Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
685/12.5TTLRS.L1-4
Relator: SEARA PAIXÃO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PERÍODO EXPERIMENTAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1. O período experimental corresponde à fase inicial de execução do contrato e destina-se a permitir, a ambas as partes, aferirem, na prática, do seu interesse na prossecução e manutenção do vínculo contratual, podendo em caso negativo fazê-lo cessar sem necessidade de prévio aviso ou de invocação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização – art. 111º e 114º nº 1 do CT/2009.
2. O nº 4 do art. 112º do CT é uma disposição inovadora do CT/2009, que veio permitir que o período experimental possa ser reduzido ou excluído, nas situações ali previstas, radica a sua razão de ser “na presumida desnecessidade da sujeição do novo contrato ao normal período experimental, por as partes já terem um conhecimento mútuo que justificará a sua redução ou exclusão”.
3. Deve ter-se por excluído, nos termos do nº 4 do art. 112º do CT, o período experimental de trinta dias, aposto no contrato a termo certo celebrado pelas partes em 7.03.2012, uma vez que a Autora já tinha iniciado funções na Ré em 2.01.2012, mediante um contrato sem termo, e que exerceu continuamente até 7.03.2012, o que permitiu às partes terem conhecimento mútuo que torna desnecessário um novo período experimental.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na secção social do tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
AA, intentou a presente acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “BB, Lda.”, pedindo que se declare que o contrato celebrado entre A. e Ré, seja considerado contrato de trabalho a termo certo, e que a A. começou a trabalhar na Ré em 2 de Janeiro de 2012, e que o despedimento da A. é ilícito, por falta de causa justificativa. Pede a condenação da Ré no pagamento à Autora na indemnização em substituição da reintegração, bem como na quantia respeitante a salários intercalares, férias e subsídio de férias e de Natal, bem como em danos não patrimoniais e compensação pela caducidade do contrato de trabalho.
Invoca para tanto que foi contratada pela Ré, para trabalhar como farmacêutica, o que sucedeu no dia 2 de Janeiro de 2012, sendo que no dia 7 de Março de 2012, celebrou com a Ré o contrato de trabalho a termo certo junto aos autos a fls. 63-68. Mas, no dia 27 de Março, a Ré denunciou o contrato celebrado com a A., alegando a vigência do período experimental, o que consubstancia um despedimento ilícito, por falta de causa justificativa, uma vez que já tinha decorrido o respectivo prazo.

     Teve lugar a audiência de partes, em que as partes requereram a suspensão da instância pelo prazo de vinte dias, visando alcançar o acordo, o que foi deferido.
Nada tendo as partes informado, após o decurso do prazo de vinte dias, foi proferido o despacho de fls. 96, onde se declarou cessada a suspensão da instância, e se notificou a Ré, para querendo, e no prazo de dez dias, contestar.

Devidamente citada, a Ré apresentou contestação onde admite que a A. iniciou funções ao seu serviço no dia 2 de Janeiro de 2012, tendo a Ré pago à A. os vencimentos do mês de Janeiro e de Fevereiro de 2012.
No dia 7 de Março, e apenas nesta data porque a A. não disponibilizou em Janeiro, à Ré, os seus documentos para a elaboração do mencionado contrato, as partes celebraram o contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de sete meses.
Mais alega que a partir da celebração do contrato de trabalho, a A. começou a ser inconveniente para os clientes da Ré e colegas de trabalho, incluindo o director técnico e director-geral, pelo que a Ré denunciou o contrato que celebrou com a A., no dia 27 de Março de 2012, durante o período experimental.

Procedeu-se à elaboração de despacho saneador e designou-se data para realização do julgamento.
Teve lugar audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, conforme resulta da respectiva acta.
Elaborada a sentença foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, considerando que a Ré denunciou o contrato de trabalho a termo certo celebrado com a A., pelo período de sete meses, na vigência do período experimental, julgo a presente acção totalmente improcedente e, em consequência absolvo a Ré dos pedidos.”

A Autora, inconformada, interpôs recurso desta decisão e termina as suas alegações formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
(…)
            A Recorrida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
   Remetidos os autos a este Tribunal da Relação cumpre apreciar e decidir.
A questão que emerge das conclusões do recurso consiste em saber se o período experimental, correspondente ao contrato de trabalho a termo certo, se deve ter por excluído, nos termos do nº 4 do art. 112º do CT/2009.

Fundamentação de facto
Com interesse para a decisão da presente causa estão provados os seguintes factos:
1. No dia 7 de Março de 2012, Autora e Ré celebraram contrato de trabalho a termo certo, pelo período de sete meses, com início em 7 de Março de 2012 e termo a 2 de Outubro de 2012, conforme documento junto a fls. 18 a 23 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
2. Auferia o vencimento base mensal ilíquido de € 1.314,67, acrescido de € 5,12 a título de subsídio de refeição, por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
3. A A. iniciou funções no dia 2 de Janeiro de 2012.
4. A Ré pagou à A., pelo vencimento do mês de Janeiro de 2012, a quantia de € 754,90, e a quantia de € 1.027,82 pelo vencimento do mês de Fevereiro e 27 dias do mês de Março de 2012.
5. No dia 27 de Março de 2012, a Ré entregou à A. a carta junta a fls. 69 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde refere que denuncia o contrato de trabalho celebrado com a A. em 7 de Março, com efeitos imediatos.

            Fundamentação de direito

A sentença recorrida apresenta, no essencial, a seguinte fundamentação:
“A A. celebrou com a Ré, contrato de trabalho a termo certo, pelo período de sete meses, o qual teve início no dia 7 de Março de 2012.
Resulta do disposto no art. 112º, nº 2 do Código do Trabalho, que no contrato de trabalho a termo, o período experimental tem a duração de “30 dias em caso de contrato com duração igual ou superior a seis meses.”
Tendo resultado assente que o contrato de trabalho a termo certo, foi celebrado no dia 7 de Março de 2012, e que o mesmo previa a duração de sete meses, resulta que o período experimental de 30 dias, terminaria no dia 6 de Abril.
Assim, no dia 27 de Março quando a Ré denunciou o contrato de trabalho, mediante a carta junta a fls. 69, fê-lo legitimamente, durante o período experimental, ficando isenta de cumprir o aviso prévio e da invocação de justa causa – cfr. art. 114º, nº 1 do Código do Trabalho.
O facto de a A. ter iniciado funções no dia 2 de Janeiro de 2012, nada aproveita à A., já que entre 2 de Janeiro e 6 de Março, vigorou entre as partes contrato de trabalho por tempo indeterminado, e de acordo com o disposto no art. 112º, nº 1, al. a) do CT, o período experimental é de 90 dias, o qual terminaria no dia 2 de Abril, ou seja muito depois da denúncia operada pela Ré.
Não obstante, conforme se referiu, a A. celebrou em data posterior, contrato de trabalho a termo certo, pelo período de sete meses, o qual não pôs em causa, na verdade veio pedir que seja esse o contrato que se considere válido, assim sendo,  terá de se considerar, conforme acima se referiu, que tendo o inicio do contrato a termo certo ocorrido no dia 7 de Março de 2012, a Ré operou em tempo, no dia 27 de Março, a denúncia do contrato de trabalho a termo certo celebrado com a A., o que fez durante a vigência do período experimental, que no caso é de 30 dias, pelo que está isenta do pré aviso, de invocação de justa causa e de indemnizar a A., pelo que a presente acção é totalmente improcedente.”

A Recorrente discorda deste entendimento alegando, no essencial, que o período experimental de 30 dias aposto ao contrato de trabalho a termo certo celebrado pelas partes no dia 7.03.2012, se deve considerar excluído, nos termos do nº 4 do art. 112º do CT, uma vez que a A. já havia trabalhado para a Ré desde 2.01.2012, embora mediante um contrato sem termo.
Vejamos:
 O período experimental corresponde à fase inicial de execução do contrato e destina-se a permitir, a ambas as partes, aferirem, na prática, do seu interesse na prossecução e manutenção do vínculo contratual, podendo em caso negativo fazê-lo cessar sem necessidade de prévio aviso ou de invocação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização – art. 111º e 114º nº 1 do CT/2009.
Nos termos dos nº 1 e 2 do art. 112º do CT, a duração do período experimental no contrato de trabalho por tempo indeterminado é de 90 dias para a generalidade dos trabalhadores, podendo ser de 180 e 240 dias para determinadas categorias de trabalhadores. E no contrato de trabalho a termo o período experimental tem a duração de 30 ou de 15 dias consoante a duração do contrato seja superior ou inferior a seis meses.
            O nº 4 deste art. 112º do CT dispõe o seguinte:
O período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração do anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele.
Esta é uma norma inovadora introduzida pelo CT/2009 que visa combater práticas fraudulentas destinadas a tornear diversas limitações que a lei impõe a formas precárias de contratação, refere Pedro Furtado Martins ([1]).
Embora o nº 4 do art. 112º do CT não se refira expressamente à situação em que o trabalhador já esteve contratado para executar a mesma actividade através de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, cremos que a referida norma não pode deixar de abranger essa situação, desde logo pela referência que é feita ao período experimental “de acordo com os números anteriores”, onde também se inclui o período experimental por tempo indeterminado, e depois pela teleologia desta norma, “cuja razão de ser radica sobretudo na presumida desnecessidade da sujeição do novo contrato ao normal período experimental, por as partes já terem um conhecimento mútuo que justificará a sua redução ou exclusão” ([2]).
Esta norma, como refere Luís Miguel Monteiro ([3]), expressa uma solução que se poderia deduzir de princípio gerais na medida em que “o conhecimento recíproco alcançado pelas partes, bem como a afirmação da persistência de relacionamento contratual entre elas que está subjacente à celebração de novo contrato, esvaziariam a finalidade do período de experiência, tornando quase óbvia a ilegitimidade da denúncia contratual que por via dele fosse operada”.
Ora, no caso vertente, a celebração do contrato a termo certo em 7.03.2012, ao qual foi aposto o período experimental de 30 dias, ocorreu após a Autora já ter iniciado funções na Ré em 2.01.2012, mediante um contrato sem termo, e de as ter exercido continuamente até 7.03.2012.
Assim, imediatamente antes da celebração do contrato a termo certo já tinha existido uma vinculação contratual entre as partes, para o exercício de idênticas funções de farmacêutica, durante mais de sessenta dias, o que permitia perfeitamente às partes aferirem do seu interesse na prossecução do vínculo contratual, tornando-se desnecessário um novo período experimental de 30 dias que foi aposto ao contrato de trabalho a termo certo.
Por isso, de acordo com o disposto no nº 4 do art. 112º do CT/2009, deve ter-se por excluído o período experimental de trinta dias aposto no contrato a termo certo celebrado pelas partes em 7.03.2012.
E não se diga que deveria ser aplicado o período experimental de 90 dias correspondente ao contrato sem termo. É que este contrato cessou com a celebração do contrato de trabalho a termo certo, deixando de poder ser aplicado o período experimental correspondente ao mesmo.
 Alega, ainda, a Recorrida que as funções exercidas pela A. não eram exactamente as mesmas, antes e depois da celebração do contrato a termo certo, porque este só foi celebrado após a A. apresentar a sua inscrição na Ordem dos Farmacêuticos.
Acontece que esses factos, cuja prova competia à Ré, não constam da decisão da matéria de facto.
Consequentemente, considera-se ilícita a denúncia efectuada em 27.03.2012 por não ocorrer durante o período experimental, o que equivale a despedimento ilícito nos termos da al. c) do nº 1 do art. 381º do CT e acarreta as consequências previstas no art. 393º nº 2 al. a) do CT, ou seja, o pagamento da indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais que não deve ser inferior às retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato.
No caso, não estão provados quaisquer danos morais, pelo que apenas são devidas as retribuições desde 28.03.2012 a 2.10.2012 (seis meses e quatro dias) no montante de 8.063,33€, bem como 18 dias úteis de férias no montante de €1.075,63 e igual quanti de subsídio de férias, bem como 22,5 dias de subsídio de Natal no montante de €985,95 e, ainda, 18 dias de compensação pela caducidade do contrato no vaor de €788,80.
O que tudo soma a quantia de €11.989,33, a que acrescem juros de mora à taxa legal de 4% devidos desde a citação, conforme pedido, até integral pagamento.
Procede, assim o recurso, sendo de revogar a decisão recorrida.

Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em revogar a decisão recorrida, e, em consequência, condena-se a Ré BB, Ldª a pagar à Autora a quantia de €11.989,33, a que acrescem juros de mora à taxa legal de 4%, devidos desde a citação até integral pagamento.
Custas da acção na proporção do vencimento. Custas do recurso a cargo da Recorrida.
Lisboa, 4.06.2014

Seara Paixão
Ferreira Marques
Maria João Romba

[1] Em Cessação do Contrato de Trabalho, 3ªed. pág. 583.
[2] Pedro Furtado Martins, Ob. Cit. pág- 584.
[3] Código do Trabalho Anotado, pág. 321

Decisão Texto Integral: