Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3230/04.2TDLSB-A-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL
COMPETÊNCIA MATERIAL
EXECUÇÃO
EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - As execuções de natureza cível, relativas a sentenças proferidas por tribunal criminal que podem caber na previsão do nº 2 do art. 102º-A da LOFTJ são as proferidas na sequência de pedidos cíveis deduzidos em processo crime por força do princípio da adesão (art. 71 e ss CPP).
II - Quando as execuções respeitem a condenação em quantia certa a regra é que não devem decorrer perante o tribunal cível mas perante o tribunal criminal. Apenas decorrem perante o tribunal civil aquelas em que haja necessidade de liquidação prévia, como determina o art. 82º, nº 1, 2ª parte do CPP
III - Esta interpretação, de considerar como regra a competência dos juízos criminais para a execução das decisões civis por si proferidas, é que mais se coaduna com a unidade do sistema jurídico. Na verdade, os juízos de execução foram criados para resolver o problema decorrente das elevadas pendências de acções executivas nos tribunais cíveis dos grandes centros urbanos, acções essas sem relevância estatística nos tribunais criminais.
IV - Por outro lado, excluindo o legislador dos juízos de execução as acções executivas relativas aos processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos, não se compreenderia que não adoptasse a mesma regra geral em relação aos tribunais criminais.
V - A excepção a essa regra geral quanto aos tribunais criminais será, apenas, como se referiu, a relativa às execuções com necessidade de liquidação prévia, pois se o art.82, nº1, 2ª parte, CPP, determina que corram perante o tribunal civil, não faria sentido que aí se procedesse à liquidação e que voltassem ao tribunal criminal para a fase seguinte da execução.
VI - Considerando o sistema no seu todo, faz assim sentido (podendo ser tido como elemento coadjuvante da interpretação proposta) a regra do art. 2º, da Portaria nº 114/08, de 6Fev.
Esta Portaria, que regula a tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1ª instância processados de acordo com as disposições do Código de Processo Civil (arts.1º e 2º) exclui do seu âmbito de aplicação os pedidos de natureza civil deduzidos na acção penal e também os processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Iº 1. Por apenso ao Pº nº3230/04.2TDLSB, do 4º Juízo Criminal de Lisboa, a demandante C… M…, instaurou execução tendo em vista a obtenção do pagamento da indemnização que o executado/arguido, R… D…, foi condenado a pagar-lhe por sentença de 16Set.08.
Em 8Set.10, o Mmo. Juiz, proferiu o seguinte despacho:

“…
Por sentença proferida nos autos principais e já transitada foi o demandado R… D… condenado a pagar à demandante C… M…, a quantia de €2.300,00 (dois mil e trezentos euros) acrescida de juros vincendos à taxa legal de 4% e até integral pagamento.
Com vista à execução de tal condenação do pedido de indemnização civil enxertado em processo penal apresentou a demandante/exequente o requerimento executivo de fls.2 a 4 dos autos.
Nos termos do nº1 do art. 102º-A da LOFTJ (Lei nº3/99 de 13 de Janeiro) compete aos juízos de execução exercer no âmbito do processo de execução as competências previstas no Código de Processo Civil.
Aduz o nº2 do referido normativo que estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais de trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que nos termos da lei processual penal não devam correr perante o tribunal civil.
Por seu turno refere o art.103, do mesmo diploma legal que sem prejuízo da competência dos juízos de execução os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões.
O artigo 96º nº1 al.g) do referido diploma legal prevê a possibilidade de serem criados juízos de execução enquanto juízos de competência específica sendo que alguns foram criados pelo D.L.nº148/2004 de 21 de Junho cabendo-lhe exercer no âmbito do processo de execução as competências previstas no Código de Processo Civil. (vide o supracitado art. 102º-A).
Considerando o teor dos artigos 64º nº2, 77º nº1 al.c), 96º nº1 al.g), 97º nº1 al.b), 102º-A, 103º e 121º-A todos da LOFTJ e artigos 90º e 95º do Código de Processo Civil é nosso entendimento que em todas as circunscrições onde existam juízos de execução instalados as acções executivas sejam elas da espécie de matéria cível ou penal (com a ressalva de se considerar quanto a estas últimas apenas a execução patrimonial das decisões proferidas e não da pena aplicada) devem ser instauradas e correr os seus termos em tais juízos de execução a não ser que a lei expressa e excepcionalmente preveja para situações concretas competência distinta para tais acções executivas.
Com efeito nem o artigo 96º nº1 al.g) da LOFTJ nem o Decreto-Lei nº148/2004 de 21 de Junho ao criar os juízos de execução fizeram qualquer distinção sobre a sua competência em matéria cível ou criminal, sendo que onde o legislador não distingue não o deve fazer o aplicador da lei.
Ademais e contrariamente ao que se verificava no regime pretérito à entrada em vigor do Decreto-Lei nº38/2003 de 8 de Março o legislador na actual redacção dos artigos 77º nº1 al.c), 103º e 102º-A da LOFTJ expressamente limita quer aos tribunais de competência genérica quer aos tribunais de competência especializada e de competência específica - aqui se devendo incluir as varas cíveis, as varas criminais, as varas mistas, os juízos cíveis, os juízos criminais, os juízos de pequena instância cível e os juízos de pequena instância criminal a sua competência para a execução das decisões que hajam proferido ao dizer que tal só ocorrerá nas circunscrições abrangidas pela competência dos juízos de execução e acrescentando-se que estes são competentes para exercer no âmbito do processo de execução as competências previstas no Código de Processo Civil:
Saliente-se que o nº2 do art. 102º-A da LOFTJ na redacção introduzida pela Lei nº42/2005 de 29 de Agosto em nada conflitua com o entendimento supra expresso antes o corroborando, porquanto, no mesmo apenas se explicitam os casos excepcionais em que a lei expressamente retira dos juízos de execução mesmo nas situações e nas circunscrições em que estes se encontram instalados, designadamente e no que se refere às execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal as que se prendem com a competência deste no que se refere à pena aplicada, em consonância aliás com o disposto nos arts. 467º e segs do Código de Processo Penal.
De todo o exposto resulta que este Tribunal é materialmente incompetente para a tramitação da presente acção executiva.
Este é também o entendimento da Veneranda Relação de Lisboa, vide entre outros Ac.de 9 de Março de 2010 proferido no processo 325/03.S4LSB-B.L1-5 e Ac. de 16 de Junho de 2005 proferido no processo 6607/20005-8 ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
A incompetência em razão da matéria constitui uma excepção dilatória não suprível e de conhecimento oficioso que pode ser conhecida quer em sede liminar quer em fase posterior.
Pelo exposto, declaro este tribunal absolutamente incompetente em razão da matéria e, consequentemente absolvo a executada da instância.
….”.

2. A exequente, C… M…, interpôs recurso, defendendo a competência em razão da matéria do tribunal recorrido, alegando que, nos termos do art.102-A, da LOFTJ (na redacção introduzida pela Lei nº42/05), compete aos Juízos de Execução exercer as competências previstas no CPC, no âmbito de processos de natureza cível, estando em causa um processo de natureza criminal ao qual foi enxertado um pedido de indemnização civil.

3. Não foi apresentada resposta, tendo o recurso sido admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
4. Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora-geral Adjunta, pronunciou-se pelo não provimento do recurso, em douto parecer do seguinte teor:

“…
A questão controvertida que vem colocada e cuja resolução se pretende por via do presente recurso consubstancia-se em saber a quem cabe tramitar a execução de sentença decorrente de pedido de indemnização de natureza cível enxertado em processo penal que correu termos no 4° Juízo Criminal de Lisboa – se a este último, se aos Juízos de Execução de Lisboa.
Para afastar a competência do Tribunal Criminal, a decisão recorrida estriba-se, além do mais, no disposto n°2 do art.102°.-A da LOFTJ, na redacção introduzida pela Lei n°42/2005, de 29.08, concluindo que a competência para a execução de decisão de arbitramento de indemnização cível, ainda que fixada no âmbito de processo que correu termos em tribunal criminal, cabe aos Juízos de Execução e não ao Tribunal onde a decisão declarativa foi proferida, declinando a sua competência para tal efeito.

Prescreve a supracitada norma o seguinte:
Artigo 102.°-A
Juízos de execução
1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.
3 - Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos tribunais de competência especializada referidos no número anterior.

Por seu turno, prescreve o art.103°. do mesmo diploma o seguinte:
Artigo 103.°
Execução das decisões
Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões.

Cabe, assim, enfatizar que, de acordo com o regime legal decorrente das alterações introduzidas pela Lei n°42/05, de 29.08, sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões.
Ou seja, tendo presente o estatuído no n°2 do citado art.102°.-A, os tribunais criminais são, tão somente, competentes para executar as suas próprias decisões ou, por outras palavras, por eles só correm as execuções de sentenças ali proferidas que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o Tribunal cível, o mesmo é dizer, as que se prendem com a pena propriamente dita aplicada (como por exemplo a emissão de mandados de captura ou substituição de uma pena de multa por dias de trabalho ou o pagamento daquela em prestações) e não já a execução patrimonial das decisões proferidas, estas da competência dos Juízos de Execução[1].
Em suma: a Lei n°.42/05 não só restringiu a competência dos juízos de execução à tramitação das execuções de natureza cível, como a restringiu à tramitação de apenas algumas execuções de natureza cível, já que o n°2 do art.102°.-A, introduzido por aquela Lei, exclui da competência dos juízos de execução: a) os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos; b) as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante tribunal civil[2].
Em síntese, conforme acolhido na decisão proferida, em 09.03.10, pelo Exm°. Presidente da 5a. Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa (P.325/03.3S4LSB-B.L1-5, Des.:-Pulido Garcia, disponível em www.dgsi.pt), em conflito negativo de jurisdição colocado à sua apreciação e ali sumariado, "1. Antes da introdução do n°2 do art° 102°A, da LOFT, que decorreu da profunda alteração resultante do novo regime da Acção Executiva e da criação dos juízos de Execução [al.g, do n°1, da Lei n°3/99, de 13/1, na redacção do art° 13° do DL n°38/2003, de 8/3], sedimentou-se na Relação de Lisboa o entendimento segundo o qual em todas as circunscrições onde existam juízos de execução instalados, as acções executivas, sejam elas relativas a matéria cível ou penal; deverão ser intentadas nesses juízos de execução, a não ser que a lei expressa e excepcionalmente preveja para situações concretas competência diferente para essas execuções. II. Evidencia-se que a introdução do n°2, no art° 102°A, da LOFTJ, peta Lei n° 42/2005, de 29/8, em nada confritua com o entendimento resultante dessa interpretação jurisprudencial; e, antes pelo contrário, reforça o seu sentido e alcance. III. Isto porque, o n°2 do art° 102°A, da LOFT, apenas se limita, por um lado, a explicitar os tais casos excepcionais que a lei expressamente retira competência aos juízos de execução e, por outro, no que se refere às execuções de sentenças proferidas pelo tribunal criminai a enunciar as hipóteses em que tais execuções não devem correr perante o tribunal cível. IV. Não tem, pois, apoio legal a interpretação dos art°s 102°A, n°2 e 103° da LOFTJ (Lei n°3/99, de 13/1, na redacção dada pela Lei n°42/2005, de 29/8) que pretende excluir a competência material dos juízos de execução para apreciar as execuções de sentenças proferidas em processos que correram termos pela tribunal criminar; designadamente, as execuções de sentenças cíveis enxertadas no processo penal”.
(sublinhados nossos).
Nestes termos, emite-se parecer no sentido da inteira improcedência do recurso…
…”.

5. Após os vistos legais, realizou-se a conferência.
6. O objecto do recurso, reconduz-se à questão de saber a quem pertence a competência para a acção executiva por indemnização arbitrada em processo criminal.
*     *     *
IIº 1. A LOFTJ, na sua redacção inicial (Lei nº3/99, de 13Jan.), consagrava o princípio de que o decisor deve ser o executor, ao prever no art.103, a regra que os tribunais de competência especializada e de competência específica eram competentes para executar as respectivas decisões.
O Dec. Lei nº38/03, de 8Mar., veio introduzir alterações significativas no processo de execução, modificando um regime com excessiva jurisdicionalização e rigidez que, como refere o respectivo preâmbulo, obstava à satisfação, em prazo razoável, dos direitos do exequente.
O novo regime, procurou libertar o juiz das tarefas processuais que não envolvem uma função jurisdicional e previu que, nos casos em que essa intervenção tivesse de ocorrer, a mesma se fizesse através de magistrados judiciais afectos a juízos de execução e só através dos magistrados do tribunal de competência genérica quando não sejam criados esses juízos com competência específica.
Em consequência, introduziu aquele Dec. Lei nº38/03, algumas alterações à LOFTJ (citada Lei nº3/99), nomeadamente, aos artºs 64, nº2, 2ª parte, 77, nº1, al.c), 96, nº1, al.g), 97, nº1, al.b), 102-A e 103.
Entre essas alterações destaca-se a possibilidade de criação de varas e juízos de competência específica de execução (art.96, nº1, al.g).
Segundo o art.102 A, aditado à LOFTJ pelo Dec. Lei nº38/03 “Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil”.
A introdução dos juízos de execução, como juízos de competência específica, tornou necessário alterar a 2ª parte do nº 2 do art.64: tribunais de competência específica passaram então a ser os que conhecem de matérias determinadas pela espécie de acção ou pela forma de processo aplicável.
Ou seja, a competência dos juízos de competência específica passou a ser definida também em função da matéria, precisamente para abranger os juízos de execução que apenas conhecem de uma espécie de acções: as acções executivas (cfr. art.4, nº1 do CPC).

A LOFTJ, veio a ser de novo alterada pela Lei nº42/05, de 29Ago.
Entre outros, foram alterados os arts.102-A e 103, que passaram a ter a seguinte redacção:
Art.102-A
 “1-Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 – Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil.
3 – Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos tribunais de competência especializada referidos no número anterior”.
Art.103
“Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as suas próprias decisões”.

O art.103, voltou a proclamar o princípio geral de que o decisor deve ser o executor, com a ressalva “Sem prejuízo da competência dos juízos de execução…”, entretanto criados e instalados em algumas comarcas.
O art.102-A, estabelece no nº1, a regra geral da competência dos juízos de execução “…exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil”, inovando, porém, em relação ao regime legal anterior, ao introduzir exclusões a essa regra, em coerência com a alteração introduzida em simultâneo no art.103, excluindo da competência dos juízos de execução (nº2) “…os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil”.
As competências que o legislador de 2005 (Lei nº42/05) exclui dos juízos de execução, são as previstas no nº1, ou seja, as competências previstas no Código de Processo Civil, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, razão por que com a expressão “…execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil”, não pode o legislador ter querido abranger a execução da sentença penal na parte relativa à pena propriamente dita, como defende a Ex.ma PGA no seu douto parecer, pois essas competências nunca podiam pertencer aos juízos de execução, uma vez que em relação a essa parte da sentença criminal o Código de Processo Penal reserva o Livro X (Das execuções), sendo inquestionável que as questões relativas à execução da pena criminal só podem correr perante o tribunal criminal.
Não estando em causa a execução da parte penal da sentença criminal, as execuções de natureza cível, relativas a sentenças proferidas por tribunal criminal, que podem caber na previsão daquele nº2, do art.102-A, são as proferidas na sequência de pedidos cíveis deduzidos em processo crime, por força do princípio de adesão (art.71, e segs. CPP).
Em relação a esses pedidos, pode o tribunal criminal condenar em quantia certa, ou em liquidação de sentença, hipótese esta em que, segundo o art.82, nº1, 2ª parte, do CPP “…a execução corre perante o tribunal civil…”.
Assim, como decidiu o douto acórdão desta Secção de 23Nov.10, proferido no Pº13582/02.3TDLSB (Relator Desembargador Nuno Gomes da Silva) “… quanto às execuções de natureza cível – pois é a essas que se refere este artigo – correlacionadas com a acção penal há as que não devem correr perante o tribunal civil – que são a regra – e as que devem correr perante este tribunal que são aquelas em que, como determinado pelo art.82, nº1, 2ª parte CPP, haja necessidade de liquidação prévia”.
Esta interpretação, de considerar como regra a competência dos juízos criminais para a execução das decisões civis por si proferidas, é que mais se coaduna com a unidade do sistema jurídico.
Na verdade, os juízos de execução foram criados para resolver o problema decorrente das elevadas pendências de acções executivas nos tribunais cíveis dos grandes centros urbanos[3], acções essas sem relevância estatística nos tribunais criminais.
Por outro lado, excluindo o legislador dos juízos de execução as acções executivas relativas aos processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos, não se compreenderia que não adoptasse a mesma regra geral em relação aos tribunais criminais.

A excepção a essa regra geral quanto aos tribunais criminais será, apenas, como se referiu, a relativa às execuções com necessidade de liquidação prévia, pois se o art.82, nº1, 2ª parte, CPP, determina que corram perante o tribunal civil, não faria sentido que aí se procedesse à liquidação e que voltassem ao tribunal criminal para a fase seguinte da execução.
Como refere o citado acórdão de 23Nov.10, é esta “… a interpretação mais correcta dos preceitos citados e a que mais se coaduna quer com o elemento histórico quer com o elemento literal. E assim, considerando o sistema no seu todo, faz então pleno sentido (podendo ser tido como elemento coadjuvante da interpretação proposta) a regra do art.2, da Portaria nº114/08, de 6Fev.”.
Esta Portaria, que regula a tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais de 1ª instância processados de acordo com as disposições do Código de Processo Civil (arts.1º e 2º) exclui do seu âmbito de aplicação os pedidos de natureza civil deduzidos na acção penal e também os processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal[4].
Assim, pretendeu o legislador submeter os processos atribuídos aos juízos criminais, mesmo nas comarcas em que foram instalados juízos de execução, à regra geral do decisor executor, com a excepção a que se refere a 2ª parte, do nº1, do art.82, CPP.
Deste modo, com o devido respeito pelas opiniões contrárias, nomeadamente doutrina e jurisprudência citada no douto parecer da Ex.ma PGA, em particular a decisão proferida no Pº325/03.S4LSB-B.L1, desta secção, adere-se ao entendimento do citado acórdão de 23Nov.10, proferido no Pº13582/02.3TDLSB, também desta secção (cujo texto nos foi gentilmente cedido pelo Ex.mo Relator), considerando competente para tramitar a execução da decisão de arbitramento de indemnização civil proferida em processo penal julgado na área de comarca onde se encontram instalados juízos de execução, o juízo criminal que proferiu a decisão a executar.
*     *     *
IIIº DECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam em dar provimento ao recurso interposto por C...M..., revogando o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro, reconhecendo a sua competência material e dando andamento à presente execução.
Sem tributação.

Lisboa, 7 de Dezembro de 2010

Vieira Lamim
Ricardo Cardoso
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[1] Cfr. art.467°. e sgts. do C.P.P.
Cfr. também o ACRP de 26.01.06 (P.0536697, Rel.:-Deolinda Varão, disponível em www.dgsi.pt) do qual consta enunciada, com assinalável detalhe, a evolução legislativa registada neste domínio.
[2] Cfr. nesse sentido o ACRL de 16.06.05 (P.6607/05-8, Rel.:-Salazar Casanova, disponível em www.dgsi.pt), em cujo sumário se pode ler "(...) No caso de execuções fundadas em decisões criminais, a lei não atribuiu aos tribunais de competência específica criminal competência material-exclusiva para neles se executarem as próprias decisões, sejam efas indemnizações cíveis, sejam multas criminais e, assim sendo, a execução caberá ao juízo de execução criado se foro territorialmente competente. (..)" - sublinhados nossos.
Também a própria doutrina aponta inequivocamente nesse sentido - cfr. A Acção Executiva - Depois da Reforrna da Reforma", 2009, José Lebre de Freitas, p.105 e sgts.
[3] Diz o Preâmbulo do Dec. Lei nº148/04 de 21.06 (no seu art.3, nº1, criou os juízos de execução de Lisboa, Porto, Guimarães, Loures, Maia, Oeiras e Sintra) “Sendo de esperar que o novo regime da acção executiva produza com o tempo uma redução acentuada das pendências médias nos processos cíveis, os números apontados permitem concluir que esse efeito será particularmente marcado nas comarcas de Lisboa e Porto. Os estudos desenvolvidos ao longo de seis meses (…) apontam no sentido de uma efectiva desjudicialização do processo executivo (…) de onde se conclui que, com um reduzido número de juízos de execução (…) se poderá obter uma eficaz tramitação destes processos, libertando as secções cíveis dos respectivos tribunais para a exclusiva tramitação das acções declarativas.(…) O resultado expectável é o de que, no prazo de dois ou três anos, a pendência média total das secções cíveis de Lisboa e do Porto seja drasticamente reduzida, (…)”.
[4] A Port. nº114/2008, de 6Fev., com as alterações introduzidas pela Port. nº1538/08, de 30Dez. (DR nº251), estabelece:
“…
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
O disposto na presente portaria aplica -se à tramitação electrónica:
a) Das acções declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judiciais avulsas, com excepção dos pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal;
b) Das acções executivas cíveis.
…”.