Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES | ||
Descritores: | AUDIÊNCIA PRÉVIA OBRIGATORIEDADE DA SUA MARCAÇÃO CONTRADITÓRIO NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/11/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. O conhecimento de uma excepção peremptória apenas obriga à marcação de audiência prévia, desde que não tenha sido cumprido o contraditório e não se tenha assegurado a equitatividade do processo. II. A determinação pelo Juiz do cumprimento do artº 3º nº 3 do CPC, tendo em vista a pronuncia pelo Autora quanto às exceções deduzidas pelo réu, tem o efeito quer cominatório, previsto no artº 574º nº 2, ex vide artº 587º nº 1 do CPC, quer preclusivo, esgotando-se a possibilidade de a parte responder em momento posterior. III. Logo, tratando-se de matéria de exceção a falta de resposta do autor após a determinação do cumprimento do contraditório pelo juiz, determina a admissão por acordo dos novos fatos que consubstanciam e enformam a exceção deduzida pelo réu. IV. A eventual nulidade por falta de audiência prévia só se verifica, desde que a parte ao invocar tal nulidade, alegue ainda que a omissão de tal ato tenha tido influência no exame ou decisão da causa. V. Não consubstancia qualquer nulidade a falta de audiência prévia seguida de decisão sobre uma excepção peremptória, quando o contraditório já havia sido cumprido por despacho proferido pelo juiz ao abrigo do dever se gestão processual e de adequação formal. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: C… intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Bank…, S.A. pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 3.817,34, a título de reparação de danos/perdas patrimoniais, correspondentes à perda de capital sofrida, decorrente da subscrição por indicação do Réu da aplicação financeira denominada de “Note PT 2016 6,25%”, acrescida de juros moratórios, calculados desde 26.07.2016 no montante de € 119,23 e até efetivo e integral pagamento, bem como a quantia de € 1.500,00 a título de danos não patrimoniais/morais, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento. Para tanto, em síntese e no essencial, alega a Autora que, em 20.04.2010, abriu junto do B…PLC uma conta bancária, na qual depositou as suas poupanças e, devido ao facto de ser viúva e analfabeta, exigiu que a conta bancária tivesse como segundo titular o seu filho, F…, e como terceira titular a sua filha, M…. Em 05.07.2012, pensando estar a subscrever um depósito à ordem junto do B…, alega que subscreveu obrigações PT Taxa Fixa 2012/2016, no valor de € 3.000,00, mediante um documento assinado pela sua filha, a seu rogo. Sucede que o reembolso do produto investido foi suspenso em virtude do pedido de recuperação judicial formulado pela sociedade Oi, S.A., que incluiu a sociedade Portugal Telecom International Finance BV, entidade emitente das referidas obrigações, tendo a Autora perdido o capital investido. Invoca que, em momento algum, lhe foi prestada qualquer informação sobre as características e os riscos associados a este instrumento financeiro, tendo sido induzida em erro pelo funcionário do B…, que violou os deveres de informação que impediam sobre esta entidade na qualidade de intermediário financeiro. Mais refere que o Réu deve ser responsabilizado pela violação dos deveres de informação, uma vez que adquiriu, em Abril de 2016, por operação societária de fusão (por incorporação), o B… e, neste medida, sucedeu a esta entidade em todos os seus direitos e obrigações. Por último, requer a Autora a intervenção principal da sua filha, M…, enquanto litisconsorte. O réu na contestação defendeu-se por exceção e impugnação motivada, invocando a exceção de ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário ativo natural, e a imediata improcedência do pedido por inexistência de causa de pedir contra si, uma vez que, nos termos da relação material controvertida tal como configurada pela Autora, a sua responsabilização por ato praticado pelo B… Bank assenta na existência de uma operação de fusão e respetiva sucessão universal, o que não aconteceu. Invoca ainda a intransmissibilidade da responsabilidade imputada, bem como a prescrição do crédito da Autora. Notificada para o efeito, veio a Autora pronunciar-se quanto às exceções deduzidas pelo Réu na contestação. O réu juntou aos autos requerimento no qual dá por não escrito os artºs 58º a 112º da contestação, retractando-se da confissão eventualmente contida nos mesmos. Decidida que foi a incompetência territorial e remetidos os autos ao tribunal competente, foi proferida decisão a declarar como não escritos os artigos da contestação nos termos pretendidos pelo réu, operando-se a retractação nos termos requeridos. Foi ainda dispensada a audiência prévia por se entender que o princípio do contraditório se encontrava assegurado nos autos, passou-se a proferir de imediato decisão que julgou verificada a ilegitimidade material do réu, absolvendo o mesmo do pedido. Não se conformando com a decisão interpôs a Autora recurso formulando as seguintes conclusões: « A) A 03.05.2018 foi proferida decisão que fixou o valor à causa – €5.436,57 - tendo sido dispensada a realização de audiência prévia: “uma vez que as excepções invocadas já foram suficientemente debatidas nos articulados, encontrando-se plenamentre satisfeito o princípio do contraditório e não se vislumbrando a necessidade de realização de audiência prévia, procede-se de acordo com o disposto nos artigos 593º., nº 1 e 2, alínea a) e 595.º, nº 1, alínea b do CPC [...]” por desnecessária ao exercício do contraditório e por não haver que determinar adequação formal ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 593.º, seguida de despacho saneador em que, por se considerar que a excepção da ilegitimidade material do Réu B… S. A., de pode ser, desde já, decidida por os autos conterem os elementos necessários para decisão que se toma ao abrigo e por imposição do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 595.º do Código de Processo Civil”, . B) Ora não tendo as partes sido convocadas com essa específica finalidade, existe uma nulidade processual, tendo a decisão recorrida violado o disposto no artigo 3º nº 3 e artigo 6 , ns 1 e 2 do C.P.C. e de modo geral, o princípio do contraditório, constituindo uma decisão surpresa que é atentatória do princípio do processo justo e equitativo, garantido no n.º 4 do citado art.º 20.º, da Constituição da República Portuguesa. C) A sentença ora recorrida conclui pela nomeação genérica de que o tribunal formou a sua convicção em virtude de confissão e posterior retractação, o que, aliás, nem sequer ocorreu nesses mesmos termos mas sim como uma manobra para não proceder à junção de um documento deveras importante para a resolução do caso concreto. D) Assim, vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na firme convicção que a mesma eferma de nulidade, ao abrigo do disposto no art.º 195.º, do CPC., atenta o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa bem como, de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências, elegerão, certamente, como mais acertada, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito, e à luz dos meios probatórios disponíveis. E) O objecto do presente recurso consubstancia-se na impugnação da decisão proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa nos seguintes termos: - o ter sido julgada procedente a invocada excepção de ilegitimidade do Réu Bank… S.A, e, em consequência, ser declarado absolvido do pedido formulado pela Autora, Sra. C…. - o não ter sido convocada audiência prévia nos termos dos artigos 6, nº 1 e artigo 3 nº 3 do Código de Processo Civil. F) Não se verifica a excepção da ilegitimidade material do Réu Bank… S.A, neste caso, na petição inicial da Autora, a mesma refere como a sua pequena conta bancária foi transferida para a alçada de um outro banco, uma vez que o Bank… comprou todas as agências do B… S.A. (e consequentemente o Réu Bank…, sucedeu ao B… em todos os direitos e obrigações deste nomeadamente para com a Autora). G) Desde logo, salvo o devido respeito, jamais a ora Recorrente poderá concordar com o entendimento do Tribunal recorrido. H) Desta forma, violou a Meritíssima Juiz a quo uma das formalidades da Audiência Prévia e prescrita na al. a) do n.º 1 do art.º 591.º do CPC. I) NESTES TERMOS, cumpre concluir que, atento o supra exposto, a decisão de não realização da Audiência Prévia, aqui em apreço é nula atenta a preterição de formalidades essenciais legalmente consignadas e a DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. J) No seguimento daquilo que já supra melhor se mencionou, os fins da Audiência Prévia, resumidamente, são os de, em contraditório, determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, proferir o despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova e programar os actos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respectivas datas. K) Acontece que, não obstante a existência de matéria controvertida, a Meritíssima Juiz a quo, entendeu que os autos já possuíam todos os elementos necessários à decisão sobre o mérito da causa e, como tal, proferiu o respectivo despacho saneador, proferindo decisão no âmbito dos presentes autos. L) Porém, ao arrepio da lei, designadamente, ao abrigo do disposto no art.º 591.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, o Tribunal recorrido decidiu sobre o mérito da causa nem facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito, para além de não ter cumprido com o prazo de trinta dias estipulado no nº 1 do artigo 591 do Código de Processo Civil. M) Ora, a audição das partes quanto à matéria de facto e de direito constitui uma formalidade legalmente imposta pelo artigo 591.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, cuja violação acarreta a nulidade da decisão o que, desde já se invoca, com todas as consequências legais daí decorrentes. N) Deste modo, violou a Meritíssima Juiz a quo um dos mais elementares princípios processuais, nomeadamente, o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º n.º 3 do CPC. O) Sucede que, nos presentes autos a Meritíssima Juiz a quo entendeu que as partes através dos respectivos articulados cumpriram suficientemente com o contraditório, pelo que não utilizou a Audiência Prévia e, procedeu à prolação do saneador - sentença, nos termos dos artigos 591.º n.º 1, al. d) e 595º n.º 1 al. b), ambos do CPC, não dando às partes, todavia oportunidade para se pronunciarem sobre questões de facto e de direito. P) Contudo, não pode entender-se que o princípio do contraditório das partes se possa concretizar, simplesmente, através dos articulados apresentados pelas mesmas, caso contrário, o legislador não exigia, como exige, que as partes tenham que estar presentes na respectiva audiência prévia. Q) Face ao exposto, não restam dúvidas de que a prolação da decisão final é proferida com preterição de uma formalidade essencial e, que se encontra prescrita na lei, ou seja, foi a mesma efectuada sem que as partes tivessem oportunidade de se pronunciar em relação às questões de facto e de direito. R) Em, face disso e, uma vez que a omissão de tal formalidade influi no exame ou na decisão da causa, tal decisão é nula, atenta a violação do art.º 3º n.º 3 e do artigo 591, n.º 1, alínea b) ambos do Código de Processo Civil. S) Assim sendo e, sempre com o devido respeito, a verdade é que, muito mal andou o Tribunal de que se recorre. T) Em suma, não se conforma, de modo algum, a ora apelante com a douta decisão em crise, por entender que a decisão judicial proferida é, nula, atenta a violação de formalidades legais, conforme supra melhor se explanou, com todas as consequências legais daí decorrentes. Termos em que concedendo-se provimento ao recurso, deve revogar-se a sentença recorrida, seguindo-se os ulteriores termos, com as legais consequências, fazendo-se a sã e habitual justiça”. O recorrido contra alegou pugnando pela improcedência do recurso, concluindo que se deve manter a decisão proferida em sede de despacho saneador. A Mma Juiz a quo pronunciou-se quanto à nulidade indeferindo a mesma, e o recurso foi admitido. Colhidos os vistos cumpre decidir. * Questões a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, as questões que importa apreciar são as seguintes: A. Saber se a dispensa da audiência prévia com o subsequente conhecimento do mérito no despacho saneador constitui uma nulidade e, caso esta não se verifique B. Saber se se verifica a ilegitimidade substantiva do réu face à forma como a Autora configurou a acção quanto aos factos articulados na petição inicial e posição assumida na resposta à contestação. * II. Fundamentação: Os elementos fácticos relevantes para a decisão são os seguintes: 1) A A. intentou a acção contra o réu e pede a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 3.817,34, a título de reparação de danos/perdas patrimoniais, correspondentes à perda de capital sofrida, decorrente da subscrição por indicação do Réu da aplicação financeira denominada de “Note PT 2016 6,25%”, acrescida de juros moratórios, calculados desde 26.07.2016 no montante de € 119,23 e até efetivo e integral pagamento, bem como a quantia de € 1.500,00 a título de danos não patrimoniais/morais, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento; 2) Na sua alegação refere que, em 20.04.2010, abriu junto do B… PLC uma conta bancária, na qual depositou as suas poupanças e, devido ao facto de ser viúva e analfabeta, exigiu que a conta bancária tivesse como segundo titular o seu filho, F…, e como terceira titular a sua filha, M…. Em 05.07.2012, pensando estar a subscrever um depósito à ordem junto do B…, alega que subscreveu obrigações PT Taxa Fixa 2012/2016, no valor de € 3.000,00, mediante um documento assinado pela sua filha, a seu rogo. Sucede que o reembolso do produto investido foi suspenso em virtude do pedido de recuperação judicial formulado pela sociedade Oi, S.A., que incluiu a sociedade Portugal Telecom International Finance BV, entidade emitente das referidas obrigações, tendo a Autora perdido o capital investido. Invoca que, em momento algum, lhe foi prestada qualquer informação sobre as características e os riscos associados a este instrumento financeiro, tendo sido induzida em erro pelo funcionário do B…, que violou os deveres de informação que impediam sobre esta entidade na qualidade de intermediário financeiro; 3) Em relação ao réu Bank… alega a autora: «6º A Ré BANK… é uma sucursal portuguesa de uma instituição financeira que adquiriu, em Abril de 2016, por operação societária de fusão, o B…, PLC, Sucursal em Portugal (doravante, brevitatis causa, B…). 7º Devido a essa operação de fusão societária (por incorporação), a Ré Bank…, sucedeu ao B… em todos os direitos e obrigações deste, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 112, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais (CSC).» e ainda:«(…) a R. Bank…, enquanto sucessor universal, por fusão societária, nos direitos e deveres do B… PLC, Sucursal em Portugal, deve ser condenado a pagar» ( artº 131º da PI ), bem como: « 147º Tal como acima referido, a Bank…, S.A. adquiriu, por fusão, o B…, PLC, Sucursal em Portugal. 148º Adquirindo, para o efeito, a posição jurídica global do mesmo, i.e., todos os direitos e obrigações. 149º Sendo, assim, responsável pela indemnização devida à Autora, tal como aqui configurada e peticionada.»; 4) O réu contestou a fls. 94 a 136, arguindo a incompetência do tribunal, a exceção de ilegitimidade ativa, por preterição de litisconsórcio necessário ativo natural, e a imediata improcedência do pedido por inexistência de causa de pedir contra si, uma vez que, nos termos da relação material controvertida tal como configurada pela Autora, a sua responsabilização por ato praticado pelo B… assenta na existência de uma operação de fusão e respetiva sucessão universal, o que não aconteceu. Invoca ainda a intransmissibilidade da responsabilidade imputada, bem como a prescrição do crédito da Autora, concluindo pela improcedência ou, caso assim não se entenda a procedência das exceções; 5) Findo os articulados e notificada a A. da contestação, a fls. 148 foi proferido despacho a notificar a autora nos termos do artº 3º nº 3 do CPC; 6) A autora respondeu a fls. 151 a 156; 7) O réu juntou requerimento a fls. 159 a 160, no qual além do mais refere:« (…)a imediata absolvição pode resultar da intransmissibilidade da responsabilidade imputada, ainda que esta fosse contratual (pois nem mesmo as obrigações contratuais vencidas passam para o cessionário).9. Ora, admitindo que o tribunal poderá julgar imediatamente o mérito da causa no saneador, e com o mesmo racional que a AUTORA foi convidada para se pronunciar por escrito, requer-se que – ao abrigo do princípio da adequação formal previsto no artigo 547.º do CPC – sejam notificadas as partes para, em 10 dias, se pronunciarem, querendo, sobre as referidas matérias, após o que: a) Seria proferido despacho saneador, caso o tribunal pudesse conhecer imediatamente do pedido por qualquer dos referidos argumentos; ou b) Designasse audiência prévia caso o processo houvesse que prosseguir»; 8) A fls. 169 foi proferido o seguinte despacho: “Aguardem os autos o decurso integral do prazo para o exercício do contraditório pela autora “; 9) Foi junta a certidão integral da matrícula do B… PLC – cf. Fls. 167 a 184; 10) O réu juntou aos autos requerimento a solicitar a retractação da confissão contida nos artºs 58º a 112º, pedindo ainda que se considerem não escritos, constando nomeadamente de tais artigos o seguinte:« 58.º Sempre se explique, porém, o que sucedeu – sendo que, no entanto, tal não constando da petição inicial, não pode fundamentar o pedido. 59.º O que sucedeu foi uma cessão da posição contratual, do B… para o BANK…, dos vários “contratos” em que o B… era parte, nomeadamente com a AUTORA. 60.º A actividade bancária exercida em Portugal pelo B… foi transferida para o BANK…, por contrato, e as posições contratuais do B… para com os seus clientes transmitiram-se para o ora RÉU por efeito de cessão de posição contratual.»; 11) De seguida foi proferido um despacho a fls. 196, nos seguintes termos: «Notifique as partes do teor de certidão de matrícula junta. Aguardem os autos o decurso do prazo de exercício de contraditório quanto ao requerimento que antecede»; 12) A Autora respondeu nos termos constantes de fls. 201 a 202, concluindo: «(…) os documentos que poderão esclarecer e ajudar na descoberta da verdade dos factos, a saber a cessão da posição contratual demonstrada claramente na petição inicial e nos documentos nela juntos, deverão ser juntos aos autos, a fim de clarificar e demonstrar a que título o Réu sucede ao B…. Devendo também ser admitida a inquirição das testemunhas, ainda que funcionários do Réu, dada a importância do seu testemunho na prossecução da verdade dos factos alegados pela Autora e desta forma na realização da justiça»; 13) Proferido que foi o despacho a declarar a incompetência do tribunal e a subsequente remessa para o tribunal competente, neste foi proferido despacho a declarar a retractação feita pelo réu relevante e operante – cf. Fls. 215 a 218; 14) Foi dispensada a audiência prévia nos seguintes termos: «Uma vez que as exceções invocadas já foram suficientemente debatidas nos articulados, encontrando-se plenamente satisfeito o princípio do contraditório e não se vislumbrando a necessidade de realização de audiência prévia, procede-se de acordo com o disposto nos artigos 593.º, n.º 1 e 2, alínea a) e 595.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (doravante “CPC”).»; 15) Foi proferida decisão de mérito que julgou verificada a ilegitimidade material do réu nos termos constantes de fls. 219 a 224. * III. O Direito: Face à delimitação das questões a apreciar em sede de recurso, importa, antes de mais, aferir se se verifica a nulidade da decisão, por omissão de uma formalidade que influi no exame ou decisão da causa, ou seja a dispensa da realização de audiência prévia e o conhecimento de mérito subsequente. A) A nulidade da decisão de conhecimento do mérito em sede de saneador sem prévia marcação de audiência prévia Nas alegações de recurso além de pugnar pela nulidade por falta de audiência prévia, refere a autora que «A não realização de audiência prévia, neste caso, quando muito só seria possível no âmbito da gestão processual, até porque a resposta às excepções, ao abrigo do novo CPC deveria ser feita na audiência prévia, cfr. Artigo 3º nº 4 do C.P.C.». Além disso entende a apelante que foi violada uma das formalidades da Audiência Prévia e prescrita na al. a) do n.º 1 do art.º 591.º do CPC., bem como a violação do princípio do contraditório, dado que decidiu sobre o mérito da causa sem facultar às partes a possibilidade de discussão da matéria de facto e de direito, para além de não ter cumprido com o prazo de trinta dias estipulado no nº 1 do artigo 591 do Código de Processo Civil. Mais refere que a audição das partes quanto à matéria de facto e de direito constitui uma formalidade legalmente imposta pelo artigo 591.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil, não tendo sido cumprido o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º n.º 3 do CPC. Mais dizendo que não pode entender-se que o princípio do contraditório das partes se possa concretizar, simplesmente, através dos articulados apresentados pelas mesmas, caso contrário, o legislador não exigia, como exige, que as partes tenham que estar presentes na respectiva audiência prévia. Vejamos se lhe assiste razão. A partir essencialmente de 2011, pelas vicissitudes decorrentes da situação económica do País, temos assistido a um enorme esforço de simplificação e de desformalização de muitos dos institutos jurídicos, com especial enfoque no âmbito do processo civil, traduzida na aprovação do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, entrado em vigor no dia 1 de setembro de 2013. Com efeito, uma das maiores exigências da sociedade portuguesa é, precisamente, a de ter um sistema de Justiça mais justo, mas também mais célere e mais eficaz, que afaste, pelo seu próprio desempenho, a imagem generalizada, e nem sempre equitativa, de que o funcionamento da Justiça é um obstáculo à vida das pessoas e das empresas. No âmbito da ação declarativa, uma dessas medidas tem que ver com a consagração do dever de gestão processual. Este dever, previsto no artigo 6.º, do CPC, contribui para a simplificação processual na medida em que, determinando que o juiz deve “dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere”, lhe dá poderes para “recusar o que for impertinente ou meramente dilatório” e para adotar “mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”. Trata-se, por isso, de um poder-dever ao qual o juiz deverá recorrer sempre que considere existir uma solução que simplifique e agilize o processo, garantindo a justa composição do litígio. Corolário dessa mesma simplificação é ainda, além do mais, a consagração da forma única do processo comum declarativo, que substituiu as formas ordinária, sumária – à qual pertenceria esta acção, face ao valor - e sumaríssima. Todavia, esta medida deve ser analisada, naturalmente, tendo em conta a já referida consagração do dever de gestão processual, que permite ao juiz “adaptar” a forma única às circunstâncias de cada processo em concreto. Como referem João Correia, Paulo Pimenta, Sérgio Castanheira: «(…) de realçar a evolução ( no código) de um poder de direcção para um dever de gestão. Por outro lado, ao falar-se em dever de gestão processual, e não em princípio de gestão processual, asseguram-se dois objectivos. Primeiro, fica clara a ideia de que o juiz está (mesmo) vinculado a bem dirigir o processo, sendo esta uma das vertentes que preenchem a sua actuação. Segundo, a ideia de que a gestão processual tem natureza instrumental face aos princípios estruturantes do processo.»( in «Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013», pág. 24.) Resulta, pois, do artigo 6º do CPC acima enunciado que o juiz não pode abster-se de dirigir o processo, devendo nele efectivar uma direcção efectiva do processo, com vista à justa composição do litígio. «O que o legislador pretende do juiz é uma permanente dinamização do processo. Já não basta que se interesse pela sorte da demanda quando lhe é aberta conclusão nos autos, promovendo então a diligência ‘regular’ seguinte na cadeia que constitui o processo tipificado. O empenho do juiz deve ser permanente (…)» («Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma», Paulo Ramos de Faria, Ana Luísa Loureiro, 2013, Vol I, pag. 49. ) E « (…) o renovado dever de impulso ( ou iniciativa) exige uma acrescida cooperação do Juiz. (…) Destina-se ela, apenas, a sinalizar caminhos para a descoberta da verdade, de acordo com a estratégia heurística servida pelo processo, mantendo desimpedidas as vias processuais, bem como a manter a parte informada sobre os desenvolvimentos processuais que possam influenciar a sua estratégia processual, no sentido de pôr fim ao processo o mais adequada e rapidamente possível.» ( ob. Cit pág. Pág. 50 ). Ora, entendemos que a dispensa da audiência prévia nestes casos é possível por via do mecanismo da adequação formal prevista no artº 547 e 6 do C.P.C. sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do artº 3º, nº 3, do NCPC (cfr. Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, vol. I p. 494). Em Anotação ao artº 547º do CPC referem ainda António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa: «o exercício do poder/dever de adequação formal permite quer a construção, em bloco, de uma tramitação alternativa, quer a adaptação de aspectos parcelares e pontuais na tramitação legal, aqui se incluindo a dispensa da prática de atos que se relevem concretamente desnecessários ou a sua substituição por outros tidos por mais adequados às especificidades da causa» ( in “Código de Processo Civil Anotado” Vol I pág. 598). Como refere Rui Pinto ( in “Notas ao CPC” pág. 329 a 331), o princípio da adequação formal comporta limites os quais se encontram enunciados no artº 630º nº 2, a saber, não contender com os princípios da igualdade das partes ( artº 4º) ou do contraditório (artº 3º), deve respeitar as regras processuais imperativas, tais como as que fixam prazos peremptórios ou as atinentes a pressupostos processuais. No caso concreto pretende a apelante que se declare a nulidade do despacho saneador sentença proferido, dado não ter sido precedido de audiência prévia, e ainda que o contraditório não pode ser considerado concretizado apenas pelos articulados das partes. A obrigatoriedade de realização da audiência prévia, por contraponto à possibilidade de dispensa prevista no artº 508-B nº1 b) do C.P.C. (na versão anterior à Lei 41/2013), tem sido defendida de forma unânime pela nossa jurisprudência ( entre outros Ac. R. Évora de 30/06/2016; Acs. R. Lisboa de 9/10/2014, de 5/5/2015 e de 19/10/17, bem como os Acs. R. Porto de 24/9/2015, de 12/11/2015 e de 24/09/2015) Também na doutrina, a obrigatoriedade de realização desta audiência prévia, é defendida por Ferreira de Almeida ( in Direito Processual Civil, vol. II, 2015, pág. 190), que refere o seguinte: «Uma vez executado o despacho pré-saneador (ou seja, uma vez concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº 3 do artº 590º - correcção das irregularidades formais dos articulados), ou, não tendo a ele havido lugar, logo que o processo lhe seja feito concluso, após a fase dos articulados, o juiz, observado o preceituado pelo artº 151º, nºs 1 e ss., designa dia para a audiência prévia indicando o seu objecto e finalidade de entre os constantes do nº 1 do artº 591º, a realizar num dos 30 dias subsequentes, salvo se ocorrer alguma das hipóteses previstas no artº 592º (em que a mesma não pode ex-lege realizar-se) ou no artº 593º (em que o juiz a entenda dispensável). Conforme a exposição de motivos da Reforma de 2013, «a audiência prévia é, por princípio, obrigatória. Porquanto só não se realizará: - nas acções não contestadas que tenham prosseguido em regime de revelia inoperante; - nas acções que devam findar no despacho saneador pela procedência de uma excepção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados» (sic). E obviamente que também se não realizará no caso de revelia absoluta (operante) do réu, hipótese em que haverá lugar ao julgamento abreviado previsto no artº 567º, por reporte ao artº 56º.» No mesmo sentido, João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira defendem que «por princípio, no processo comum de declaração, é obrigatória a realização de audiência prévia» (Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, Coimbra, 2013, p. 73). Sobre a questão do conhecimento de mérito no despacho saneador, referem que «(…) sempre que o juiz projecte conhecer no despacho saneador de uma excepção peremptória ou de algum pedido (independentemente do possível sentido da decisão), deverá convocar audiência prévia para os efeitos do artº 591º.1.b)», aditando que «está em jogo assegurar o exercício do contraditório, na acepção de direito a produzir alegações antes de uma decisão final (artº 3º.3)» (idem, p. 77) Por sua vez, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, págs.. 231, 232, refere, relativamente à necessidade de ser convocada a audiência prévia: “Antes de mais, impede que as partes venham a ser confrontadas com uma decisão que, provavelmente, não esperariam fosse já proferida, isto é, evita-se uma decisão-surpresa (art.º 3º 3). Depois, são acautelados os casos em que a anunciada intenção de conhecimento imediato do mérito da causa derive de alguma precipitação do juiz, tanto mais que não é frequente a possibilidade de, sem a produção de prova, ser proferida já uma decisão final. Desse modo, a discussão entre as partes tanto poderá confirmar como infirmar a existência de condições para o tal conhecimento imediato do mérito (…). Por outro lado, sabendo as partes que, no caso de o juiz pretender decidir o mérito da causa logo no despacho saneador, serão convocadas para uma discussão adequada, não terão de preocupar-se em utilizar os articulados para logo produzirem alegações completas sobre a vertente jurídica da questão. A solução consagrada permite, portanto, que os articulados mantenham a sua vocação essencial (exposição dos fundamentos da acção e da defesa), ao mesmo tempo que garante a discussão subsequente, se necessária, em diligência própria.” Todos os Autores referidos admitem, porém, que tal constitui a regra, mas sem que deixem de considerar que podem existir exceções, podendo a mesma ser dispensada. A questão que se coloca é saber se estando em causa o conhecimento do mérito de uma acção, existe ou não a obrigatoriedade de marcação de audiência prévia, sob pena de nulidade da decisão. Ao contrário do defendido entendemos que não, ou seja nem essa nulidade é automática, e a existir apenas nos casos em que não ficou assegurado o processo equitativo, nomeadamente por falta de cumprimento do contraditório. Senão vejamos. Como vimos no âmbito do actual CPC o juiz tem o dever de gestão processual no qual se insere, além do mais, o dever de adequação formal – artº 6º e 547º ambos do CPC. Dispõe o artº 547º do CPC que o Juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo. Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro referem a propósito dos conceitos indeterminados previstos no artº 547º do CPC o seguinte: - as especificidades da causa, estas « são as suas características (incomuns) que impedem ou condicionam a eficácia ou a eficiência de uma tramitação prevista na lei, normalmente dotada dessas características. O conteúdo dos atos é composto pela sua estrutura e objecto ( atos escritos em especial), bem como pelas suas formalidades e ritos (audiências e demais atos ). A forma diz, ainda, respeito à ordenação dos atos em si. O fim do ato é o efeito que por seu intermédio se pretende obter ( in “Primeiras Notas ao CPC”, pág. 455) Não há assim, que olvidar que tal preceito tem como escopo a eficiência processual, ou seja «deverá procurar a solução que, proporcionado o efeito pretendido (eficácia), permite um menor dispêndio de meios ou de tempo (eficiência), e só assim revelará o juiz uma visão critica das regras, assumindo efetiva gestão do processo (artº 6º ) » ( ob cit. pág. 456). Mais referem «o princípio da adequação formal já não está limitado pelo requisito negativo da ineficácia da norma legal, e considerando a preponderância que os institutos da gestão processual e da adequação formal assumem no mais importante diploma processual, aceita-se que já se encontra suficientemente densificado entre nós o princípio da eficiência processual, o qual traduz a ideia de realização da justiça material com menor custo (de tempo e de meios, humanos e físicos). É certo que os princípios da economia processual e da celeridade processual não se sobrepõe à realização de uma justiça material e um processo equitativo, e se essa justiça e esse processo não se alcança não existirá eficiência processual. A forma legal não deixa de ser uma garantia das partes, e constitucionalmente consagrada – artº 20º da CRP – logo, os termos do processo estão previamente fixados na lei, porém, sendo esta a regra e existindo a “proibição de convolações inesperadas” ( Cf. Lopes do Rego in “Comentários ao CPC“ Vol I pág. 25), o que o novo CPC veio consagrar é a possibilidade de poderem operar as adequações formais que melhor sirvam a instância concreta. Logo, no novo CPC a forma a seguir encontra-se previamente fixada na lei, porém, o desvio à forma legal por determinação judicial deixa de ser censurado com a nulidade do ato» (cf. Ob cit. pág. 461), sendo sim preconizado pelo principio da eficiência processual, sempre que se revele ser a forma mais adequada à satisfação dos fins da actividade desenvolvida e do processo. Em sentido impróprio, referem os mesmos autores que passa a existir uma supletividade da forma legal, mas esta não deixa de ser normativa, podendo ser afastada a forma legal em resultado do exercício de um poder funcional e não no exercício livre de um direito subjectivo ou de um poder puramente discricionário ( cf. Ob cit pág. 461) No caso dos autos, findo os articulados previsto no processo declarativo comum – petição inicial e contestação – foi proferido despacho do Juiz a dar cumprimento ao artº 3º nº 3 do CPC e, logo, a notificar a A. para se pronunciar sobre as excepções alegadas pelo réu. A A. respondeu nos termos constantes do articulado junto aos autos. Acresce que face à posição da Autora o réu veio em requerimento autónomo, além do mais, pedir a retratação da confissão contida em determinados artigos. E sobre este requerimento a Autora juntou requerimento resposta. Sob a epígrafe “necessidade de pedido e da contradição” estabeleceu-se no artº 3º do CPC que:« O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.3- O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.4- Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.» A possibilidade que foi facultada à A. insere-se no âmbito da gestão processual supra aludido, pois a existência de um articulado resposta às excepções deixou de existir qua tale, porém, existindo este por iniciativa do juiz, ao abrigo do princípio da adequação formal, as consequências são as previstas no artº 587º nº 1, ou seja na falta de impugnação dos novos factos, ocorre a confissão pela autora desses factos. Entender que ordenado o cumprimento do artº 3º nº 3 do CPC por iniciativa do juiz, não preclude o direito da parte vir responder às excepções em momento posterior, em nosso entender é esvaziar de conteúdo o dever que assiste ao juiz, pois, proferida nos autos tal decisão, impõe à parte a resposta ás excepções invocadas através desse articulado, e a falta de resposta determinará também neste caso o efeito cominatório do artº 574º nº 2 do CPC ex vide artº 587º do CPC. Aliás, não se compreende que tendo o juiz ordenado o cumprimento do contraditório pela autora, a tal não tenha qualquer efeito, sob pena da prática de um ato inútil. Logo, ao contrário do defendido pela apelante ficará assegurado o contraditório com os articulados, um dos quais válido e eficaz por iniciativa do juiz. Donde, não estamos perante um mero convite dirigido à parte, o processo passa efetivamente a integrar um 3º articulado, sendo-lhe aplicável o disposto no art. 587º, nº 1 (posição do autor quanto aos factos articulados pelo réu), e 574º.”, existindo sempre o ónus de impugnação das exceções neste terceiro articulado, porque imposto por lei ao abrigo do principio da gestão processual. Assim, proferido o despacho supra aludido o juiz, ao abrigo do dever de gestão processual, adequou formalmente os autos, pelo que o cumprimento do contraditório ficou assegurado, ficando a parte obrigada ao ónus de impugnação dos factos alegados pelo réu que se reportassem às excepções, sob pena de preclusão na sua invocação. Ou seja, competia à Autora responder no articulado “criado” por iniciativa do juiz e não em audiência prévia, dado o efeito preclusivo contido no artº 587º do CPC. Não obstante o referido, haverá nulidade por falta de audiência prévia, dado esta ser obrigatória? Entendemos que não. Senão vejamos. A nulidade dos atos está prevista no artº 195º do CPC, nos termos do qual «a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.». Defende a apelante que a nulidade ocorre por omissão de uma formalidade essencial – a audiência prévia. Conjugando ainda tal ausência com a falta de possibilidade de exercer o contraditório, pelo que tal influiu no exame da causa. Em anotação ao artº 195º nº 1 do CPC refere Paulo Pimenta: «a nulidade em concreto não estará declarada na lei, nas chamadas nulidade secundárias, inominadas ou atípicas, que poderão ter na base a prática de um ato que a lei não admite, a omissão de um ato que a lei prescreve ou a prática de um ato admitido ou prescrito mas sem observância das formalidades respectivas. Deve ter-se também como irregularidade susceptível de constituir nulidade processual a prática de um ato ou a sua omissão em violação da sequência processual fixada pelo juiz ao abrigo do disposto no artº 547º ( cf. “ Processo Civil Declarativo”, pág. 278 ) No caso concreto, o juiz determinou que nos autos existisse um articulado resposta da A. às excepções deduzidas pelo réu, e esta resposta seria a admitida nos autos, inexistindo nova possibilidade de resposta pela autora em sede de audiência prévia. Logo, estaria cumprido o contraditório por iniciativa do juiz. Por tudo o exposto, não lhe assiste razão, pois a possibilidade de exercer o contraditório já existiu, e neste a autora foi constituída na obrigação do ónus de impugnação, pelo que mesmo que se defenda que a omissão da realização da audiência prévia constitui uma formalidade essencial, ou seja estruturante do NCPC, sempre faltaria a alegação que tal nulidade influiu no exame ou decisão da causa. Além disso, entendemos que ao contrário do defendido pela apelante, a prolação de decisão final sem audiência prévia, no caso concreto, não constitui nulidade consubstanciada na omissão de um ato que a lei prescreva, pois entende-se que a marcação ou não de audiência prévia também se insere no dever de adequação formal do juiz e, logo, não diz respeito a norma imperativa ou constitui um elemento estruturante e essencial do processo comum. Com efeito, os que defendem a obrigatoriedade da audiência prévia referem que na sua génese está a exposição de motivos do actual CPC onde se prevê no segundo parágrafo »(…) a obrigatoriedade da realização de audiência preliminar (…)», porém, nem essa foi a terminologia utilizada no actual código ( mas sim audiência prévia), nem tal afirmação reflecte as normas que constam do CPC na sua versão definitiva, basta ter presente o artº 593º, que admite a sua dispensa. No entanto, não deixamos de considerar que a audiência prévia faz efectivamente parte da infraestrutura do processo comum, como processo preferencialmente a ser seguido, mas sempre que o juiz entenda que realiza melhor a gestão do processo, entendemos que além dos casos previstos no artº 593º, poderá determinar tal dispensa ao abrigo do disposto no artº 547º, e essa determinação ocorre face inclusive à forma única do processo. Como referem Paulo Ramos Faria e Maria Luísa Loureiro «A questão da realização da audiência prévia não deve ser abordada com as referencias e com a nomenclatura habituais (…), assente numa dicotomia maniqueísta entre obrigatório ou facultativo. A realização da audiência prévia não é obrigatória, mas também não é facultativa. É a regra. E, como sucede com qualquer regra carece de ser interpretada, de modo a só ser seguida quando a actividade prescrita sirva os fins perseguidos pelo legislador» ( ob cit - pág. 526-527). Aliás o próprio artº 593º nº 2 na sua alínea a) parece conter uma contradição, pois ao remeter para o artº 595º nº 1 quer na alínea a), quer na alínea b), parece admitir que a dispensa também poderá ocorrer quando o despacho saneador se destine a conhecer imediatamente do mérito da causa, ou até quando se destine a conhecer uma excepção, ainda que tal contradição deixe de existir quando confrontado o nº 2 do artº 593º, com o seu nº 1 que estabelece como pressuposto “nas acções que hajam de prosseguir”. No entanto, também neste caso existe uma excepção, pois nos casos de não realização de audiência prévia, no nº 1 alínea b) doa rtº 592º se prevê que tal ocorre quando o processo finde no despacho saneador com o conhecimento de exceção dilatória, desde que esta tenha sido debatida nos articulados. Da análise destes artigos e em anotação acabam os mesmos autores por afirmar « se o julgamento foi de improcedência, e a exceção já tiver sido debatida nos articulados, não se justifica a convocação de audiência prévia com o fim de a discutir ( artº 591 nº 1 alínea b). Vale isto dizer que a audiência deve poder ser dispensada neste caso, isto é, num caso em que algo mais do que os atos previstos nas alíneas d), e) e f) do artº 591 tem de ser abordado». E este argumento é ainda mais válido se considerarmos o previsto no artº 593º onde se estabelece a possibilidade de dispensa da audiência prévia, pois no seu nº 2 dispõe-se que a decisão possa ser proferida no saneador ao remeter para o artº 595º nº 1, onde na sua alínea b) se estabelece a possibilidade de conhecimento de mérito, desde que fim de debate contraditório já tenha sido exercido anteriormente. Com efeito, da interpretação do artº 593º nº 1 do CPC o que resulta é que nas acções que hajam de prosseguir o juiz não pode dispensar a realização da audiência prévia quando haja necessidade de realizar os atos previsto nas alíneas a) a c) e g) do artº 591º, já podendo dispensar a mesma quando estão em causa os atos previstos nas alíneas d), e) e f). Donde, quando se pretenda facultar às partes a discussão de facto e de direito, no caso em que o juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, pode haver dispensa da audiência prévia, pois no caso de conhecimento de excepções dilatórias que determinem que o processo finda está prevista a sua não realização – cf. Artº 592º alínea b). Quando se pretenda conhecer do mérito, a dispensa pode ocorrer face ao disposto no nº 2 alínea a) do artº 593º, ao remeter para o artº 595º nº 1, bem como a circunstancia de neste caso a acção não irá prosseguir, pelo que não cai na ”obrigatoriedade” da sua realização, pois só no caso de a acção prosseguir é que o juiz não pode dispensar e haja necessidade de realização de qualquer dos actos previstos nas alíneas a) a c) e g) do artº 591º do CPC. Na verdade, o artº 593º apenas contemplará a dispensa da audiência prévia quanto às «acções que hajam de prosseguir», o que não se aplicará às situações de «conhecimento da totalidade do mérito», na medida em que essas acções não prosseguem, terminando no despacho saneador; por outro lado, e não sendo à partida possível essa dispensa, esta ainda será concebível, mas apenas no quadro da aplicação do princípio da adequação formal, por via do artº 547º do NCPC, sendo que, nesse caso, será exigível que a questão já esteja suficientemente debatida nos articulados, e isto sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do artº 3º, nº 3, do NCPC. No entender da apelante o conhecimento da ilegitimidade substantiva do réu, dado que não precedida de audiência prévia determinou a nulidade, por não ter sido dada às partes a possibilidade de se pronunciarem. Mas manifestamente não lhe assiste razão, pois o conhecimento de tal excepção advém dos factos articulados, mas o ónus quer de alegação, quer de impugnação já existiu em sede de articulados, inclusive no 3º articulado que in casu foi enxertado por iniciativa do juiz, mas não deixa de ser vinculativo. Logo, nem a apelante alega nem pode resultar qualquer alegação “nova” no âmbito da “desejada” audiência prévia, tendo o juiz ao longo do processo assegurado o contraditório e o processo equitativo. Assim, julgo improcedente a alegada nulidade invocada pela apelante. B) Da ilegitimidade substantiva do réu: Nas suas alegações de recurso alega a apelante que «A causa de pedir relativamente ao Bank…, radica nas consequências jurídicas da aquisição por parte do Bank… da posição contratual que o B… detinha junto dos seus Clientes, nomeadamente a aqui Autora; A actividade bancária exercida em Portugal pelo Barclays foi transferida para o Bank…, por contrato, havendo cessão da posição contratual.» Em sede de petição inicial alega a autora: «6º A Ré BANK… é uma sucursal portuguesa de uma instituição financeira que adquiriu, em Abril de 2016, por operação societária de fusão, o B…, PLC, Sucursal em Portugal (doravante, brevitatis causa, B…). 7º Devido a essa operação de fusão societária (por incorporação), a Ré Bank…, sucedeu ao B… em todos os direitos e obrigações deste, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 112, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais (CSC).» e ainda:«(…) a R. Bank…, enquanto sucessor universal, por fusão societária, nos direitos e deveres do B… PLC, Sucursal em Portugal, deve ser condenado a pagar» ( artº 131º da PI ), bem como: « 147º Tal como acima referido, a Bank…, S.A. adquiriu, por fusão, o B…, PLC, Sucursal em Portugal. 148º Adquirindo, para o efeito, a posição jurídica global do mesmo, i.e., todos os direitos e obrigações. 149º Sendo, assim, responsável pela indemnização devida à Autora, tal como aqui configurada e peticionada.»; Foi junta a certidão integral da matrícula do B… Bank PLC – cf. Fls. 167 a 184. Importa desde já referir que a cessão da posição contratual do B… para o BANK…, dos vários “contratos” em que o B… era parte, nomeadamente com a autora, apenas resultava da alegação do réu. Tendo este ainda afirmado que a actividade bancária exercida em Portugal pelo B… foi transferida para o BANK…, por contrato, e as posições contratuais do B… para com os seus clientes transmitiram-se para o ora réu por efeito de cessão de posição contratual( cf. Artº 58º a 60º da contestação). Todavia, após a junção de requerimento do réu e resposta da autora, foi proferida decisão que entendeu que a retratação feita pelo Réu era relevante e operante, nos termos dos artigos 46.º e 465.º, n.º 2 do CPC, pelo que considerou como não escritos os factos alegados pelo réu nos artigos 58.º a 112.º da contestação. Tal decisão não foi objecto de recurso, nem está contida nas conclusões da apelante, pelo que transitou em julgado. Assim, apenas podem ser considerados os factos alegados pela autora no conhecimento da questão em apreço, ou seja, a responsabilidade do réu por atos praticados pelo B… dada a incorporação desta, por fusão. Com efeito, no processo civil português vigora o princípio do dispositivo, segundo o qual incumbe às partes a definição dos termos do litígio mediante a pertinente alegação dos factos essenciais à procedência ou à improcedência da ação, bem como a enunciação e determinação dos efeitos jurídicos concretamente pretendidos, à luz do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, 5.º, 552.º, n.º 1, alíneas d) e e), e 574.º, n.º 1, todos do CPC, sendo certo que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso deste (cfr. artigo 609.º do CPC). Dispõe o artigo 112.º, alínea a) do CSC que com a inscrição da fusão no registo comercial “extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade” (sublinhado nosso). Daqui decorre que a fusão é um ato sujeito a registo, como aliás resulta também do disposto nos artigos 100.º e 111.º do CSC e artigo 3.º, n.º 1, alíneas p) e r) e 67.º-A do Código do Registo Comercial, estando, portanto, a eficácia desta operação dependente desse registo. Por sua vez, em conformidade com o disposto no artigo 75.º, n.º 1 do Código do Registo Comercial, o registo de uma fusão apenas pode ser provado através de certidão do registo comercial. No presente caso, da certidão do registo comercial do B… PLC, junta aos autos a fls. 167 a 184, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, constata-se que não consta da mesma qualquer referência à alegada operação de fusão entre o Réu e o B…, não se encontrando a mesma registada e, como tal, também não está provada. Tal como se refere na decisão apelada: «Por conseguinte, não se provando, desta forma, a alegada operação de fusão entre o Réu e o B…, tal significa que cai o fundamento de imputação ao Réu de eventuais atos praticados pelo B… na sua relação com a Autora, nos termos alegados pela Autora na petição inicial, sendo que, não foi por esta invocada – conforme ónus que recai sobre a Autora (artigo 342.º, n.º 1 do CC) – qualquer outra causa que sustente a extensão da eventual responsabilidade do B… ao Réu, independentemente da discussão sobre a natureza da responsabilidade civil do intermediário financeiro como contratual ou extracontratual. A verdade é que incumbe à Autora alegar e provar os factos essenciais à procedência da sua pretensão, tendo a Autora se limitado a alegar a existência de uma operação de fusão para sustentar a assunção de responsabilidade pelo Réu de uma conduta ilícita e culposa que alegadamente foi perpetrada pelo B…. Note-se que também não pode a Autora aproveitar-se do alegado pelo Réu quanto à cessão da posição contratual, uma vez que o Réu validamente se retratou quanto a tais factos, os quais não haviam sido nem alegados nem aceites pela Autora, sendo que a admitir-se esse aproveitamento pela Autora, isso configuraria também uma alteração ilegal da causa de pedir, por não estarem verificados os pressupostos do artigo 265.º, n.º 1 do CPC. Nesta medida, ao não resultar provada tal operação de fusão, pelos motivos anteriormente explicados, tal tem consequências na apreciação da legitimidade substantiva do ora Réu, conforme excecionado pelo Réu na defesa apresentada sob o título “da imediata improcedência do pedido por inexistência de causa de pedir contra o Bank…”, relativamente à qual foi dada à Autora a oportunidade de exercer o contraditório. Com efeito, pese embora, do ponto de vista processual, atendendo à relação material controvertida tal como configurada pela Autora, não se verificar uma situação de ilegitimidade processual do Réu, resulta do exposto que não há fundamento para imputar a responsabilidade ao Réu, o que traduz um caso de ilegitimidade material deste.». Não pode a apelante pretende que seja considerada a cessão da posição contratual ora alegada em sede de recurso, pois competia à autora alegar os factos em sede de petição inicial nos termos sobreditos. Face ao exposto não nos merece qualquer reparo a decisão ora recorrida, mantendo-se a mesma na íntegra e improcedendo o recurso. * IV. Decisão: Por todo o exposto, acorda-se em indeferir a nulidade invocada pela apelante bem como julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela apelante. Registe e notifique. Lisboa, 11 de Outubro de 2018 Gabriela Fátima Marques Adeodato Brotas Gilberto Jorge |