Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1446/13.0TVLSB.L1-7
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
TAXA DE JURO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I.– As únicas restrições que a lei impõe à reapreciação da prova pela Relação são as que resultam do art. 640 do CPC: a reapreciação está limitada a determinados aspetos da matéria de facto dos quais o recorrente discorda e implicará, no mínimo, a reanálise dos elementos probatórios dos quais o recorrente entende resultar outra solução. Fora destas balizas, o CPC confere aos tribunais de 2.ª instância poderes-deveres semelhantes aos dos tribunais de 1.ª instância no que concerne à criação da convicção pela livre apreciação da prova.

II.– A razoabilidade da proposta razoável que a companhia de seguros está obrigada a apresentar nos termos do DL 291/2007, de 21 de agosto, bem como a manifesta insuficiência do montante proposto, que fundamenta a aplicação de taxa de juro agravada ao abrigo do mesmo decreto-lei, são aferidas pelos parâmetros da Portaria 377/2008, de 26 de maio.

III.Dano corporal(ou dano biológico)consiste numa lesão na integridade do sujeito enquanto pessoa, na sua globalidade psicofísica; trata-se de dano real ou dano-evento do qual podem decorrer danos patrimoniais e/ou danos não patrimoniais, podendo os primeiros assumir feição de danos emergentes ou de lucros cessantes.

IV.– Quando, por causa do dano corporal, o lesado tem de desenvolver esforços suplementares para a realização das tarefas profissionais, apesar de o dano ser compatível com o exercício da atividade profissional habitual e não lhe ter determinado diminuição do salário, estamos em presença de uma decorrência danosa com valor patrimonial: a hora de uma pessoa que produz menos, porque precisa de fazer um esforço acrescido para produzir o mesmo, tem menos valor que a de uma pessoa que produz mais na mesma unidade de tempo (mesmo quando a pessoa em causa é assalariada e, no presente, não há uma diminuição de salário, o dano corporal pode ter influência na futura progressão no emprego, bem como na obtenção de novos empregos, circunstâncias que constituem um dano presente e sobretudo futuro, com valor pecuniário).

V.– O mesmo dano corporal pode gerar, e normalmente gera, danos de caráter não patrimonial merecedores de indemnização entre os quais se contam as limitações (totais ou parciais, permanentes ou temporárias) na execução de atividades desportivas e de lazer antes prazenteiramente praticadas.

Sumário (art. 663, n.º 7, do CPC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa*:


I.–Relatório.


Ana…, autora no processo à margem referenciado, em que é ré …– Companhia de Seguros, S.A., notificada da sentença proferida em 7 de abril de 2017, que julgou apenas parcialmente procedente o pedido por si formulado, e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso.

Ana… e …– Consultoria Financeira, Lda. tinham instaurado ação declarativa de condenação contra …– Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar, à 1.ª autora, a título de danos morais, € 39.000, por danos patrimoniais emergentes, € 3.540,18, e a título de lucros cessantes decorrentes do impedimento da sua atividade profissional de mediadora financeira e comissionista, € 8.500; e, à 2.ª autora, a título de lucros cessantes, € 30.000 e, por danos patrimoniais emergentes, € 6.685,00.

Alegaram, em síntese, que no dia 6 de junho de 2009, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo de matrícula …-…-NF, conduzido pela 1.ª autora e pertença da 2.ª, e o veículo de matrícula …-…-PJ, seguro na ré.

O acidente em causa ficou a dever-se a culpa exclusiva da condutora deste último veículo, a qual não respeitou a distância de segurança em relação ao veículo conduzido pela 1.ª autora, que o precedia, tendo vindo a embater com violência na parte traseira deste último.

Em consequência do embate, a 1.ª autora sofreu lesões na coluna e no ombro esquerdo, em virtude das quais ficou incapacitada para o exercício da sua atividade profissional até 31/12/2009; sofreu dores e ficou com uma Incapacidade Parcial Permanente Geral de 12 pontos, numa escala de 100; esteve 217 dias numa situação de Incapacidade Temporária Absoluta, tendo sofrido perdas salariais; teve que suportar despesas clínicas; e, deixou de exercer as funções de gerente da 2.ª autora, deixando de auferir o montante de € 8.500.

A 2.ª autora, por sua vez, invocou que a 1.ª é a sua única sócia e funcionária e que, durante o período em que a mesma esteve impossibilitada de exercer a respectiva atividade, sofreu um decréscimo acentuado dos proventos resultantes da atividade de intermediação financeira a que se dedica. Deixou de auferir € 30.000 e teve que contratar um funcionário para assegurar os serviços mínimos e urgentes da empresa, ao qual pagou, a título de prestação de serviços de comissionista, a quantia de € 6.685.

A ré contestou, impugnando os danos invocados pelas autoras como decorrentes do acidente de viação.

No decurso da acção, a 2.ª autora foi declarada insolvente por sentença proferida pelo Tribunal do Comércio, tendo intervindo nos autos o respectivo liquidatário.

O processo seguiu os normais termos e, após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1)– condeno a R. a pagar à A. Ana…:
a) a quantia de € 17.285,24, acrescida de juros de mora vincendos desde a data presente sentença, à taxa de 4%, até integral pagamento;
b)– a quantia de € 7.899,41, sendo que relativamente a este montante sobre € 7.267,35 incidem juros de mora, à mesma taxa, a contar da citação e sobre € 632,06 a contar da notificação da R. para a ampliação do pedido;

2)– condeno a R. a pagar à Massa Insolvente da sociedade …, Consultoria Financeira, Lda:
a)- a quantia de € 273,09, acrescida de juros, à referida taxa, a contar da notificação da R. para a ampliação do pedido;
b)- a quantia se se vier a liquidar em momento posterior relativa ao montante que a mesma deixou de auferir com a angariação de interessados na concessão de crédito junto de instituições de crédito, bem como de interessados na celebração de contratos de seguro, desde 9 de Junho de 2009 e até ao final desse ano, com o limite máximo de € 30.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, a contar da notificação da R. para o respectivo incidente de liquidação  e
3) absolvo a R. do mais que contra si era peticionado.»
Com esta sentença não se conforma a 1.ª autora.

O recorrente termina as suas alegações de recurso, concluindo:
«1.–O Tribunal Recorrido considerou não provado que “em consequência das lesões provocadas pela colisão, a Autora tenha ficado a padecer prejuízo de afirmação pessoal, fixado em 3 pontos numa escala crescente entre 0 e 7”;
2.–Ocorreu erro na apreciação da prova no que concerne a tal facto;
3.–Resulta claramente do Relatório Clínico emitido em 28/06/2016, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, secundando pelo relatório clínico junto à PI, sob doc. n.º 4, que a Apelante ficou a padecer de prejuízo de afirmação pessoal, que se traduz numa Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer, fixável no grau 3, numa escala de 7 graus;
4.–Em virtude de tal prejuízo e decorrente das lesões sofridas no acidente, a Apelante não mais pode executar tarefas desportiva e de lazer, como praticar danças latinas (salsa), jogar ténis, fazer yoga (cfr. depoimento das testemunha Catarina …, Pedro … e Bruno …);
5.–A apelante, em virtude das lesões e limitações físicas inerentes, reduziu a realização de caminhadas (cfr. depoimento da testemunhas Pedro …, José … e Bruno …).
6.–A Apelante, na sequência do sinistro sofrido deixou de praticar um conjunto de actividades de desporto e de laser que constituíam um amplo espaço da sua realização e gratificação pessoal;
7.–Resultou para a Recorrente um claro prejuízo da sua afirmação pessoal, facto que se encontra clinicamente demonstrado e corroborado pelo depoimento das testemunhas supra mencionadas;
8.–Por conseguinte, a alínea a) dos factos não provados deve passar a integrar na relação dos factos provados, com a seguinte redação: “Em consequência das lesões provocadas pela colisão, a Autora ficou a padecer de prejuízo de afirmação pessoal, fixado em 3 pontos numa escala crescente entre 0 e 7”;
9.–E em consequência, deve a Apelante ver reconhecido o seu direito de ser compensada de tal prejuízo, através do pagamento por parte da Apelada, da quantia de € 3 000,00, conforme peticionado;
10.–Por sua vez, a Sentença recorrida é omissa no que concerne aos valores indemnizatórios formalmente propostos pela Apelada para ressarcimento dos danos sofridos pela Apelante;
11.–Tal matéria de facto era relevante para que o Tribunal Recorrido pudesse aferir se a Apelada devia ser condenada no pagamento de uma taxa de juro agravada, conforme peticionado pela Apelante, nos termos e para os efeitos do artigo 38.º, n.º 3 do Decreto-Lei 291/2007 de 21 de Agosto;
12.–Os valores propostos pela Apelada, e assumidos por esta, encontram-se documentalmente atestados através dos ofícios emitidos por esta seguradora e juntos à Petição Inicial da Apelante sob docs. n.ºs 2 e 3;
13.–O Tribunal Recorrido não incluiu esses factos na matéria de facto provada da Sentença, o que constitui omissão de pronúncia sobre factos relevantes para a decisão de mérito da presente causa e por essa razão o Tribunal “A Quo” violou o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil.
14.–Tal matéria de facto deve ser considerada assente e inclusa no rol de factos provados com a seguinte redação: “A Ré apresentou, para ressarcimento de todos os danos sofridos pela Autora, a quantia de € 5.750,00, conforme ofício de 08/02/2010 e mais tarde, carta de 21/06/2011, atualizou tal valor para o montante de € 6.250,00”.
15.–O Tribunal Recorrido, tendo por base a natureza patrimonial do Dano Biológico sofrido pela Apelante e considerando que resultou para esta “perda genérica de potencialidades laborais e funcionais” que “constitui um dano ressarcível”, fixou a favor da Apelante uma indemnização de € 18 000,00 (à qual deduziu € 1 714,76);
16.–Atribuiu ainda, a título de quantum doloris (dano moral) a quantia de € 1 000,00;
17.–A Apelante viu diminuída a sua capacidade de ganho e as sequelas dessas lesões representam uma repercussão, manifestamente limitadora, na sua vida laboral ativa;
18.–A abordagem do quadro sequelar, segundo a perspetiva do exercício da atividade profissional da Apelante, deve reconduzir-nos ao apuramento de um montante indemnizatório a título de dano patrimonial futuro ou rebate profissional;
19.–A perspetiva da violação à integridade física e psíquica, consagração plena do conceito jurídico de “Dano Biológico”, nos termos do artigo 3.º, alínea b) da Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio [alterada pela portaria n.º 679/2009 de 25 de Junho], cai fora do âmbito do dano patrimonial futuro;
20.–O dano biológico enquadra-se no conceito de danos não patrimoniais ou danos morais, estabelecendo, por seu lado, a portaria citada outros critérios complementares de cálculo de danos;
21.–A indemnização a favor da Apelante deve obedecer a critérios que permitam o cálculo de uma indemnização minimamente adequada e que compense a repercussão que as lesões têm tanto na sua vida profissional (dano patrimonial futuro ou repercussão na vida laboral), como na sua vida pessoal (danos morais);
22.–Tais critérios afastam-se da ótica do cálculo da indemnização por dano biológico, numa perspetiva estritamente patrimonial, ao contrário do estatuído no aresto recorrido;
23.–O Tribunal Recorrido não considerou os danos morais sofridos pela Apelante, na sua globalidade, reconhecendo tão-somente um valor indemnizatório a título de quantum doloris, o que constitui uma decisão manifestamente injusta e lesiva dos direitos da Apelante;
24.–O Tribunal “A Quo” não estabeleceu uma indemnização que permita ressarcir a Apelante de todos os danos sofridos;
25.–O Tribunal recorrido devia ter quantificado indemnização a favor da Apelante a título de dano biológico, numa perspetiva de danos morais sofridos, e, por outro lado, devia avaliar a repercussão permanente das lesões sofridas pela Apelante, na sua vida profissional, e segundo esta perspetiva apurar indemnização decorrente da perda de capacidade de ganho ou dano patrimonial futuro;
26.–O Tribunal Recorrido, atenta a matéria de facto assente, devia atribuir à Apelante, a título de dano patrimonial futuro ou repercussão na vida laboral e lucros cessantes, uma indemnização no montante de € 28 500,00, conforme peticionado na P.I.;
27.–Por sua vez, a título de danos não patrimoniais (dano biológico, quantum doloris e prejuízo da afirmação pessoal), o Tribunal devia fixar o montante global de € 19 000,00;
28.–A decisão recorrida, segundo esta perspetiva, é violadora, aliás manifestamente, do disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º e 564.º, todos do Código Civil, e artigo 3.º, alínea b) da Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio [alterada pela portaria n.º 679/2009 de 25 de Junho;
29.–O Tribunal recorrido, por outro lado, entendeu que, tendo em consideração os danos que estão em causa nestes autos, não pode haver lugar ao pagamento pela Apelada de juros penalizadores, atento o disposto no n.º 3 do artigo39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007;
30.–Decorre assente que a Apelada, na sequência da participação do sinistro por parte da Apelante apresentou duas propostas indemnizatórias, para ressarcimento de todos os seus danos patrimoniais e não patrimoniais, nos valores de € 5 750,00 e € 6 250,00;
31.–À data da apresentação das aludidas propostas pela seguradora, nos termos da avaliação clínica realizada por esta entidade, já havia sido quantificado o quadro clínico da sinistrada;
32.–Mesmo considerando o resultado de tal avaliação clínica, modificada nos termos da perícia médica realizada neste processo, a Apelada apresentou à Autora valores completamente desfasados daqueles que àquela data deviam ter sido apresentados;
33.–Outrossim, à data da emissão das propostas supra mencionadas, emergiam danos patrimoniais para a Apelante que já eram quantificáveis, como sejam os danos decorrentes das perdas salariais, que não foram pagos pela Apelada;
34.–Os valores indemnizatórios propostos pela Apelada não eram suficientes para compensar, sequer, a perda das retribuições que adveio para a Apelante em virtude do período de incapacidade total absoluta para o exercício da sua atividade profissional;
35.–Tais valores nem sequer se aproximam de metade do valor quantificado pelo tribunal recorrido a título de indemnização por dano biológico;
36.–Assim sendo, deve sempre ser entendido que a taxa de juro aplicada deve ser agravada;
37.–E ainda que não se entenda que tal agravamento não se deve repercutir sobre o dano patrimonial futuro e o dano moral, o que nesta sede não se concede e só por mero dever de patrocínio se equaciona, sempre sobre as demais quantias (em particular sobre os valores das perdas salariais) deve ser aplicada a taxa agravada nos termos e para os efeitos do artigo 38.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, disposição legal que o tribunal Recorrido manifestamente violou.
38.–Ainda contrariando a sentença recorrida, a taxa de juro, agravada ou à taxa legal de 4%, deve ser calculada desde a citação em relação a todas as quantias a atribuir à Apelante;
39.–Devem calcular-se os juros devidos à Apelante, tendo por base o não pagamento atempado a esta, da quantia global que lhe era devida, quantia a que a Apelante não teve acesso e, mesmo em relação àquele valor que a Apelada assumiu, não lhe foi colocada à disposição;
40.–É da mais elementar justiça material que a Apelada, que reteve durante aproximadamente 7 anos (considerando a data de atribuição de alta à Apelante), a indemnização que devia pagar à lesada pelos danos sofridos pelo acidente, seja condenada em juros de mora, pelo menos durante o período de tempo em que se discutiu a presente acção;
41.–Deve ser afastada a tese que defende o cálculo dos juros após a prolação da sentença, mesmo em caso de atualização da indemnização devida, estabelecendo-se ademais, conforme sufragado pelo Superior tribunal de Justiça (Cfr. acórdão de uniformização de jurisprudência de 02/02/2006 – Revista n.º 420/05 – 7.ª Secção), que os juros devem ser calculados desde a citação, inclusive no que concerne às indemnizações fixadas para os danos não patrimoniais, nos termos e para os efeitos dos artigos 566.º, n.º 2 e 805.º, n.º 3 (2.ª parte) do Código Civil;
42.–Neste segmento decisório da Sentença resultou assim também violado o disposto nos artigos 566.º, n.º 2 e 805.º, n.º 3 (2.ª parte) do Código Civil;
Termos em que ora se requer a V. Exas, VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, considerando a impugnação da matéria de facto e a reapreciação da matéria de direito, se dignem conceder provimento ao presente recurso e em consequência:

a)- Condenar a Apelada Companhia de Seguros … S.A. a pagar à Apelante as seguintes quantias:
– A título de repercussão na vida laboral e lucros cessantes a quantia de € 28 500,00 (vinte oito mil e quinhentos euros);
– A título de danos morais (dano biológico, quantum doloris e prejuízo da afirmação pessoal) a quantia de € 19 000,00 (dezanove mil euros);
b)- Condenar ainda a Apelada nos juros de mora, à taxa de juro agravada, nos termos do artigo 38.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, desde a citação, e a incidir sobre todas as quantias devidas à Apelante (compensação por perdas salariais e reembolso despesas, indemnização a título de repercussão na vida laboral e lucros cessantes e indemnização por danos morais).
E assim decidindo farão V. Exas a acostumada JUSTIÇA!»

A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
A correta apreciação da prova conduz à consideração como provado do facto considerado não provado sob a al. a) dos factos não provados?
Verificam-se os pressupostos de condenação da recorrida na taxa de juros agravada a que se reporta o art. 38, n.º 3, do DL 291/2007, de 21 de agosto (Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel)?
O montante da indemnização por dano biológico, nas suas decorrências patrimoniais e não patrimoniais, deve ser incrementado?

II.–Fundamentação de facto

Factos provados (correspondem aos adquiridos em 1.ª instância com a alteração adiante justificada em III.A.):
1- No dia 6 de junho de 2009, pelas 19h45, a 1.ª autora conduzia o veículo Citroen Saxo, matrícula …-…-NF, circulando pela faixa de rodagem mais à esquerda, no sentido sul/norte da Avenida General Norton de Matos, em Lisboa.
2- No mesmo sentido e faixa de rodagem, circulavam os veículos Volkswagen Passat, matrícula …-…-PJ, e Renault Laguna, matrícula …-…-TV, conduzidos, respetivamente, por Hanna … e David ….
3- O veículo matrícula …-…-TV circulava à frente do veículo conduzido pela 1.ª autora e o veículo matrícula …-…-PJ circulava à retaguarda do veículo da mesma.
4- No aludido local, mais concretamente no viaduto da Av. Padre Cruz, o condutor do veículo matrícula …-…-TV, travou e imobilizou a sua viatura o que obrigou igualmente a 1.ª autora a travar e parar o seu veículo.
5- Ato contínuo, o veículo matrícula …-…-PJ, foi embater com violência na parte traseira do veículo da 1.ª autora, tendo por sua vez este sido projetado contra a parte traseira do veículo que estava imobilizado à sua frente.
6- A 1.ª autora foi socorrida no local do sinistro pelo INEM e depois transportada para o Hospital de Santa Maria.
7- Após alta hospitalar a autora ficou retida na sua habitação.
8- À data e no momento do acidente, a responsabilidade civil decorrente de danos causados pela circulação do veículo …-…-PJ encontrava-se transferida para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice cujas condições particulares constam sob a forma de cópia a fls. 128 e 129 e que aqui se dão por reproduzidas.
9-Após averiguações, a ré assumiu a responsabilidade da condutora do veículo …-…-PJ pela produção do sinistro, tendo pago à 1.ª autora, a título de indemnização por danos corporais, a quantia de Euros 1.714,76, que aquela recebeu em 21 de dezembro de 2009 e à 2ª autora a quantia de Euros 2.259,60 pela perda total do veículo …-…-NF.
10- A 2.ª autora é uma sociedade comercial por quotas, sendo a 1.ª autora desde 24 de março de 2009 a sua única gerente e a única sócia.
11- Em consequência da colisão aludida em 5, a 1.ª autora sofreu traumatismo da coluna cervical, traumatismo torácico anterior esquerdo provocado pelo cinto de segurança, traumatismo do membro superior esquerdo, altralgia do ombro esquerdo com irradiação ao membro superior, sem fraturas.
12- Em consequência das lesões, a 1.ª autora sofreu dores cervicais e dores no ombro esquerdo.
13- Desde a alta hospitalar, a qual teve lugar no mesmo dia da colisão, a 1.ª autora esteve retida na sua habitação e necessitou da ajuda de terceiros para a realização das tarefas domésticas durante 15 dias.
14- Desde a data da colisão e até 21/10/2009 a 1.ª autora esteve numa situação de Incapacidade Total Absoluta para o trabalho.
15- As lesões sofridas pela mesma consideram-se consolidadas a partir de 13/11/2009.
16- As dores aludidas em 12 são fixadas em grau 4 numa escala crescente entre 0 e 7.
17- Em virtude das lesões, a 1.ª autora sofreu de Incapacidade Temporária Total durante 15 dias e o período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 146 dias.
18- Em consequência das lesões, a 1.ª autora está afetada de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixado em 6 pontos.
19- A Incapacidade referida em 18 é compatível com a atividade profissional habitualmente desenvolvida pela 1.ª autora, mas implica a realização de esforços suplementares por parte da mesma.
20- Em virtude das lesões, a 1.ª autora atualmente apresenta sintomatologia dolorosa na região cervical e no ombro esquerdo.
21- À data da colisão a 1.ª autora exercia as funções de gerente da sociedade …– Consultoria Financeira, Lda. e auferia, pelo exercício de tais funções, a retribuição mensal líquida de € 533,20.
22- A 1.ª autora, quer individualmente, quer na qualidade de legal representante da sociedade …– Consultoria Financeira, Lda, exercia a atividade de angariação de clientes interessados na concessão de créditos junto de instituições de crédito, bem como de mediadora de seguros.
23- A 1.ª autora prestou os serviços referidos em 22 junto do Banco Espírito Santo, da Caixa Geral de Depósitos e da Companhia de Seguros Tranquilidade.
24- Como contrapartida da prestação dos serviços referidos em 22-, a 1ª A. recebia das instituições ali aludidas uma comissão remuneratória calculada sobre o montante dos créditos concedidos, bem como sobre o valor dos seguros contratados.
25- A 1.ª autora despendeu a quantia de € 836.69 em consultas, medicamentos, sessões de fisioterapia para cura das lesões sofridas com o embate e ainda a quantia de € 240,00 com a elaboração do relatório médico-legal cuja cópia consta de fls. 30 a 33 dos autos.
26- Em virtude das lesões sofridas com o embate, a 1.ª autora, durante o 1.º semestre de 2009, teve um decréscimo no encaminhamento de clientes para as instituições de crédito e seguradoras, o que implicou um decréscimo no recebimento das comissões relativas à celebração dos respetivos contratos.
27- No ano de 2009, a 1.ª autora recebeu do BES a título de honorários pelos serviços prestados ao mesmo nos termos aludidos em 23 e 24 a quantia de € 6.479,08, tendo sido retido pelo referido banco a título de IRS a quantia de € 1.295,81.
28- Em consequência das lesões, a 1.ª autora até 21/10/2009 não prestou os serviços referidos em 22.
29- Em virtude do referido em 28, a 1.ª autora deixou de auferir, a título de comissões, quantia não concretamente apurada.
30- No ano de 2007, a 2.ª autora iniciou a sua atividade de intermediação financeira em regime de contrato de franchising com uma outra sociedade.
31- Em data não concretamente apurada dom ano de 2008, a 2.ª autora desvinculou-se do contrato de franchising e passou a desenvolver, em nome próprio, a mesma atividade financeira.
32- No ano de 2008, a sociedade …– Consultoria Financeira, Lda, pelos serviços prestados, atingiu um volume de facturação de € 31.031.
33- Desde janeiro de 2009 até 30 de junho de 2009, inclusive, a sociedade …– Consultoria Financeira, Lda., faturou a quantia de € 64.825 relativamente a serviços prestados e de julho de 2009 a dezembro do mesmo ano faturou a quantia de € 15.701,85, sendo a maior parte de tal facturação respeita a negócios de intermediação que estavam em curso antes da ocorrência do embate.
34- A 1.ª autora era a única angariadora para a sociedade …– Consultoria Financeira, Ld.a, de interessados na concessão de crédito junto de instituições de crédito, bem como de interessados na celebração de contratos de seguro.
35- A atividade desenvolvida através da 1.ª autora era a única atividade a que se dedicava a 2.ª autora.
36- Devido ao facto da 1.ª autora até 21/10/2009, em virtude das lesões sofridas com o embate, ter estado impedida de desenvolver a atividade referida em 34, a sociedade …– Consultoria Financeira, Lda., deixou de realizar negócios em montante concretamente não apurado.
37- Em data não concretamente apurada do ano de 2009, a sociedade …– Consultoria Financeira, Lda., acordou com Bruno … a prestação de serviços por parte deste no apoio à atividade desenvolvida através da 1.ª autora.
38- A sociedade …– Consultoria Financeira, Lda, pagou a Bruno … a quantia de € 6.685 relativamente a serviços prestados pelo mesmo no ano de 2009.
39- A Autoridade Tributária e Aduaneira reclamou junto da 2.ª autora o pagamento da quantia de € 273,09, relativa ao IUC respeitante ao veículo de matrícula …-…-NF e relativo aos anos de 2012 a 2016.
40- A 1.ª autora nasceu no dia 20 de abril de 1972.
41- Por sentença proferida em 12 de março de 2014, pelo 2º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, foi decretada a insolvência da sociedade …– Consultoria Financeira, Lda.
42- Em consequência das lesões provocadas pela colisão, a autora ficou a padecer prejuízo de afirmação pessoal, com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, fixado em 3 pontos numa escala crescente entre 0 e 7. [Corresponde ao facto não provado a) da sentença proferida em 1.ª instância.]

Factos não provados

Não resultaram provados outros factos relevantes, nomeadamente que:
b)- em virtude das lesões, atualmente a autora padeça de dores na coluna lombar;
c)- a 2.ª autora tenha acordado com Bruno … a prestação dos serviços referidos em 37 dos Factos Provados em virtude de a 1.ª autora estar incapacitada para o exercício da sua atividade devido ao embate.

III.–Apreciação do mérito do recurso

A.–Da reapreciação da prova e alteração da matéria de facto
A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que o facto não provado a) passe a provado.
Para impugnar a matéria de facto, o recorrente deve observar as regras contidas no art. 640 do CPC. Segundo elas, e sob pena de rejeição do respetivo recurso, o recorrente deve especificar: a) os pontos da matéria de facto de que discorda; b) os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida; e, c) a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
In casu, a recorrente cumpriu estes ónus, pelo que passamos a reapreciar a prova produzida com vista ao apuramento da situação efetivamente sucedida, no que ao ponto posto em crise respeita.
Como noutros arestos temos tido oportunidade de lembrar, as únicas restrições que a lei impõe à reapreciação da prova pela Relação são as que resultam do art. 640 do CPC: a reapreciação está limitada a determinados aspetos da matéria de facto dos quais o recorrente discorda e implicará a reanálise de elementos probatórios dos quais o recorrente entende resultar outra solução. Fora destas balizas, o CPC confere aos tribunais de 2.ª instância poderes-deveres semelhantes aos dos tribunais de 1.ª instância no que concerne à criação da convicção pela livre apreciação da prova. Apesar de, no que à prova pessoal respeita, o objeto da apreciação pelo tribunal de 2.ª instância não ser exatamente o mesmo que aquele de que a 1.ª instância dispôs, pois trata-se apenas de uma gravação áudio deste, onde necessariamente se perde tudo o que é apreensível por outros sentidos além da audição, o legislador não limitou os poderes de livre apreciação da prova pela 2.ª instância.
Assim sendo, o tribunal de 2.ª instância não se pode limitar a um controlo formal da fundamentação que o tribunal recorrido expressou para os factos selecionados, nem a tecer considerações genéricas a propósito da menor imediação de que dispõe e de como isso o impede de pôr em causa o juízo a quo.
Perante as regras positivadas no CPC, e sem prejuízo do seccionamento do objeto da reapreciação por via do disposto no art. 640 do CPC, os tribunais da Relação devem proceder à efetiva reapreciação da prova produzida (nomeadamente dos meios de prova indicados no recurso, mas também de outros disponíveis e que entendam relevantes) da mesma forma – em consonância com os mesmos parâmetros legais – que o faz o juiz de 1.ª instância.
Tanto significa que os juízes desembargadores apreciam livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão (art. 607, n.º 5, do CPC).
Na sua livre apreciação, os juízes desembargadores não estão condicionados pela apreciação e fundamentação do tribunal a quo. Ou seja, o objeto da apreciação em 2.ª instância é a prova produzida (tal como em 1.ª instância) e não a apreciação que a 1.ª instância fez dessa prova. Esta pode ter sido formalmente correta, bem como exaustiva e logicamente fundamentada, e, não obstante, a Relação formar diferente convicção.
Claro que, como já referido, o que é dado apreciar aos juízes desembargadores não é exatamente o mesmo, no que à prova gravada respeita, que é observado em 1.ª instância. Esta circunstância inultrapassável (ainda que melhorável com recurso a outras tecnologias de reprodução) pode e deve ser ponderada na reapreciação que, em 2.ª instância, se faz da prova, mas isso não significa uma menorização do poder de livre apreciação da prova, mas apenas mais um dado a considerar nessa apreciação.

Pretende a recorrente que o facto não provado a) – que em consequência das lesões provocadas pela colisão, a autora tenha ficado a padecer prejuízo de afirmação pessoal, fixado em 3 pontos numa escala crescente entre 0 e 7 – passe a provado.
Invoca, para tanto, o Relatório Clínico emitido em 28/06/2016, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, e o relatório clínico junto à PI sob doc. n.º 4.

Ao facto em causa (não provado na sentença) foi dada pelo tribunal a quo a seguinte fundamentação: «Não foi feita prova de qualquer outra factualidade com relevo para a decisão dos autos, não tendo, face ao teor dos relatórios do IML e na falta de qualquer outra prova bastante, ficado demonstrado que, em consequência do embate, a A. tenha ficado a padecer de prejuízo de afirmação pessoal fixado em 3 pontos numa escala crescente entre 0 e 7» (p. 9 da sentença, fls. 412 dos autos).

Ora, compulsado o relatório da perícia efetuada pelo IML, lemos:
«Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer (corresponde à impossibilidade estrita e específica para a vítima de se dedicar a certas atividades lúdicas, de laser e de convívio social, que exercia de forma regular e que para ela representavam um amplo e manifesto espaço de realização e gratificação pessoal, não estando aqui em causa intenções ou projetos futuros, mas sim atividades comprovadamente exercidas previamente ao evento traumático (…)). É fixável no grau 3 numa escala de sete graus de gravidade crescente, atendendo às atividades que a examinada refere que praticava e que se vê impossibilitada/limitada de desempenhar (dança, yoga e ténis) face ao facto de constituírem uma parte substancial do seu quotidiano (…).» (pp. 8-9 do relatório de 28/06/2016, fls. 356 e v.º dos autos).
E mais adiante na fls. 356v.º, na resposta à questão 5 («Em consequência das lesões sofridas decorreu para a Autora um prejuízo da sua afirmação pessoal que condiciona a realização de atividades de lazer e em particular limita a prática de yoga por parte da Sinistrada? Em caso afirmativo, qual o grau?»), lê-se: «Sim. Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7».

Por outro lado, dos depoimentos testemunhais a seguir indicados aferimos que a autora praticava danças latinas, mais precisamente, Salsa, caminhadas longas, yoga (e outras aulas de ginásio) e ténis, atividades a que dedicava muitas horas por semana:
– Depoimento da testemunha Catarina …, amiga da autora desde 2007, que narrou como a autora era uma desportista, realizando com frequência caminhadas longas, dedicando-se à dança, e praticando também ténis e yoga, coisas que teve de deixar de fazer.
– Depoimento da testemunha Pedro …, companheiro da autora desde 2011, que já conhecia sobretudo das caminhadas que faziam juntos no Clube Natura, bem conhecendo as atividades físicas a que a autora se dedicava e que muito preenchiam a sua vida; as danças latinas eram uma paixão, e a autora saía várias noites por semana para dançar.
– Depoimento da testemunha José …, amigo da autora, sabendo por isso das várias atividades desportivas e lúdicas a que a autora se dedicava.
– Depoimento da testemunha Bruno …, amigo e colega das danças latinas.
Estas testemunhas explicaram, cada uma dentro da sua perspetiva própria e com discursos diferenciados, como, em virtude do sinistro sofrido, a autora deixou de praticar um conjunto de atividades de desporto e de laser a que dedicava muitas horas da sua semana e que eram para si muito gratificantes.

Concatenando os elementos probatórios referidos, consideramos provado que, em consequência das lesões provocadas pela colisão, a autora ficou a padecer prejuízo de afirmação pessoal, com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, fixado em 3 pontos numa escala crescente entre 0 e 7.

Para reparação deste dano, a autora peticiona € 3.000, integrados nos € 19.000 que reclama a título de danos de natureza não patrimonial. Como a autora reconhece, o dano ora em causa integra-se no conceito de dano biológico. Relegamos a quantificação da sua indemnização e respetiva fundamentação para mais adiante, parte C.

B.–Da omissão de pronúncia quanto aos valores propostos pela seguradora para a indemnização e da não aplicação de taxa de juro agravada
A recorrente alega que a sentença recorrida é omissa no que concerne aos valores indemnizatórios propostos pela seguradora recorrida para ressarcimento dos danos sofridos pela sinistrada recorrente; e que tal matéria de facto era relevante para que o tribunal pudesse aferir se a apelada devia ser condenada no pagamento de uma taxa de juro agravada, conforme peticionado pela apelante, nos termos e para os efeitos do artigo 38, n.º 3, do Decreto-Lei 291/2007 de 21 de agosto.
Os valores propostos pela seguradora encontram-se expressos nas cartas juntas com a petição inicial sob docs. 2 e 3, tendo sido de € 5.750 em 08/02/2010, e de € 6.250 em 21/06/2011.

Apesar de não ter consignado como factos os valores propostos pela companhia de seguros, a sentença não é omissa sobre o tema do peticionado pagamento de taxa de juro agravada à luz do DL 291/2007. Com efeito, o tribunal a quo justificou a não aplicação de tal agravamento nas pp. 23 a 26 da sentença. Em síntese, defendeu que apenas haveria lugar a juros agravados se a seguradora não tivesse assumido a responsabilidade pelo sinistro e, no caso assumiu-a; ou se estivessem em causa danos totalmente quantificáveis à data de forma objetiva, o que não era o caso.

A recorrente discorda, referindo que, nas datas em que a recorrida lhe apresentou as propostas de indemnização nos valores de € 5.750 e € 6.250, já estava estabilizado o quadro clínico da sinistrada, sendo quantificáveis os danos que lhe foram causados.

Vejamos. O art. 36 do DL 291/2007, de 21 de agosto (Regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade automóvel), estabelece que, sempre que seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros proceda ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar; e que lhe comunique (por escrito ou por documento eletrónico) a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade, no prazo de 30 dias úteis a contar do termo do prazo de dois dias antes mencionado (als. a) e e) do n.º 1 do art. 36).
A posição de assunção de responsabilidade prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 36 consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte – assim o impõe o n.º 1 do art. 38 do mesmo diploma legal.
Em caso de incumprimento do dever de apresentação da referida proposta razoável, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo (n.º 2 do art. 38).
Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial (n.º 3 do mesmo artigo).

No caso dos autos, a seguradora presentou a sua proposta razoável, aliás em dois momentos distintos, aumentando a proposta inicial em € 500. Não será portanto aplicável o n.º 2 do art. 38 do DL 291/2007).
Porém, entende a recorrente que o montante proposto naquelas propostas era manifestamente insuficiente, devendo portanto ser aplicada a taxa de juro agravada nos termos do n.º 3 do art. 38.

O artigo 39 diz-nos o que deve entender-se por proposta razoável para regularização dos sinistros que envolvam danos corporais. Quando a proposta da empresa de seguros tenha sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos (n.º 3 do art. 39). Para determinação do montante da indemnização são aplicáveis os critérios e valores orientadores constantes de portaria aprovada pelos Ministros das Finanças e da Justiça, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal (n.º 5 do art. 39).

Relativamente aos prejuízos futuros, a proposta pode ser limitada ao prejuízo mais provável para os três meses seguintes à data de apresentação dessa proposta, exceto se já for conhecido o quadro médico e clínico do lesado, e sem prejuízo da sua futura adaptação razoável (n.º 4 do art. 39).

A portaria a que se reporta o n.º 5 do art. 39 do DL 291/2007 veio a tomar forma na Portaria 377/2008, de 26 de maio, que fixou os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, sem, no entanto, afastar o direito à indemnização de outros danos, nem a fixação de valores superiores aos propostos (art. 1.º da Portaria).

Lê-se no seu preâmbulo que «Uma das alterações de maior impacte será a adoção do princípio de que só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua atividade profissional habitual ou qualquer outra.
No entanto, ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica.
A indemnização pelo dano biológico é calculada segundo a idade e o grau de desvalorização, apurado este pela Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, e com referência inicial ao valor da RMMG (retribuição mínima mensal garantida).».

Estas ideias preambulares concretizam-se nas normas do art. 3.º, segundo as quais, em caso de dano corporal (não morte), são indemnizáveis ao lesado:
a)–Os danos patrimoniais futuros nas situações de incapacidade permanente absoluta, ou de incapacidade para a profissão habitual, ainda que possa haver reconversão profissional;
b)–O dano pela ofensa à integridade física e psíquica (dano biológico), de que resulte ou não perda da capacidade de ganho, determinado segundo a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil;
c)–As perdas salariais decorrentes de incapacidade temporária havida entre a data do acidente e a data da fixação da incapacidade;
d)–As despesas comprovadamente suportadas pelo lesado em consequência das lesões sofridas no acidente.
No caso dos autos, a autora não ficou a padecer de incapacidade permanente absoluta nem de incapacidade para a profissão habitual (situações previstas na primeira das alíneas acabadas de mencionar), mas ficou com dano biológico de 6% (alínea b) do art. 3.º).
Houve também perdas salariais e despesas (alíneas c) e d) do art. 3.º), que o tribunal a quo indemnizou com a quantia global de € 7.899,41, a qual não está em discussão neste recurso.
Nos termos da Portaria que temos vindo a referir, a realidade que a Portaria designa por «dano biológico» indemniza-se pelo anexo IV. Considerando a idade da autora à data do acidente (37 anos) e a incapacidade de 0,06, ser-lhe-ia devida uma indemnização fixável entre € 855 e € 1.045.
Como referido, a Portaria não prevê indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado não o impede de prosseguir a sua atividade profissional habitual. O dano patrimonial futuro a calcular nos termos do anexo III será apenas para as situações de incapacidade permanente absoluta, ou de incapacidade permanente absoluta para a prática da profissão habitual, sem ou com possibilidade de reconversão para outras profissões (art. 7.º da Portaria).

A razoabilidade das propostas razoáveis que as companhias de seguros estão obrigadas a apresentar tem de ser aferida pelos parâmetros da Portaria 377/2008, de 26 de maio. Considerando os danos quantificáveis à data – perdas salariais e despesas no valor de € 7.899,41, e «dano biológico» indemnizável nos termos do anexo IV em valor entre € 855 e € 1.045 – não se pode dizer que as propostas da recorrida – € 5.750 e € 6.250 – tenham sido desrazoáveis.
Assim, nesta parte, e ainda que com diversa fundamentação, improcede o recurso.

C.–Da indemnização do dano biológico

Lembremos o que permanece em causa.

Na sentença, foram arbitradas à autora ora recorrente as seguintes quantias:
«a)- a quantia de € 17.285,24, acrescida de juros de mora vincendos desde a data presente sentença, à taxa de 4%, até integral pagamento;
b)- a quantia de € 7.899,41, sendo que relativamente a este montante sobre € 7.267,35 incidem juros de mora, à mesma taxa, a contar da citação e sobre € 632,06 a contar da notificação da R. para a ampliação do pedido».

A quantia da alínea b) não é posta em causa.

Está em discussão a da alínea a). Os € 17.285,24 ali referidos correspondem à soma de € 18.000 referentes a défice funcional permanente compatível com o exercício da atividade laboral, com € 1.000 relativos ao dano não patrimonial dor, subtraídos de € 1.714,76 já pagos pela seguradora recorrida.

Em vez dos € 18.000, a recorrente pretende uma indemnização de € 28.500, e em vez dos € 1.000, a recorrente pretende € 19.000, que englobarão todos os danos de natureza não patrimonial (não apenas a dor, mas também o prejuízo da afirmação pessoal/repercussão em atividades desportivas e de lazer, que o tribunal a quo não ponderou).
Quid juris?

Tradicionalmente, os danos subsumem-se numa das seguintes categorias jurídicas: danos patrimoniais, ou de natureza patrimonial, e danos não patrimoniais, ou de natureza não patrimonial (também designados, danos morais, embora, de acordo com certa nomenclatura, os morais também sejam tidos apenas como uma parcela dos não patrimoniais).

Entre os danos patrimoniais distinguimos o dano emergente e o lucro cessante: o primeiro compreende o prejuízo causado nos bens ou direitos existentes na titularidade do lesado à data da lesão; o segundo, os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas que ainda não tinha na sua titularidade à data da lesão.

De há uns anos a esta parte tem sido trabalhada a noção de dano corporalou dano biológicopara designar lesões na integridade do sujeito enquanto pessoa, na sua globalidade psicofísica. O dano corporal ou biológico é um dano real ou dano-evento, pelo que se situa num patamar mais elevado e a montante dos danos-consequência, sendo estes últimos que são suscetíveis de se reconduzir às categorias antes referidas. Sobre o conceito de dano biológico no direito português, nomeadamente a sua adoção pela jurisprudência, v. Maria da Graça Trigo, «Adopção do conceito de “dano biológico” pelo direito português», ROA, Ano 72, I (jan-mar de 2012), pp. 147-178. A autora defende e conclui, com o que concordamos, que «O dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais» (p. 177, sublinhado nosso).

Como dano-evento que é, do dano biológico podem decorrer danos patrimoniais e/ou danos não patrimoniais, podendo os primeiros assumir feição de danos emergentes ou de lucros cessantes.

O dano biológico pode refletir-se de várias maneiras na esfera patrimonial do lesado:
-Pode provocar uma diminuição efetiva da remuneração porque o lesado produzirá menos e, por via disso, receberá menos;
-Pode, alternativamente, sem provocar perda efetiva de remuneração (pelo menos imediata e face à relação laboral ou profissional vigente), impor ao lesado um esforço acrescido para manter o nível de produtividade anterior ao dano.
Para além destas duas situações, em conjunto com alguma delas ou isoladamente, o dano corporal pode causar ao lesado dificuldades acrescidas em atos correntes do dia-a-dia. É relativamente a esta decorrência que se tem colocado a questão de saber se se trata de dano patrimonial ou de dano não patrimonial.
Como quer que se entenda, o dano corporal pode ter também, e normalmente tem, (outros) reflexos não patrimoniais.

No preâmbulo do DL 352/2007, de 23 de outubro – que aprovou uma nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovando, ainda, a primeira Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil – encontramos alusão às realidades acabadas de referir:
«A avaliação médico-legal do dano corporal, isto é, de alterações na integridade psicofísica, constitui matéria de particular importância. Mas também de assinalável complexidade. Complexidade que decorre de fatores diversos, designadamente da dificuldade que pode existir na interpretação de sequelas, da subjetividade que envolve alguns dos danos a avaliar (…). Mas complexidade que resulta também da circunstância de serem necessariamente diferentes os parâmetros de dano a avaliar consoante o domínio do direito em que essa avaliação se processa (…). No Direito Laboral, por exemplo, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do Direito Civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os atos e gestos correntes do dia a dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da atividade profissional específica do examinando».

Na perspetiva do direito civil, o dano corporal ou dano biológico emerge como dano complexo, com reflexos patrimoniais (presentes e/ou futuros, efetivos e/ou eventuais) e não patrimoniais, que deve ser ressarcido, independentemente da efetiva perda de capacidade de ganho.

A Portaria 377/2008, de 26 de maio – que regulamenta o DL 291/2007, de 21 de agosto (regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel), ambos já acima mencionados –, fixou os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação ao lesado por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal. Na referida Portaria, o dano biológico foi entendido como dano indemnizável nos termos da Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, quer dele resulte ou não perda da capacidade de ganho (art. 3.º, al. b) da Portaria).

Da indemnização do défice funcional permanente compatível com o exercício da atividade laboral (apesar de exigir esforços suplementares).

Foi a decorrência do dano corporal na sua vertente de dano patrimonial futuro consistente nos esforços acrescidos que a lesada tem de desenvolver nas suas atividades profissionais e gerais que o tribunal a quo indemnizou com € 18.000 e cujo valor a recorrente quer ver aumentado para € 28.500.

O tribunal a quo orientou-se, para fixar esta parcela indemnizatória, pela fórmula do anexo III à Portaria 377/2008, de 26 de maio, chegando ao valor de € 21.719,17.

Como acima já referimos, a Portaria não prevê indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado não o impede de prosseguir a sua atividade profissional habitual. O dano patrimonial futuro a calcular nos termos do anexo III será apenas para as situações de incapacidade permanente absoluta, ou de incapacidade permanente absoluta para a prática da profissão habitual, sem ou com possibilidade de reconversão para outras profissões (art. 7.º da Portaria).

No entanto, a Portaria também não afasta (nem poderia) a possibilidade de o tribunal fixar indemnização diversa. Com efeito, o objeto da Portaria 377/2008, de 26 de maio, é apenas a fixação dos critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação pelas seguradoras aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, sem, no entanto afastar o direito à indemnização de outros danos, nem a fixação de valores superiores aos propostos (art. 1.º da Portaria).

Ou seja, face à Portaria, a seguradora não tinha de apresentar proposta que contemplasse indemnização por dano patrimonial futuro, pois a situação incapacitante da lesada, ora recorrente, não a impedia de prosseguir a sua atividade profissional habitual. No entanto, o tribunal pode arbitrar tal indemnização e, no seu cálculo, pode socorrer-se dos parâmetros do anexo III da Portaria (que esta consigna para indemnização por dano patrimonial futuro em caso de morte ou de incapacidade permanente absoluta, ainda que apenas para a profissão habitual).
Foi o que fez o tribunal a quo.

Também nos parece adequado: a) compensar o défice funcional permanente de que a lesada ficou a padecer, apesar de compatível com o exercício da atividade; e, b) usar a fórmula da Portaria para determinar a indemnização desse dano.

Com efeito, o dano corporal ou biológico de que a autora indubitavelmente padece, embora compatível com o exercício da atividade habitual, exige um esforço suplementar o que não pode deixar de ter um valor patrimonial: a hora de uma pessoa que produz menos, porque tem um esforço acrescido para produzir o mesmo, tem menos valor que a de uma pessoa que produz mais na mesma unidade de tempo (mesmo quando a pessoa em causa é assalariada e, no momento presente, não há uma diminuição de salário, o dano pode ter influência na futura progressão no emprego bem como na obtenção de novos empregos, circunstâncias que constituem um dano presente e sobretudo futuro, com valor pecuniário).

Quando não é possível a reconstituição natural, nem averiguar o valor exato dos danos, a medida da indemnização é encontrada com recurso à equidade, ao abrigo do disposto no art. 566, n.º 3, do CC. Diz-nos esta norma que, não se podendo averiguar o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. O último segmento remete-nos para a uma aferição concreta, uma ponderação das circunstâncias reais, e não para uma resposta em abstrato. Para permitir tratar da mesma forma casos semelhantes, realizando assim a justiça relativa, entendemos adequado levar em consideração os critérios e valores orientadores da Portaria 377/2008.

Chegamos, no entanto, a um valor diferente do obtido pelo tribunal a quo.

Com efeito, a recorrente, à data do acidente, contava 37 anos de idade, restando-lhe 33 anos de vida ativa (presunção legal de que a lesada se reformaria aos 70 anos de idade – arts. 6.º/1 b) e 7.º/1 b) da Portaria), pelo que o fator a multiplicar ao rendimento anual é 21,552955. Concordamos com o rendimento anual de € 18.864,80 (salário de € 533,20, 14 meses, e comissões mensais de € 950). O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 6 pontos (facto 18). Multiplicando os referidos valores (18.864,80*21,552955*0,06), obtemos uma indemnização de € 24.395,53. Não há que descontar «o que a lesada gastaria com ela própria»; tal desconto apenas teria lugar em indemnização aos herdeiros, em caso de morte da vítima, nos termos do art. 6.º da Portaria.

Como referido no anexo 3, os fatores constantes da sua tabela têm por base uma fórmula que pondera que o capital (indemnização entregue de uma só vez) será remunerado durante a vida ainda útil do lesado a uma taxa de juro nominal líquida de 5%, o que presentemente é irrealista. No entanto, o futuro é desconhecido e imprevisível, e estamos perante défice funcional que não impede a atividade profissional nem reduz a sua remuneração; assim sendo, entendemos não nos afastar do valor encontrado e fixar a indemnização devida por danos patrimoniais resultantes do défice funcional permanente compatível com o exercício da atividade laboral (maior dificuldade de progressão no trabalho e de encontrar melhores empregos) em € 25.000.

Do montante da indemnização devida a título de danos não patrimoniais.

Na fixação da indemnização, devem ser atendidos os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496, n.º 1, do CC.

Estão aqui em causa todos os danos de natureza não patrimonial reconduzíveis ao teor do art. 496, n.º 1, do CC, incluindo aqueles que decorrem do dano biológico, mas que não estão abrangidos na indemnização acima fixada.

Como vimos, o tribunal apenas ponderou aqui as dores padecidas, concedendo indemnização de € 1.000, tendo desconsiderado o prejuízo da afirmação pessoal.

A questão que se coloca é a da medida da indemnização adequada a todos os danos não patrimoniais, pelos quais a recorrente pede o montante de € 19 000,00.

Não sendo os danos não patrimoniais suscetíveis de quantificação, o seu ressarcimento tem uma função essencialmente compensatória: permitir ao lesado dispor de uma soma de dinheiro que lhe permita adquirir bens ou serviços que lhe deem alguma satisfação, compensando, ainda que sofrivelmente, o mal padecido. O montante pecuniário será fixado com recurso à equidade, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado, e as demais circunstâncias do caso (art. 494, ex vi do art. 496, n.º 4, ambos do CC).

A Portaria que temos vindo a referir dá-nos alguns parâmetros, para o quantum doloris, nos termos do anexo I e para o dano biológico nos termos do anexo IV (ali entendido num sentido muito mais redutor que o por nós acima justificado). Trata-se, porém, de quantias que visam a apresentação de propostas pelas companhias de seguros e que, para o caso concreto, se afiguram exíguas. Como tem sido reiteradamente dito nas decisões dos tribunais superiores, a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser meramente simbólica, sob pena de não se mostrar adequada aos fins a que se destina – atenuação da dor sofrida pelo lesado e reprovação da conduta do agente – v. a título meramente exemplificativo, Acs. do STJ de 07/07/2009, proc. 1145/05.6TAMAI.C1, e de 20/11/2003, proc. 03B3528.

Considerando todos os dados referidos – reflexos no bem-estar psíquico do défice funcional permanente, prejuízo de afirmação social da lesada que agora se vê impossibilitada de praticar várias atividade lúdicas e desportivas que antes ocupavam amplamente o seu tempo e de que tirava grande prazer, dores sofridas, grau de culpa, condição económica da lesada – julgamos que era adequada para o ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial, à data da propositura da ação, indemnização de € 12.000.

Ao valor de € 37.000 que agora substituirá a condenação da subalínea a) da alínea 1) do dispositivo da sentença, há que deduzir os € 1.714,76 já pagos pela seguradora para ressarcimento dos mesmos danos, obtendo-se assim a condenação em €35.285,24.

IV.–Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, alterando a subalínea a) da alínea 1) do dispositivo da sentença, e, nessa parte, condenando a ré recorrida a pagar à autora recorrente a quantia de € 35.285,24, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Custas em partes iguais.



Lisboa, 09/01/2018



Higina Castelo
José Capacete
Carlos Oliveira