Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0063072
Nº Convencional: JTRL00024650
Relator: CORDEIRO DIAS
Descritores: DEFEITO DA OBRA
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
FORMA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RL199902180063072
Data do Acordão: 02/18/1999
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: PROF VAZ SERRA IN PRESCRIÇÃO E CADUCIDADE BMJ 107 PÁG232 E ANOTAÇÃO AO AC STJ DE 1972/12/05 IN RLJ ANO 107 N3515.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CCIV66 ART330 ART331 N2 ART325.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1972/12/05 IN BMJ 222/372. AC STA DE 1977/05/28 IN CJ ANOII TOMO4 PÁG971. AC STA DE 1971/01/14 IN AD N110 PÁG212. AC RP DE 1992/02/20 IN CJ ANOXVII TOMOI PÁG237.
Sumário: O reconhecimento do direito, como impeditivo da caducidade, por parte daquele contra quem deva ser exercido e a que alude o nº2 do art. 331º CC, como de resto o art. 330º para os negócios pelos quais se criem casos especiais de caducidade, se modifique o regime legal ou se renuncie a ela e o art. 325º para o acto interruptivo da prescrição, não está sujeito a qualquer formalidade.
Decisão Texto Integral: Apelação nº 6307/98
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I
A Administração do Condomínio do Prédio nº 24 da Avª (K) em Algés, propôs contra (A), acção declarativa, com processo ordinário, pedindo fosse condenada a pagar-lhe 2.724.203$00 por obras e substituições por ela feitas no prédio, bem como a efectuar as reparações necessárias a eliminar os defeitos de construção verificados, ou a pagar-lhe o respectivo custo.
A R. contestou por excepção, invocando a caducidade e, por impugnação, negou os fundamentos do pedido, tendo a A., respondido.
Saneado o processo, com relegação do conhecimento da excepção para final, condensada a matéria de facto relevante e, realizado o julgamento, foi proferida sentença que, afastando a caducidade, condenou a R. a pagar à A. a quantia de 1.740.200$00, bem como a efectuar as obras necessárias à eliminação das rachas e fissuras, dos parasitas na madeira, da falta de isolamento da piscina e da substituição das pedras com rachas.
Inconformada quanto à decisão sobre a caducidade, apelou a R., pedindo a procedência da excepção com a consequente revogação da sentença e, subordinadamente, a A., na parte em que absolveu a R. do pedido de reparação das escadas exteriores de emergência, bem como das rachas e fissuras, pedindo, também, quanto a ela, a procedência.
I - A R. concluiu pela forma seguinte:
1) - O direito que a A. pretende invocar está caducado;
2) - Essa caducidade foi reconhecida e bem fundamentada na decisão recorrida quanto à parte dos defeitos de construção invocados pela Apelada (os restantes da existência de infiltrações de água);
3) - Com efeito, e como bem se decidiu, aplica-se ao caso dos autos o regime de caducidade estabelecido no CC, antes da promulgação do DL nº 267/94, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1995, e a acção não foi interposta nos prazos legalmente obrigatórios;
4) - Fez-se, porém, interpretação errada no tocante aos demais defeitos, cuja reparação se determinou;
5) - A matéria dada como provada na resposta conjunta aos quesitos 40º, 41º e 49º não é bastante, ou adequada a interromper a caducidade;
6) - Para que o fosse seria necessário, como ensina o Prof. Vaz Serra, que esse conhecimento tivesse sido tal que tornasse o direito certo e fizesse as vezes da sentença, por ter o mesmo efeito desta;
7) - A jurisprudência é abundante nesse sentido, nomeadamente o Ac. STJ de 8 de Janeiro de 1981: o reconhecimento a que se refere o nº 2 do art. 331º do CC não é a simples admissão genérica de um direito de crédito, mas um reconhecimento em concreto, com valor idêntico ao do acto impeditivo que torne desnecessária a sua exigência por meios judiciais;
8) - No caso vertente, mesmo considerando a resposta conjunta aos quesitos 40º, 41º e 49º, a matéria ali provada não integra o conceito de interrupção da caducidade, exigido por Lei, para que esta interrupção se verifique;
9) - Com efeito, houve que intentar-se a presente acção, e constatou-se, pela matéria de facto, que não se provou sequer a existência substancial de todos os pretensos defeitos invocados;
10) - Igualmente não se provou a veracidade dos prejuízos alegados;
11) - É, assim, manifesto que não existiu causa interruptiva da caducidade;
12) - Assim, o direito à reparação de todos os defeitos - sem excepção - invocados pela A. ora recorrida, está extinto por caducidade;
13) - Decidindo como decidiu, a, aliás douta decisão recorrida, violou, entre outros, os arts. 916º, 917º, 918º, 1225º do CC, na redacção aplicável (a anterior à promulgação do DL 267/94 de 25 de Outubro) e 331º daquele diploma.
II - A A., depois de contrariar as razões da R., alegando no recurso subordinado, concluiu desta maneira:
1) - O simples reconhecimento dos defeitos pela R. é suficiente, até pela natureza dos actos inerentes ao seu comércio, para que se entenda terem sido reconhecidos os direitos que a A. se arrogou na presente acção;
2) - Mesmo na parte em que se logrou provar (sendo certo que não se poderá ter por assente o contrário) que os mesmos tivessem sido expressamente comunicados à R., (escadas exteriores de emergência) porque patentes e notórios se devem haver por serem do seu conhecimento;
3) - Igualmente na parte em que não se logrou provar (sendo certo que não se poderá ter por assente o contrário) que a R. se tenha comprometido expressamente a eliminar os defeitos (infiltrações), sempre esse direito não pode ser considerado caduco, pois que não faria igualmente sentido exigir da A. que na pendência da tentativa amigável de solução tivesse de propor acção parcial no que respeita a esses direitos;
4) - Tanto mais que A. e R. actuavam comprovadamente no sentido de resolverem todas as deficiências do prédio e afim de manterem uma boa relação comercial e entre condóminos que eram;
5) De resto, resultando as referidas infiltrações de rachas e fissuras que igualmente se considerou terem sido prometidas eliminar pela R., designadamente no 18º piso, é incindível o seu comprometimento em relação à eliminação dos defeitos de isolamento da cobertura;
6) - Tal é o sentido que a interpretação dos factos provados, segundo o melhor critério jurídico, deverá ser fixado ao comportamento atribuído à R., tendo em conta até a sua qualidade de sociedade comercial de gestão imobiliária;
7) - Tal foi o sentido que comprovadamente levou a que a A. adiasse ou executasse apenas parcialmente as reparações necessárias e só terminados dois meses antes da propositura da acção, significativamente, quando a R. procedeu à alienação da sua última fracção do prédio;
8) - Tendo a R., comprovadamente, criado a convicção, do Condomínio a que pertencia, de que iria a proceder às reparações no prédio será manifesto abuso de direito reconhecer a caducidade do seu direito, ou por outro modo, permitir-se à R. a exoneração das suas responsabilidades pelo decurso de um prazo, que pelo seu comportamento e em prejuízo dos condóminos, foi sendo dilatado.
9) - Foram violados, consequentemente, entre os citados, os arts. 331º nº2, 329º, 236º e 334º do CC.
II
Foram dados como provados os seguintes factos:
1 - A A. exerce a administração do condomínio do prédio sito na Rua (K), em Algés;
1.2 - No dia 16/05/96 realizou-se a assembleia geral dos condóminos do referido prédio com as ocorrências descritas na acta de fls. 16 e sgs. e que aprovou a deliberação de incumbir a A. de propor esta acção e de proceder à reparação de defeitos; - al. A);
2 - No dia 23/05/91 foi subscrito um auto de entrega do dito prédio pelos representantes da A. e da R.onde ficou exarado: "... resultou mostrar-se o edifício concluído, em condições de habitabilidade de acordo com os projectos aprovados ... verificando-se, no entanto a necessidade de proceder a correcções (omissões constante do anexo ao presente auto ... Assim é o edifício nesta data entregue pelo Promotor e recebido pela Administração do Condomínio, com excepção dos trabalhos constantes do anexo..." al B));
3 - Em 23/06/91 foi subscrito pelos mesmos um "Adicional ao auto de entrega de 23/05/91" onde consta:
"2 - Procederam à vistoria do anexo referido em 2 e 3 do auto de entrega acima mencionado, ... tendo-se verificado a sua completa regularização com excepção do "item" relativo à falta de pressão em alguns fogos ..."
Nesta circunstância o edifício é entregue e recebido na totalidade ... exceptuando o item mencionado no parágrafo anterior cuja regularização se prevê para os próximos 60 dias - al D);
4 - Em consequência de deficiências dessa construção a Autora precisou de reparar o piso e ralo de escoamento da casa do lixo - qto. 3º;
5 - No que despendeu 52.650$00 - qto. 4º;
6 - De reparar as tampas e algumas esquadrias de acesso à conduta de lixo e de adquirir uma alavanca para manuseamento do escovilhão de limpeza da conduta do lixo e respectivo peso - qto. 5º;
7 - No que despendeu 187.550$00 - qto. 6º;
9 - De substituir as bombas de água - qto. 7º;
10 - No que dependeu cerca de 1.000.000$00 - qto. 8º;
11 - E de substituir as cablagens do sistema de televisão - qto. 9º;
12 - No que despendeu cerca de 500.000$00 - qto. 10º;
13 - Também em consequência de deficiências da construção, o prédio tem rachas e fissuras na fachada, empenas, alçado lateral esquerdo e estuque do tecto falso da entrada - qto. 11º;
14 - O isolamento da cobertura do edifício, os muretes e remates do isolamento permitem infiltrações nas fracções localizadas ao nível do 18º piso, na sala do condomínio e na casa das máquinas situada ao nível do primeiro piso - qto. 12º;
15 - As paredes e tecto da sala do condomínio e muretes da respectiva varanda têm rachas e a pintura estragada - qto. 13º;
16 - O tecto da dita sala do condomínio verte água - qto. 14º;
17 - A casa das máquinas dos elevadores tem rachas e a pintura estragada - qto. 15º;
18 - As infiltrações que ocorrem na dita casa das máquinas põem em perigo toda a instalação e respectivo funcionamento - qto 16º;
19 - E têm impedido o ISQ de emitir o certificado de que depende o mesmo funcionamento - qto. 17º;
20 - Subsistem parasitas nas portas de acesso à cozinha e casa de banho, da cozinha e casa de banho da sala de condomínio - qto. 18º;
21 - E nas réguas de batente e apoio das dobradiças das portas de acesso aos contadores de água no 3º piso, de electricidade no 4º piso, de água e nos cubículos A/B e C/D no 5º piso, de água no 7º piso, de água no 9º piso, de electricidade no 10º piso e de água 13º piso - qtos. 19º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, e 26º;
22 - Subsistem parasitas nas ombreiras e vãos das portas de acesso às arrecadações e cubículos do lado C/D (nºs. 16, 17 e 18) no piso 1 e das arrecadações e cubículos do lado C/D do nº AB no piso 2 - qtos. 27º e 28º;
23 - A pintura das escadas metálicas de emergência encontra-se deteriorada - qto. 30º;
24 - A pedra aplicada nos degraus exteriores e "hall" de entrada do edifício apresenta rachas e diversidade de tonalidades - qto. 31º;
25 - A exaustão dos gases dos esquentadores da piscina é feita pela interior, através de ligação às condutas de ar ventilado do prédio - qto. 32º;
26 - O que provoca condensações que afectam as paredes e pinturas do 5º piso - qto. 33º;
27 - O deficiente isolamento da piscina provoca infiltrações e inundações em arrecadações do 2º piso - qto. 35º;
28 - A localização e dimensão da caixa de esgotos do prédio potenciam a contaminação do tanque de água potável existente e dificultam o acesso para manutenção e limpeza - qto. 36º;
29 - Em 22/10/91 a Ré ainda não havia resolvido a falta de pressão das bombas de água - qto. 37º;
30 - Nem o fez posteriormente - qto. 38º;
31 - A autora foi dando sempre conhecimento à Ré de todas as situações anteriormente referidas, excepto a respeitante à pintura das escadas metálicas - qto. 39º;
32 - A Ré foi sempre confirmando a existência das mesmas situações e dizendo que procederia à sua reparação, ou pagaria o seu custo, excepto no que respeita às infiltrações - qtos. 40º, 41º e 49º;
33 - Apenas em Março de 1996 a Ré disse que não repararia nem custearia a reparação das mesmas deficiências - qto. 42º;
34 - Até aí sempre a Autora pensou que a Ré iria proceder à reparação dessas deficiências - qto. 43º;
35 - Por isso, os trabalhos de correcção foram sendo adiados ou apenas parcialmente executados - qto. 44º;
36 - Nenhum dos defeitos do prédio o coloca em perigo de ruína - qto. 45º;
37 - Todos os defeitos existentes no prédio são conhecidos da Autora desde há mais de dois anos antes da propositura da acção 23/05/96 - qto 46º;
38 - E foram todos comunicados pela Autora, com excepção do referido no quesito 30º, mais de um ano antes da mesma data - qto. 47º;
39 - Após a entrega do edifício, os condóminos, ao efectuarem a montagem de uma antena parabólica, cortaram a tela de impermeabilização existente na cobertura - qto. 51º;
Porque provado por acordo (art. 15º da petição e art. 37º da contestação), nos termos do art. 712º nº 1 al. a) do CPC, considera-se ainda provado o seguinte:
40 - A R. procedeu à venda das fracções autónomas do prédio.
III
Com a presente acção veio a A., nos termos permitidos pelo art. 1473º, nºs. 1 e 2 do CC, efectivar, jurisdicionalmente, a responsabilidade contratual da R., como vendedora de prédio urbano submetido ao regime de propriedade horizontal, por defeitos de construção subsistentes e despesas de reparação por aquela já suportadas.
A factualidade apurada não foi posta em causa, sendo de manter, com o aditamento referido sob o nº 40.
De acordo estão, também as partes em que a disciplina aplicável há-de buscar-se dentro da regulamentação específica do contrato de compra e venda, que não no de empreitada, na linha definida pelo Assento de 4 de Dezembro de 1996, mas sendo aquela a anterior às alterações introduzidas pelo DL nº 267/94, de 25 de Outubro, que aditou o nº 3 ao art. 917º e alterou o art. 1225º do CC.
O que as divide, tanto no recurso independente, como no subordinado, é a questão da caducidade, especificamente, o regime de reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido, ou seja, por aquele a quem ela aproveita, como causa impeditiva dessa excepção.
O prédio foi entregue pela R., e recebido pela A., na totalidade, em 23 de Junho de 1991 (nº 3).
Posteriormente, a A. foi detectando diversas deficiências de construção, de que a A. foi sempre dando conhecimento à R., com excepção da deterioração da pintura das escadas metálicas de emergência (nº 23), deficiências essas cuja existência esta sempre confirmou, dizendo que iria proceder à sua reparação, ou que pagaria o seu custo, com excepção das respeitantes às infiltrações (nº 32), no que a A. sempre acreditou (nº 34), o que a levou a ir adiando os trabalhos de reparação, ou a executá-los parcialmente (nº 35), até que, em Março de 1996, a R. comunicou à A. que não iria efectuar, nem pagar, a reparação dos defeitos apontados (nº 33), tendo esta, então, proposto a acção em 23 de Maio seguinte.
As reparações dos defeitos, em cuja execução, atenta a demora da R., a A. se substituiu àquela, importam em 1.740.200$00.
Conforme dispõe o art. 913º, nº 1 do CC, diploma, a que pertencerão os demais preceitos a referir sem menção da pertinência, se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ... ou não tiver as qualidades necessárias para a realização do fim a que é destinada, observar-se-à, com as devidas adaptações, o estatuído na secção relativa à venda de bens onerados, em tudo o que não contrarie o estipulado na secção relativa à venda de coisas defeituosas, o que se contém adentro dos arts. 914º a 922º.
É, por isso, aplicável ao caso o disposto no art. 914º, disposição que confere à A. o direito de exigir da R. a reparação do prédio, e o custo das reparações já efectuadas, já que esta não deduziu, não estando, assim provada, a excepção do desconhecimento, sem culpa, dos defeitos, ressalvada na parte final do mesmo preceito.
Mas para que tal direito se tenha consolidado na esfera jurídica da A., necessário se, torna, nos termos do art. 916º, que ela tenha denunciado os vícios faltas de qualidade, até trinta dias após deles ter tomado conhecimento, e dentro dos seis meses posteriores à entrega do prédio.
Quanto à efectivação jurisdicional desse direito a Lei só prevenia, expressamente, a caducidade relativamente às acções de anulação por simples erro, estatuindo no art. 917º que o direito de acção caducava findos os prazos referidos no artigo anterior, ou seja, se a denúncia não fosse efectuada dentro dos trinta dias subsequentes ao conhecimento dos defeitos e dentro dos seis meses posteriores à entrega.
Na sequência da divergência doutrinal e jurisprudencial nascida à volta da forma de preencher tal lacuna, veio a ser proferido o Assento nº 2/97, de 04 de Dezembro de 1996, publicado no DR 1ª Série, de 30 de Janeiro de 1997, do seguinte teor: " A acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida no regime anterior ao D. Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, estava sujeita à caducidade nos termos do art. 917º do Código Civil".
O direito de acção para reparação de defeitos, ou para exigir o respectivo custo, caducava, assim, findos os trinta dias posteriores ao conhecimento do vício, decorridos seis meses após a entrega (art. 916º), e decorridos seis meses sobre a denúncia (art. 917º), sem a petição ter dado entrada na secretaria judicial.
Provou-se que a A. foi sempre dando conhecimento à R. de todos os defeitos, com excepção da deterioração da pintura das escadas metálicas de emergência (nº 31), que a R. sempre foi confirmando a sua ocorrência, dizendo que procederia à sua reparação, ou que pagaria o seu custo, com exclusão das infiltrações (nº 32), até Março de 1996, quando se recusou a efectuá-las e a pagar o seu custo (nº 33), razão pela qual a A., convicta, até esse mês, do contrário (nº 34), foi adiando substituir-se à R., apenas tendo efectuado, parcialmente, algumas delas (nº 35).
Às palavras "sempre" não pode atribuir-se outro significado que não seja o de que a A. denunciou os vícios dentro dos prazos legais contados, quer do respectivo conhecimento, quer da entrega do prédio, o que não foi posto em causa na contestação.
Põe-se agora a questão nuclear de saber se estes factos podem ser valorados como reconhecimento, por parte da R., da razão da A. de ver eliminados os defeitos provados - todos com excepção da pintura da escada e das infiltrações - e do pagamento dos trabalhos por esta efectuados.
O nº 2 do art. 331º dispõe que, quando se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido.
A decisão apelada entendeu que sim e, crê-se que bem.
A despeito da meridiana clareza textual da disposição, predisposta ao afastamento de interpretações restritivas, que elementos interpretativos fundamentais relevados no art. 9º, como sejam a "unidade do sistema jurídico", a "presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados", parecem afastar, é profunda a divergência, quanto a esta questão, nas alegações das partes, na linha de certa controvérsia jurisprudencial de que as alegações dão notícia.
O preceito não refere que o reconhecimento tenha de revestir qualquer formalidade, como, advirta-se, a não exige o art. 330º para os negócios pelos quais se criem casos especiais de caducidade, se modifique o regime legal desta, ou se renuncie a ela, como o não exige, também, o art. 325º para o acto de reconhecimento interruptivo da prescrição, valendo o princípio da liberdade de forma consagrado no art. 219º.
Estranho seria, e desconforme com o principio da unidade do sistema jurídico, que tal exigência formal se fizesse só para o reconhecimento impeditivo da caducidade.
A controvérsia provém de uma, a nosso ver, inadequada interpretação do que, à cerca do art. 292º da primeira revisão ministerial do Código Civil, moldado sobre o art. 2966º do correspondente diploma italiano, escreveu o Professor Vaz Serra, sob a epigrafe "Prescrição e Caducidade", a pág. 232 do BMJ nº 107, que se não pode deixar de transcrever:
Tratando de direitos disponíveis
Se o direito for disponível, e for reconhecido pelo eventual beneficiário da caducidade, não constitui o reconhecimento um meio interruptivo da caducidade, pois a circunstância de esse beneficiário reconhecer o direito da outra parte não tem o efeito de inutilizar o tempo já decorrido e abrir novo prazo de caducidade (como aconteceria na prescrição): o reconhecimento impede a caducidade tal como a impediria a prática do acto sujeito a caducidade.
Na verdade, se o direito é reconhecido pelo beneficiário da caducidade, não faria sentido que se compelisse o titular a pedir o reconhecimento judicial do mesmo direito ou a praticar, no prazo legal, qualquer outro acto sujeito à caducidade.
Tratando de direitos indisponíveis
Posto isto, a restrição do art. 2966º do Código italiano "se se trata de um prazo estabelecido pelo contrato ou por uma norma relativa a direitos disponíveis", parece aceitável, apesar de embora o direito não seja disponível, pode acontecer que a Lei permita ao beneficiário da caducidade o reconhecimento do direito da outra parte.
Não basta, para este fim, qualquer reconhecimento: é preciso que este seja tal que tenha o mesmo efeito que teria a prática do acto sujeito a caducidade. Assim, se se tratar de prazo de propositura de uma acção judicial, deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes de sentença, porque tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido.
Exemplo de direitos indisponíveis relativamente aos quais, apesar disso, a lei admite o reconhecimento, por com ele perder utilidade a acção, deu-se o Ilustre Professor antes, com o caso do direito, (indisponível), de o filho poder investigar a paternidade, e de o pai (eventual beneficiário da caducidade da acção de investigação) poder reconhecer, voluntariamente, o filho. Claro que tal reconhecimento não pode deixar de revestir determinadas formalidades destinadas a assegurar que tal acto de reconhecimento seja idóneo a produzir os mesmos efeitos que produziria a sentença, termo este a que se chegaria se o reconhecimento não tornasse inútil a propositura da acção. Essas formalidades são, entre nós as indicadas no art. 1853º do CC.
E, se dúvidas assim fossem possíveis, sobre o entendimento do Mestre quanto a não sujeição, a quaisquer formalidades, do acto de reconhecimento impeditivo da caducidade do direito de acção, quando em causa apenas direitos disponíveis, bastaria ler a anotação, que fez na RLJ Ano 107º, nº 3515, de concordância, sem reservas, com o acórdão do STJ de 5 de Dezembro de 1972, BMJ 222.372 que decidiu valer como reconhecimento de redução de doação inoficiosa, impedindo a caducidade, nos termos do art. 331º nº 2 do CC, o compromisso assumido verbalmente pela donatária, perante o procurador do herdeiro legitimário, de pagar a este determinada quantia para preenchimento da sua legitima.
Tal entendimento havia-o o Tribunal fundado em duas ordens de razões a saber: não se contarem no preceito quaisquer palavras ou expressões verbais que autorizem a afirmar que o reconhecimento do direito deva revestir a forma de escritura pública e, em segundo lugar, porque, referindo-se o artigo a um reconhecimento que torna possível uma acção cujo prazo de caducidade legal já decorreu, seria incongruente que tivesse de revestir uma forma tal que essa mesma acção se tornasse inútil.
A interpretação que se deixa feita do pensamento do Professor Vaz Serra é a que se pode ver, também, no acórdão do STA de 28 de Maio de 1977, na CJ Ano II, Tomo 4, pág. 971 e segs., onde se decidiu constituírem factos impeditivos da caducidade o reconhecimento, por órgão competente do Estado, da culpa funcional, e o pagamento de algumas das diversas despesas, originadas por aquela culpa, através de verbas inscritas, para o efeito, no orçamento geral do Estado.
E no acórdão do mesmo Tribunal, de 14 de Janeiro de 1971, em Acórdãos Doutrinais, nº 110, pág. 212, foi-se ao ponto de aceitar o simples reconhecimento tácito do direito, o que quer dizer que o reconhecimento expresso nunca poderia assumir o rigorismo da posição refutada, ou seja, de ser aceitável e suficiente o reconhecimento tácito, decorre que o reconhecimento expresso sempre relevará, qualquer que seja a forma que revista, desde que baste para tornar certo o direito.
Também a Relação do Porto, no acórdão de 20 de Fevereiro de 1992, CJ Ano XVII, Tomo I, pág. 237, decidiu que não se verificava a caducidade da acção de indemnização por defeitos da coisa vendida, ainda que proposta decorridos seis meses após a venda, desde que, denunciados antes de decorrido um mês sobre ela, o Réu reconheceu a sua obrigação e foi protelando o respectivo cumprimento.
Decisivo é que o reconhecimento seja concreto, preciso, sem ambiguidades, sem carácter vago e genérico.
A especificação dos direitos sobrevindos, a denúncia deles sempre efectuada pela A., e sempre reconhecida pela R. até Março de 1996, satisfaz tais requisitos.
É quanto basta para que, irrelevando as conclusões da apelação da R., tenha o recurso de improceder.
De resto, provando-se o que se provou, tendo mantido a A. na convicção de que agiria em conformidade do que lhe era requerido, e alimentando a longa expectativa de que aquela a ver passar as palavras aos actos, a R., colocou-se em situação de não poder invocar a sua defesa a caducidade, por tal comportamento se traduzir um inconveniente "venire contra factum proprium", o que o art. 334º não permite.
Quanto à apelação da A., vem ela interposta subordinadamente, o que quer dizer que só seria de apreciar se a da R. fosse julgada procedente.
Nada há, assim, a alterar na decisão apelada.
Termos em que sem mais vai a mesma confirmada.
Custas pela Apelante R..
Lisboa, 18 de Fevereiro de 1999