Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | AFONSO HENRIQUE | ||
Descritores: | SERVIDÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/20/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDÊNCIA PARCIAL | ||
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Sumário: | I – A par da usucapião, a destinação do pai de família constitui uma forma originária não negocial de constituição de servidões aparentes, contínuas ou descontínuas. II - Enquanto os prédios ou fracções do mesmo prédio pertencerem ao mesmo dono, por imperativo da conhecida máxima nemini res sua servit, a servidão não existe, pois, no nosso ordenamento jurídico, não é admissível, a servidão do proprietário. III - Surgirá, porém, automaticamente, a figura jurídica da servidão, se os dois prédios ou as duas fracções se separarem, e passarem a ser de proprietários diferentes, verificados que sejam os seguintes requisitos: 1. Os dois prédios ou as duas fracções de um só prédio tenham pertencido ao mesmo dono; 2. Relação estável de serventia de um prédio a outro, correspondente a uma servidão aparente, revelada por sinais visíveis e permanentes (destinação) 3. Separação dos prédios ou fracções em relação ao domínio (separação jurídica), e inexistência de qualquer declaração no respectivo documento contrária à destinação. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DELISBOA (1ª SECÇÃO) RP e esposa, TP; IP e; RP, intentaram a presente acção comum, sob a forma ordinária, contra: JF e esposa, AS. Alegando, em síntese, que: (…) Terminam os AA. pedindo a condenação dos RR. a reconhecerem a existência da servidão de passagem nos termos por si alegados, a condenação dos RR. a suportarem as obras de reconstrução da ponte a assentar em terreno seu e no pagamento de €4100 anuais, correspondentes às perdas sofridas. Regularmente citados para os termos da presente acção, vieram os RR. apresentar contestação alegando, em síntese, que: (…) Em sede de réplica apresentada, vieram os AA. alterar o pedido de deduzido, ao abrigo do disposto nos artigos 273º nº 2 e 469º do CPC, aditando como pedido subsidiário que no caso de improcedência do pedido formulado na alínea a) do pedido final da petição inicial e, sem prejuízo dos pedidos aí formulados nas alíneas b) e c), deve o Tribunal condenar os RR. no reconhecimento do direito real de servidão com o mesmo conteúdo daquela alínea a), mas constituído por usucapião, sendo a causa de pedir deste pedido integrada pelos factos alegados nos artigos lº e 29º a 33º da petição inicial. Treplicaram os RR. mantendo como no seu anterior articulado e pugnando pela condenação dos AA. como litigantes de má-fé pois, os mesmos invocaram como suporte da sua pretensão um encrave que sabem não existir. Os AA. requereram então a intervenção principal provocada da CC…, CRL alegando que, a mesma tem uma hipoteca sobre o prédio dos AA. e assim teria interesse em agir ao lado dos RR. a fim de não ver a sua garantia diminuída. Os RR. foram ouvidos e remeteram para a interveniente e para o Tribunal a análise sobre a pertinência do incidente, tendo este decidido não admitir a intervenção. Veio a CC. … deduzir incidente de intervenção principal espontânea alegando, basicamente, que, os AA. insurgiram-se contra tal admissão por considerarem que a interveniente não alegou factos essenciais a preencher a causa de pedir, designadamente, quanto lhe é devido, quanto vale o prédio livre de ónus ou encargos e quanto valerá uma vez constituída a servidão. Contudo, por despacho de fls. 335 e segs. não foi admitida a requerida intervenção. Deste despacho interpôs a requerente recurso, recurso este admito como apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito devolutivo. Na Audiência Preliminar, foi admitida a reconvenção e considerou-se não escritos, os artºs.1º a 5º da réplica admitindo o demais; admitiu-se ainda a alteração de pedido operada naquele articulado e fixou o valor da acção em €65.001. Saneada a causa e prosseguindo os autos foram fixados os factos assentes e os que compunham a base instrutória, não tendo existido qualquer reclamação. O processo foi instruído sendo que, entre outros, foi relegada para a audiência de discussão e julgamento a oportunidade de realização de inspecção ao local, decisão esta que foi objecto de recurso. Realizou-se a Audiência de Discussão e Julgamento, a qual decorreu em várias sessões e compreendeu, entre outras a inspecção ao local por o juiz de julgamento a julgar pertinente. No decurso da Audiência vieram os AA. a reduzir o pedido feito na 1 ª parte da alínea c) do pedido final às culturas de 2010 e 2011, desistindo do pedido de danos futuras, redução esta admitida. Os AA. vieram ainda ampliar o pedido inicialmente formulado de molde a serem os RR. condenados a proceder à reconstrução do caminho nos dois locais em que o destruíram, por forma a que por eles possam passar pessoas, máquinas e viaturas ou, em alternativa, pagarem o custo das obras que os AA. tiverem que realizar para procederem a essa reconstrução., sendo neste caso o valor a liquidar em execução de sentença, ampliação esta admitida. Dada resposta fundamentada aos factos controvertidos que constavam da base instrutória foi exarada a competente sentença - parte decisória: “-…- Dispositivo - Por todo o exposto, o Tribunal julga a presente acção improcedente por não provada e, em consequência, prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional. - Custas - na acção e na reconvenção - pelos AA. -…-” Desta sentença vieram os AA. recorrer, recurso esse que foi admitido com sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. E fundamentaram o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: (…) Contra-alegaram os recorridos/RR. concluindo pela improcedência do recurso interposto pelos AA.. - Foram dispensados os vistos pelos Exmos. Adjuntos. APRECIANDO E DECIDINDO Thema decidendum - Em função das conclusões do recurso, temos que: - Os recorrentes/AA. pugnam pela revogação da sentença recorrida e consequente reconhecimento da servidão de passagem (para o seu prédio/B…) pelo prédio (A…) dos RR., por destinação de pai de família e, se assim não for entendido, por usucapião; - Pretendem ainda ser indemnizados por alegados prejuízos que imputam à atitude dos recorridos/RR por os impedirem de utilizar aquela passagem. I - Apuraram-se os seguintes FACTOS: (…) # II – Da Questão de Facto Havendo gravação dos depoimentos prestados na Audiência de Discussão e Julgamento este Tribunal de Recurso procedeu à audição dos mesmos, sintetizando-os, da maneira que se segue: Testemunhas arroladas pelos AA. (…) Do recurso da decisão de facto propriamente dito São estes os artigos da base instrutória cujas respostas os recorrentes/AA. pretendem ver alteradas: (…) - Que dizer (artº712ºdo CPC)? Importa começar por chamar a atenção para o auto de inspecção junto aos autos bem como para o valor probatório que este meio de prova tem, uma vez que, implica uma ida ao local em litígio e ao registo pelo Tribunal do que aí, directamente, observou. Em relação a esse acto judicial de particular importância neste tipo de processo e que versa acções reais subscrevemos a fundamentação expressa pelo Tribunal a quo no sentido do reconhecimento da existência do caminho cuja servidão agora se discute (com início no campo da bola atravessando o prédio denominado A… até à ponte que dava acesso ao prédio designado por B…) face aos sinais visíveis e que evidenciam o mesmo. Porém, fazemos diferente valoração dos testemunhos prestados na Audiência de Discussão e Julgamento no que se reporta à existência e utilização desse caminho antes da partilha a que se refere a L) dos factos assentes, o que se verificou em 1950. Isto porque os testemunhos acima resumidos, em especial das testemunhas mais velhas (AD de 93 anos de idade; MD, de 72 anos de idade; BL, de 78 anos de idade e LJ, de 83/84 anos de idade) foram esclarecedores (conheceram os prédios em causa desde crianças) quanto aquele caminho (do centro) por onde se transitava da A… para o B…, o qual, tinha, inicialmente, uma ponte de madeira, precisamente, para ultrapassar o leito de água que dividia esses dois prédios. Impõe-se, deste modo, modificar a resposta aos artºs.2º e 3º da BI da maneira que se segue: Artº2º: Provado que antes da data referida em L), o acesso ao prédio referido em A) por pessoas, animais, tractores e outras viaturas sempre se fez através do prédio referido em B). Artº3°: E por caminho com largura suficiente para um carro de bois e/ou uma camioneta, que parte da via pública, junto ao campo de futebol e, entra, pelo lado norte, no prédio referido em B), seguindo por dentro deste no sentido aproximado de Norte para Sul, até atingir o leito de curso de água, sobre o qual existia uma ponte, cuja estrutura de suporte assentava do lado norte do prédio referido em B) e, do lado sul no prédio referido em A). Também relativamente aos artºs.14º e 15º da BI, com especial ênfase para os testemunhos dos trabalhadores da FC, SA., de que os AA. são sócios e administradores e que a mando destes desempenhavam funções agrícolas, de transporte de fruta ou de gestão relativamente ao prédio chamado de B…, percebeu-se que só com a queda da dita ponte, entretanto, construída em cimento, os RR., mais concretamente o pai do R., deixou de permitir o uso pelos AA. do aludido caminho que partia do campo de futebol. Foi, igualmente, esclarecedor sobre este ponto o depoimento da engenheira agrónoma da Associação dos Agricultores de T…, ML que deu assistência técnica aquela propriedade (em 2008, 2009 até Janeiro de 2010, sendo que a queda da ponte ocorreu na sequência do “tornado do Oeste” de Fevereiro de 2010) ao abrigo dum programa de assistência facultado pelo IFADAP e relativo à cultura de pêra (principalmente, pêra rocha) e ainda os testemunhos do próprio filho e da nora do R.. Em conformidade, alteram-se também as respostas aos artºs.14º e 15º, impondo-se a seguinte resposta conjunta: Artºs.14° e 15º: - Na sequência do referido em 13º (cheias de Fevereiro de 2010 que fizeram ruir a ponte), os RR. impediram os AA. de aceder ao prédio referido em A) através do caminho a que se alude na resposta ao artº3º da BI. Por fim e no que se refere aos artºs.1º e 5º concordamos com as respostas dadas pelo Tribunal recorrido e que estão devidamente fundamentadas no despacho de fls.1328 a 1033, chamando-se a atenção de que ficou, igualmente, bem claro que a propriedade B… também é acessível através do chamado caminho do Sul que “dava a volta” às parcelas em causa. Pelo que fica dito, procede, em parte, o recurso quanto à matéria de facto passando, julgando-se definitivamente assentes os seguintes FACTOS: (…) # III – Da Questão de Direito Segundo o artº1543º do Código Civil/CC a servidão predial constitui um encargo imposto num prédio (prédio serviente) em benefício exclusivo de outro prédio (prédio dominante), pertencente a dono diferente. Caracteriza-se por ser um direito real de gozo sobre coisa alheia ou direito real limitado, mediante o qual o dono de um prédio tem a faculdade de usufruir ou aproveitar de vantagens ou utilidades de prédio alheio (ius in re aliena) em benefício do seu. Como ensinava, Carlos Mota Pinto: “As servidões legais traduzem-se no poder de constituir coercivamente uma servidão, estendendo-se esta designação à própria servidão constituída, sendo voluntária a que resulta do acordo das partes, sem haver preceito legal que a imponha”. E acrescentava: “Há, porém, certas hipóteses em que a lei prevê a possibilidade de um individuo, mediante o exercício de um direito potestativo, criar uma servidão, falando-se, então, em servidão legal e uma dessas hipóteses são as chamadas servidões legais de passagem” - in, Direitos Reais (lições coligidas por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, 4º ano jurídico de 1970-71), Almedina, em particular no que respeita à natureza e aos tipos de servidão, pags.319 a 334 Igualmente, Luís Carvalho Fernandes, escreve que: “Servidões legais no Código Civil, são as de passagem reguladas no artº1550º” E que: “A constituição coactiva ou coerciva das servidões é própria das servidões legais, o que não significa, como logo se deixa ver da simples leitura do n.º 2 do artº1547º, a exclusão da possibilidade de, em relação a elas, se verificar a constituição voluntária. Mais, é a falta de constituição voluntária que legitima o recurso à via coerciva” – in, Lições de Direitos Reais, 4ª edição, 2005, Quid Juris/sociedade editora, em especial, pags.433 a 445 (servidões prediais/noção e características). Temos, pois, que o decisivo critério diferenciador entre servidões legais e voluntárias reside exclusivamente na circunstância de as primeiras, ao invés do que acontece com as últimas, poderem ser impostas coactivamente. Sabemos também que o encrave dum prédio tanto pode ser absoluto, se não tiver qualquer comunicação com a via pública, como relativo, se não tiver condições de a estabelecer sem excessivo incómodo ou dispêndio ou a comunicação que tem com a via pública se mostra insuficiente – neste sentido e remetendo, igualmente, para outra Jurisprudência do Mais Alto Tribunal, por exemplo, o relativamente recente Acórdão do STJ, de 2-5-2012, proferido no pº1241/07.5TBFIG.CI-1ªSECÇÃO, publicitado, in, www.dgsi.pt Não esquecendo o caso decidendi, a par da usucapião, a destinação do pai de família constitui uma forma originária não negocial de constituição de servidões aparentes, contínuas ou descontínuas – artºs.1547º e 1579º do CC. Esta última disposição legal regula a hipótese frequente de dois prédios distintos, ou duas fracções de um só prédio, terem pertencido ao mesmo dono e ter-se estabelecido, entre esses prédios ou fracções, uma relação de dependência por força da qual um dos prédios ou uma das fracções presta utilidade ao outro ou à outra. Enquanto aqueles prédios ou fracções do mesmo prédio pertencerem ao mesmo dono, por imperativo da conhecida máxima nemini res sua servit, a servidão não existe, pois, no nosso ordenamento jurídico, não é admissível, a servidão do proprietário. Surgirá, porém, automaticamente, a figura jurídica da servidão, se os dois prédios ou as duas fracções se separarem, e passarem a ser de proprietários diferentes. E constitui-se, assim, a servidão por destinação do pai de família verificados que estejam os requisitos previstos no citado artº1549º do CC: 1. Os dois prédios ou as duas fracções de um só prédio tenham pertencido ao mesmo dono; 2. Relação estável de serventia de um prédio a outro, correspondente a uma servidão aparente, revelada por sinais visíveis e permanentes (destinação) 3. Separação dos prédios ou fracções em relação ao domínio (separação jurídica), e inexistência de qualquer declaração no respectivo documento contrária à destinação. Sobre essa matéria consignou-se na sentença objecto de recurso que se está a sindicar agora do ponto de vista jurídico: “-…- A servidão constituir-se-á desde que exista uma relação de serventia entre os dois prédios que deixam de ter o mesmo dono, sendo indiferente o título (servidão, mera tolerância, licença administrativa, contrato com eficácia obrigacional, etc.) em que assenta a utilização dos prédios ou terrenos intermédios (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 222). Infere-se do artigo 1549º que a constituição da servidão por destinação do pai de família pressupõe o concurso dos seguintes requisitos fundamentais: a) - Que os dois prédios ou as duas fracções de um só prédio tenham pertencido ao mesmo dono; b) - Uma relação estável de serventia de um prédio a outro, correspondente a uma servidão aparente, revelada por sinais visíveis e permanentes (destinação) c) - Separação dos prédios ou fracções em relação ao domínio (separação jurídica), e inexistência de qualquer declaração no respectivo documento contrária à destinação. Quanto ao primeiro dos requisitos: O essencial é que os dois prédios ou as duas fracções do prédio, tenham pertencido ao mesmo dono. Tanto faz que os prédios sejam rústicos ou sejam urbanos, que um seja rústico e o outro urbano, não constituindo nenhum obstáculo à solução a diferente aplicação dada a cada um dos prédios. Tão pouco se pode contestar a possibilidade de a servidão se constituir por esta via sobre dois ou mais prédios. O facto de a letra da lei se referir apenas à serventia de um prédio para com outro não impede, de modo nenhum, que ela abranja inequivocamente pelo seu espírito a hipótese de os sinais atestarem a utilização de dois ou mais prédios em proveito de um outro, como tantas vezes acontece na serventia de aqueduto feita através de vários prédios e na serventia de passagem quando um o prédio se encontra encravado, no meio de outros. Assim, não importa nem que exista mais de um prédio serviente (a favor do mesmo prédio dominante), nem importa que a servidão beneficie mais do que um prédio. Ora, no caso destes autos os dois prédios – “B…” e “A…” - pertenceram, efectivamente, a dada altura, aos mesmos donos pois que ambos eram do casal MV e AV. Após a morte do AV em 1948, os prédios ficaram a pertencer à MV e filhos que os partilharam cabendo à MP o “B… e ao JV a “A…”. Quanto ao segundo dos requisitos: Torna-se necessária a existência de sinais visíveis e permanentes, reveladores da serventia de um prédio para com outro mas não é indispensável que os sinais existam em ambos os prédios. Podem os sinais estar em ambos ou apenas num dos prédios, visto a lei falar explicitamente nos sinais postos em um ou em ambos. Ora, no caso concreto destes autos, está provado que, “Existia, até pouco depois da compra pelos RR. da «A…» e desde, pelo menos, 1950 um caminho com largura suficiente para um carro de bois e/ou uma camioneta, que parte da via pública, junto ao campo de futebol e, entra, pelo lado norte, no prédio referido em B), seguindo por dentro deste no sentido aproximado de Norte para Sul, até atingir o leito de curso de água, sobre o qual existia uma ponte, cuja estrutura de suporte assentava do lado norte do prédio referido em B) e, do lado sul no prédio referido em A)”. O enfoque terá de ser na prova de que este caminho existia desde, pelo menos, 1950. Não se provou que a sua existência fosse anterior àquela data. A data -1950 - é importante, que ambos os prédios passaram a ter donos diferentes. Como referimos supra, o caminho que constituirá a servidão formada por destinação de pai de família tem de pré-existir em relação ou à divisão dos terrenos ou à separação dos proprietários, consoante os casos. A prova de tal pré-existência constitui ónus do A. por se tratar de facto constitutivo do direito a que o mesmo se arroga (artº342º nº 1 do Código Civil) sendo que a sua não prova fará falecer a pretensão. In casu, os AA. não provaram a pré-existência do caminho em relação à separação de proprietários, dado que apenas provaram a existência do mesmo desde 1950, data precisamente da separação. Note-se aliás que tudo na matéria de facto se conjuga para que o caminho apenas haja existido desde 1950. Na verdade, na resposta ao artº8º da base instrutória refere-se que, “durante os cerca de 60 anos”, referindo-se ao período entre 1950 e 2010 (data da queda da ponte). E se dúvidas existissem bastaria relembrar que o constante da alínea L) da matéria de facto assente advém do artº23º da p.i. pois que são os AA. que referem que, “durante todos os cerca de 60 anos desde aquela separação de domínio (…) sempre acederam ao mesmo através do dito caminho e ponte”. Assim, este requisito não se mostra preenchido. Quanto ao terceiro dos requisitos: Essencial é que os sinais sejam um resultado da actividade voluntária do homem. E não mera orogenia, de puro resultado da natureza. Assim, a existência dum caminho, em si mesma, porque, necessariamente, comporta contornos a limites patentes e perceptíveis é um sinal visível e permanente revelador duma servidão de passagem, o que é, igualmente, relevante (objectivamente), pois que tais sinais são, também, um resultado da actividade do homem, de exercitar a passagem e que, em si, como tal, assim a sinalizam. Resulta do exposto que a servidão se constitui no momento em que os prédios ou fracções passam a pertencer a proprietários diferentes e tem na origem o acto voluntário consistente na colocação do sinal ou sinais visíveis e permanentes. O acto constitutivo é o da separação jurídica dos prédios do mesmo proprietário, sendo que aquele sinal ou sinais (presuntivos do acto de destinação) deverão preexistir a tal separação, aplicados pelo anterior proprietário. Torna-se assim fundamental a existência de um conjunto de circunstâncias, materiais e objectivas, reveladoras da relação de serviço entre os dois prédios ou fracções, que pertencem a donos diferentes, sendo a essas que a lei atribui o efeito constitutivo da servidão cuja ratio será precisamente a presunção do acto de destinação. Considerando os factos provados, não se pode deixar de considerar que os AA. não provaram a existência de uma servidão constituída por pai de família. -…-” - Quid juris? O raciocínio jurídico expresso na sentença recorrida e que acima destacamos parte do pressuposto fáctico de que os AA. não fizeram prova da existência do caminho mencionado no artº3º da BI, anteriormente à separação da A… em relação ao B… ocorrida em 1950 e passando a ter proprietários distintos – L) dos factos assentes. Acontece que este Tribunal dentro das suas competências deu parcial procedência ao recurso sobre a decisão de facto, dando também como provado que: - Antes da data referida em L), o acesso ao prédio referido em A) por pessoas, animais, tractores e outras viaturas sempre se fez através do prédio referido em B) – artº2º da BI; - E por caminho com largura suficiente para um carro de bois e/ou uma camioneta, que parte da via pública, junto ao campo de futebol e, entra, pelo lado norte, no prédio referido em B), seguindo por dentro deste no sentido aproximado de Norte para Sul, até atingir o leito de curso de água, sobre o qual existia uma ponte, cuja estrutura de suporte assentava do lado norte do prédio referido em B) e, do lado sul no prédio referido em A) – artº3º da BI; - Na sequência do referido em 13º (cheias de Fevereiro de 2010 que fizeram ruir a ponte), os RR. impediram os AA. de aceder ao prédio referido em A) através do caminho a que se alude na resposta ao artº3º da BI - artºs.14º e 15º da BI. Face a estes “novos” factos não podemos deixar de reconhecer a servidão de destinação de pai de família reivindicada pelos AA. e constitui o pedido principal na acção intentada contra os RR.. Como dissemos aquando do pronunciamento sobre a Questão de Facto (supra II) este Tribunal de Recurso formou a convicção de que a ponte de madeira que ligava a A… ao B…é anterior à partilha dessas parcelas e o caminho que partia do campo da bola até essa mesma ponte é que era, em regra e salvo alturas de cheias no leito que separa tais propriedades, utilizado pelos AA. e seus antecessores nas actividades agrícolas que desempenhavam nesses campos, designadamente, quando, os donos eram os mesmos. Cai assim por terra o argumento que está na base do não reconhecimento pelo Tribunal a quo da servidão em apreço (destinação de pai de família). Como lembra ainda, Luís Carvalho Fernandes, “esta modalidade de constituição de servidão pressupõe a verificação de um conjunto de elementos, i.e, depende de um facto complexo de formação sucessiva” – ob. cit. pag.44. Ou seja, a verificação dos aludidos requisitos que, in casu, são inquestionáveis: Os dois prédios pertenceram ao mesmo dono; sempre houve serventia de um prédio a outro conforme revelam os sinais visíveis e permanentes (destinação confirmada pela inspecção ao local e a prova testemunhal valorada por este Tribunal); em 1950 deu-se a separação dos prédios em relação ao domínio; e inexiste qualquer declaração na escritura de partilha/L) contrária à destinação (elemento negativo). E como já ficou dito, este tipo de servidão não é incompatível com a igual existência do caminho a Sul que bordeja os prédios serviente e dominante ou ainda a qualquer outro modo de aceder ao B…. Isto porque, ficou demonstrada a sua utilidade própria, por ser mais directa e consonante com o passado comum dos prédios em causa. Diremos mesmo que o caso vertente é paradigmático da servidão abstractamente prevista no artº1549º do CC (constituição de servidão por destinação de pai de família). Não havendo dúvidas sobre essa constituição de servidão legal gozam os AA. dum direito potestativo sobre os RR. susceptível de ser coactivamente exercido pela via judicial. Contudo e como, igualmente, dissertámos sobre o instituto em análise, a servidão é um ónus que incide sobre a propriedade alheia e nessa medida só é exigível que o dono do prédio serviente suporte o estritamente indispensável para que essa imposição produza efeito. Ora, se é o proprietário do prédio dominante quem tira proveito da servidão, não é curial nem compatível com o direito de propriedade que goza o proprietário do prédio serviente, ter este a responsabilidade/obrigação de reconstruir a ponte que havia sobre o leito que separa a A… do B…e que, por razão de força maior (catástrofe natural/tornado na zona Oeste do Pais de Fevereiro de 2010) ficou destruída apesar de nessa altura já ser de comento. Antes e pelas mencionadas razões, devem ser os AA. a fazer essa obra sem a qual não poderão passar da A… para o B… sua propriedade. O mesmo se verifica em relação ao caminho que se inicia no campo da bola até à referida ponte, sem prejuízo de ser dever dos RR. facilitar essa tarefa a levar a cabo pelos AA., dentro e nos limites do direito de servidão que acabámos de lhes reiterar. No que respeita aos alegados prejuízos dos AA. ficou por demonstrar, como assinalou bem nesta parte a sentença recorrida, a existência dos mesmos, sendo que a resposta ao artº18º da BI (“Os AA. recebiam de subsídio do Estado €419/hectare, no período de 2008 a 2012”) não é suficiente para imputar a perda desse subsídio aos RR., designadamente, por terem impedido os AA. de utilizar a servidão em causa após a queda da ponte que legava a A… ao B…. Finalmente e quanto ao pedido de reconvencional/contra-acção (de extinção da servidão peticionada) socorremo-nos e reproduzimos o elucidativo e desenvolvido Acórdão do STJ, de 31-12-2012, sobre o mesmo tema (servidão por destinação de pai de família), proferido no pº277/05.5TBBCLG1.S1-7ªSECÇÃO, publicitado, in, www.dgsi.pt: “Permitindo a lei que estas servidões se constituam, mesmo quando não estritamente necessárias, não podem extinguir-se por desnecessidade, porque, então, nem se poderiam constituir. (…) o regime da extinção por desnecessidade apenas se compreende para as servidões legais em que a lei sancionou a possibilidade de se constituírem por haver uma necessidade nesse sentido e para as servidões adquiridas por usucapião, porque, também aí, não se verificou um facto voluntário na sua constituição. Já aquelas servidões que têm por base um facto voluntário, permitindo a lei que se constituam, mesmo quando não são estritamente necessárias, não podem extinguir-se por desnecessárias, porque, então, nem se poderiam constituir”. Tudo visto, deve apenas proceder o pedido principal (reconhecimento judicial da servidão de passagem por destinação de pai de família objecto destes autos) e devem improceder os demais pedidos, inclusívé, o pedido reconvencial deduzido pelos RR.. DECISÃO - Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação (1ª secção) acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente: 1. Reconhecem a servidão de passagem por destinação de pai de família (caminho com largura suficiente para um carro de bois e/ou uma camioneta, que parte da via pública, junto ao campo de futebol e, entra, pelo lado norte, no prédio referido em B), seguindo por dentro deste no sentido aproximado de Norte para Sul, até atingir o leito de curso de água, sobre o qual existia uma ponte, cuja estrutura de suporte assentava do lado norte do prédio referido em B) e, do lado sul no prédio referido em A) – artº3º da BI. - Acordam ainda os mesmos Juízes desta Relação (1ªsecção) julgar improcedentes os restantes pedidos dos AA. (o pedido subsidiário pela sua natureza ficou prejudicado) e o pedido reconvencional formulado pelos RR.. - Custas da apelação pelos AA. e RR. e na proporção do respectivo vencimento. Lisboa, 20-10-20013 Relator: Afonso Henrique Cabral Ferreira 1º Adjunto: Rui Manuel Torres Vouga 2º Adjunto: Maria do Rosário Barbosa | ||
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Decisão Texto Integral: |