Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JOSÉ ADRIANO | ||
| Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO AUTORIDADE ADMINISTRATIVA MEIOS DE PROVA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/04/2011 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | Iº Com a impugnação da decisão administrativa, esta deixa de valer como tal e passa a ser encarada como uma acusação que delimita o objecto do processo; IIº No recurso interposto da decisão judicial que apreciou aquela impugnação, não faz sentido atacar a decisão administrativa, seja no aspecto formal seja no que concerne ao mérito desta, uma vez que no julgamento o arguido teve oportunidade de fazer valer os seus argumentos e apresentar a sua prova, contrariando a acusação; IIIº A autoridade administrativa não está obrigada a admitir a produção de todas as provas indicadas pelo arguido na sequência da notificação para o efeito do art.50, do RGCO; | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | I. Relatório: Em processo de contra-ordenação, a arguida “L..., Ld.ª” foi condenada pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, na coima de € 2660,00 (dois mil seiscentos e sessenta euros), pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 31.º, n° 2, do DL n.º 257/2007, de 16 de Julho. Impugnou judicialmente tal decisão, pedindo a sua absolvição. Realizado o julgamento no 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente aquela impugnação e reduziu o montante da coima para € 1250,00 (mil duzentos e cinquenta euros). *** Mais uma vez, inconformada com esta nova decisão, recorreu a arguida, para este Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a revogação da sentença e invocando: - a prescrição do procedimento e da coima; - a nulidade da decisão administrativa; - a nulidade da decisão recorrida: - por falta de fundamentação; - por contradição insanável da respectiva fundamentação; - por omissão de pronúncia. Respondeu o Ministério Público, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, devendo improceder o recurso. Admitido este e subidos os autos, nesta Relação a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, “acolhendo os termos e fundamentos da resposta” apresentada pelo MP em 1.ª instância. Cumprido o art. 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais disse a recorrente. Proferido despacho preliminar e colhidos os necessários vistos, teve lugar a conferência, cumprindo decidir. * II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. …… **** 3. Apreciação dos fundamentos do recurso: 3.1. Apesar de, em matéria de contra-ordenações, o tribunal de recurso não estar vinculado aos termos e sentido da decisão recorrida (art. 75.º, n.º 2, al. a), do RGCO aprovado pelo DL 433/82, de 27/10) - ressalvada, obviamente, a proibição da reformatio in pejus (art. 72.º-A) – o certo é que, no processo contra-ordenacional, o Tribunal da Relação conhece exclusivamente de direito, o que nunca é demais relembrar (art. 75.º, n.º 1), isto sem prejuízo do conhecimento de eventuais vícios da decisão de facto, nomeadamente dos enunciados no art. 410.º, n.ºs 2 e 3 do CPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto no art. 41.º, n.º 1, do RGCO. Daí que esteja necessariamente votado ao insucesso todo o recurso interposto para este Tribunal da Relação, que tenha por objecto a impugnação da matéria de facto, na medida em que tal impugnação extravase o conhecimento dos aludidos vícios, ou eventuais nulidades. Passemos então, com tal limitação – que nos impede de valorar a prova produzida em audiência, apesar de a recorrente questionar a matéria de facto provada e pretender que, com base naquela prova, se forme uma nova convicção diferente da do tribunal recorrido –, ao conhecimento das demais questões expressamente suscitadas. 3.2. Invoca desde logo a arguida que ocorreu a prescrição, quer do procedimento, quer da coima aplicada. É óbvio que jamais se poderá falar nesta fase processual em prescrição da coima, cujo prazo só se inicia com o trânsito em julgado da decisão condenatória (art. 29.º, n.º 2 do RGCO), trânsito que não ocorreu por força do presente recurso. O que está em causa é pois, somente, a prescrição do procedimento contra-ordenacional, a qual não teria ocorrido, segundo o tribunal recorrido, até à data da sentença. Na verdade, o prazo de prescrição é no presente caso de três anos, por força da alínea b) do art. 27.º, do RGCO e tendo em conta o limite máximo da coima aplicável à infracção imputada. Inicia-se tal prazo com a prática do ilícito, ou seja em 27/01/2009. É bom de ver que após esta data ainda não decorreram os referidos três anos, independentemente das interrupções que já se verificaram – com a notificação da arguida para o exercício do direito de audição na fase administrativa e com a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima (art. 28.º n.º 1 als. c) e d) do RGCO) – ou da suspensão que é necessário ter em consideração, pelo período de seis meses, após a notificação do despacho de fls. 89, que recebeu a impugnação judicial (art. 27.º-A, n.º 1 al. c) e 2, do RGCO). Porque ainda não decorreu sequer o prazo normal de prescrição, não tem aqui aplicação o dispositivo do n.º 3 do já citado art. 28.º, para o qual é necessário que decorra o aludido prazo normal (3 anos) acrescido de metade e deduzido o tempo de suspensão (6 meses), o que eleva o prazo para 5 anos, a contar da data da infracção. Com tais dados, só pode concluir-se que não se verificou, até ao presente momento, a prescrição, nem há o risco de ela acontecer a curto prazo. 3.3. Veio a arguida suscitar de novo a nulidade da decisão administrativa, por ter sido violado o princípio do contraditório, na medida em que não lhe foi possível exercer o seu direito de defesa ao não terem sido ouvidas as testemunhas que indicara à autoridade administrativa, nem lhe ter sido dada a faculdade de se pronunciar sobre a matéria que lhe era imputada. Trata-se de matéria que foi alegada na impugnação judicial, sobre a qual a sentença se pronunciou expressamente negando razão à recorrente. Na verdade, esta teve oportunidade de se pronunciar sobre a infracção que lhe era imputada, tendo sido notificada para o efeito ao abrigo do art. 50.º, do RGCO, direito que exerceu, negando a prática da infracção e indicando duas testemunhas. A autoridade administrativa entendeu não se mostrar necessária a audição dessas testemunhas, tendo proferido a decisão que veio depois a ser impugnada. Tal como refere a decisão recorrida, a não audição das testemunhas arroladas pela arguida ou a omissão de quaisquer outras diligências por esta sugeridas nunca acarreta nulidade do procedimento, muito menos da decisão posteriormente proferida, não estando aquela autoridade vinculada ou legalmente obrigada a realizar todas as diligências sugeridas. Nem mesmo em processo penal comum isso acontece, sem que a omissão de tais diligências nas fases de inquérito ou de instrução conduza a qualquer nulidade. Por outro lado, com a impugnação da decisão administrativa, a remessa dos autos ao MP e a apresentação por este ao juiz vale como acusação, para efeitos de julgamento. O mesmo é dizer que, a partir dessa fase, a decisão administrativa deixa de valer como tal, passa a ser encarada como uma acusação que delimita o objecto do processo. Não faz qualquer sentido vir, após o julgamento, em recurso da decisão judicial, atacar a decisão administrativa, seja no aspecto formal seja no que concerne ao mérito desta. No julgamento - que é o momento próprio para tal -, a arguida teve oportunidade de fazer valer os seus argumentos e fazer a sua prova, contrariando a prova da acusação. A arguida destes autos indicou as referidas duas testemunhas para serem ouvidas em julgamento. Todavia, na sessão correspondente prescindiu dos depoimentos dessas mesmas testemunhas. A arguida esteve representada em audiência, tendo sido tomadas declarações ao seu legal representante, para além de ter mandatário constituído. Teve, por isso, todas as oportunidades de exercer livremente e de forma esclarecida a sua defesa. Contrariamente ao que alega, não houve violação das suas garantias de defesa, nem ofensa ao princípio do contraditório. 3.4. É invocada nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação, por omissão de pronúncia e por contradição insanável da respectiva fundamentação. No que concerne à fundamentação, respeita a sentença os requisitos exigidos no art. 374.º, do CPP, nomeadamente o seu n.º 2, contendo os factos provados (inexistem os não provados), indica os meios de prova em que assentou a convicção do tribunal fazendo o respectivo exame crítico, sendo perfeitamente perceptível o caminho seguido para se chegar à conclusão a que se chegou quanto á matéria de facto, fazendo depois a demonstração dos motivos de facto e de direito que justificam a decisão condenatória e a respectiva coima, não faltando os itens do n.º 3 da referida norma aplicáveis ao caso. Nada há a apontar, no aspecto formal, à sentença impugnada. Também não padece a mesma de nulidade por omissão de pronúncia. O tribunal conheceu de todas as questões de que devia conhecer: da matéria da acusação, ou seja da matéria de facto imputada à arguida e na qual se consubstancia a infracção de que vinha acusada, bem como do direito aplicável, sem esquecer as questões que a arguida havia suscitado no recurso de impugnação judicial, quais sejam as respeitantes à prescrição e às nulidades cometidas na fase administrativa e de que padeceria, segundo a arguida, a própria decisão administrativa. O tribunal recorrido conheceu totalmente do objecto do processo – delimitado pela conteúdo da decisão administrativa - , sem esquecer as questões suscitadas pela recorrente, não havendo outras questões, quer de conhecimento oficioso ou que tenham sido suscitadas e de que devesse tomar conhecimento. Por último, a questão da contradição insanável da fundamentação: Alega a recorrente que na sentença de que ora se recorre se fez constar o seguinte: “só conhecendo as razões e premissas da acusação é possível ao particular reagir contra a mesma, contrapondo factos e argumentos ou pôr em causa as razões de facto e de direito que levaram a uma determinada decisão”. E que, apesar disso, se decidiu em sentido contrário. Aquela afirmação vem inserida na parte da sentença em que, ao conhecer das invocadas nulidades da decisão administrativa, se expõem os princípios a que deve obedecer o processo de contra-ordenação, em que se consubstancia o direito de audição do arguido e a sua razão de ser, na fase administrativa e antes de ser proferida decisão, bem como dos requisitos da decisão administrativa condenatória, em interpretação dos arts. 50.º e 58.º, do RGCO. Obviamente que, em aplicação dos aludidos princípios, nada obsta a que o tribunal decida que eles não foram violados no caso concreto, porquanto a arguida foi pessoalmente notificada, com cópia do auto de notícia, para exercer a sua defesa antes de proferida a decisão administrativa, considerando ainda o tribunal recorrido que a autoridade administrativa não estava vinculada a ouvir as testemunhas arroladas pela arguida, fundamentando devidamente essa sua posição. Ou seja, aquela afirmação de princípio em nada colide com a decisão que foi proferida sobre as questões que estavam nesse momento em análise, não havendo qualquer contradição na fundamentação daquela decisão, nem entre aquela e esta. Por outro lado, no texto da decisão recorrida, por si só ou ainda que conjugada com as regras da experiência comum, não se detecta a existência de qualquer vício - seja de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, seja de contradição insanável ou de erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 2, do CPP) - , pelo que se considera definitivamente assente a factualidade declarada provada pelo tribunal recorrido, nada havendo a objectar quanto á qualificação jurídica desses factos, nem contra a medida da respectiva coima, a qual foi fixada no valor mínimo previsto na lei incriminadora. É, pois, improcedente o presente recurso. * III. DECISÃO: Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso da arguida “L…, Ld.ª”, confirmando-se integralmente a decisão recorrida. Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em quatro (4) UC. Notifique. (Elaborado em computador e revisto pelo relator, o primeiro signatário - artigo 94.º, n.º 2, do CPP). Lisboa, 4 de Outubro de 2011 Relator: José Adriano; Adjunto: Vieira Lamim; |