Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1394/10.5YXLSB.L1-7
Relator: AMÉLIA ALVES RIBEIRO
Descritores: AUTO-ESTRADA
LENÇOL DE ÁGUA
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
TRIBUNAL COMPETENTE
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Os juízos cíveis são incompetentes em razão da matéria para julgar uma acção em que a concessionária de auto-estrada seja demandada como responsável civil, por danos causados na sequência de um acidente de viação devido à enorme quantidade de água acumulada no pavimento por falta de escoamento.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Apelante/A.: A… S.A.
Apelada/R.: B…, S.A.,


I. Pedido: condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 9 173,41, acrescida de juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alega, em síntese, que, no exercício da sua actividade comercial, assumiu o risco derivado da circulação do automóvel com a matrícula … e que, no dia 13 de Janeiro de 2010, tal veículo sofreu danos, na sequência de um acidente de viação em que se envolveu, por causa da "enorme quantidade de água acumulada no pavimento causada pela falta de escoamento”, o que a A. atribui à culpa da R. por esta ser a concessionária da via onde ocorreu tal acidente (IC17), designadamente por a R. não ter procedido “à vigilância, nem a manutenção e conservação das boas condições de utilização da mesma, permitindo, com a sua omissão, a acumulação de uma grande quantidade de água na faixa de rodagem do IC 17”.


A R. contestou, excepcionando, nomeadamente, a incompetência do Tribunal para o conhecimento da causa e sustentando que tal competência pertence aos Tribunais Administrativos e Fiscais, por estar em causa a responsabilidade civil extracontratual de um sujeito privado ao qual é aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, na medida em que o ''litígio emerge de um contrato administrativo de colaboração, aquele pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra uma colaboração temporária no desempenho de atribuições administrativas, mediante remuneração”, fundamentando a A. a sua pretensão precisamente em tal contrato de concessão e respectivo regime jurídico.

A A respondeu. que o fundamento para a acção encontra-se apenas nas regras gerais sobre responsabilidade civil extracontratual, não estando em causa a relação contratual entre a R. e o Estado ou qualquer relação jurídica administrativa, pelo que não deve ser admitida a procedência da excepção de incompetência deduzida pela R.

Foi proferida decisão que, considerou o Tribunal a quo incompetente em razão da matéria, absolvendo o R. da instância.

É contra esta decisão que se insurgem os recorrentes, formulando as conclusões que a seguir se sintetizam:

1. A competência material do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pela Autora na Petição Inicial, ie., pela forma como surgem definidos a causa de pedir e o pedido.
2. O pedido consiste na condenação da Apelada, no pagamento de uma indemnização, com fundamento na responsabilidade civil extra-contratual emergente da omissão dos deveres de vigilância, manutenção e conservação do IC17, por parte desta.
3. O litígio não emerge do contrato celebrado entre a Apelada e o Estado Português, nem de qualquer relação jurídica administrativa.
4. As partes são pessoas colectivas de direito privado.
5. Nos ternos do art. 212°, n° 3 da Constituição, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
6. Não está em causa uma relação jurídica administrativa, pelo que funciona o critério residual previsto no art. 66° do Código de Processo Civil e no art. 18°, nº1 da LOFTJ, que atribui a competência aos tribunais judiciais.
7. A questão subsumida ao Tribunal a quo tal como foi delimitada pela ora Apelante não se refere à execução de qualquer contrato, em especial, à execução do contrato de concessão.
8. Não existe qualquer disposição legal que submeta a Apelada ao regime jurídico específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
9. Nenhuma das alíneas previstas no art.4°, n° 1 do ETAF tem aplicação ao caso dos presentes autos.
10. A responsabilidade civil extra-contratual da Apelada perante terceiros tem natureza exclusivamente privada.
11. Na determinação do tribunal materialmente competente para conhecer da questão dos presentes autos, funciona o critério residual, previsto no art. 66° do Código de Processo Civil e art. 18°, nº1da LOFTJ.
12. São competentes para conhecer desta questão os tribunais judiciais e não os tribunais administrativos.
13. O Tribunal a quo é materialmente competente para decidir da questão levada ao seu conhecimento pela ora Recorrente.
14. A Douta Sentença ora recorrida viola o disposto nos artigos 66° do Código de Processo Civil e 18º, n.º1 da LOTFJ

Por sua vez, o recorrido contra-alegou, formulando as conclusões que resumidamente se indicam:

1. O art. 212° n.º3 da CRP não consagra uma "reserva absoluta, quer no sentido de exclusiva, quer no sentido de excludente" da jurisdição administrativa, conforme têm defendido a generalidade da doutrina e jurisprudência nacionais, inclusive o TC (Tribunal Constitucional; neste sentido, vide o douto Acórdão n.º 211/2007 de 21 de Março, proferido no Proc. n.º 430/2002);
2. Consequentemente o legislador tem alguma "margem de manobra" para definir o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, desde que não desvirtue o núcleo desta jurisdição (arts. 1° e 4° do ETAF);
3. O litígio dos presentes autos está abrangido pela letra do artigo 1.º nº 1 e do artigo 4°, n.º1, alínea i), ambos do ETAF;
4. A alínea i) do n.º1 do artigo 4° do ETAF apenas explicita a cláusula geral do art. 1° do mesmo diploma normativo, pelo que "Em relação a essa matéria não se coloca, pois, qualquer problema de articulação" (Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida);
5. Ainda que se entendesse existir uma colisão entre os dois preceitos, o art. 4° nº 1, alínea i) do ETAF teria primazia ao abrigo do princípio "norma especial derroga normal geral” (Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida);
6. A relação estabelecida entre as partes em juízo (recorrente e Recorrida) traduz-se numa relação jurídica administrativa, de acordo com o art. 212° n.º3 da CRP e do art. 1° n.º 1 do ETAF;
7. Face ao falhanço da busca da chamada "noção-chave" do Direito Administrativo, a jurisprudência e a doutrina nacionais têm apontado diversos critérios para averiguar se se está perante uma relação jurídica administrativa, destacando-se os: a) critério dos sujeitos, b) o critério do fim de utilidade pública, c) o critério da sujeição ou das prerrogativas exorbitantes e d) o critério estatutário;
8. A relação estabelecida entre a ora Recorrida (Concessionária) e a recorrente, baseada no Contrato de Concessão, cumpre os diversos critérios referidos na conclusão anterior, inclusive o critério orgânico e dos sujeitos, como o demonstra a experiência alemã (Maria João Estorninho, "Requiem pelo Contrato Administrativo", Almedina, Coimbra, pág. 72 e segs.);
9. No entanto, e para saber se a competência para a apreciação do litígios dos presentes autos cabe aos tribunais administrativos, não basta aplicar o art. 4° n.º1, alínea i) do ETAP porque, conforme estipula tal normativo legal, é necessário “saber ser o facto constitutivo da responsabilidade se encontra ou não submetido à aplicação de um regime específico de direito público” (Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, "Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo", Almedina, Coimbra, 2002, pags. 34 e 35);
10. A norma que aplica à situação dos presentes autos um regime específico de direito público e o art. 1° n.º 5 do novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidade Públicas, constantes da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro;
11. Esta norma é, desde logo, aplicável aos presentes autos porque o acidente que fundamenta a presente acção ocorreu em 13.01.2010, isto é, em data posterior a entrada em vigor deste diploma legal (30.01.2008);
12. A aplicação desta lei a acções ou omissões de pessoas colectivas privadas depende de dois pressupostos que são alternativos mas não cumulativos: a) o exercício de prerrogativas de poder público ou b) que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo;
13. Na situação dos presentes autos estamos perante uma omissão (mais concretamente, a alegada omissão do dever de vigilância) da ora Recorrida, que e expressamente regulada por "disposições ou princípios de direito administrativo" (art. 1º n.º5, parte final do novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Publicas);
14. As referidas disposições de direito administrativo a que faz referencia o art 1° n.º 5 do referido diploma legal são as disposições do contrato de Concessão (em sentido lato);
15. Disposições essas que constam do Contrato de Concessão celebrado entre a ora Recorrida e o Estado português mas também de normas legais de direito administrativo (as Bases do Contrato de Concessão - Decreto-Lei nº 242/2006, de 28 de Dezembro - e a respectiva minuta do contrato de Concessão - Resolução de Conselho de Ministros n.º 171/2006, de 14.12.2006, corrigida através da Declaração de Rectificação nº 4-A/2007,de 5 de Janeiro);
16. Este entendimento é perfilhado pela doutrina e jurisprudência nacionais (Acórdão da Relação de Guimarães de 02.07.2009, proferido no Proc. nº 2903/08.5TBVCT-A.G1O, e Acórdão do Tribunal de Conflitos de 09.12.2008, proferido no Proc. n.º013/08);
17. Acresce que, como bem salientou a douta sentença recorrida, a causa de pedir invocada pela autora/recorrente se baseia nas referidas disposições de direito administrativo, isto é, nas Bases do Contrato de Concessão (arts. (arts. 38° e segs. da douta pj.);
18. Como é sublinhado pela jurisprudência, a causa de pedir invocada pela autora/recorrente determina a incompetência do Tribunal a quo ("Como é jurisprudencialmente incontroverso, a competência do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca");
19. A jurisprudência citada pela recorrida nas suas doutas alegações não é aplicável à situação sub iudice pois os factos sobre os quais essa jurisprudência se pronunciou são anteriores à entrada em vigor da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro; e
20. Em suma, a douta sentença recorrida fez uma correcta interpretação do art. 212° n.º 3 da CRP, do art. 4° n.º 1, alínea i) do ETAF e do art. 1° n.º 5 do novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, constante da Lei n.º67/2007.

II.1 O âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões da recorrente (art.os 684.º, n.º 3 e 690.º, do CPC), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas.
Assim, e considerando as conclusões da apelante, a questão a decidir consiste em saber qual o tribunal competente para julgar a presente acção: se o tribunal administrativo, se os tribunais cíveis.

II.2.1 Com relevo para a decisão, os autos permitem considerar o seguinte circunstancialismo:

1. A A. intentou uma acção de condenação contra R., para o pagamento de uma indemnização, com fundamento na responsabilidade civil extra-contratual emergente da omissão dos deveres de vigilância, manutenção e conservação do IC17, por parte desta.
2. A R. requereu a procedência da excepção de incompetência absoluta do tribunal e a absolvição da instância
3. O tribunal judicial considerou ser materialmente incompetente, entendendo que a competência cabia ao tribunal administrativo.
4. Por conseguinte, absolveu, logo o R. da instância.

A questão essencial a decidir consiste em saber se os juízos cíveis de Lisboa são competente em razão da matéria para conhecer da presente acção.

II.2.2 Apreciando:

A A. alega que o seu pedido consiste na condenação da R., no pagamento de uma indemnização, com fundamento na responsabilidade civil extra-contratual emergente da omissão dos deveres de vigilância, manutenção e conservação do IC17, por parte da R.

Por sua vez a R., para sustentar a atribuição da jurisdição aos tribunais administrativos, convoca a norma do art.4°, n°1, do ETAF “…compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto al. i) responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas públicas. traz ainda à colação a Lei n.º67/2007, de 31 de Dezembro, artigo 1º n.º 5 que estabelece: “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.

No caso em apreço, entendeu o tribunal a quo não ser materialmente competente, para conhecer e julgar da acção, por ter considerado que a A., para sustentar a sua pretensão, invocou disposições legais que constituem disposições especiais reguladoras do conteúdo de um contrato administrativo de concessão, de onde deriva, de forma exclusiva, a posição da R., pois não existe qualquer outro vínculo (designadamente contratual) entre as partes que não a resultante de tal contrato administrativo e das correspondentes regras especiais estabelecidas no Decreto-Lei n.º 242/2006, de 28 de Dezembro, e na Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho.
Vejamos, pois.
Como tem sido repetido, a competência do tribunal determina-se com referência ao momento da propositura da acção, sendo irrelevantes as modificações de facto ou de direito que ocorram posteriormente, excepto se o órgão competente para conhecer da causa deixar de existir, ou caso lhe seja atribuída competência de que este inicialmente carecesse para o conhecimento da causa (art. 22.º da Lei 3/99 de 13 de Janeiro da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, actualmente em vigor com as alterações do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto).

Nos termos do artº 211º/1 da Constituição, "os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. Em consonância com esta disposição constitucional, também os arts. 66º C.Pr.Civil e 18º/1 da LOFTJ, determinam que são da competência dos tribunais judiciais as causas não legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional. Afirma-se, assim, que em razão da matéria, a competência dos tribunais judiciais é residual, uma vez que são da sua competência as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 814, em comentário ao art. 212.º, "a competência dos tribunais administrativos deixou de ser especial ou excepcional face aos tribunais judiciais, tradicionalmente considerados como tribunais ordinários ou comuns. A letra do preceito constitucional parece não deixar margem para excepções, no sentido de consentir que estes tribunais possam julgar outras questões, ou que certas questões de natureza administrativa possam ser atribuídas a outros tribunais. Nesta conformidade pode dizer-se que os tribunais administrativos passaram a ser verdadeiros tribunais comuns em matéria administrativa".

Nos termos do art. 1º/1 ETAF "os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça … nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais" (Lei 13/2002, de 19 Fevereiro).
Contrariamente ao regime anterior (ETAF aprovado pelo Dec-Lei 129/84, de 27 Abril), em que para determinação da competência da jurisdição administrativa era exigível que as questões a decidir respeitassem a actos de gestão pública, ou seja, a actos que, visando a satisfação de interesses colectivos, realizam fins específicos do Estado ou outro ente público e que muitas vezes assentam sobre o jus auctoritatis da entidade que os pratica", actualmente não releva para determinação dessa competência jurisdicional a destrinça entre actos de gestão pública e privada, bastando estar-se perante uma relação jurídico administrativa.
Com este entendimento, procurou-se evitar que os tribunais administrativos pudessem constituir um “foro especial” para as pessoas colectivas de direito público, recolocando-se a competência material no seu lugar próprio de pressuposto processual referente ao tribunal. A competência material passou, então a ser definida em função do conteúdo da relação material controvertida e não dos sujeitos dessas relações.
Resulta, assim, que, se no âmbito do antigo ETAF a pedra de toque para a atribuição de competência em razão da matéria aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais se encontrava nos conceitos de gestão pública e gestão privada, hoje, na intenção do legislador, é utilizado o conceito de relação jurídica administrativa, tido como conceito/quadro muito mais amplo.

Com a publicação da Lei n.º 24/2007 de 18/7, vieram definir-se os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, e a responsabilidade civil. Conforme se dispõe no art.º 12.º, deste diploma: “1. Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a: a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais (…) 3. São excluídos do número anterior os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra”.

Seja qual for o tipo de responsabilidade que no caso cumpra considerar, importa ter em atenção a evolução legislativa neste domínio. No Decreto-Lei nº 242/2006, de 28 de Dezembro, acentuava-se a natureza privada da concessionária perante terceiro, ao estabelecer-se que: "A Concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito”.

Assim, como refere o STA “…O Estado concedente afasta[va] de si, e da sua natureza pública, as relações da B… com terceiros, reconduzindo a concessionária à sua natureza de pessoa colectiva de direito privado…” Ac. STA, Rel.: Excelentíssimo Conselheiro Pires da Rosa, Proc. n.º 015/06, 26.04.2006.
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Todavia, veio, posteriormente, a determinar-se a aplicação da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, à responsabilidade civil das pessoas colectivas de direito privado, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.
Isto significa que sempre que entidades de direito privado desenvolvam uma actividade administrativa, no que se refere às acções de responsabilidade civil, há um nexo funcional com a Administração Pública. E parece-nos precisamente que é o caso: a R. é uma entidade que goza do exercício de prerrogativas de poder público (por via contrato de concessão), por ter sido incumbida da execução de tarefas públicas e, como tal, investida de poderes de autoridade.
O segundo requisito pressupõe que o exercício da actividade esteja vinculado ao direito administrativo, isto é, quando intervenham no exercício de tarefas que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo, como é o caso (artº 1/5 da Lei 67/2007).

Deste modo, salvo melhor opinião, afigura-se-nos que a competência material para julgar o pleito pertence ao Tribunal Administrativo [art.º 4 n.º 1 i) do ETAF e artº1 n.º5 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidade Públicas, aprovado pela lei n.º 67/2007].

III. Pelo exposto, e de harmonia com as disposições legais citadas, nega-se provimento ao recurso e mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 30 de Junho de 2011

Maria Amélia Ribeiro
Graça Amaral
Ana Resende