falava, com a sua característica expressividade, o Prof. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2a ed., Coimbra, Coimbra Edit., 1985, p. 285) a lei pretende evitar que os problemas simplesmente processuais que estão na origem da absolvição da instância tenham efeitos sobre os direitos substanciais das partes, preservando os efeitos substantivos seja da propositura da acção.
XI - Assim se explica o art. 289°, n° 2, do CPC, que ressalva os efeitos substantivos desde que a acção seja proposta nos 30 dias seguintes.
XII – Mas tem também consequências ao nível dos efeitos substantivos produzidos no âmbito de providências cautelares, pelo menos, nas relativas a bens móveis sujeitos a registo.
XIII - No presente caso, por força das regras em matéria de registo provisório, estamos antes perante um caso análogo ao art. 289°, n° 2: não a propositura do procedimento em sentido estrito, mas a decisão não definitiva do arresto (ou, se se quiser, o registo provisório deste) tem efeitos substantivos que devem ser preservados de acordo com o espírito do art. 289°, n° 2.
XIV – Rebatendo o primeiro argumento do douto despacho, dir-se-á que não se pode aceitar, sem mais, e como regra absolutamente geral, que, para efeitos de preferência, valha, não a data da entrada em juízo dos autos de procedimento cautelar, mas a data da sentença neles proferida, já que, se, assim fosse, a preferência correria o risco de ser determinada, não pelo factor que a lei considera relevante – a iniciativa do credor exequente – mas fruto do mero acaso ou de critérios despidos de qualquer fundamento material (v.g. a sobrecarga da agenda de um tribunal).
XV - Desta forma, a pura e simples relevância do momento do decretamento do arresto, em vez da relevância do momento da interposição do respectivo procedimento, determinaria decisões que nada têm que ver com o espírito da lei (que atende à maior diligência do credor), criando entre credores diferenciações arbitrarias (ou seja, despidas de fundamento material), com violação do princípio da igualdade (art. 13° da Constituição) e, em situações como as descritas, traduzindo negação do direito à tutela jurisdicional efectiva (art. 20° da Constituição).
XVI - Acresce que, ainda que assim não fosse, nos casos, como o presente, em que estão em causa bens sujeitos a registo, a preferência conta-se em função da data do registo definitivo, a qual retroage à data do registo provisório, se este tiver sido efectuado – como foi o caso.
XVII – No que se refere ao segundo argumento aduzido pelo douto despacho, importa precisar que o facto de uma decisão ter deixado de existir face ao vício processual que afectou a respectiva instância de absolvição da instância não significa que caiam com ela os efeitos dela derivados.
XVIII - Assim, e por um lado, é claríssimo que o vício processual que afectou a decisão tomada não determina a caducidade imediata da providência ou a extinção do respectivo procedimento, podendo o Autor aproveitar os efeitos da proposição da anterior interpondo nova acção e requerendo de novo a providência (arts. 389°, n° 1, ai. d), e 289°, n° 2, do CPC)
XIX - Por outro lado, note-se que o art. 289°, n° 2, do CPC, ressalva os efeitos civis, não só da proposição da acção, como da citação do réu (como, por exemplo, o de fazer cessar a posse de boa-fé: art. 481°, ai. a) CPC). Esta citação, na redacção coeva do art. 289°, n° 2 (ou seja, a anterior às revisões de 1995/6) era necessariamente ordenada por despacho do juiz (art. 478°) e mesmo hoje pode sê-lo, seja porque é decidida em sede de reclamação da recusa de recebimento da petição pela secretaria (art. 475°), seja porque se requereu que a citação preceda a distribuição (art. 478°).
XX - Em qualquer destes casos, os efeitos derivam, não da propositura da acção, mas da citação e, mais do que isso, de uma citação ordenada por despacho do juiz, actos que, todos eles, deixarão de subsistir por efeito da absolvição da instância. O que não obsta a que a lei expressamente determine a sua manutenção nos termos do art. 289°, n° 2, CPC.
XXI - Em suma: o facto de uma decisão deixar de subsistir por efeito de uma absolvição da instância não impede que se mantenham os respectivos efeitos, nos termos dos arts. 289°, n° 2 e 389°, n° 1, ai. d)).
XXII - Acresce que, se isto é assim em geral, a manutenção da preferência derivada do arresto pode mesmo considerar-se expressamente estabelecida na lei, pois, em todo o rigor, o efeito que está em causa é a preferência resultante da prioridade temporal.
XXIII - Ora, o que decorre da lei é que esta preferência não deriva do trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto: deriva do registo do arresto e, mais do que isso, do registo provisório do arresto feito em consequência da simples prolação da decisão não transitada em julgado.
XXIV - Assim, sendo decretado o arresto, deve ser pedido, antes ainda de passada em julgado a sentença que o determinou, o registo do mesmo. E embora este registo seja necessariamente provisório, a verdade é que é ele que determina a prioridade do registo, pois o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório.
XXV - Assim, a preferência advém ao credor da anterioridade da penhora (art. 822°, n° 1 CC) e a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto (art. 822°, n° 2 CC) mas a anterioridade do arresto reporta-se à data do registo provisório (art. 6°, n° 3 CRP) feito em consequência da prolação da decisão não transitada em julgado (art. 92°, n° 1, ai. o) CRP).
XXVI - Pode, pois, dizer-se, que a preferência relativamente aos demais credores é, em última análise, um efeito do registo provisório efectuado perante o simples decretamento do arresto independentemente do trânsito em julgado, pelo que não pode deixar de se manter perante a absolvição da instância fundada em incompetência absoluta do tribunal.
XXVII - Assim, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 289.°, n.° 1 e 2, 672.°, e 389.°, n.° 1, ai. d), todos do Código de Processo Civil, em conjugação com o disposto no artigo 822.° do Código Civil, deveriam ter sido mantidos os efeitos civis derivados da providência cautelar instaurada em 12 de Novembro de 2004, designadamente, os decorrentes do registo provisório do arresto.
E termina pedindo que seja julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, seja revogada a douta decisão constante do ponto 4.2. do despacho ora recorrido, sendo a mesma substituída por outra que determine a manutenção dos efeitos derivados da proposição da providência cautelar em 12.11.2004, designadamente os decorrentes do registo provisório do arresto nessa sede efectuado.
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Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

O DIREITO.

A agravante diz que deve ser decidido que se mantêm dos efeitos civis derivados da proposição da providência cautelar instaurada em 12.11.2004 na comarca de Loulé, designadamente os decorrentes do registo provisório do arresto aí decretado.
Todavia, o que verdadeiramente pretende é que se mantenham os efeitos derivados do registo provisório do arresto decretado nessa comarca.
Com efeito, como já vimos, a agravante referiu expressamente:
- em face do disposto no artigo 289º, nº 2 do CPC, e por via da instauração da presente providência, deverão manter-se os efeitos civis derivados da providência cautelar de arresto intentado no tribunal de Loulé em 12.11.2004;
- um dos efeitos civis que se pretende por esta via manter é o da manutenção da data da instauração do primeiro arresto -12.11.04- como data à qual se deverá reportar a titularidade da garantia real do crédito da requerente sobre a requerida.
Efectivamente, o que se pretende é que os efeitos do registo do arresto decretado na providência de que estes são apenso (o qual foi decretado pelo despacho aqui em causa na 12ª Vara) se reportem à data do registo provisório do arresto decretado em Loulé. É que, como melhor se verá, a preferência resultante da penhora, nos casos em que previamente os bens penhorados tenham sido arrestados, reporta-se à data do registo do arresto (artº. 822º do CC). Por isso, pretende a agravante que os efeitos derivados do registo provisório do 1º arresto se mantenham em relação ao 2º, como se este tivesse sido decretado naquela data.
E, na verdade, não teria qualquer efeito útil decidir-se aqui e agora que se deveriam manter, em abstracto, todos os efeitos derivados da propositura da providência cautelar em 12.11.2004 (1). É que, fosse qual fosse essa decisão, nunca vincularia outros eventuais interessados numa decisão contrária, em virtude do princípio da eficácia relativa do caso julgado. É que, em princípio, este só produz efeitos inter partes (res inter alios iudicata tertio neque nocet neque prodest.
E mesmo em relação aos pretendidos efeitos do primeiro arresto a decisão a proferir apenas poderia vincular a requerida, pela mesma razão.
Assim sendo, tudo se resume em saber se deve ser decidido que se mantêm os efeitos resultantes do registo do arresto decretado em Loulé, relativamente ao novo arresto (12ª Vara), ou seja: caso o arresto agora decretado na comarca de Lisboa se torne definitivo e registado, os seus efeitos retroagem à data do registo provisório efectuado na sequência do arresto decretado em Loulé?
Como vimos, o arresto foi decretado naquela comarca e confirmado pela Relação.
Todavia, o STJ, por acórdão de 09.05.2006, julgou o tribunal judicial de Loulé incompetente em razão da matéria para decretar o arresto e, em consequência, absolveu a requerida (ali recorrente) da instância.
E, como vimos, posteriormente, foi requerido novo arresto sobre os mesmos bens e entre as mesmas partes. Mas, além desse arresto, requereu também a ora agravante que se decidisse que se deveriam manter os efeitos derivados do registo do arresto anterior. Assim sendo, na tese da requerente, o arresto agora decretado (2), para efeitos de registo, deveria retroagir a 12.11.2004 (data em que foi requerido o 1º arresto), sob pena de ela ficar injustificadamente prejudicada em relação a dois outros arrestos já decretados por terceiros sobre os mesmos bens em data posterior a 12.11.2004 (3).
Pelo despacho recorrido foi decretado o arresto, mas indeferido este outro pedido. E é apenas deste indeferimento o presente recurso.
A agravante invoca a favor da sua tese o preceituado nos artigos 289º, nº 2 e 389º, nº 1 al. d. do CPC.
Todavia, parece-nos não se justificar tal indagação, pois apenas haverá que ter em consideração a decisão proferida no STJ, ou seja, a absolvição da instância da requerida na providência cautelar e as suas consequências.
É certo que o arresto foi decretado em 1ª instância e confirmado na Relação. E o STJ não se pronunciou sobre a questão de mérito, pois apenas apreciou a questão relativa à competência do Tribunal de Loulé em razão da matéria. E, na verdade, sendo aquele tribunal incompetente nada mais haveria que apreciar e decidir pelo STJ.
Como estabelece o artigo 288º, nº 1 al. a) do CPC, o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância quando julgar procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal.
Efectivamente, a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal. E a verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância (artº 105º do CPC).
A incompetência absoluta do tribunal é uma excepção dilatória (artº 494º), pelo que obsta a que o tribunal onde é decretada conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artº 493º, nº 2). Portanto, proferida esta decisão a instância extingue-se, ou seja, fica sem efeito. O artigo 105º, na primitiva reacção, estabelecia expressamente que “reconhecida a incompetência absoluta do tribunal, o processo fica sem efeito”. Assim, “a incompetência absoluta, atenta a gravidade do vício, determina em regra a inutilização dos actos praticados no juízo incompetente” (4).
Entretanto, a absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto (artº 289º, nº 1). Assim, caso o autor pretenda ver reconhecido o seu alegado direito, terá que propor nova acção no tribunal competente, uma vez que a decisão de absolvição da instância apenas produz o efeito de caso julgado formal.
Todavia, mantêm-se certos efeitos derivados da propositura da primeira causa e da citação do réu (art. 289º, nº 2, 481º, 267º e 268º).
Contudo, cm a decisão do Supremo tudo se passa como se o arresto não tivesse sido decretado, a partir do seu trânsito em julgado.
Ao contrário do defendido pela agravante, a sua pretensão não consubstancia a manutenção de qualquer efeito civil derivado da propositura do primeiro arresto, mas antes da decisão de mérito nele proferida.    
É certo o que consta da conclusão III: o art. 389°, n° 1, al. d), CPC, sob a epígrafe "caducidade da providência", estabelece que "o procedimento cautelar extingue-se se e, quando decretada, a providência caduca [...] Se o réu for absolvido da instância e o requerente não propuser nova acção em tempo de aproveitar os efeitos da proposição da anterior".
Mas isso pressupõe que o arresto tenha sido decretado por despacho com trânsito em julgado. E o mesmo sucede em relação ao que consta da conclusão nº IV: Pode assim dizer-se que, a contrario, se evitará ou a extinção do procedimento ou a caducidade da providência cautelar se se propuser nova acção "em tempo de aproveitar os efeitos da proposição da anterior”.
E diz também a agravante que a propositura do presente arresto antes de decorridos 30 dias sobre a data em que a requerida foi absolvida da instância no âmbito do primeiro arresto contra si instaurado implica a manutenção dos efeitos civis decorrentes da propositura desta primeira providência.
É certo que, nos termos do artigo 289º, nº 2 citado "sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância"
Sucede porém que a simples instauração da providência cautelar nenhuma influência teria no arresto, caso este não tivesse sido decretado. Na verdade, parece-nos que a mera instauração da providência cautelar não produz qualquer dos efeitos pretendidos. Mas ainda que se entenda que a instauração da providência tem os mesmos efeitos que a propositura duma acção nos termos referidos, a verdade é que, para o que agora nos interessa, o que conta são apenas os efeitos eventualmente produzidos pelo 1º arresto, mais concretamente pelo seu registo provisório.                                                                                                  
Mas será que, tendo o arresto sido decretado em 1ª instância e confirmado na Relação, e tendo sido feito o seu registo provisório, deverá entender-se que se mantêm os efeitos desse registo em relação a outro arresto posteriormente decretado?
Por força do preceituado no artigo 822º citado, a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto, se o exequente tiver arrestado previamente os bens penhorados. E, tratando-se de bens sujeitos a registo, tal anterioridade reporta-se à data da efectivação deste (art.º 846º do CPC).
E, como resulta do C.R.Predial (artºs. 2º, nº 1, al. n, 92º, nº 1, al. n e 6º, nº 3) em caso de registo provisório do arresto, sendo este convertido em definitivo, conserva a prioridade que tinha como provisório. É que o registo do arresto pode ser feito como provisório logo que seja decretado, mas antes de ter sido efectuado.
Portanto, para os efeitos referidos, a data a ter em conta é a do registo provisório.
E um dos efeitos do arresto é precisamente o da preferência em relação aos outros credores dos bens arrestados que não tenham garantia real anterior.  É que o arresto é um procedimento cautelar que visa justamente antecipar os efeitos da penhora.
Todavia, a agravante extrai a seguinte conclusão: o que resulta, directa e expressamente de lei é o seguinte: em caso de absolvição da instância na acção principal, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância, mantêm-se:
a) Os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu (sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos) (art. 289°, n° 2 CPC);
b) O procedimento cautelar interposto e ainda não decidido ou a providência cautelar já decretada (art. 389°, n° 1, al. d) CPC);
c) Por consequência, a relevância da data desta para efeitos de preferência (art. 822°, n° 2 CC)
d) Sendo que, para este efeito, quanto a bens sujeitos a registo predial, vale a data do registo provisório correspondente à simples prolação do decretamento do arresto, e não ao respectivo trânsito em julgado (art. 6º, n° 3 CRP).
Mas, salvo melhor opinião, a data a ter em conta, ao contrário do defendido pela agravante, não é a da instauração do procedimento cautelar, mas sim a do registo provisório do arresto. E assim não é minimamente violado o princípio da igualdade referido no artigo 13º da CRP, nem se verifica a negação do direito à tutela jurisdicional prevista no seu art.º 20º, ao contrário do alegado pela agravante. O princípio da igualdade pressupõe que seja tratado como igual o que é igual e como diferente o que é diferente. Seja qual for o momento a atender, não vemos que seja violado tal princípio.
Não nos parece defensável que, para efeitos de preferência, valha a data da propositura da providência e não a data do registo provisório. É que simples propositura da providência não produz qualquer refeito em relação ao arresto. E a questão posta pela agravante só poderia colocar-se se o efeito pretendido se produzisse pela simples instauração da providência.
Os efeitos referidos pela agravante mantêm-se efectivamente com a propositura da nova acção. Sucede, porém, que nenhum desses efeitos se produziu no caso sub judice, pelo que não faz sentido dizer-se que se devem manter. O arresto foi decretado, mas a requerida foi depois absolvida da instância pelo STJ, com as respectivas consequências.
É certo que a agravante pode ser prejudicada pelo facto de ter sido absolvida da instância depois de o arresto ter sido decretado em 1ª instância e confirmado na Relação, caso os mesmos bens venham a ser arrestados por terceiros em data posterior ao 1º arresto e em data anterior ao 2º. Mas é a consequência de a providência ter sido instaurada num tribunal incompetente em razão da matéria, a ela imputável.
Nos casos, como o presente, em que estão em causa bens sujeitos a registo, a preferência conta-se em função da data do registo definitivo, a qual retroage à data do registo provisório, se este tiver sido efectuado. Temos assim lei expressa a estabelecer que o que conta é a data do registo provisório.
Diz a agravante que o que decorre da lei é que a aludida preferência não deriva do trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto: deriva do registo do arresto e, mais do que isso, do registo provisório do arresto feito em consequência da simples prolação da decisão não transitada em julgado; assim, sendo decretado o arresto, deve ser pedido, antes ainda de passada em julgado a sentença que o determinou, o registo do mesmo. E embora este registo seja necessariamente provisório, a verdade é que é ele que determina a prioridade do registo, pois o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório.
Mas para tanto é necessário que o arresto seja convertido em definitivo, o que não sucedeu (nem podia suceder) no caso em apreço. Diferente seria se tivesse sido decretado por despacho com trânsito em julgado.
Diz a agravante que a preferência advém ao credor da anterioridade da penhora (art. 822°, n° 1 CC) e que a anterioridade desta se reporta à data do arresto (art. 822°, n° 2 CC), mas que a anterioridade deste se reporta à data do registo provisório (art. 6°, n° 3 CRP) feito em consequência da prolação da decisão não transitada em julgado (art. 92°, n° 1, al. o) CRP).
A verdade é que tudo se passa como se o arresto não tivesse sido decretado, uma vez que a decisão que o decretou foi revogada pelo acórdão do STJ. A partir da data do trânsito em julgado, o arresto perdeu os efeitos que tinha.
Todavia, como dissemos, nunca seria a data da propositura do procedimento cautelar que determinaria a prioridade do registo em relação aos outros credores com direito de garantia sobre os mesmos bens.
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Por todo o exposto acorda-se em negar provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela agravante.

Lisboa, 20.03.2007.

Pimentel Marcos
Abrantes Geraldes
Maria do Rosário Morgado



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1.-.Nem seria sequer admissível a apreciação de pedido tão vago.

2.-Desconhece-se se foi interposto recurso pela outra parte.

3.-De facto, se esta pretensão da agravante não for atendida, os titulares deste registo terão prioridade sobre ela; mas é uma questão que não cabe no âmbito deste recurso.

4.-A. Varela e outros, in “Manual de Processo Civil, pag. 231.