Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1444/2007-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
INTERVENÇÃO PROVOCADA
REQUISITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I - Qualquer das partes pode chamar a intervir alguém, do lado activo ou do lado passivo, isto é, as pessoas que, nos termos do artigo 320°, pudessem intervir espontaneamente ao lado do autor ou ao lado réu.
II - Assim, pode o réu implementar o chamamento de uma pessoa para intervir em litisconsórcio voluntário ou necessário ou em coligação ao do autor, assim como o autor pode implementar o chamamento de uma pessoa para intervir, a seu lado, em litisconsórcio voluntário ou necessário ou em coligação. O que o autor não pode, pela própria natureza das coisas, é provocar a intervenção coligatória de alguém com o réu, porque era livre de, inicialmente o accionar, pelo que a situação a que se reporta o n.° 2 do artigo em análise não se configura como coligação.
III - A intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio.
IV - Com o incidente de intervenção acessória provocada regulado nos artigos 330º a 333º do CPC o réu obtém, não só o auxílio do chamado, como também a vinculação deste à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (art. 332º nº 4), direito que não coincide com o conceito de direito de regresso inserto nos artigos 497º nº 2, 521º nº 1 e 524º do Código Civil e que pode derivar de lei expressa, de contrato ou de acto ilícito gerador de responsabilidade civil, tal como acontecia com o suprimido incidente de chamamento à autoria
(F.G.)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Na acção declarativa de condenação, com processo ordinário que A intentou no Tribunal Judicial da Amadora contra o Fundo de Investimento Imobiliário e contra F, Lda, veio:
- a 1ª ré requerer a Intervenção Principal Provocada das sociedades Industrias, SA e P, para assumirem a qualidade de rés, fazendo apelo expresso ao disposto no art. 325º do CPC.
- a 2ª ré requerer a Intervenção Principal Provocada das sociedades Construções, SA, e B, Lda, nos termos do art. 325º do CPC.
Para tanto invocou a 2ª ré ter sido a sociedade Construções, SA quem consigo acordara, em regime de “subempreitada”, a demolição das antigas instalações da fábrica denominada Cabos; nos termos do contrato celebrado entre ambas a Construções SA comprometeu-se a entregar-lhe desocupadas as instalações e, por outro lado, declarou ser proprietária dos materiais e sucatas que aí pudessem existir, desconhecendo por isso a ré F, e não tendo obrigação de saber, se no local existiam equipamentos materiais ou sucatas propriedade do autor; A ré limitou-se a cumprir, de boa fé, o acordado com a dita sociedade.
Acrescentou ainda que, por si estava apenas contratualmente obrigada à demolição, à reciclagem do betão e da sucata.
Mais alegou que, mesmo a admitir que nas instalações demolidas existissem os materiais do autor referidos na p.i., também a B devia ser responsabilizada por ter sido esta quem, por contrato celebrado com a sociedade Construções, SA, desmontara, manualmente, a cobertura dos edifícios e removera as placas de fibrocimento contendo amianto, bem como procedera à recolha e reciclagem das matérias-primas, tintas e plásticos, por estar mais vocacionada para garantir as exigências ambientais e de reciclagem de materiais.
Por seu turno, a 1ª ré, embora admitindo a sua qualidade de proprietária do imóvel em causa na data dos factos, invocou desconhecer a existência de bens do autor nas instalações que adquiriu, já que tanto a sociedade P, a quem comprou o imóvel, como a arrendatária do mesmo – Industrias S – se comprometeram a que o mesmo lhe seria entregue livre de pessoas e bens no máximo até ao dia 31.03.2004.
Respondendo aos incidentes de intervenção deduzidos pelas rés, veio o autor opor-se alegando que o 1º réu identificara de forma expressa que a relação comercial que estabeleceu foi com a 2ª ré e não com as Construções, SA ou com a B e que as Industrias S foi a entidade responsável pela venda da sucata, cujo desaparecimento deu origem à acção.

Por despacho proferido no dia 4.05.2006, foram os incidentes de intervenção deduzidos pelas rés indeferidos por legalmente inadmissíveis, com fundamento em que, não se verificando qualquer situação de litisconsórcio (voluntário ou necessário) entre as rés e as chamadas estas não têm um interesse idêntico ao das rés e, consequentemente, não devem ser admitidas a intervir nos termos do nº 2 do art. 325º do CPC.

Inconformadas com esse despacho, as rés interpuseram recurso de agravo.
A F – , Lda, alegou e concluiu o seguinte:
- O indeferimento da pretensão das Rés resulta de concluir o tribunal a quo não se verificarem os pressupostos da intervenção principal provocada pelas co-Rés, baseando o seu indeferimento na configuração que faz da relação material controvertida (configurada pelo Autor na sua petição inicial), e na consequência "fatal" que o Tribunal entendeu que essa mesma configuração teria no direito das Rés de virem a chamar terceiros ao processo.
- Entende a ora Agravante que os normativos legais aplicáveis impõem diferentes entendimentos e salvaguarda dos direitos em litígio, uma vez ser hoje comummente aceite dever atender-se, para determinação de legitimidade, não à relação jurídica unilateralmente descrita pelo Autor na petição inicial, mas antes à relação material controvertida tal como emerge das versões das partes e dos elementos constantes do processo, visando trazer ao processo as pessoas mais qualificadas para debater os interesses em litígio, e assim medindo-se não em função da relação jurídica unilateralmente descrita pelo Autor na petição, mas sim à luz da relação material controvertida, tal como ela emerge das afirmações do Autor e das co-Rés.
- Assim, e considerando que a Agravante descreveu a relação material controvertida nos termos substantivos em que de facto se devem litigar as pretensões em Juízo, não se pode deixar de concluir que o Tribunal a quo não terá atendido à relação material controvertida tal como ela emerge das versões das partes e dos elementos constantes do processo.
- Não restando dúvidas que, pelo articulado na contestação da Agravante, emerge de facto uma versão das partes e dos elementos do processo bastante distinta da configurada na petição inicial do Autor, e admitindo que se dignasse o Meritíssimo Juiz a quo investigar ou atender ao referido articulado, então não obstaria a conceber a relação material controvertida em termos bastante distintos, não questionando a legitimidade das partes em pretender trazer ao processo as partes mais qualificadas.
- Considerando a Agravante que a intervenção provocada visa colocar os terceiro em condições de auxiliar a Agravante relativamente à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento estando a Agravante certa de que, ao analisar o requerimento de intervenção provocada, não teve o Tribunal a quo em conta o fundamento do chamamento para a Agravante, nem a importância da intervenção na sua defesa e no articular dos seus direitos e posições jurídicas no pleito, tudo decorrente também do entendimento da Jurisprudência.
- Pelo que a reformulação e correcção oficiosa da Relação material controvertida é uma hipótese na instância e deverá ser observada quando os factos o justifiquem.
- Conforme exposto na Contestação apresentada pela Agravante, o chamamento a juízo da sociedade Construções, S.A. e da sociedade B, nos termos do art. 325° do C.P.C. justifica-se porque, foi a primeira sociedade que deu de empreitada à Agravante a demolição das antigas instalações Cabos, entregando, por um lado desocupadas as instalações e, por outro lado, declarando ser proprietária dos materiais e sucatas que aí pudessem existir, materiais estes de cuja propriedade se arroga o Autor.
- E a segunda sociedade na medida em que esta foi a responsável pela desmontagem manual da cobertura dos edifícios e por proceder à gestão dos resíduos perigosos existentes nas instalações assim como à remoção de outros materiais, ou seja, a admitir-se, por mero absurdo, que todos os materiais descritos nos art.°s 51° e ss. da petição inicial encontravam-se nas instalações da fábrica, nunca seria a Agravante a única responsável por todo o processo de demolição e desmontagem mas também, nos termos acima expostos, a sociedade Biovia.
- Assim e pretendendo responsabilizar quem quis fazer seus os materiais e equipamentos descritos na petição inicial, será indispensável o chamamento ao Processo da sociedade Construções António Domingues, S.A e da sociedade Biovia.
- Não tendo sequer o Tribunal a quo se pronunciado sobre os factos acima expostos não poderá de igual forma configurar a relação material controvertida apenas conforme enunciada na petição inicial.
- Tal entendimento consideraria que o Autor de qualquer processo tem o poder de condicionar/limitar a defesa da contraparte ao configurar a relação substantiva para o Tribunal de forma a não permitir chamar partes ao processo que pudessem partilhar/auxiliar a defesa da parte Ré, que comungassem do interesse em Juízo, o que constituiria um óbvio abuso de direito e uma denegação de Justiça aos direitos da Agravante, ao impedir sempre a participação de outras partes que não aquelas contra quem a acção é interposta, e dando ao Autor o poder de determinar contra quem e de quem pretende obter o ressarcimento dos seus direitos e impedindo a co-Ré de chamar à colação partes que, ou seriam as verdadeiras responsáveis pelos danos reclamados ou que, no mínimo seriam solidários por co-responsáveis com a parte já em Juízo.
- A admitir-se tal faculdade ao Autor, a de eleger contra quem e de quem pretende demandar a indemnização e a verificar-se uma condenação, estar-se-ia a determinar uma futura acção de regresso contra as chamadas por parte da Agravante (em termos que melhor se definirão adiante), hipótese que apenas frustraria o efeito útil da Sentença, e que em nada impediriam o Autor de interpor nova acção contra as chamadas, bastando-lhe para tal uma sofisticada camuflagem jurídica do pedido nestas novas acções hipotéticas.
- No mínimo, mas nunca concedendo, seria de admitir por parte do Tribunal a quo a existência de uma dúvida fundamentada na configuração da relação substantiva, sendo óbvio que do alegado pelas partes surge uma incerteza em relação a coisas ou factos, a ignorância na ausência de conhecimento sobre umas e outros, e o erro na falsa representação de determinada realidade, e face a esta dúvida é de admitir a intervenção principal provocada nos termos dos artigos 325°, n°2 e 31°-B do C .P.C .
- Sendo assim também inegável considerar que, o facto que constitui a relação material controvertida será o dano causado ao Autor e que, conforme exposto pela Agravante, o mesmo teria resultado de uma acção concertada da Agravante e das pastes chamadas, sendo que assim a Agravante a ser responsável, seria sempre solidariamente com as chamadas, entendendo ainda que, conforme oportunamente contestado, que a responsabilidade pela destruição dos bens de cuja propriedade o Autor se arroga a ser atribuída nunca seria à Agravante, que foi uma mera executante de uma subempreitada.
- Pelo que emana o interesse das chamadas em ver a pretensão deduzida pelo Autor decidida mas, não sendo estas partes no processo, não terão a segurança jurídica de que, quanto às mesmas, a pretensão ou sua decorrência não venha a ser deduzida em sede de Acção de Regresso ou de nova acção pelo Autor, não produzindo a sentença dos presentes autos o seu efeito útil normal, uma vez que a decisão que vier a ser proferida não poderá persistir inalterada dado não vincular no plano substantivo todos os interessados.
- Ficando patente o "interesse relevante" das chamadas, sendo que será em sede do direito de regresso que emanará o seu interesse em verem-se "absolvidas" da presente contenda, em verem as suas posições jurídicas neste processo, existentes ou não, esclarecidas e os seus interesses salvaguardados, configurando uma intervenção que, sendo essencial para a Agravante, será assim também sempre de igual interesse das chamadas.
- Insurgindo-se a Agravante contra a sintética decisão do Tribunal em indeferir a intervenção, baseando-se somente no entendimento de não estarmos perante qualquer uma das modalidades de litisconsórcio ou ainda por não serem essas as partes configuradas pelo Autor, tais considerações só por si, ainda que incorrectas no entender da Agravante, não obstarão ao direito da Agravante em chamar partes ao processo que sejam do seu interesse.
- Pois tal como já exposto entende a Agravante que uma eventual condenação, que apenas por mero absurdo se admite, poderá intitulá-la de um direito de interpor uma acção pelo direito de regresso que terá às partes que se deverão nessa eventualidade tomar suas co-devedoras, por no entender da Agravante, serem as verdadeiras responsáveis pelos danos reivindicados pelo Autor, a não decorrerem estes da própria actuação da própria, conforme arguido na contestação da Agravante.
- Do que pelo exposto apenas vislumbra à Agravante a possibilidade de, face ao interesse das chamadas desconsiderado que o foi, mas face aos direitos da Agravante enquanto co-Ré, a única orientação que poderia ter sido adoptada pelo Tribunal a quo ser a conversão da intervenção principal requerida em acessória, dado o óbvio direito de regresso que assistirá á Agravante.
- Sendo que considera óbvio a Agravante terem sido articulados na sua contestação factos relevadores da existência de uma relação material distinta que a não ser atendida criará uma acção material distinta mas conexa, decorrente do direito de regresso da Agravante face às chamadas, e emergente da sentença
- Pelo que seria de admitir no mínimo a correcção oficiosa pelo Tribunal a quo do incidente de intervenção provocada e permitir a plenitude da defesa da co-Ré, nunca descurando a importância dos factos alegados, cuja mera consulta faria colocar a hipótese de estarmos perante uma configuração da relação material controvertida bem distinta da configurada na petição inicial.
Terminou pedindo que fosse dado provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida e admitindo-se a intervenção principal provocada requrida

Por seu turno, a ré/ agravante Fundo de Investimento Imobiliário alegou e, no final, concluiu que:
a) Entende o Recorrente que a decisão ora recorrida fez uma interpretação e aplicação erradas do Direito na situação sub judice; Com efeito,
b) O Recorrente requereu a intervenção provocada das sociedades P e Industrias S nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 325° e seguintes.
c) Assentou esse seu pedido, essencialmente, nos factos de: i) desconhecer a existência/permanência do Autor aqui Recorrido nas instalações do prédio em causa nos autos; ii) aquando da celebração do respectivo contrato de compra e venda, a sociedade P ter assegurado ao Recorrente a entrega do espaço em causa livre de pessoas e bens, assim como a sociedade Industrias S ter também assegurado perante a sociedade P entregar tal espaço livre de pessoas e bens;
d) Nos termos do disposto no artigo 325°, n° 1 do CPC "qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária";
e) A intervenção principal provocada consubstancia-se, em regra, no chamamento ao processo, por qualquer das partes, dos terceiros interessados na intervenção, seja como seus associados, seja como associados da parte contrária;
f) Os factos alegados pela Recorrente como fundamento do pedido de intervenção provocada assumem particular relevância, porquanto permitirão caracterizar ou descaracterizar a alegada conduta do Recorrente e investir ou não este num eventual direito de regresso sobre as sociedades chamadas;
g) O interesse que as sociedades chamadas têm em contradizer os argumentos invocados pelo Autor aqui Recorrido é o mesmo da Recorrente;
h) Além disso, o chamamento requerido ainda assenta em dois outros pressupostos essenciais: i) por um lado, visa e permite reforçar a defesa da Recorrente, pois o acordo assumido pelas sociedades chamadas perante a Recorrente é indispensável para a apreciação da matéria em discussão nos presentes autos; ii) por outro, caso a Recorrente venha a ser condenada, no que não se concede, sempre estaria acautelado o eventual direito de regresso da mesma sobre as chamadas;
i) O recorrente tem, pois, um interesse atendível no chamamento das sociedades P e Industrias S, quer para reforçar a respectiva defesa, quer para a acautelar eventuais direitos de regresso;
Sem conceder quanto ao supra exposto, acrescente-se ainda o seguinte:
j) Tendo o Tribunal a quo entendido que os factos conforme trazidos aos autos pelo Recorrente não permitiam a admissibilidade da intervenção provocada a título principal, não poderia negar que os mesmos permitem essa intervenção provocada a título acessório;
l) Pelo que a decisão recorrida nunca poderia ter sido proferida no sentido em que o foi, de rejeitar totalmente a pretensão do Recorrente, devendo admitir a mesma, ainda que na modalidade de intervenção acessória, pois os factos trazidos aos autos pelo Recorrente sempre o exigiriam.
Terminou pedindo que o recurso fosse julgado procedente, sendo a decisão recorrida substituída por outra que admita a intervenção provocada das sociedades chamadas.

Não houve contra alegação e o despacho recorrido foi tabelarmente sustentado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Os Factos.

2. Os factos a tomar em consideração para conhecimento dos agravos são os que decorrem do relatório acima inscrito.

O Direito.

3. A questão colocada por qualquer dos agravantes traduz-se em saber se era de admitir, ou não, a intervenção provocada dos chamados nos termos do art. 325º do CPC ou, se assim não for entendido, se o tribunal recorrido não deveria ter admitido o incidente deduzido por cada uma das rés como intervenção provocada a título acessório.

3.1 Sobre o âmbito da intervenção principal provocada, estipula o artigo 325°, do CPC que:

"1. Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

2. Nos casos previstos no artigo 31.°-B, pode ainda o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido.

3. O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar”.

Por seu lado, o art. 31º-B estabelece que “é admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”.

Prevê-se nos preceitos citados, em primeiro lugar, o chamamento a juízo do interessado com direito a intervir na causa, admitindo-se que qualquer das partes primitivas pode provocá-lo, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. Deste modo, o autor pode chamar a intervir alguém, seja na posição de autor, seja na posição de réu e de igual prerrogativa beneficiam os réus.

O que é necessário é que o requerente da intervenção alegue e justifique a legitimidade do chamando e que ele está, face à causa principal, em alguma das situações previstas no artigo 320° e nos termos deste preceito pudesse intervir espontaneamente.

Como anota Salvador da Costa, “qualquer das partes pode, pois, chamar a intervir alguém, do lado activo ou do lado passivo, isto é, as pessoas que, nos termos do artigo 320°, pudessem intervir espontaneamente ao lado do autor ou ao lado réu.

“Assim, pode o réu implementar o chamamento de uma pessoa para intervir em litisconsórcio voluntário ou necessário ou em coligação ao do autor, assim como o autor pode implementar o chamamento de uma pessoa para intervir, a seu lado, em litisconsórcio voluntário ou necessário ou em coligação. (….) O que o autor não pode, pela própria natureza das coisas, é provocar a intervenção coligatória de alguém com o réu, porque era livre de, inicialmente o accionar, pelo que a situação a que se reporta o n.° 2 do artigo em análise não se configura como coligação” (autor citado, “Os Incidentes da Instância, 2ª ed., p. 103).

E acrescenta o mesmo autor “A intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio”

Prevê-se, em segundo lugar (art. 325°, n.º 2, conjugado com o art. 31°-B do CPC) a possibilidade de o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido, quando pretenda a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.

Mas esta não é claramente a situação dos autos, como refere o despacho recorrido, pois efectivamente, o autor para além de ter deduzido a acção apenas contra as rés, opõe-se mesmo a que as mesmas sejam chamadas a intervir, ainda que numa posição subjectiva subsidiária.

O incidente deduzido só podia, assim, radicar no nº 1 do citado art. 325º, mas este exige, como se deixou dito, uma situação de litisconsórcio (voluntário ou necessário) que os autos, no caso concreto.

Pelo que os incidentes de intervenção principal provocada requeridos pelas rés foram, e bem, como tal, liminarmente rejeitados, improcedendo, nesta parte a argumentação das recorrentes.

3.2. Aqui chegados, importa analisar se se está perante uma situação enquadrável na figura do incidente de intervenção acessória provocada regulado nos artigos 330º a 333º do CPC e se o Tribunal recorrido devia, oficiosamente, face aos factos alegados, proceder à correcção da qualificação jurídica atribuída pelas requerentes ao incidente.
Aquele incidente visa permitir a participação de um terceiro perante o qual o réu possui, na hipótese de procedência da acção, um direito de regresso. Para justificar esta intervenção não basta um simples direito de indemnização contra um terceiro, tornando-se ainda necessário que exista uma relação de conexão entre o objecto da acção pendente e o da acção de regresso (cfr. art. 331º nº 2 in fine). E essa conexão está assegurada sempre que o objecto da acção pendente seja prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso contra o terceiro.(1)
Com este incidente o réu obtém, não só o auxílio do chamado, como também a vinculação deste à decisão, de carácter prejudicial, sobre as questões de que depende o direito de regresso (art. 332º nº 4), direito que não coincide com o conceito de direito de regresso inserto nos artigos 497º nº 2, 521º nº 1 e 524º do Código Civil e que pode derivar de lei expressa, de contrato ou de acto ilícito gerador de responsabilidade civil, tal como acontecia com o suprimido incidente de chamamento à autoria (Ac.s STJ de 16.12.1987, BMJ 372/385, e de 31.3.1993, BMJ 425/473).

Neste quadro, alegando a ré F, Lda que procedeu à demolição dos edifícios onde estavam os equipamentos e sucata que o autor diz pertencerem-lhe no âmbito de um contrato de subempreitada celebrado com a sociedade Construções António Domingues, SA, a qual declarou ser também a proprietária dos bens ainda existentes nas instalações a demolir, pretendendo aquela responsabilizar a aquela chamanda, caso se venha a verificar a inveracidade dessa invocada propriedade, está, assim, configurado um direito de indemnização com viabilidade e conexo com o objecto da relação controvertida na acção, justificador da intervenção acessória provocada da dita sociedade Construções, SA, a qual, não obstante não poder ser condenada na acção, ficará vinculada ao caso julgado da sentença a proferir no tocante aos pressupostos de que depende o direito de regresso da ré F, autora do chamamento daquela outra sociedade (art. 331º nº2 e 332º nº 4 do CPC).
O mesmo não pode dizer-se relativamente ao chamamento da sociedade B, Lda, já que a própria ré, em sede de contestação, claramente afirmou que aquela sociedade actuara na desmontagem das instalações numa relação jurídica paralela à sua (e não conexa com ela), ou seja, também no âmbito de um contrato de subempreitada com a sociedade Construções, SA, a que, portanto, a ré F é alheia.
Está, assim, configurado quanto à chamada Construções, SA, e só quanto a ela, um direito de indemnização com viabilidade e conexo com o objecto da relação controvertida na presente acção, justificando-se a intervenção acessória provocada daquela.
E tendo esta ré F deduzido incidente de intervenção principal provocada, nada obsta a que o tribunal proceda à correcção oficiosa da forma incidental desde que o requerimento comporte os elementos fundamentais da forma incidental adequada ao caso.
A resposta é, quanto a nós, afirmativa, embora se saiba que este entendimento não é unânime na jurisprudência (2).
No entanto, como se escreveu no acórdão desta Relação proferido na apelação nº 9228/02, da 7ª secção, “A reforma do processo civil e a inequívoca opção do legislador por soluções que privilegiem aspectos de ordem substancial, desvalorizando questões de natureza formal, permite-nos sustentar aquele poder/dever.
Para além do recurso ao preceito que rege em situações análogas (o art. 508º nº 1 al. a)), uma tal solução poderia fundar-se no princípio geral contido no artigo 265º nº 2.”
Aliás, também o paralelismo com a solução legal consagrada para o erro na forma de processo (art. 199º nº 1) aponta para a solução propugnada.
Sendo, no caso vertente, aproveitável o requerimento em que se deduziu o incidente de intervenção principal provocada para o incidente de intervenção acessória, que é o próprio, atenta a ritologia estabelecida nos artigos 331º a 333º, impõe-se a admissão deste incidente.
Procede, assim, em parte a argumentação da agravante Fozterra – Sociedade de Demolições e Movimentos de Terra, Lda

3.3. Vejamos agora se se justifica o mesmo incidente - intervenção acessória provocada - relativamente às chamadas pela ré Fundo de Investimento Imobiliário.
Fundamentou esta o chamamento das sociedades P e Industrias S, por ambas se terem comprometido, a primeira enquanto promitente vendedora e a segunda enquanto comodatária de parte das instalações, da primitiva Fábrica dos Cabos a entregar-lhe o espaço ocupado por aquela livre de pessoas e bens, impreterivelmente até 31.03.2004.
Esta factualidade não evidencia a existência de uma qualquer relação de conexão entre o objecto da acção pendente – indemnização por facto ilícito gerador do desaparecimento de equipamentos pertencentes ao autor existentes no imóvel propriedade daquela ré - e o da acção de regresso invocada para o chamamento.
O eventual incumprimento das chamandas para com a ré Fundo de Investimento, embora susceptível de as responsabilizar contratualmente perante ela, constitui uma relação jurídica diversa e autónoma da relação jurídica fundada em facto ilícito que constitui o objecto da presente acção e, como tal a intervenção daquelas não é de admitir mesmo na modalidade de intervenção acessória provocada (art.330º nº 1 “a contrario sensu”)
Improcede, assim na totalidade e sem necessidade de outros considerandos, a argumentação da agravante Fundo de Investimento Imobiliário, impondo-se negar provimento ao seu recurso.

Decisão:
4. Termos em que acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em:
- conceder provimento parcial ao agravo interposto pela ré F, Lda, admitindo, apenas relativamente à chamada Construções, SA, o incidente deduzido como de intervenção acessória provocada e determinando que os autos prossigam os termos subsequentes previstos no artigo 332º do Código de Processo Civil, nessa medida revogando o despacho recorrido;
- negar provimento ao agravo interposto pela ré Fundo de Investimento Imobiliário, mantendo o despacho recorrido.
- condenar esta última ré nas custas do agravo por ela interposto, enquanto que as custas do agravo interposto pela ré F serão suportadas por ela e pelo autor em partes iguais.
Lisboa, 28 de Junho de 2007.
(Maria Manuela B. Santos G. Gomes)
(Olindo Geraldes)
(Ana Luísa Passos G.)
_____________________
1 Miguel Teixeira de Sousa, loc. cit., págs. 178 e 179.
2 Cfr. o Ac. RC, de 24-10-89, CJ, tomo V, pág. 75, BMJ 244º/210 e 278º/133.